Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 70/2022-T
Data da decisão: 2022-10-17  IMT  
Valor do pedido: € 3.170.921,88
Tema: IMT. Aquisição de bens imóveis integrados em fundos. Benefícios fiscais.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

  1. A contribuinte A..., S.A., NIPC..., doravante “a Requerente”, apresentou, no dia 10 de Fevereiro de 2022, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos dos artigos 2º, 1, a), e 10º, 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 66- B/2012, de 31 de Dezembro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
  2. A Requerente pediu a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do indeferimento, tacitamente presumido, do pedido de revisão oficiosa por ela apresentada junto da AT em 24 de Agosto de 2021, e, mediatamente, a anulação parcial dos actos tributários de liquidação de IMT n.os. .., ..., ..., ... e ..., emitidos a 27 de Dezembro de 2017, no montante global de € 6.341.843,77, pedindo a condenação da Requerida ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago, no valor de € 3.170.921,88.
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
  4. O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.
  5. O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 20 de Abril de 2022; foi-o regularmente, e é materialmente competente.
  6. Nos termos art.º 17.º do RJAT, foi a AT notificada, em 20 de Abril de 2022, para apresentar resposta.
  7. A AT apresentou a sua Resposta em 26 de Maio de 2022, e nela, para além de apresentar uma excepção de caducidade do direito de acção arbitral, sustenta, essencialmente, que a liquidação não está ferida de ilegalidade, e por isso deve ser mantida na ordem jurídica.
  8. A Requerente foi notificada, em 31 de Maio de 2022, para se pronunciar sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida, o que fez, respondendo em 14 de Junho de 2022.
  9. Por despacho de 24 de Junho de 2022, dispensou-se a reunião prevista no art. 18º do RJAT e as partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas, indicando-se o dia 20 de Outubro de 2022 como data-limite para a prolação e comunicação da decisão arbitral.
  10. Só a Requerente apresentou alegações, e fê-lo no dia 12 de Julho de 2022.
  11. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade.
  12. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
  13. O processo não enferma de nulidades.

 

II – Matéria de Facto

 

II. A. Factos provados

 

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente tem como objecto social a compra e venda de imóveis, e revenda dos imóveis adquiridos para esses fins, bem como a administração, gestão e alienação de bens sociais ou imóveis para arrendamentos.
  2. No âmbito da sua actividade, a Requerente celebrou, em 28 de Novembro de 2014, um contrato de compra e venda com dois fundos de investimento imobiliário abertos – com o Fundo de Investimento Imobiliário B..., depois designado como C...– Fundo de Investimento Imobiliário Aberto (abreviadamente “B...” ou “C...”) e com o Fundo Especial de Investimento Imobiliário Aberto –D..., depois denominado Fundo de Investimento Imobiliário Aberto – E... (abreviadamente “D...” ou “E...”), designados conjuntamente como “Fundos”.
  3. Nesse contrato de compra e venda a Requerente adquiriu, pelo valor global de € 97.566.827,20, os seguintes prédios:
  • As fracções autónomas “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F” do prédio urbano, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Azambuja.
  • O prédio urbano, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., da União de Freguesias de ... (..., ... e ...), concelho de Sintra.
  • O prédio urbano, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Azambuja.
  • As fracções autónomas “A” e “B” do prédio urbano, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., da freguesia e concelho de ... .
  • O prédio urbano, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., da freguesia e concelho de ... .
  1. Aquando da aquisição dos referidos prédios, a Requerente apresentou a Declaração Modelo 1 de IMT, na qual informou tratar-se de prédios destinados a revenda, pelo que, por força do disposto no n.º 1 do artigo 7.º do CIMT, tal aquisição ficou isenta de IMT.
  2. Por não ter procedido à revenda dos referidos imóveis no prazo de 3 anos, caducou a isenção usufruída, por força do disposto no n.º 5 do artigo 11.º do CIMT.
  3. A Requerente solicitou a liquidação de IMT por caducidade da isenção, nos termos do artigo 34º do CIMT, através da apresentação da Declaração de IMT, que deu origem às Liquidações respeitantes aos DUCs n.º... , ..., ..., ... e ..., no valor global de € 6.341.843,77, emitidas em 27 de Dezembro de 2017, e resultantes da aplicação da taxa de 6,5% de IMT.
  4. Esse montante de IMT foi pago pela Requerente.
  5. Em 24 de Agosto de 2021, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa (RH ... PT) dos referidos actos de liquidação de IMT, com o fundamento de que os mesmos padecem de vício de ilegalidade, por violação do artigo 49.º do EBF, na redacção em vigor à data da compra e venda (28 de Novembro de 2014).
  6. O referido pedido de revisão oficiosa veio a presumir-se tacitamente indeferido, por falta de uma decisão dentro do prazo de quatro meses, previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.
  7. Em 10 de Fevereiro de 2022, a Requerente apresentou no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

II. B. Matéria não-provada

 

Com relevância para a questão a decidir, nada ficou por provar.

 

II. C. Fundamentação da matéria de facto

 

  1. Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, e nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo.
  2. Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigos 596º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC3).
  3. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  4. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  5. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

III. Matéria de Excepção

 

III. A. Posição da Requerida

 

  1. Na sua Resposta (arts. 15º segs.), a Requerida defende-se por excepção, invocando a caducidade do direito de acção.
  2. Lembra que o prazo de reclamação fora ultrapassado, nos termos dos arts. 70º, 1 e 102º, 1, a) do CPPT, e que o prazo de 4 anos para a revisão prevista no art. 78º, 1, “in fine”, da LGT, pressupõe a existência de um erro dos serviços.
  3. Ora, sublinha a Requerida, a liquidação de IMT foi emitida exclusivamente com base na declaração do contribuinte, nos termos e para os efeitos dos arts. 7º, 1, 11º, 5, 10º, 8, d) e 34º do CIMT – e nessa declaração a Requerente não indicou que pretendia usufruir de qualquer benefício fiscal.
  4. Isso, no entender da Requerida, basta para demonstrar que não ocorreu qualquer erro dos serviços – o que seria condição essencial para se lançar mão da revisão oficiosa prevista no final do nº 1 do art. 78º da LGT.
  5. Excluindo ainda a Requerida que tenha havido, por parte da Requerente, a adopção de qualquer orientação genérica publicada pela AT susceptível de distorcer o dever de colaboração dos sujeitos passivos – uma outra forma possível de se integrar o requisito essencial do “erro dos serviços”, mas que igualmente não se verificou.
  6. Esgotado também esse prazo, o pedido de revisão apresentado em 24 de Agosto de 2021 seria, pura e simplesmente, intempestivo, o que acarretaria a caducidade dos factos articulados pela Requerente, por verificação de uma excepção peremptória material que determina a absolvição do pedido, nos termos do art. 576º, 3 do CPC.

 

III. B. Posição da Requerente

 

  1. No seu requerimento de 14 de Junho de 2022, de resposta às excepções suscitadas, a Requerente lembra o consenso hoje existente quanto à função desempenhada pelo procedimento de revisão oficiosa, não só como meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos, mas como meio complementar daqueles, quando os prazos de impugnação estejam esgotados – lembrando a Requerente, a propósito, que o art. 78º, 1 da LGT deve ser interpretado em conjugação com os arts. 41º, 1 e 2, e 42º do CIMT.
  2. Por outro lado, a Requerente lembra que há muito que o STA (ao menos desde o acórdão de 6 de Outubro de 2005, proferido no Proc. nº 0653/05) admite que a revisão “oficiosa” do art. 78º da LGT possa resultar da iniciativa do contribuinte – o que se coaduna com as referências a “pedido de revisão oficiosa”, por exemplo no art. 49º, 1 da LGT ou no art. 86º, 4, a) do CPPT.
  3. Lembra também que o STA aceitou a impugnabilidade de qualquer tipo de indeferimento de pedidos de revisão, retirando daí, como corolário, que, esgotado o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial, ainda assiste ao contribuinte um verdadeiro direito de pedir a revisão oficiosa, e de impugnar contenciosamente um indeferimento desta. Quando demandada a rever o acto, a AT tem o dever de pronúncia, nos termos gerais do art. 9º do CPA (ex vi art. 2º do CPA).
  4. Por outro lado, a Requerente sustenta que o erro é imputável aos serviços, nos termos da parte inicial do nº 1 do art. 78º da LGT, visto que a liquidação coube à AT, não podendo descortinar-se, em contrapartida, qualquer comportamento negligente da Requerente ao qual possa atribuir-se qualquer erro nos pressupostos de facto ou de direito, e qualquer consequente ilegalidade.
  5. Assim, dado que a liquidação foi emitida a 27 de Dezembro de 2017 e o pedido de revisão o foi em 2021, este foi tempestivo, e também o é o pedido arbitral com que se reage ao indeferimento desse pedido de revisão.
  6. A Requerente invoca ainda as decisões proferidas no Proc. nº 317/2018-T e no Proc. nº 667/2018-T, processos nos quais a AT não colocou em causa a tempestividade, não obstante a similitude de situações, e a decisão proferida no Proc. nº 516/2019-T, no qual se enfrenta expressamente o direito à revisão do acto tributário por impulso do contribuinte, confirmando o entendimento de que o erro será imputável aos serviços sempre que não seja determinável a existência de uma qualquer deficiência ou omissão imputável ao próprio declarante.
  7. Remetendo para a fundamentação da decisão no Proc. nº 230/2019-T, a Requerida sustenta ainda que a omissão da referência a benefícios fiscais na declaração de IMT não exonera a AT de um conhecimento da situação de aplicabilidade de tais benefícios, até em consequência do princípio da colaboração previsto no art. 59º da LGT, que imporia à AT que dissipasse dúvidas declarativas, em vez de tentar escudar-se num erro que não podia ignorar.

 

III. C. Decisão quanto à excepção

 

  1. É certo que estava ultrapassado o prazo para deduzir reclamação, e que o prazo para revisão, nos termos do final do art. 78º, 1 da LGT, com o seu prazo de quatro anos, pressupõe um erro dos serviços (além de ser hoje pacífico que pode resultar da iniciativa do sujeito passivo).
  2. Não obstante terem as liquidações sido emitidas com base na declaração do contribuinte, e nessa declaração não se ter feito menção do benefício fiscal agora em apreço, a verdade é que as liquidações foram efectuadas pela AT.
  3. Ora, estabelece o STA que “é hoje doutrinal e jurisprudencialmente pacífico o entendimento segundo o qual, existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração.” (Ac. do STA de 14-03-2012, proferido no processo 01007/11).
  4. Aplicar-se-á aqui, portanto, o princípio formulado por Rui Duarte Morais, em passagem invocada na decisão proferida no Proc. 107/2017-T do CAAD: “Quando a liquidação é efectuada pela administração fiscal, podemos afirmar, como regra, que a deficiente aplicação da lei ao concreto – erro de direito – é de imputar aos serviços.”.
  5. Insista-se que decorre da lei, e constitui jurisprudência pacífica do STA, que a revisão oficiosa de actos tributários a que alude a parte final do art. 78º, 1 da LGT “por iniciativa de administração tributária” pode realizar-se a pedido do contribuinte (art. 78º, 7 da LGT), sendo o indeferimento, expresso ou tácito, desse pedido de revisão susceptível de impugnação contenciosa, nos termos do art. 95º, 1 e 2, d) da LGT e art. 97º, 1, d) do CPPT, quando estiver em causa a apreciação da legalidade do acto de liquidação, e não prejudicando essa possibilidade a circunstância de o pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado muito depois de esgotados os prazos de impugnação administrativa, mas dentro do prazo dos 4 anos para a referida revisão do acto de liquidação “por iniciativa de administração tributária”.
  6. Por outro lado, como ficou consignado no Acórdão do STA de 3-06-2015 (Pleno da Secção do CT, Proc. n.º 0793/2014), “o meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação)”.
  7. Além disso, da declaração apresentada pela Requerente constavam os dados de facto que habilitariam plenamente a AT a apurar se existia, ou não, o referido benefício fiscal – que habilitariam a AT, em suma, a actuar em plena conformidade com a lei. Resulta que a AT sabia, ou não podia ignorar, que o alienante do imóvel cuja aquisição por parte da Requerente espoleta a liquidação do IMT era um fundo de investimento imobiliário que preenchia os requisitos que determinavam a aplicação do benefício fiscal previsto, à data, no art. 49º do EBF, consistindo na redução para metade das taxas de IMT – um benefício fiscal automático, nos termos do art. 5º, 1 do EBF, porquanto resulta directa e imediatamente da lei.
  8. Além disso, mesmo admitindo a ocorrência de dúvidas, a relação entre a administração e os administrados, entre a AT e os contribuintes, deve ser pautada pelo princípio da colaboração, previsto no art. 59º da LGT, que impõe à AT o dever de interagir com os contribuintes para o esclarecimento de dúvidas que possam ser suscitadas pelas declarações ou documentos que apresentem.
  9. Os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a AT tem de observar na globalidade da sua actividade (art.º 266º, 2 da Constituição e art.º 55º da LGT) impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei – o que mais não é do que uma decorrência do dever de serem revogados os actos ilegais, ou seja, aqueles actos que são praticados ao arrepio da lei. E será manifestamente ilegal o acto tributário que liquida um imposto que nos termos da lei não se mostra devido, seja porque o facto tributário não é abrangido pela norma de incidência, seja porque o legislador lhe concedeu um benefício fiscal.
  10. Logo, pode concluir-se pela existência, no caso em apreço, de um erro de direito, o qual, por ser considerado como “imputável aos serviços”, permitirá a sua sindicância num prazo de 4 anos contados da data das liquidações de IRS, tornando tempestivo o pedido de revisão oficiosa, dado que não estava ultrapassado o prazo de 4 anos relativamente a nenhuma das liquidações em crise.
  11. Deste modo, deve improceder a excepção arguida pela Requerida.

 

IV. Sobre o Mérito da Causa

 

IV. A. Posição da Requerente

 

  1. A Requerente começa por recordar a tradição normativa de previsão de isenções e benefícios conferidos aos imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário.
  2. Para o caso em apreço, destaca a relevância da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2014 e entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2014, por força da qual o art. 49º do EBF deixou de contemplar a aplicação de uma isenção integral às operações aí abrangidas, passando a prever que seriam “reduzidas para metade as taxas de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”.
  3. Era essa a redacção vigente à data dos factos, ou seja, em 28 de Novembro de 2014, dela resultando, pois, que a transmissão de imóveis integrados no património de fundos de investimento imobiliário abertos (e demais entidades enumeradas) beneficiava da redução para metade da taxa de IMT.
  4. A Requerente faz notar que esse regime se manteve até à sua revogação pelo art. 215º, 1, g) da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2016, operando-se, com esta, a extinção do referido benefício fiscal.
  5. Ora o direito aos benefícios fiscais reporta-se à data de verificação dos respectivos pressupostos, como estabelece o art. 12º do EBF (cfr. art. 3º, 2 do EBF).
  6. Pelo que, no entender da Requerente, esse benefício fiscal deveria ter sido levado em conta pela AT na liquidação do IMT efectuada em 27 de Dezembro de 2017, e isso deveria ter sido reconhecido na apreciação, pela AT, do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente.
  7. Reduzindo a metade o IMT que incidia sobre as transmissões de imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário aberto, por isenção parcial, afigura-se claro que esse benefício, tal como estava legalmente concebido à época, se aplicava directa e inequivocamente às transmissões ocorridas em 28 de Novembro de 2014.
  8. Tratava-se, para a Requerente, de um benefício de carácter automático, “ope legis”, nos termos do art. 5º, 1 do EBF, não dependente de qualquer acto de reconhecimento, surgindo os seus efeitos imediatamente na esfera do sujeito passivo.
  9. E assim a taxa de IMT aplicável deveria ter sido de 3,25%, e não de 6,5% como foi: houve € 3.170.921,88 liquidados em excesso, por interpretação e aplicação erradas do Direito aplicável.
  10. Em apoio da sua posição, a Requerente convoca as decisões arbitrais dos Processos n.os 544/2016-T e 630/2018-T (que enfatizam o facto de a isenção de IMT alastrar às situações em que os fundos agem na posição de alienantes dos imóveis, traduzindo-se deliberadamente numa vantagem permanente dos fundos no seio do mercado mobiliário), e n.os 308/2019-T, 309/2019-T, 310/2019-T, 311/2019-T, e 743/2019-T (que reforçam a ideia de que se trata de um benefício fiscal objectivo, e portanto aplicável em qualquer transacção que tivesse os fundos como adquirentes ou alienantes – isto antes da revogação do regime pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março).
  11. E a Requerente não se esquece de sustentar que a caducidade de uma primeira isenção, a correspondente à aquisição dos imóveis para revenda, não interfere com o benefício fiscal previsto na redacção, à época, do art. 49º do EBF (invocando ainda a decisão proferida no Processo nº 20/2018-T).
  12. A Requerente remata reclamando juros indemnizatórios por pagamento indevido da prestação tributária, nos termos dos arts. 35º, 10 e 43º, 1 do LGT, art. 61º do CPPT, arts. 559º do Código Civil e Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril.

 

IV. B. Posição da Requerida

 

  1. Na sua resposta, a Requerida discorda que houvesse o direito à isenção parcial de IMT em termos de efeitos automáticos, sem pedido prévio e sem prévio acto de reconhecimento por parte da AT.
  2. Apela para isso para o art. 7º, 1 do CIMT, que estabelece a isenção de IMT nas aquisições de prédios para revenda – no pressuposto de apresentação prévia de uma declaração relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda.
  3. Daí retira a conclusão geral de que toda a isenção de IMT tem que ser aferida previamente ao facto gerador de imposto – remetendo para o art. 5º, 2 do CIMT.
  4. E retira ainda o corolário de que, tendo a Requerente invocado uma outra isenção de IMT para impedir a tributação, essa outra invocação tornara impossível a isenção parcial agora invocada, esta ao abrigo do art. 49º do EBF, por não ser possível a sucessão ou acumulação de isenções.
  5. Além disso, argumenta a Requerida, o benefício em causa não era “automático”, mas somente “de reconhecimento automático”, significando isso que era sempre necessária a prévia entrega da declaração Modelo 1 de IMT, com a indicação, em campo próprio, do código da isenção requerida e da sua verificação e declaração pelo Serviço de Finanças (nos termos dos arts. 10º, 8, d) e 19º, 3 do CIMT).
  6. Acrescenta a Requerida que, perante a caducidade de uma isenção anteriormente invocada, a Requerente deveria necessariamente ter solicitado a emissão de liquidação através do modelo oficial, para em sequência ser emitido um documento de liquidação, gerando-se um acto administrativo nos termos do art. 5º, 2 do EBF.
  7. E insiste a Requerida que, ao solicitar a isenção prevista no art. 7º do CIMT, a Requerente precludiu o exercício do direito a qualquer outra isenção, pelo que se procedeu à liquidação nos termos do art. 18º, 2 do CIMT.
  8. Acrescenta a Requerida que o imposto só se tornou exigível no final do prazo de caducidade da isenção (arts. 11º, 5 e 34º do CIMT), sendo nesse momento que se apurou o VPT e a taxa, incluindo eventuais reduções (arts. 18º, 2 CIMT), e se iniciou o prazo de caducidade do direito à liquidação (art. 35º, 1 CIMT): pelo que nesse momento já não era possível obter-se, sem flagrante violação do art. 18º, 2 do CIMT, o efeito pretendido pela Requerente, porque o art. 49º do EBF já fora revogado pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março.
  9. Assim sendo, a Requerida afasta a hipótese dos juros indemnizatórios, por não descortinar erro imputável aos serviços – mas mesmo assim chama a atenção para o art. 43º, 3, c) da LGT, que estabelece que em situações de revisão os juros indemnizatórios só são devidos a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.

 

IV. C. Alegações

 

  1. Em alegações, a Requerente retoma o essencial da sua argumentação, nomeadamente insistindo que o direito ao benefício fiscal se reporta, nos termos do art. 3º, 2 do EBF, à data da verificação dos respectivos pressupostos, a 28 de Novembro de 2014, aquando das aquisições dos Prédios que faziam parte integrante do património de Fundos de investimento imobiliário de carácter aberto, e sublinhando que a jurisprudência do CAAD defende consistentemente que os sujeitos passivos de IMT que tenham adquirido, durante a vigência da referida norma legal, imóveis integrados em Fundos de investimento imobiliário abertos, constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, têm direito à referida isenção parcial de imposto.
  2. Daí inferindo que, para a operação de 28 novembro de 2014, deverá ser considerada a redacção do art. 49º do EBF vigente à data dos factos (a resultante da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que previa, à data, que a transmissão de imóveis integrados no património de Fundos de investimento imobiliário abertos, e restantes entidades ali identificadas, beneficiava da redução para metade da taxa de IMT (a par do benefício equivalente, em matéria de IMI, na esfera dos Fundos proprietários dos imóveis).
  3. Contra o argumento contido na Resposta da AT, de que à data de exigibilidade do imposto já não vigorava a isenção, a Requerente faz notar que, nos termos do art. 5º, 1 e 2 do CIMT, “[a] incidência de IMT regula-se pela legislação em vigor ao tempo em que se constituir a obrigação tributária”, ou seja, no momento em que ocorrer a transmissão – o que está em consonância com o art. 12º do EBF, que determina que “[o] direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos”.
  4. Entende a Requerente que é nestes termos que a AT deveria ter aplicado o Direito quando, em 27 de Dezembro de 2017, procedeu à emissão dos actos tributários de liquidação de IMT, ou nesses termos que a questão deveria ter sido apreciada pela AT, em resposta à revisão oficiosa peticionada pela Requerente.
  5. Sublinhando a Requerente que o teor literal do enunciado linguístico contido no artigo 49.º do EBF, na redacção então vigente, é claro quanto ao respectivo âmbito de aplicação: a referida isenção parcial de IMT, que corresponde à redução para metade de taxa de imposto relevante, aplica-se às transmissões onerosas de prédios integrados em Fundos de investimento imobiliário abertos, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional: bastando, pois, que o imóvel objecto da transmissão se encontre integrado no património de um Fundo de investimento imobiliário aberto, constituído e a operar de acordo com a legislação portuguesa.
  6. Lembrando novamente que, em sede de benefícios fiscais, o art. 12º do EBF consagra que o “direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo”.
  7. E, contra o entendimento plasmado na resposta da AT, a Requerente insiste que se tratava de um benefício de carácter automático, que resultava directa e imediatamente da lei, não pressupondo qualquer acto de reconhecimento – invocando em seu apoio o entendimento plasmado na decisão arbitral proferida no Processo nº 45/2020-T.
  8. Ora, tendo sido apresentada, após caducidade da isenção do art. 7º do CIMT, relativa a imóveis para revenda, a declaração Modelo 1 de IMT, entende a Requerente que a AT sempre teria de aplicar a isenção a que alude o art. 49º do EBF, sob pena de violar directamente o disposto no art. 5.º do EBF e, consequentemente, o princípio da legalidade.
  9. Quanto ao facto de não poderem ser aplicados, de forma simultânea, dois tipos de isenções para o mesmo imposto - in casu, a isenção de IMT aplicável a imóveis para revenda (art. 7º do CIMT) e a isenção de IMT aplicável às aquisições de prédios integrados em Fundos de investimento imobiliário aberto (art. 49º do EBF) -, a Requerente lembra que, caducada a primeira isenção, deixava de existir um problema de aplicação simultânea, e que na liquidação de 27 de Dezembro de 2017 era somente a isenção prevista no art. 49º do EBF que estava em causa.
  10. A precedência de uma outra isenção, já caducada, não coloca em causa o direito ao benefício fiscal constante no art. 49º do EBF, na medida em que a caducidade daquela outra isenção não faz extinguir este outro benefício fiscal, cujos pressupostos se verificavam no momento da aquisição dos imóveis em causa – um entendimento da Requerente para o qual ela convoca o apoio das decisões arbitrais proferidas nos Processos n.os 20/2018-T e 45/2020-T.
  11. A Requerente argumenta ainda que os benefícios fiscais constituem elementos essenciais do imposto, na acepção dos arts. 103º, 2 e 165º, 1, i) da Constituição, pelo que não é admissível que se estabeleçam regras “ad hoc” sobre a aplicação do seu regime, nomeadamente no que respeita ao momento da constituição do direito ao benefício previsto no art. 49º do EBF, na redacção vigente entre a Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro e a Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março.
  12. A Requerida não apresentou alegações.

 

IV. D. Fundamentação da decisão

 

  1. A problemática jurídico-tributária subjacente à questão decidenda já foi objecto de análise em diversas decisões arbitrais, designadamente as proferidas nos processos n.os 544/2016-T, 677/2016-T, 440/2017-T, 547/2017-T, 580/2017-T, 622/2017-T, 20/2018-T, 238/2018-T, 260/2018-T, 563/2018-T, 630/2018-T, 656/2018-T, 19/2019-T, 230/2019-T, 308/2019-T, 309/2019-T, 310/2019-T, 311/2019-T, 398/2019-T, 516/2019-T, 743/2019-T e 45/2020-T.
  2. No essencial, trata-se de determinar se a liquidação de IMT controvertida padece de vício de violação de lei, por errada interpretação e aplicação do artigo 49.º do EBF, na redacção resultante da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro – ou, mais especificamente, se a Requerente tem direito a beneficiar automaticamente da isenção parcial de imposto, dado ter adquirido o prédio a Fundos Imobiliários no ano de 2014; e também se se trata de um benefício fiscal de carácter automático, ope legis, ou se pelo contrário se trata de um benefício dependente de um acto de reconhecimento por parte da AT – art. 5º, 1 do EBF.
  3. É conhecida a evolução que, desde o Decreto-Lei nº 1/87, de 3 de Janeiro, estabeleceu um regime de favor para os Fundos Imobiliários, que chegaram a estar isentos de IMT e de IMI quanto aos imóveis que adquiriam, e chegaram a poder alienar imóveis sem que os adquirentes suportassem IMT, neste segundo caso facilitando a comercialização dos imóveis, baixando a oneração financeira dos adquirentes e tornando mais atractivos, no mercado, os imóveis a alienar.
  4. É evidente que este benefício fiscal, embora favorecendo directamente os adquirentes de imóveis a este tipo de fundos de investimento, coloca os fundos numa posição economicamente vantajosa, na medida em que podem colocar elementos do seu activo mais facilmente no mercado e em melhores condições, uma vez que o prospectivo adquirente estará isento de IMT. Com efeito, apesar de, nos termos do art. 4º do CIMT, o IMT dever ser suportado pelo adquirente do bem imóvel – que na generalidade dos casos será alguém inteiramente alheio à actividade de investimento imobiliário –, a verdade é que este benefício colocava os fundos de investimento imobiliário numa posição economicamente favorável e competitiva no seio do mercado imobiliário, na medida em que lhes permite escoar os seus bens imóveis mais facilmente, a um preço mais atractivo do ponto de vista do consumidor, que sempre beneficiaria, primeiro de uma isenção, e depois de uma redução, de taxa.
  5. O benefício fiscal, em sede IMT, consagrado no artigo 49º do EBF, na redacção resultante do art. 206º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, visou, durante a sua vigência (até à sua revogação pelo artigo 215º, 1, g) da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março), as situações em que os fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública agiam na posição de alienantes dos imóveis, e aplicava-se quer aos imóveis que, à data da entrada em vigor deste diploma legal, integravam os ditos fundos de investimento imobiliário, quer aos imóveis que, posteriormente, vieram a integrar esses mesmos fundos de investimento (cfr. artigo 209.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro).
  6. Trata-se de um benefício fiscal objectivo, aplicável aos prédios integrados em fundos, pelo que a redução de taxa de IMT é aplicável a quem quer que adquirisse esses prédios.
  7. E trata-se de um benefício fiscal de carácter automático, porque o direito ao benefício resulta directa e imediatamente da lei, operando, portanto, ope legis, pela mera verificação do respectivo pressuposto de facto, não carecendo de qualquer acto posterior de reconhecimento por parte da AT (cfr. art. 10º, 8, d) do CIMT; art. 5.º, 1 do EBF).
  8. Não se trata, em contrapartida, de um benefício de mero “reconhecimento automático”, que só produza efeitos na esfera do beneficiado após o cumprimento de uma qualquer formalidade essencial.
  9. Significando isso que, quanto ao benefício fiscal em causa, a administração é absolutamente vinculada, competindo-lhe uma tarefa meramente declarativa da verificação dos pressupostos legais, sendo que, no caso de se confirmarem esses pressupostos, e, independentemente do momento em que essa decisão for proferida, sempre se considera que os efeitos se reportam à data da transmissão do imóvel, bloqueando-se com isso a operatividade do facto tributário em sede de IMT.
  10. E isso não é posto em causa pelo facto de a Requerente ter beneficiado anteriormente da isenção prevista no artigo 7º do CIMT (“Isenção pela aquisição de prédios para revenda”), e de essa isenção ter caducado em virtude de os aludidos imóveis não terem sido revendidos no prazo de três anos, atento o disposto no art. 11º, 5, do CIMT.
  11. Como o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos (art. 12º do EBF, cfr. art. 36º, 1 da LGT, art. 18º, 1 do CIMT), e, no caso concreto, aquando da transmissão, estava preenchido o pressuposto de facto de que dependia a aplicação in casu do benefício fiscal previsto no art. 49º do EBF, na redacção resultante da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, a caducidade da referida isenção não teve por efeito a reposição automática da tributação-regra (cfr. art. 14º, 1 do EBF), pois a operatividade do facto tributário em sede de IMT foi então impedida por aquele benefício fiscal emergente automaticamente da lei.
  12. Daí resultando que a liquidação que, ignorando a existência desse benefício, efectue a liquidação nos termos gerais, padece de ilegalidade por violação do quadro legal aplicável.
  13. Não se perca de vista que, nos termos do artigo 5º, 1 do CIMT, a incidência do IMT é regulada pela legislação em vigor ao tempo em que se constituir a obrigação tributária, esclarecendo o n.º 2 do preceito que esta se constitui no momento em que ocorrer a transmissão. Sendo que, nos termos do art. 12º do EBF, o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos.
  14. Estando preenchido o respectivo pressuposto de facto, tem a Requerente direito ao benefício fiscal, em sede de IMT, estatuído no artigo 49º do EBF, na redacção em vigor à data da transmissão dos imóveis objecto da liquidação de IMT controvertida –, ou seja, à redução para metade da taxa de imposto, como defendido pela Requerente.
  15. Termos em que, dando-se como procedente o pedido, se conclui que a liquidação de IMT controvertida padece de vicio de violação de lei, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 49.º do EBF, na redação resultante da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, devendo, por isso, ser anulada.
  16. Em termos mais específicos, verificando-se estar preenchido o respectivo pressuposto de facto, tem a Requerente direito ao benefício fiscal, em sede de IMT, estatuído no art. 49.º do EBF, na redacção resultante da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, ou seja, à redução para metade da taxa de imposto que, à data, era aplicável à transmissão, e que se cifrava em 6,5% (cfr. art. 17º, 1, d), do CIMT); assim, a aquisição dos aludidos imóveis pela Requerente deveria ter sido tributada, em sede de IMT, à taxa de 3,25%.
  17. Não o tendo sido, a liquidação de IMT controvertida padece de vicio de violação de lei, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 49.º do EBF, na redacção vigente no momento da transmissão dos imóveis, devendo, por isso, ser anulada na parte em que excede metade da taxa de IMT que, à data, era aplicável à referida transmissão.
  18. Ilegal é também, portanto, o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa deduzido contra o mencionado acto tributário.
  19. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.
  20. De harmonia com o disposto no art. 24º, b) do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto no art. 29º, 1, a) do RJAT.
  21. Ainda nos termos do artigo 24º, 5 do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43º, 1 da LGT e 61º, 5 do CPPT, implicando, em princípio, o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
  22. Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há, assim, lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
  23. No que se refere aos juros indemnizatórios, e em face do disposto no art. 43º, 3, c) da LGT, nos casos de pedido de revisão oficiosa esses juros apenas são devidos depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente (cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 6-07-2005, processo n.º 0560/05; de 02-11-2005, processo n.º 0562/05; de 17-05-2006, processo n.º 016/06; de 24-05-2006, processo n.º 01155/05; de 02-11-2006, processo n.º 0604/06; de 15-11-2006, processo n.º 028/06; de 10-01-2007, processo n.º 523/06; de 17-01-2007, processo n.º 01040/06; de 12-12-2006, processo n.º 0918/06; de 15-02-2007, processo n.º 01041/06; de 06-06-2007, processo n.º 0606/06; de 10-07-2013, processo n.º 390/13; de 18-01-2017, processo n.º 0890/16; de 10-5-2017, processo n.º 01159/14. Como se lê num acórdão do Pleno do STA proferido em 27 de Fevereiro de 2019 no processo n.o 22/18.5BALSB: “O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte. Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus actos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir.”)
  24. No caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 24 de Agosto de 2021, pelo que são devidos juros indemnizatórios desde 25 de Agosto de 2022, ou seja, a partir de um ano depois da apresentação do pedido de revisão oficiosa.
  25. Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – art. 608.º do CPC, ex vi art. 29.º, 1, e) do RJAT.

 

V. Decisão

 

Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

  1. Declarar ilegais e anular, parcialmente, as liquidações de IMT n.os ..., ..., ..., ...e ..., emitidas a 27 de Dezembro de 2017, com as legais consequências;
  2. Declarar ilegal o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa n.º RH ... PT, com as legais consequências;
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar o montante de € 3.170.921,88 à Requerente, acrescido de juros indemnizatórios, calculados, nos termos legais, desde 25 de Agosto de 2022;
  4. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do presente processo.

 

VI. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 3.170.921,88 (três milhões, cento e setenta mil, novecentos e vinte e um euros e oitenta e oito euros), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art.º 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VII. Custas

 

Custas no montante de € 40.392,00 (quarenta mil, trezentos e noventa e dois euros) a cargo da Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).

 

Lisboa, 17 de Outubro de 2022

 

Os Árbitros

 

Fernando Araújo

 

Jesuíno Alcântara Martins

 

Cristina Coisinha