Sumário:
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A junção de documentos em sede de alegações deverá ser admitida, sempre que tal junção resulte de algum modo da alegação, pela AT, de factos ou circunstâncias que não tenham sido ponderados, porque desconhecidos pela Requerente, aquando da apresentação do pedido de pronúncia arbitral.
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Sendo as circunstâncias de facto subjacentes às liquidações em causa essencialmente as mesmas e dependendo a solução jurídica a adotar relativamente ao IVA da solução jurídica que se encontrar relativamente ao IRC, não se afigura possível separar as liquidações de IVA e de IRC em causa, assim se admitindo a cumulação de pedidos à luz do disposto no Artigo 3.º, n.º 1, do RJAT.
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Não é de admitir a dedutibilidade de ajudas de custo referentes a deslocações, sempre que do respetivo mapa não constem o “objetivo da deslocação” e o “tempo de permanência” e não tenha o contribuinte apresentado documentação adicional para efeitos de prova, em conformidade com o Artigo 23.º-A, n.º 1, alínea h), do Código do IRC.
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É de admitir a dedutibilidade de ajudas de custo referentes a deslocação em viatura própria do trabalhador, sempre que seja apresentada declaração do trabalhador atestando a realização da deslocação.
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Não são dedutíveis à matéria coletável ajudas de custo por deslocações de trabalhadores a entidades terceiras do mesmo grupo empresarial, salvo se o respetivo valor tiver sido objeto de faturação intra-grupo.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Jose Falcão Poças (Árbitro-Presidente), Pedro Saraiva Nércio (Relator) e Armando Oliveira, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 4 de Maio de 2022, acordam no seguinte:
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Relatório
A... S.A., contribuinte n.º..., com sede no ..., ..., ...-... ... (adiante abreviadamente designada por “Requerente”), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2021 ... e do respetivo ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referentes ao exercício de 2017, do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2021... e do respetivo ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2021... e n.º 2021..., referentes ao exercício de 2018, e dos atos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.ºs 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021... e dos respetivos atos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021..., 2021... e 2021..., referentes ao período de tributação de 2018.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante abreviadamente designada por “AT” ou por “entidade Requerida”), enquanto entidade emitente dos atos de liquidação em apreço.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 22 de Fevereiro de 2022.
Em 13 de Abril de 2022, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes alguma coisa viessem dizer, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 4 de Maio de 2022.
A AT apresentou Resposta em 14 de Junho de 2022, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Em 21 de Junho de 2022, a AT procedeu à junção do processo administrativo.
Por Despacho datado de 6 de Julho de 2022, em aplicação dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), e não havendo outros elementos sobre que as partes se devessem pronunciar, o Tribunal Arbitral procedeu à dispensa da reunião, a que se refere o artigo 18.º desse Regime, bem como determinou a notificação das partes para efeitos de apresentação de alegações, através das quais caberia à Requerente responder à exceção invocada pela AT relativamente à inadmissibilidade legal da cumulação dos atos de liquidação de IRC e de IVA.
Nesse mesmo Despacho determinou-se a notificação do Requerente para efeitos de pagamento da taxa arbitral subsequente.
Em 12 de Julho de 2022, a Requerente procedeu à apresentação das suas alegações.
Tendo em consideração que a Requerente procedeu à junção de documentos adicionais com as suas alegações, a AT apresentou requerimento, em 12 de Julho de 2022, no qual invocou a ilegalidade de tal junção e requereu o desentranhamento dos respetivos documentos.
Em 15 de Julho de 2022, a AT apresentou as suas alegações.
Por Despacho datado de 25 Julho de 2022, o Tribunal considerou que, pese embora as limitações legais de junção de prova após a apresentação da petição inicial (cfr. artigo 423º, do CPC e artigos 100º-2/d) e 29º-1/e), do RJAT), a junção de documentos com as alegações escritas da Requerente revelou-se de algum modo resultante da alegação, pela AT, de factos ou circunstâncias que não haviam sido ponderadas aquando da apresentação do pedido de pronúncia arbitral. Pelo que, em consequência, admitiu-se a junção dos documentos por parte da Requerente, concedendo-se à Requerida o prazo de 10 dias para exercer, querendo, o respetivo contraditório.
Em 21 de Julho, e em resposta ao sobredito Despacho, a AT exerceu o seu contraditório relativamente aos documentos apresentados pela Requerente nas suas alegações.
Em 12 de Outubro, a Requerente procedeu à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.
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Saneamento
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos Artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, 5.º, n.º 2, 6.º, 10.º e 11.º do RJAT e Artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, nos termos legais aplicáveis.
O processo não enferma de qualquer nulidade.
Foi invocado pela AT, na sua Resposta, exceção dilatória de cumulação ilegal de pedidos, em virtude de a Requerente pretender, no mesmo pedido por si formulado, a anulação de atos de liquidação de IRC e de IVA.
Impõe-se, assim, nesta fase de saneamento, a apreciação da supra referida exceção.
Exceção de Cumulação Ilegal de Pedidos
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Dos argumentos da AT
Invocou, pois, a AT na sua resposta que a Requerente procedeu a uma cumulação ilegal de pedidos, em violação do Artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, uma vez que “a Requerente deduziu, na mesma ação arbitral, pedidos de anulação de liquidações de dois tributos diferentes, IVA e IRC, relativamente aos quais o Tribunal terá de atender a diferente factualidade e normas legais, por forma a decidir sobre a procedência ou improcedência dos pedidos formulados de acordo com a causas de pedir que os sustentam, Sendo que tal conclusão não se altera mesmo considerando que os atos de liquidação verificam os pressupostos cumulativos previstos no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT - a apreciação das mesmas circunstâncias de facto e a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.”.
Nessa medida, considera a AT que a cumulação ilegal de pedidos configura exceção dilatória determinante da absolvição da instância, nos termos do disposto nos Artigos 576.º, n.º 2 do CPC e do artigo 89.º n.º 2 e n.º 4, alínea j), do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea c) e e) do RJAT), pelo que requer a absolvição da instância “quanto à totalidade do pedido, ou subsidiariamente, quanto à parte do pedido que não prosseguir para apreciação do Tribunal”.
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Dos argumentos da Requerente
Nas suas alegações, veio a Requerente exercer o seu contraditório relativamente à referida exceção, começando por referir a existência de dois pressupostos legais, previstos no referido Artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, para efeitos de admissibilidade da referida cumulação, designadamente, (i) a identidade de facto e (ii) a identidade de princípios e regras de direito.
No que diz respeito à identidade de facto, refere a Requerente que as correções efetuadas em sede de IVA “estão intrinsecamente ligadas às correcções efectuadas no âmbito do IRC e, portanto, têm subjacente a mesma matéria de facto às aplicadas naquela sede”.
Mais invoca a Requerente que a própria AT reconhece no seu Relatório de inspeção a interligação entre as correções em sede de IVA e de IRC.
Relativamente à identidade de princípios e regras de direito, alega a Requerente, carreando para o efeito doutrina e jurisprudência a esta questão pertinentes, que deve ser admitida a cumulação de pedidos referentes a diferentes impostos, sempre que esteja em causa a apreciação das mesmas circunstâncias de facto e que a solução a adotar relativamente a um imposto resulte da solução adotada relativamente a um outro imposto.
Nessa medida, conclui que “a procedência dos pedidos relativos aos diferentes actos de liquidação de IRC e de IVA que são objecto do pedido arbitral dependem essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
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Decisão
Importa, pois, observar a conformidade do pedido arbitral aqui em apreço com o disposto no Artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, que regula a cumulação de pedidos no âmbito dos processos arbitrais tributários.
Estabelece o referido preceito legal que “A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
Prevê, assim, a citada disposição dois pressupostos para efeitos de admissibilidade da cumulação de pedidos, a saber (i) a identidade das circunstâncias de facto e (ii) a identidade de princípios e regras de direito.
No caso em apreço, constata este Tribunal que a questão de facto a ser apreciada para efeitos de IRC, relativamente aos gastos com os serviços prestados pela B... nos períodos de 2017 e de 2018, corresponde à mesma que subjaz para efeitos de IVA, pelo que se encontra verificada a identidade de facto prevista na atrás referida disposição legal.
No que diz respeito à identidade de princípios e regras de direito, pese embora as normas de sujeição para efeitos de IRC sejam distintas daquelas aplicáveis em relação ao IVA, tem entendido a nossa melhor doutrina e a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores que a mesma se deverá considerar verificada, sempre que a solução jurídica relativamente a um imposto dependa da solução jurídica que se achar relativamente a outro imposto.
Neste sentido, ensina Fernando Lança Martins que “Na medida em que, para aferir da legalidade de ambos os atos tributários seja necessário considerar uma única realidade material transversal aos diversos factos tributários em questão, ou a uma única atuação procedimental da Administração Tributária da qual resultam os vários atos tributários em litígio, a matéria de facto a apreciar para aferir a ilegalidade desses actos poderá ser essencialmente a mesma. Assim, as diligências probatórias necessárias para aferir a legalidade de um dos actos poderão ser aproveitadas para aferir a legalidade de outro acto objecto do processo, assim potenciando a uniformidade das decisões relativamente à mesma questão de facto em benefício da segurança jurídica que deve nortear a resolução de litígios no âmbito do processo de arbitragem tributária” (cfr. Autor citado in “Arbitragem Tributária”, n.º 1, 2014, pp. 28).
No mesmo sentido, seguiu a decisão proferida no Processo Arbitral 191/2018-T e que se passa a citar: “Os factos serão essencialmente os mesmos quando forem comuns as pretensões do autor (...) de forma a que se possa concluir que, se se provarem os alegados relativamente a um ato, existirá suporte fáctico total ou parcialmente necessário para a procedência das pretensões de todos os pedidos” (Jorge Lopes de Sousa em “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, in: Guia da Arbitragem Tributária, 2013, p. 147).”.
No caso em apreço, sendo as circunstâncias de facto subjacentes às liquidações em causa essencialmente as mesmas e dependendo a solução jurídica a adotar relativamente ao IVA da solução jurídica que se encontrar relativamente ao IRC, considera este Tribunal não ser possível separar as liquidações de IVA e de IRC em causa.
Acresce que é a própria a AT quem reconhece, no seu Relatório de Inspeção, tal identidade e dependência, quando refere a propósito do IVA que “De acordo com o que foi referido na análise em sede de IRC (…) tais gastos foram desconsiderados como fiscalmente dedutíveis”.
Em face do exposto, considera este Tribunal que a cumulação dos pedidos de anulação dos atos de liquidação de IRC e de IVA é legítima à luz do disposto no Artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, negando-se, consequentemente, provimento à exceção invocada pela AT.
Julgada a referida exceção improcedente e tudo o demais visto, cumpre apreciar e decidir as questões materiais controvertidas no pedido arbitral.
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Questões Controvertidas
São, pois, convertidas as correções em sede de IRC e de IVA efetuadas pela AT, constantes de relatório de inspeção tributária e refletidas nos atos de liquidação de IRC, de IVA e de Juros Compensatórios aqui em apreço.
Estão em causa, designadamente, as seguintes correções:
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Ajudas de custo com deslocações entre estabelecimentos comerciais da Requerente – está em causa a alegada inadmissibilidade da prova apresentada pela Requerente (mapa de ajudas de custo) para efeitos de dedutibilidade das despesas em causa, por não preencher os requisitos previstos no Artigo 23.º-A, n.º 1, alínea h), do Código do IRC – valor da correção à matéria coletável em sede de IRC: € 6.375,40 para 2017 e € 15.411,40 para 2018;
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Ajudas de custo com deslocações a estabelecimentos comerciais pertencentes a outras sociedades do Grupo C... – está em causa a alegada não dedutibilidade dos custos que foram suportados pela Requerente para disponibilização de colaboradores a entidades terceiras (pertencentes ao mesmo grupo empresarial) – valor da correção à matéria coletável em sede de IRC: € 24.849 para 2017 e € 41.314,60 para 2018;
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Abonos atribuídos para compensação por deslocação em viatura própria entre estabelecimentos comerciais da Requerente – está em causa a alegada inadmissibilidade da prova apresentada pela Requerente (mapa de ajudas de custo e declaração da própria funcionária) para efeitos de dedutibilidade de abono atribuído a funcionária, pelo alegado não preenchimento dos requisitos de prova previstos no Artigo 23.º-A, n.º 1, alínea h), do Código do IRC - valor da correção à matéria coletável em sede de IRC: € 3.032,20 para 2017 e € 500,40 para 2018;
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Abonos atribuídos para compensação por deslocação em viatura própria para estabelecimentos comerciais pertencentes a outras sociedades do Grupo C... - está em causa a não dedutibilidade dos custos que foram suportados pela Requerente em virtude de os mesmos terem sido pagos a colaboradores de entidades terceiras - valor da correção à matéria coletável em sede de IRC: € 3.850,20 para 2017 e € 5.416,92 para 2018;
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Custos com fornecimentos e serviços externos pagos à B...– está em causa a não dedutibilidade de pagamentos efetuados à entidade B... referentes a prestação de serviços de gestão e administração - valor da correção à matéria coletável em sede de IRC: € 55.657,23 para 2017 e € 119.301,07 para 2018 / valor da correção em sede de IVA: € 36.070,98.
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Posição das Partes
Ajudas de custo com deslocações entre estabelecimentos comerciais da Requerente
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Da Posição do Requerente
Invoca a Requerente que “é possível identificar como interesses constitucionais justificativos da previsão do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea h), do Código do IRC a necessidade de obstar à dedução de despesas aparentes ou simuladas e de obstar à confluência entre a esfera privada dos sócios e a esfera jurídico-empresarial, combatendo desse modo a fraude e a evasão Fiscais”, concluindo que, “no presente caso não existem quaisquer dúvidas de que os gastos foram efectivamente incorridos pela Requerente e de que os mesmos tiveram em vista a prossecução dos seus fins empresariais”.
Assim, no entendimento da Requerente, estando demonstrada a realização das despesas com deslocações, o facto de nos mapas de ajudas de custo não constar o “objetivo da deslocação” e o “tempo de permanência” não obsta à dedutibilidade dos respetivos custos, uma vez que tais factos se presumem verificados.
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Da Posição da Entidade Requerida
Entende a AT que “A Requerente não prova os requisitos essenciais para a dedutibilidade fiscal dos correspondentes gastos com a compensação das suas deslocações, nos termos da alínea h) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC”, sendo que “a Requerente não podia ignorar que a dedutibilidade fiscal dos gastos com ajudas de custo pagas aos seus funcionários depende da prova” de tais requisitos.
Ajudas de custo com deslocações a estabelecimentos comerciais pertencentes a outras sociedades do Grupo C...
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Da Posição do Requerente
Alega a Requerente que “todos os gastos com ajudas de custo foram efectivamente incorridos pela Requerente (…) estão devidamente documentados” e “foram regularmente contabilizados e declarados”, sendo que “a AT nunca afastou a presunção de veracidade e de boa-fé das declarações da Requerente”.
Mais alega que “as ajudas de custo objecto de correcção pela AT gozam de uma presunção de empresarialidade e, nessa medida, de dedutibilidade, nos termos conjugados do n.º 1 e da alínea d), do n.º 2, do artigo 23.º, do Código do IRC”, sendo que “em momento algum a AT ilidiu estas presunções legais que se encontravam estabelecidas a favor da Requerente”.
Conclui a Requerente, alegando que “não só a AT não cumpriu com o ónus da prova que sobre si recaía, como é manifestamente insuficiente a fundamentação na qual sustentou as correcções à matéria tributável da Requerente”.
De acordo com a Requerente, foi explicado “devidamente à AT o interesse empresarial daqueles gastos na sua esfera jurídica com base no correlativo benefício que deles advém através do movimento contrário da cedência de funcionários por parte de outras sociedades do grupo C... à Requerente, que possibilitam assegurar rendimentos na sua esfera jurídica que de outra forma poderiam não existir”.
Sem prejuízo do exposto, a Requerente reformulou “no seguimento do procedimento inspectivo (…) o procedimento associado às prestações de serviços dos funcionários entre estabelecimentos comerciais de diferentes sociedades “operativas”, tendo redebitado os gastos incorridos com as ajudas de custos pagas aos seus funcionários.”.
Consequentemente, no ano de 2021, a Requerente “facturou os custos associados aos serviços que prestou [em 2017 e 2018], imputando o proporcional da remuneração devida a cada colaborador pelo serviço prestado a favor de outras entidades do Grupo C... e, bem assim, a sua própria remuneração pelo serviço prestado, aplicando uma taxa de 10% sobre a remuneração diária de cada colaborador cedido”.
Invoca, a este respeito, a Requerente que “os serviços foram prestados nos exercícios de 2017 e 2018, é a estes períodos que têm de ser reportados os rendimentos e os gastos a eles associados, independentemente de o seu pagamento só ter ocorrido em 2021”.
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Da Posição da Entidade Requerida
De acordo com o entendimento da AT, a Requerente não podia ter deduzido as ajudas de custo suportadas com deslocações das suas funcionárias a estabelecimentos de outras sociedades, a menos que faturasse tais valores a essas mesmas sociedades. Conforme refere a AT, “A presente correção não reside na falta de disponibilidade, por parte da AT, para entender a relação de cooperação existente entre as sociedades do grupo (§105.º das alegações), mas, isso sim, no desrespeito pelo disposto no n.º 1 do art.º 23.º do CIRC”.
Quanto ao facto de a Requerente ter procedido ao registo de faturas emitidas em 2021 para efeitos de reconhecimento contabilístico das referidas ajudas de custo pagas em 2017 e 2018, correspondentes à relação de cooperação com outras sociedades do grupo C..., alega a AT que tal “solução propugnada pela Requerente não pode ter qualquer efeito fiscal, por violação do disposto no n.º 2 do art.º 18.º do CIRC”.
Abonos atribuídos para compensação por deslocação em viatura própria entre estabelecimentos comerciais da Requerente
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Da Posição da Requerente
De acordo com a Requerente, “por lapso, nos mapas de suporte documental disponibilizados pela Requerente no âmbito do procedimento inspectivo não foram identificados alguns daqueles elementos” (previstos no Artigo 23.º-A, n.º 1, alínea h), do Código do IRS), sendo que “toda essa informação foi prontamente rectificada pela Requerente em sede de reclamação graciosa, pelo que a AT dispunha de todos os elementos necessários para comprovar o preenchimento dos requisitos de que dependia a dedutibilidade daqueles gastos”.
Refere a Requerente que “entregou uma declaração assinada pela funcionária D... (NIF...), na qual esta comprova que, para todos os efeitos legais, designadamente para efeitos da atribuição dos referidos abonos, se deslocava em viatura não pertencente à Requerente, isto é, em viatura própria”, mas que “na decisão final de indeferimento da reclamação graciosa a AT não chegou sequer a pronunciar-se sobre o teor desta declaração”, assim invocando, também, falta de fundamentação.
Conclui a Requerente, afirmando que “as correcções quanto a este conjunto de gastos com abonos atribuídos para compensação por deslocação em viatura própria e que foram materializadas nos actos de liquidação ora impugnados padecem de vício de violação de lei, porquanto assentam em razões de índole meramente formal que a Requerente afastou cabalmente ao demonstrar e provar todos os requisitos constantes da alínea h), do n.º 1, do artigo 23.º-A, do Código do IRC”.
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Da Posição da Entidade Requerida
Invoca a AT que a Requerente “não procedeu à identificação da respetiva viatura” conforme lhe cabia por imposição do Artigo 23.º-A, n.º 1, alínea h), do Código do IRS.
Quanto à declaração emitida pela funcionária e apresentada pela Requerente, alega a AT que a mesma “não cumpre o estipulado na alínea h) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC, porquanto a funcionária declara apenas que as deslocações eram efetuadas em viatura própria, sem identificação da mesma.”.
Abonos atribuídos para compensação por deslocação em viatura própria para estabelecimentos comerciais pertencentes a outras sociedades do Grupo C...
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Da Posição da Requerente
A este respeito, a Requerente “dá aqui por integralmente reproduzida toda a argumentação realizada a respeito das correcções relativas às ajudas de custo com deslocações a estabelecimentos comerciais pertencentes a outras sociedades do Grupo C...”, mais alegando que “as refacturações efectuadas não visaram a obtenção de quaisquer benefícios ou vantagens fiscais indevidas, impondo-se a admissibilidade das correcções efectuadas pela Requerente no seguimento do procedimento inspectivo de que foi alvo, isto é, impondo-se a imputabilidade aos períodos de tributação de 2017 e 2018 dos gastos e rendimentos efectivamente incorridos e auferidos, sob pena de violação grosseira do princípio constitucional da justiça material previsto no n.º 2, do artigo 266.º, da CRP e no artigo 55.º da LGT e do princípio constitucional da tributação das empresas pelo seu lucro real previstos no artigo 104.º, n.º 2, da CRP”.
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Da Posição da Entidade Requerida
Relativamente a este ponto, a AT remete para “a mesma fundamentação que sustentou a correção efetuada aos gastos com pagamento de ajudas de custo às funcionárias, ou seja, nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC”, referindo, ainda, que “não obstante a Requerente referir que procedeu aos redébitos destes gastos, na sequência do procedimento inspetivo (…), a Resposta demostra que não existe correspondência direta entre os valores que a Requerente diz ter redebitado referentes às deslocações (…) e o valor apurado pela Inspeção Tributária”.
Custos com fornecimentos e serviços externos pagos à B...
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Da Posição da Requerente
Começa a Requerente por alegar que “todos os gastos aqui em causa foram efectivamente incorridos pela Requerente, estão devidamente documentados e foram regularmente contabilizados e declarados”, sendo que “a AT nunca colocou em causa” tais factos.
Mais invoca que “tendo em conta o disposto no artigo 75.º, n.º 1, da LGT e tendo em conta que todos aqueles gastos são elencados nas alíneas a), b) e d), do n.º 2, do artigo 23.º, do Código do IRC, verifica-se que aos mesmos era aplicável a presunção de empresarialidade e dedutibilidade já anteriormente enunciada (…) Presunções essas que a AT não logrou afastar”.
Mais refere que “não só a AT ignora que é sobre ela que recai o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos que invoca, como ainda pretende inverter esse ónus, impondo à Requerente a demonstração de empresarialidade dos gastos para efeitos do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC”.
Por seu turno, alega a Requerente que “ao referir que “não se entende nem ficou demonstrado” a AT mais não do que reconhece que tem dúvidas quanto à existência e quantificação dos factos tributários aqui em causa (…) O que sempre impunha a não emissão de qualquer acto de liquidação adicional”, à luz do disposto no Artigo 100.º, .º 1, do CPPT.
Mais invoca a Requerente que “a AT não cumpriu com o dever de fundamentação a que estava obrigada nos termos dos artigos 268.º, n.º 3, da CRP e 77.º, da LGT”.
De acordo com a Requerente “em 2017 e com base na discordância quanto à estratégia de expansão do Grupo C..., os 4 accionistas do grupo (que detinham as empresas operativas através da entidade holding do Grupo C...) entraram em litígio, o qual se desenvolveu nas vias judiciais. Este conflito – o qual opunha os sócios E... e F... aos sócios G... e H...– conduziu a um bloqueio legal nas sociedades operativas do Grupo C... . Por forma a ultrapassar o referido bloqueio e a permanecer no activo e a desenvolver a sua actividade operacional, os sócios E... e F... optaram por transferir as actividades de gestão para uma sociedade que era detida apenas por estes dois sócios (e que, portanto, não estava incluída no perímetro das entidades que sofreram o bloqueio legal”.
Consequentemente, alega a Requerente que “foram transferidas para a B... todas as actividades de gestão relacionadas com fornecedores, aquisição de produtos, logística, manutenção, entre outros.” E que “Esta foi a forma encontrada por estes sócios para manter operacional um grupo empresarial…”. Mais invoca a Requerente que ”Em troca (e seguindo aquele que é o entendimento da AT relativamente aos serviços prestados), a B... facturou estes serviços à Requerente (e, bem assim, às restantes entidades do Grupo C...), imputando os gastos que a B... havia incorrido” .
Conclui a Requerente no sentido de que “estes serviços prestados pela B... foram exclusivamente em benefício da Requerente e por forma a colmatar todas as dúvidas que possam subsistir, importa relembrar aquilo que já foi amplamente referido até à data: na
sua grande maioria, a imputação directa dos custos suportados pela B... a cada uma das entidades do Grupo C... na exacta percentagem dos serviços prestados ou dos benefícios por si auferidos é uma tarefa que se torna impossível dado o tipo de serviços e a dimensão dos mesmos”.
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Da Posição da Entidade Requerida
Invoca a AT que “tendo a Requerente “A... Lda.” os seus próprios Administradores cuja função intrínseca é administrar a sociedade, não se entende nem ficou demonstrado que os gastos com os referidos “serviços de gestão e administração” titulados pelas faturas emitidas pela sociedade “ B..., Lda”, foram necessários para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC da Requerente”.
Mais invoca que “todas as faturas referentes aos serviços de gestão e administração, supostamente prestados nos meses de julho a dezembro de 2017, foram emitidas em 13.04.2018 (…) Pelo que é pouco crível que essa prestação de serviços fosse desconhecida da
Requerente à data de 31.12.2017, tendo em conta que estão em causa €53.374,02, valor materialmente relevante.”
Alega, igualmente, a AT que “A Requerente não provou que o conflito que opunha os sócios E... e F... aos sócios G... e H... conduziu a um bloqueio legal nas sociedades operativas do Grupo C...”, “não provou (…) quais os atos de gestão que a administração estava impedida de praticar”, nem que “a gestão pelos sócios E... e F... estava totalmente ou só parcialmente bloqueada nas empresas operativas”.
No que concerne ao valor correspondente a um débito efetuado, em 2017, pela sociedade B..., Lda., no montante de €2.283,21, referente a serviços de logística, manutenção e deslocações correspondentes ao trabalho desenvolvido pelo funcionário I..., invoca a AT que “A fatura (…) não permite conhecer nem a natureza dos serviços prestados, nem o período a que dizem respeito, ou seja, se foi antes ou após a saída de I... de funcionário da “J..., Lda.”, sendo que “O funcionário que prestou esse serviço não trabalhou para a B..., durante os meses de janeiro a setembro de 2017 (…) Logo, a ser exigido o pagamento desses encargos à ora Requerente, não caberia à B... a sua cobrança”.
No que diz respeito aos serviços de deslocações, refere a AT que “A Requerente não apresentou justificação idónea para ter incorrido naqueles gastos por intermédio de uma outra sociedade (ainda que constituída pelos seus Administradores), mas que não exercia funções de administração e gestão da Requerente”.
Relativamente aos custos referentes a “bens adquiridos para serem utilizados no armazém que pertence a todas as empresas do grupo”, invoca a AT que tais gastos “imputados pela “B..., Lda.” referentes a material não são considerados em função do consumo ou das necessidades para manutenção da atividade da Requerente, ou seja, não são reconhecidos na contabilidade por terem sido incorridos em proveito e no interesse da Requerente, já que esses gastos são imputáveis a todas as sociedades do Grupo em função do respetivo volume de negócios e não em função dos interesses ou das necessidades de cada uma dessas sociedades”.
Por fim, relativamente às despesas com a utilização de viaturas, alega a AT que a requerente “não conseguiu apurar o motivo pelo qual a sociedade B... Lda., faturou à Requerente a utilização de suas viaturas ou, se de facto, a Requerente utilizou realmente as referidas viaturas.”, sendo que “Não basta à Requerente invocar que tais viaturas serviam para assegurar as deslocações no Grupo e que o seu uso foi feito exclusivamente nos interesses do Grupo C... (…) e, que após o bloqueio legal, todas essas viaturas foram “transferidas da esfera da B... para a esfera directa do Grupo C...”.
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Matéria de Facto
Os factos relevantes para a decisão da causa que o Tribunal considerou como assentes são os seguintes:
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A Requerente exerce a atividade de “Salão de cabeleireiro”, a que corresponde o CAE 096021, estando enquadrada em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) no regime normal com periodicidade mensal, e em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) no regime geral de determinação do lucro tributável;
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A Requerente tem dois estabelecimentos comerciais nos quais desenvolve as suas
atividades e que se localizam no Centro Comercial ... e no Shopping ...;
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A Requerente é uma das sociedades “operativas” do “Grupo C...”;
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Em 2017 e 2018 o Grupo C... explorava, através de sociedades operativas (entre as quais a Requerente), 10 salões de beleza, designadamente no ... Shopping, Centro Comercial ..., Centro Comercial ..., ..., Centro Comercial ..., ... e ... Shopping;
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O Grupo C... procurou desde o início da sua constituição obter benefícios de
escala, através do aproveitamento de sinergias entre os vários estabelecimentos comerciais a nível operacional, financeiro, comercial, marketing, aquisição de mercadorias e equipamentos, entre outros;
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Nesse âmbito, a Requerente disponibiliza funcionários dos seus dois estabelecimentos comerciais a outras sociedades do grupo e recebe igualmente funcionários destas sociedades;
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No início de 2017, eclodiu no seio do Grupo C... um conjunto de conflitos que
opuseram os sócios G... e H... aos sócios E... e F..., em resultado de desentendimentos quanto à estratégia de expansão e internacionalização da marca C...;
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Tendo em consideração a referida situação de tensão e conflito, a sociedade B..., da qual são também sócios E... e F..., passou a desenvolver para o Grupo C... gestão administrativa, logística e armazenagem, limpeza, manutenção e conservação dos estabelecimentos comerciais;
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Os conflitos legais que originaram a transferência de funções para a B..., por bloqueio legal de determinadas decisões, ficaram parcialmente resolvidos por via judicial em Setembro de 2019 tendo, entretanto, sido afastados definitivamente da administração e da gestão da holding os sócios G... e H...;
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Conseguida a necessária decisão judicial favorável aos sócios E... e F..., a B... deixou de cobrar management fees ao Grupo C..., dado que a remuneração do trabalho de administração e gestão efetivamente prestados passou a ser realizada diretamente pelas empresas “operativas” do Grupo e pela holding;
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A Requerente foi objeto de procedimento inspetivo externo aos exercícios de 2017 e 2018, de âmbito parcial, com incidência em IRC e IVA, levado a cabo pela Direção de Finanças de Lisboa ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2019... e OI2019...;
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Na sequência da ação de inspetiva, promoveu a Inspeção Tributária as seguintes correções meramente aritméticas à matéria tributável de IRC do exercício de 2017, no valor de 93.764,03 € e do exercício de 2018, no valor de 181.944,39 €:
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Em sede de IVA, foi apurado imposto em falta, no exercício de 2018, no montante de € 36.070,98, conexo com a correção em sede de IRC referente a gastos com fornecimentos e serviços externos pagos à empresa B...;
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Na sequência da referida ação inspetiva, a AT procedeu à emissão do ato de liquidação de IRC n.º 2021 ... e respetivo ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2021 ..., referentes ao exercício de 2017, de que resultou um montante a pagar de € 21.270,33, do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2021 ... e respetivo ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2021 ..., referentes ao exercício de 2018, de que resultou um montante a pagar de € 39.995,74, e dos atos de liquidação de IVA n.ºs 2021 ..., 2021 ..., 2021 ..., 2021..., 2021 ..., 2021 ..., 2021 ... e respetivos atos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2021 ..., 2021 ..., 2021 ..., 2021 ..., 2021 ..., 2021 ... e 2021 ..., referentes ao período de tributação de 2018, de que resultou um montante a pagar de € 31.723, no valor global a pagar de € 92.989,07;
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Por não se conformar com tais atos, a Requerente deduziu Reclamação Graciosa, que veio a ser indeferida por despacho de 28 de Dezembro de 2021 do Senhor Diretor Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela AT.
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Matéria de direito
Ordem de Conhecimento dos Vícios
A Requerente fundamenta o pedido de anulação contenciosa em vício de falta de fundamentação e em vícios de violação de lei relacionados com a dedutibilidade de custos.
Conforme dispõe o Artigo 124.º do CPPT, na sentença a proferir no processo de impugnação (igualmente aplicável no âmbito dos processos arbitrais ex vi Artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), o Tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação (n.º 1), havendo lugar, no primeiro grupo, à apreciação prioritária dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, e, no segundo grupo, a indicada pela Requerente, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior (n.º 2).
No presente caso, não são arguidos vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado ou outros que resultem do exercício da ação pública, estando apenas em causa vícios que conduzem à anulação do ato administrativo.
Por outro lado, a Requerente não indica uma relação de subsidiariedade entre os vícios, pelo que se afigura haver lugar ao conhecimento prioritário dos vícios de violação de lei por serem estes que conferem mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, visto que o vício de falta de fundamentação – a proceder – não impediria que a AT produzisse, em execução de julgado, um ato de idêntico sentido após inclusão da devida fundamentação.
Apreciando:
Ajudas de custo com deslocações entre estabelecimentos comerciais da Requerente
Neste ponto, entende o Tribunal que assiste razão à AT, uma vez que os documentos apresentados pela Requerente não fazem prova de que os montantes pagos e qualificados como ajudas de custo têm uma efetiva conexão com deslocações de colaborados a outros estabelecimentos comerciais da Requerente.
Com efeito, a alínea h) do n.º 1 do art.º 23.º-A Código do IRC, estabelece, como requisito para efeitos de dedutibilidade dos referidos custos, a existência de “mapa através do qual seja possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência, objetivo e, no caso de deslocação em viatura própria do trabalhador, identificação da viatura e do respetivo proprietário, bem como o número de quilómetros percorridos”.
Decorre do referido preceito legal que estamos perante uma exigência legal da existência, por um lado, de documentos que provem tais despesas, consubstanciada na existência de um “mapa” e, por outro lado, que esse mapa contenha informações específicas.
Ora no caso em apreço, é notória, e reconhecida pela própria Requerente, a ausência, no referido mapa, das informações referentes ao “objetivo da deslocação” e do “tempo de permanência”, informações estas que o referido preceito legal reputa de essenciais para efeitos de prova da realização das despesas em causa.
Pese embora a doutrina fiscal (citada pela Requerente) e a jurisprudência dos nossos Tribunais judiciais superiores (e.g. Acórdão proferido pelo TCA Sul em 5 de Novembro de 2020, Processo n.º 755/09.7BELRS) tenham vindo a entender que o referido mapa pode ser complementado por outros documentos, a verdade é que, no caso em apreço, a Requerente limita-se a elaborar conclusões sem proceder à necessária prova (que lhe compete à luz do disposto no Artigo 74.º da LGT), não tendo carreado para o processo quaisquer documentos complementares que possam suportar tais conclusões.
De facto, a Requerente limita-se a argumentar que a falta de um qualquer pressuposto/requisito nos mapas é colmatado pela realidade presumida, sendo que tal presunção não decorre da lei, nem do entendimento que tem vindo a ser propugnado pela doutrina e jurisprudência.
A verdade é que, pela análise dos mapas apresentados pela Requerente não é possível efetuar o controlo integral das deslocações, nos termos em que é exigido pelo Artigo 23.º-A do Código do IRC, pelo que não pode o pedido proceder neste ponto em particular.
Em face da improcedência dos argumentos materiais, e passando para o argumento formal de falta de fundamentação, não vislumbra este Tribunal, neste ponto em concreto, a existência de falta de fundamentação em nenhuma das fases do procedimento administrativo, tendo em consideração que a AT não só analisou a documentação apresentada, como apresentou os motivos pelos quais divergiu do entendimento da Requerente.
Em face do exposto, julga-se improcedente o pedido arbitral relativamente às correções referentes a ajudas de custo com deslocações entre estabelecimentos comerciais da Requerente, determinando-se, em consequência, a manutenção, na parte correspondente, dos atos de liquidação de IRC e de Juros Compensatórios em apreço.
Ajudas de custo com deslocações a estabelecimentos comerciais pertencentes a outras sociedades do Grupo C...
Entende o Tribunal, no que diz respeito a este ponto, que os custos aqui em causa não preenchem os requisitos previstos no Artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC para que a sua dedução seja admitida.
Com efeito, nos termos do referido preceito legal, são dedutíveis os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
Ora, é assumido pela própria Requerente que os custos foram suportados para disponibilização de colaboradores a entidades terceiras e que tais custos não foram, no exercício fiscal a que dizem respeito, objeto de faturação intra-grupo.
Ainda que tais custos tenham sido incorridos no âmbito da política de maximização dos recursos humanos do grupo C..., da qual a Requerente também iria beneficiar ao receber funcionários de outras empresas do grupo, a verdade é que tal não decorre dos elementos contabilísticos e da faturação da Requerente, nem encontra qualquer suporte legal, tendo em consideração que a tributação de Grupo tem regras próprias, sendo sempre feita com base no apuramento individual de cada uma das sociedades de acordo com o estatuído no Código do IRC.
Assim, tendo as ajudas de custo sido suportadas pela Requerente em benefício de outras entidades, sem que os respetivos valores tenham sido faturados a tais entidades, não é possível estabelecer a conexão material contabilística-fiscal necessária para que se possa reconhecer tais custos como necessários para a realização dos proveitos da Requerente.
Acresce que o argumento utilizado pela Requerente relativo à presunção de empresarialidade das ajudas de custo decorrente da alínea h), do n.º 2, do Artigo 23.º-A, do Código do IRC, é afastado precisamente pelo facto de as despesas em causa beneficiarem, de forma imediata, a atividade empresarial de um empresa terceira, não se podendo, pois, olvidar o estatuído no n.º 1 do mesmo Artigo.
Por outro lado, não se entende o argumento utlizado (nem a construção que é efetuada até se chegar à respetiva conclusão), quando a Requerente refere que “No fundo, a AT não afastou a presunção de veracidade e de boa-fé das declarações e dos dados e apuramentos contabilísticos da Requerente”. Ora, a AT não colocou em causa que os custos aqui em apreço tenham sido efetivamente incorridos pela Requerente, mas sim que os mesmos não reúnem as condições para efeitos da sua dedutibilidade. A verdade é que a AT se limitou, no caso em apreço, a dar o correto enquadramento fiscal da materialidade contabilística e fiscal apresentada: custos incorridos que não estão diretamente relacionados com a realização de proveitos da Requerente.
Como bem refere a AT, para que tal relação existisse, impunha-se que os custos em questão tivessem sido faturados às outras entidades do grupo, o que, conforme reconhecido pela Requerente, não aconteceu.
Refira-se, aliás, que a própria Requerente acabou por reconhecer a incorreção do seu procedimento, ao ter acabado por faturar tais serviços de disponibilização de funcionários às outras empresas do grupo. Contudo, tal faturação (referente aos serviços prestados em 2017 e 2018) foi emitida (e paga pelas outras empresas do grupo) apenas em 2021, o que, como bem refere a AT, esbarra no princípio da especialização de exercícios, consagrado no Artigo 18.º do Código do IRC.
Acresce, a este respeito, que nos atos de liquidação sindicados (suportados pela fundamentação plasmada no relatório de inspeção) não estão em causa os valores agora redebitados pelas outras sociedades do grupo à Requerente, mas sim as ajudas de custo suportadas pela Requerente por deslocações dos seus funcionários para lojas das outras sociedades do grupo.
Ou seja, ainda que se atendesse à bondade da correção do procedimento por parte da Requerente, a verdade é que tal correção nunca poderia ser sindicada no âmbito do presente pedido arbitral, o qual se encontra balizado pelos atos de liquidação em apreço e pelas correções que lhes deram origem. E a verdade é que as correções da AT, conforme reconhecido pela Requerente ao corrigir o seu próprio procedimento, foram acertadas.
Em face do exposto, não pode o pedido arbitral proceder neste ponto em concreto.
Por seu turno, não vislumbramos, neste ponto em concreto, que a AT tenha faltado ao seu dever de fundamentação, uma vez que apreciou toda a documentação facultada pela Requerente e, bem assim, tendo fundamentado o raciocínio que determinou as correções efetuadas.
Pelo que se julga improcedente o pedido arbitral relativamente às correções referentes às ajudas de custo com deslocações de funcionárias da Requerente a estabelecimentos comerciais pertencentes a outras sociedades do Grupo C..., determinando-se, em consequência, a manutenção, na parte correspondente, dos atos de liquidação de IRC e de Juros Compensatórios em apreço.
Abonos atribuídos para compensação por deslocação em viatura própria entre estabelecimentos comerciais da Requerente
No que diz respeito a este ponto, entendemos que os argumentos da Requerente merecem acolhimento, na medida em que os mesmos se encontram suportados pela documentação por si apresentada.
Com efeito, se é certo que a alínea h) do n.º 2 do Artigo 23.º-A do Código do IRC exige que o mapa de ajudas de custo contenha a identificação da viatura no caso de deslocação em viatura própria do trabalhador, parece-nos que a prova realizada pela Requerente, ao juntar declaração da própria funcionária em que reconhece a realização das deslocações na sua própria viatura, se afigura de valor superior ao mapa exigido no referido preceito legal.
Refira-se, a este respeito, que o propósito dos requisitos constantes da alínea h) do n.º 2 do Artigo 23.º-A é o de obter a demonstração de que a deslocação foi efetivamente realizada e de que a mesma ocorreu em viatura própria do funcionário. O facto de a lei ter exigido um mapa global das deslocações, em vez de declarações dos funcionários, prende-se, a nosso ver, com uma questão de economia procedimental e de proporcionalidade, o que não invalida que essa prova possa ser efetuada através de tais declarações, até porque configuram um meio de prova mais cabal do que aquele que é legalmente exigido.
Assim, quando o próprio funcionário da Requerente declara ter efetuado a deslocação constante do mapa elaborado pela Requerente na sua viatura, deverá a prova da mesma dar-se por efetuada, sendo a identificação da viatura um pormenor que nada acrescenta à realidade que se pretende provar.
Nesta medida, julga-se procedente o pedido arbitral relativamente às correções referentes aos abonos atribuídos para compensação por deslocação em viatura própria entre estabelecimentos comerciais da Requerente, determinando-se, na parte correspondente, anulação dos atos de liquidação de IRC e de Juros Compensatórios impugnados.
Abonos atribuídos para compensação por deslocação em viatura própria para estabelecimentos comerciais pertencentes a outras sociedades do Grupo C...
No que diz respeito a este ponto, reitera-se tudo o que foi atrás referido relativamente ao ponto respeitante às ajudas de custo com deslocações de funcionárias da Requerente a estabelecimentos comerciais pertencentes a outras sociedades do Grupo C..., julgando-se, assim, improcedente o pedido arbitral nesse mesmo ponto, determinando-se, em consequência, a manutenção, na parte correspondente, dos atos de liquidação de IRC e de Juros Compensatórios em apreço.
Correções referentes a gastos com fornecimentos e serviços externos pagos à B...
No que diz respeito a este ponto, importa avaliar se os custos suportados pela Requerente relativamente à prestação de serviços de administração efetuadas pela empresa B... são passíveis de dedução à matéria coletável, contrariamente ao que determinou a AT na correção efetuada, por considerar que a dedução dos mesmos é contrária ao disposto no Artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC.
De acordo com a análise deste Tribunal, a Requerente logrou apresentar uma justificação plausível para a realização das despesas aqui em causa, demonstrando que as mesmas se revelaram essenciais para a manutenção da sua atividade.
Com efeito, o facto de os sócios da Requerente se encontrarem em litigio – o que foi demonstrado pela existência da ação judicial e não foi, de resto, contrariado pela AT – exigiu que os serviços de administração da Requerente (incluindo os serviços realizados pelo funcionário I..., aquisição de materiais e utilização de viaturas – os quais a AT não logrou demonstrar que não foram direcionados para fins de gestão da Requerente) fossem realizados por uma terceira entidade, sob pena de se embargar a atividade daquela.
Por outro lado, o facto de a prestação de serviços de administração ter transitado novamente para a Requerente após o fim do litígio (facto, uma vez mais, não contestado pela AT), é revelador de que a contratação de tais serviços à B... foi efetivamente necessária e se encontra relacionada com a justificação apresentada pela Requerente.
Ora, a AT não logrou contrariar, conforme lhe competia ao abrigo das regras do ónus da prova previstas no Artigo 74.º, as justificações apresentadas pela Requerente, tendo apenas realizado considerações genéricas sobre despesas que se encontram, aliás, devidamente contabilizadas e suportadas documentalmente e que assim se presumem verdadeiras.
Poderia, quanto muito, ter a AT alegado questões de preços de transferência e questionado o valor dos encargos incorridos mas, na realidade, não o fez.
Acresce que todos os encargos aqui em causa foram objeto de tributação na esfera da B...– tributação de resto validada pela própria AT em sede de inspeção a esta última sociedade -, o que se revela de certo modo contraditório com as decisões de correção adotadas na esfera da Requerente.
Acresce que, ao não aceitar as justificações apresentadas pela Requerente, rejeitando a dedutibilidade das despesas com fundamento na sua alegada desnecessidade, a AT incorre numa intromissão ilegítima na gestão da Requerente.
A este respeito, e como defende a nossa melhor doutrina e jurisprudência “o controlo a efetuar pela Administração Tributária sobre a verificação do aludido requisito da indispensabilidade tem de ser materializado pela negativa, logo só deve desconsiderar-se como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (cfr. Acórdão de 7 de Maio de 2020 proferido pelo TCA Sul no âmbito do processo n.º 101/06.1BESNT, no qual é citada a doutrina de Vítor Faveiro).
Em face de todo o exposto, considera este Tribunal que as correções efetuadas pela AT relativamente aos custos suportados com a aquisição de serviços de administração à sociedade B..., com repercussões em sede de IRC e de IVA, são indevidas, pelo que se julga procedente, neste ponto, o pedido arbitral, determinando-se, na parte correspondente, anulação dos atos de liquidação de IRC, de IVA e dos respetivos Juros Compensatórios.
Vícios de conhecimento prejudicado
Face à solução alcançada por este Tribunal no que diz respeito aos pontos que obtiveram procedência, fica prejudicada a apreciação do vício de falta de fundamentação.
Da restituição do montante indevidamente pago
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade parcial dos atos de liquidação, é procedente a pretensão da Requerente quanto à restituição, na parte correspondente, do imposto e dos correspondentes juros compensatórios que tenham sido indevidamente pagos, por força dos Artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para restabelecer a situação que existiria se a ilegalidade em causa não tivesse sido praticada.
Do pedido de juros indemnizatórios
A Requerente pede ainda a condenação da entidade Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto e respetivos juros compensatórios que tiverem sido pagos, até ao reembolso integral da quantia devida.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT - em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT -, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade parcial dos atos de liquidação aqui em apreço, ao pagamento de juros indemnizatórios na parte correspondente, nos termos das citadas disposições dos Artigos 43.º, n.º 1, da LGT, e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente tenha pago indevidamente, à taxa dos juros legais (Artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
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Decisão
Nestes termos, decide este Tribunal arbitral o seguinte:
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Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral nos termos atrás descritos, decretando-se respetiva ilegalidade e consequente anulação parcial dos atos de liquidação de IRC e respetivos Juros Compensatórios e a anulação integral dos atos de liquidação de IVA e respetivos Juros Compensatórios;
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Julgar improcedente o remanescente do pedido, nos termos atrás descritos;
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Condenar a entidade Requerida na restituição à Requerente do montante que foi por si indevidamente pago relativamente à parte anulada dos atos de liquidação;
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Condenar a entidade Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente à parte anulada dos atos de liquidação, a calcular sobre o montante que tenha sido indevidamente pago pela Requerente, contados desde a data de pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Valor da ação
Fixa-se o valor da causa em € 92.989,07 (noventa e dois mil novecentos e oitenta e nove euros e sete cêntimos), correspondente ao valor total dos atos de liquidação em apreço e cuja anulação se peticionou, nos termos do disposto nos Artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas
Ao abrigo do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 2.754,00€ (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), repartidas em função do respetivo decaimento na proporção de 23,23% a cargo da Requerente e de 76,77% a cargo da Requerida.
Lisboa, 24 de Outubro de 2022
O Tribunal Arbitral,
José Poças Falcão
Armando Oliveira
Pedro Saraiva Nércio