Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 54/2022-T
Data da decisão: 2022-10-12  IRS  
Valor do pedido: € 64.048,91
Tema: IRS - Regime transitório do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 488-A/88, de 30 de novembro (diploma que aprovou o CIRS). – Mais-Valias – Momento de aquisição de participações sociais. – Artigos 43º-6 e 10º-1/b), do CIRS.
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Sumário:

I - Não há lugar a tributação em sede de IRS, da mais-valia obtida em virtude da alienação, em 2017, de uma quota do capital social de sociedade comercial que havia sido adquirida pelo alienante antes de 1 de janeiro de 1989.  

II - No caso, é aplicável o regime transitório previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 488-A/88, de 30 de novembro (diploma que aprovou o CIRS), considerando que, para além da mencionada aquisição ter ocorrido em data anterior a 1 de janeiro de 1989, o ganho obtido não estava também já sujeito a tributação em sede do anterior Imposto de Mais-Valias.

III - Este mesmo regime se aplicará nos casos em que ocorram aumentos de capital posteriores  a 1 de janeiro de 1989, com impacto no valor da quota detida pelo contribuinte e alienante. 

 

Os Árbitros Guilherme W. d’Oliveira Martins, Sofia Ricardo Borges e Sofia Quental, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 

  1. Os Requerentes A..., casada, N.I.F. ..., residente na Rua ..., nº ..., ..., ...-... Maia; B..., solteiro, N.I.F..., residente na Rua ... nº..., ...-... Maia; e C..., casado, N.I.F..., residente na Rua..., nº ..., ...-... Braga apresentam pedido de pronúncia arbitral para anulação de ato tributário de liquidação de IRS n.º 2021..., referente ao ano de 2017, com fundamento em ilegalidade, nos termos do artigo 99.º do CPPT, nos seguintes termos e fundamentos:
    1. Os requerentes são filhos e os únicos herdeiros de D..., falecida em 02.08.2019 e de E..., falecido em 22.02.2020 – cfr. doc.1 e 2.
    2. Em 24.02.2017, D... e E..., casados no regime da comunhão geral, eram detentores de uma quota do valor nominal de 22.500,00 €, titulada em nome da primeira, no capital social de 165.000,00 € da sociedade F..., Lda, com sede na Rua ..., n.º ..., no Porto, matriculada na C.R.C. do Porto sob o NIPC...– doc. 3.
    3. D... foi sócia fundadora da F..., Lda., tendo outorgado a escritura de constituição em 18.12.1974 – doc. 4.
    4. A F..., Lda foi constituída com o capital social de 5.000.000$00 (24.939,89 €), cabendo então a D... uma quota do valor nominal de 500.000$00 (2.493,98 €).
    5. Entretanto, por escritura pública outorgada em 04.06.1991, o capital da sociedade foi aumentado da cifra de 5.000.000$00 (24.939,89 €) para 33.000.000$00 (164.603,30 €), pelo reforço em dinheiro de 28.000.000$00 (139.663,41 €) – doc. 5.
    6. Tendo a sócia D... subscrito e realizado a importância de 4.000.000$00 (19.951,91 €), que se adicionou à sua quota, elevando-a, assim, para 4.500.000$00 (22.445,90 €) – doc. 5.
    7. Na verdade, nessa escritura, o gerente da sociedade, em conformidade com o deliberado por unanimidade em assembleia geral extraordinária em que esteve representado todo o capital social, declarou que:

“1- Eleva o capital social para TRINTA E TRÊS MILHÕES DE ESCUDOS, na modalidade de novas entradas, pelo reforço em dinheiro de VINTE E OITO MILHÕES DE ESCUDOS já entrado na Caixa Social, subscrito e realizado da seguinte forma:

Cada um dos sócios titulares de uma quota de QUINHENTOS MIL ESCUDOS, G..., H..., I..., D..., (sublinhado dos requerentes), J... e K..., com a importância de QUATRO MILHÕES DE ESCUDOS, que vão adicionar às suas actuais quotas, elevando-as assim, cada uma, para QUATRO MILHÕES E QUINHENTOS MIL ESCUDOS.

Os sócios …”

  1. Mais tarde, em 21.12.2001, o capital social da F..., Lda. foi de novo aumentado, desta vez para a cifra de 165.000,00 €, mediante incorporação de reservas livres no montante de 396,70 €.
  2. Tendo, em consequência, sido aumentado o valor nominal da quota da sócia D... para 22.500,00 € - doc. 3.
  3. Na referida data de 24.02.2017, D... e E... cederam a quota do valor nominal de 22.500,00 € que detinham no capital social da F..., Lda. à sociedade L..., S.G.P.S., S.A., pelo preço de 500.000,00 € - doc. 6.
  4. Em 23.04.2018. D... e E... apresentaram declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2017, onde declararam a venda da quota no Anexo G-1, destinado às mais-valias não tributadas, indicando dezembro de 1974 como data de aquisição – doc. 7.
  5. Porém, na sequência de procedimento inspetivo de análise interna, realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, em cumprimento da ordem de serviço n.º OI2019..., a primeira requerente, na qualidade de cabeça-de-casal de seus pais, veio a ser notificada de relatório de conclusões dessa inspeção – doc. 8.
  6. No qual a AT, apesar de reconhecer que o artigo 5º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30.11, que aprova o CIRS, estabelece que as mais-valias resultantes de alienação de quotas que te­nham sido adquiridas antes da entrada em vigor do CIRS (1989) não estão sujeitas a este imposto.
  7. Ponderou que a alínea a) do n.º 6 do artigo 43º do CIRS estabelece que “a data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem”.
  8. Para concluir que, tendo ocorrido um aumento de capital social, por entradas em dinheiro (e não por incorporação de reservas), a data de aquisição a considerar na parte da quota subscrita com o referido aumento de capital, seria a data da respetiva operação, ou seja, agosto de 1991.   
  9. Daí retirando que estaria sujeita a tributação a parte da mais-valia realizada correspondente à fração da quota de D... e E... resultante do aumento de capital efetuado em 1991.         
  10. Após o que foi notificada da demonstração de liquidação de IRS com o n.º 2021 ..., bem como de demonstrações de liquidação, de liquidação de juros e de acerto de contas, importando um valor a pagar de 64.048,91 €, incluindo já os juros compensatórios pelo retardamento da liquidação, no valor de 8.000,91 € – docs. 9 a 11.
  11. Da demonstração de liquidação, conjugada com o relatório/conclusões do procedimento inspetivo, resulta que o conjunto dos rendimentos líquidos de D... e E... foi alterado para 209.758,86 €, nos termos do n.º 4 do artigo 65º do CIRS.
  12. Com um imposto referente a tributações autónomas de 56.679,00 € em resultado da aplicação da taxa de 28%, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 72º do CIRS, ao saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias apuradas na alienação onerosa de partes sociais no valor de 404.850,00 €, reduzido a metade por força do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 43º do CIRS – doc. 8 e 9.
  13. Saldo esse exclusivamente resultante da cessão de quota acima referida.
  14. Sucede que a AT errou na interpretação do artigo 43º, n.º 6, alínea a) do CIRS.
  15. Na verdade, como se decidiu no Acórdão do STA de 07.03.2018, relatado pela Conselheira Ana Paula Lobo, acessível em www.dgsi.pt:

No artigo 43°, nº 6, alínea a), do CIRS “o legislador definiu qual era a data de aquisição dos valores mobiliários, para este efeito, tributação em sede de mais-valias, dizendo que havendo aumento do valor nominal das quotas sociais seja por:

1- Incorporação de reservas

2- Substituição de quotas – esta originada por várias causas possíveis das quais elegeu, a título meramente exemplificativo:

a. alteração do valor nominal

b. modificação do objeto social da sociedade emitente

em ambas as circunstâncias, será considerada como data de aquisição dos valores mobiliários a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem, ou seja, a data de aquisição inicial das quotas sociais”.

  1. No mesmo sentido se decidiu, aliás, também nos Acórdãos proferidos nos processos 689/2019-T e 526/2020-T, ambos do CAAD.
  2. E, em especial, no Acórdão, também do CAAD, tirado no processo nº 335/2021-T, que versa sobre liquidação de IRS incidente sobre mais-valia realizada por outros cedentes através do mesmo contrato que é objeto dos presentes autos.
  3. Significa isto que a mais-valia realizada por D... e E... na cessão da quota que detinham no capital da F..., Lda. não está sujeita a IRS por força do disposto no artigo 5º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30.11.
  4. Pelo que a liquidação de IRS com o n.º 2021..., respeitante ao ano de 2017, enferma de flagrante ilegalidade, não podendo manter-se na ordem jurídica.
  5. A ilegalidade constitui fundamento de pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, c) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, e do artigo 99.º do CPPT.

 

 

  1. A Autoridade Tributária na Resposta veio argumentar o seguinte:
    1. Entendem os requerentes que a transmissão onerosa de partes sociais, em apreço nos autos não se encontra sujeita a tributação, porquanto, segundo entendem, se mostra abrangida pelo regime transitório previsto no art. 5 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, que aprovou o Código do IRS.
    2. Na declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS do ano de 2017, inscreveram a alienação da quota no anexo G1, indicando que aquela havia sido adquirida em dezembro de 1974, e assim, supostamente, excluída de tributação.
    3. No âmbito da ação de inspeção, e porque o aumento do capital social foi efetuado por entradas em dinheiro (e não por incorporação de reservas), foi proposta a correção da data de aquisição referente à parte da quota subscrita com o referido aumento do capital, ou seja, agosto de 1991 – não tendo sido aplicado o regime transitório previsto no art.º. 5 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, que aprovou o Código do IRS.
    4. Tendo em consideração que a alienação de partes sociais adquiridas antes da entrada em vigor do Código do IRS, isto é, antes de 1989, não se encontra sujeita a tributação de IRS, e que o aumento de capital efetuado em 1991, por reforço de capital em dinheiro, está sujeito a tributação, o valor de alienação global de 500.000,00€, foi repartido proporcionalmente, em função dos dois momentos de aquisição.
    5. Tendo sido apurados os seguintes valores:

1) Proporção da quota adquirida a 18 de dezembro de 1974: 11,11%:

i. Valor de aquisição: € 2.500

ii. Valor de realização: € 55.500

2) Proporção da quota imputável ao aumento do capital social realizado em 1992: 88,89%

i. Valor de aquisição: € 20.000

ii. Valor de realização: € 444.450

  1. E assim, excluindo-se de tributação a parte da mais-valia imputável ao ano de 1974, o valor da mais-valia sujeita a tributação foi de €404.850. 13º Tendo, em consequência, sido emitida a liquidação sob critica.
  2. Durante a vigência do Decreto-Lei n.º 46 673, de 9 de junho de 1965, a transmissão onerosa de partes sociais não se encontrava sujeita a tributação. 15º O regime transitório previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o Código do IRS, passou a prever que os ganhos que não se encontravam sujeitos ao imposto de mais-valias, aprovado pelo predito Decreto-Lei n.º 46 673, apenas seriam objeto de tributação em sede de IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efetuada depois da entrada em vigor deste Código. 16º É este regime que os A pretendem lhes seja aplicado, enjeitando a aplicação da al. b) do n.º 1 do artigo 10.º e da al. a) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRS.
  3. Não lhes assiste razão.
  4. Socorrendo-se da interpretação da norma da alínea a) do n.º 6 do artigo 43º do Código do IRS veiculada pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), no acórdão do processo n.º 0149/17, o A entende que a data que deve ser considerada é a da constituição da sociedade e, assim, a da constituição da quota original.
  5. No entanto, tratando-se de aumento de capital por entradas em dinheiro ou em espécie, não se aplica o disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 43º do Código do IRS, que estabelece que "a data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas (...) é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem.
  6. E justifica-se o tratamento diferenciado das duas realidades porquanto:
  1. na incorporação de reservas não se verifica um aumento do património da sociedade;
  1. no aumento de capital por novas entradas em dinheiro ou em espécie, existe um incremento efetivo do património da sociedade a que corresponde um efetivo dispêndio de dinheiro ou bens por parte dos sócios.
  2. Assim, os valores mobiliários alienados consideram-se adquiridos em momentos diferentes, pelo que o valor da respetiva transmissão deve ser dividido em várias parcelas.
  3. As referentes aos valores constantes do título constitutivo, na respetiva data de aquisição, cujos ganhos se encontram excluídos da tributação, nos termos do regime transitório da categoria G, estabelecido no artigo 5.º do Decreto- Lei 442-A/88, de 30 de Novembro.
  4. Por seu lado as resultantes de aumentos de capital realizados em 1991, por entradas em dinheiro, são sujeitas a tributação.
  5. O aumento do capital social de uma sociedade por quotas pode ocorrer por duas formas: ou por incorporação de reservas da sociedade ou por novas entradas dos sócios.
  6. Assim, e considerando a redação do mencionado preceito, conclui-se que apenas se reportam à data de aquisição dos valores mobiliários originários, os aumentos de capital que resultem da incorporação de reservas, encontrando-se excluídos os aumentos do valor de quotas ou outras participações sociais em resultado de novas entradas dos sócios.
  7. Pelo que apenas o valor da mais-valia correspondente ao valor da constituição da quota está excluído de tributação.
  8. O valor da mais-valia correspondente aos aumentos de capital por novas entradas em dinheiro é objeto de tributação.
  9. Sem conceder, vejamos, em que termos e sobre que factos foi proferida a decisão do STA: «Em 30.04.1999, por escritura pública de Cessão De Quota, Divisão e Aumento de Capital, os sócios daquela sociedade por quotas, entre outras coisas “deliberam aumentar o capital da mesma (…), em reforço das suas quotas” expressão com o sentido inequívoco de que não houve aumento do número de quotas pelo que a situação concreta tem enquadramento no disposto no artigo 43º nº 4, al. a) do CIRS "A data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas, ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem.».
  10. Conforme literalmente sublinhado pelo próprio STA, e ao contrário do caso dos autos, na situação de facto sobre a qual o Supremo decidiu, as partes deliberaram “reforçar as suas quotas”. O que determinou que o Tribunal interpretasse aquele reforço como uma alteração do valor nominal – expressão constante da lei.
  11. Outro tanto se dizendo quanto à demais jurisprudência citada, que em momento alguma considera excluída de tributação os aumentos de capital por novas entradas em dinheiro.
  12. Posto que, revogado que se mostra o ato quanto à demais causa de pedir, nenhum vicio há que possa ser assacado à liquidação em crise.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 02-02-2022, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 04-02-2022. Em 25-03-2022, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 25-03-2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 12-04-2021, tendo sido proferido despacho arbitral em 18-04-2022 em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

A AT apresentou a sua Resposta em tempo, juntamente com o Processo Administrativo.

 

Em 27-05-2022, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:

«1. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito, nem foi invocada ou identificada matéria de exceção.

2. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença. 

3. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até à data limite da prolação da decisão final.

4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Fixa-se o prazo de 5 (cinco) dias para as partes, querendo, se pronunciarem. Notifiquem-se as partes do presente despacho.»

 

 

 

POSTO ISTO:

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

II. DECISÃO

  1. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

  1. Os requerentes são filhos e os únicos herdeiros de D..., falecida em 02.08.2019 e de E..., falecido em 22.02.2020;
  2. Em 24.02.2017, D... e E..., casados no regime da comunhão geral, eram detentores de uma quota do valor nominal de 22.500,00 €, titulada em nome da primeira, no capital social de 165.000,00 € da sociedade F..., Lda, com sede na Rua..., n.º ..., no Porto, matriculada na C.R.C. do Porto sob o NIPC...;
  3. D... foi sócia fundadora da F..., Lda., tendo outorgado a escritura de constituição em 18.12.1974;
  4. A F..., Lda foi constituída com o capital social de 5.000.000$00 (24.939,89 €), cabendo então a D... uma quota do valor nominal de 500.000$00 (2.493,98 €);
  5. Entretanto, por escritura pública outorgada em 04.06.1991, o capital da sociedade foi aumentado da cifra de 5.000.000$00 (24.939,89 €) para 33.000.000$00 (164.603,30 €), pelo reforço em dinheiro de 28.000.000$00 (139.663,41 €);
  6. Tendo a sócia D... subscrito e realizado a importância de 4.000.000$00 (19.951,91 €), que se adicionou à sua quota, elevando-a, assim, para 4.500.000$00 (22.445,90 €);
  7. Na verdade, nessa escritura, o gerente da sociedade, em conformidade com o deliberado por unanimidade em assembleia geral extraordinária em que esteve representado todo o capital social, declarou que:

«1- Eleva o capital social para TRINTA E TRÊS MILHÕES DE ESCUDOS, na modalidade de novas entradas, pelo reforço em dinheiro de VINTE E OITO MILHÕES DE ESCUDOS já entrado na Caixa Social, subscrito e realizado da seguinte forma:

Cada um dos sócios titulares de uma quota de QUINHENTOS MIL ESCUDOS, G..., H..., I..., D..., (sublinhado dos requerentes), J... e K..., com a importância de QUATRO MILHÕES DE ESCUDOS, que vão adicionar às suas atuais quotas, elevando-as assim, cada uma, para QUATRO MILHÕES E QUINHENTOS MIL ESCUDOS.

Os sócios …»

  1. Mais tarde, em 21.12.2001, o capital social da F..., Lda. foi de novo aumentado, desta vez para a cifra de 165.000,00 €, mediante incorporação de reservas livres no montante de 396,70 €;
  2. Tendo, em consequência, sido aumentado o valor nominal da quota da sócia D... para 22.500,00 €;
  3. Na referida data de 24.02.2017, D... e E... cederam a quota do valor nominal de 22.500,00 € que detinham no capital social da F..., Lda. à sociedade L..., S.G.P.S., S.A., pelo preço de 500.000,00 €;
  4. Em 23.04.2018. D... e E... apresentaram declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2017, onde declararam a venda da quota no Anexo G-1, destinado às mais-valias não tributadas, indicando dezembro de 1974 como data de aquisição.
  5. Da Declaração Oficiosa emitida pela Requerida consta:

(i) no Anexo G, Quadro 9, Alienação onerosa de partes sociais, o Valor de Realização de € 444.450,00 no Ano 2017, e o Valor de Aquisição de € 20.000,00 no Ano 1991, e

(ii) no Anexo G1, Quadro 4, Mais-valias não tributadas, o Valor de Realização de € 55.500,00, e o Valor de Aquisição de € 2.500,00 no Ano 1974.

  1. Da liquidação, emitida após procedimento de inspecção, a 05.11.2021 com o n.º 2021 ..., e notificada aos sujeitos passivos representados na pessoa da 1.ª Requerente, A..., consta, entre o mais, a título de “Imposto relativo a tributações autónomas” o montante de € 56.679,00, juros compensatórios no montante de € 8.000,00, e o Valor a Pagar de € 64.048,91.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a mesma se considera provada ou não, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

 

B. DO DIREITO

 

O cerne da questão controvertida no âmbito dos presentes autos consiste em saber se à mais-valia auferida pelas Requerentes em virtude da alienação, em 24.02.2017, por D... e E..., que cederam a quota do valor nominal de 22.500,00 € que detinham no capital social da F..., Lda. à sociedade L..., S.G.P.S., S.A., pelo preço de 500.000,00 €, se é, ou não, aplicável o regime transitório vertido no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 488-A/88, de 30 de novembro (diploma que aprovou o CIRS). 

 

A referida norma de incidência tributária[2] procede a uma delimitação quanto à sujeição, ou não, a IRS dos ganhos que não eram sujeitos ao Imposto de Mais-Valias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 673, de 9 de junho de 1965. Por relevante, transcreve-se o respetivo enunciando normativo (com indicação, sendo caso disso, da fonte da atual redação):

 

«1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 673, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afetos ao exercício de uma atividade agrícola ou da afetação destes a uma atividade comercial ou industrial, exercida pelo respetivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efetuada depois da entrada em vigor deste Código. [redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 141/92, de 17 de julho].

 

2 - Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efetuada, quanto aos valores mobiliários, mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos.

 

3 - Quando, nos termos dos n.ºs 8 e 10 do artigo 10.º do Código do IRS, haja lugar à valorização das participações sociais recebidas pelo mesmo valor das antigas, considera-se, para efeitos do disposto no n.º 1, data de aquisição das primeiras a que corresponder à das últimas [aditado pelo Decreto-Lei n.º 6/93, de 9 de janeiro]».

 

Donde, atento o elemento literal da norma, conclui-se que a sujeição daqueles ganhos a IRS apenas se verifica se a aquisição dos bens ou direitos subjacentes pelo sujeito passivo tiver sido efetuada após a entrada do CIRS – ou seja, após 1 de janeiro de 1989, nos termos do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 488-A/88, de 30 de novembro. Caso a aquisição dos bens ou direitos seja anterior àquela data, e contanto que o ganho não fosse já sujeito a tributação em sede de Imposto de Mais-Valias, não haverá lugar a tributação em sede de IRS, mesmo o facto gerador do ganho ocorra em momento posterior à entrada em vigor do CIRS.

 

Em face do exposto, haverá que atender ao normativo legal em vigor, em sede de IRS, acerca da determinação do momento de aquisição de participações sociais. Como tal, in casu, o regime transitório suprarreferido deverá ser conjugado com o disposto no artigo 43.º, n.º 6, alínea a), do CIRS, o qual contempla uma norma de determinação da matéria coletável, na qual se dispõe que, para apuramento do saldo entre mais e menos valias se considera que:

 

«a) A data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem.»

 

Aludindo a lei expressamente à incorporação de reservas, a controvérsia cinge-se à questão de saber se o mesmo regime se aplicará nos casos em que existem aumentos de capital ocorridos posteriormente a 1 de janeiro de 1989, com impacto no valor das quotas detidas pelos sócios, como é o caso dos presentes autos, a saber:

  1. Em 04.06.1991, por escritura pública, o capital da sociedade foi aumentado da cifra de 5.000.000$00 (24.939,89 €) para 33.000.000$00 (164.603,30 €), pelo reforço em dinheiro de 28.000.000$00 (139.663,41 €), tendo a sócia D... subscrito e realizado a importância de 4.000.000$00 (19.951,91 €), que se adicionou à sua quota, elevando-a, assim, para 4.500.000$00 (22.445,90 €);
  2. Em 21.12.2001, o capital social da F..., Lda. foi de novo aumentado, desta vez para a cifra de 165.000,00 €, mediante incorporação de reservas livres no montante de 396,70 €.

 

Vejamos então o que se argumenta na recente decisão proferida por este CAAD no processo 65/2022-T[3]:

 

«Embora não sendo as quotas valores mobiliários stricto sensu, por força do disposto no artigo 1.º do Código dos Valores Mobiliários, deverá interpretar-se extensivamente o enunciado em apreço, tanto mais que inexiste qualquer razão para distinguir, neste particular, os titulares de quotas e os titulares de outros valores mobiliários. Dir-se-á, inclusivamente, uma tal distinção sempre contenderia com o mais elementar princípio da igualdade. Adicionalmente, trata-se da interpretação mais consentânea com o artigo 10.º. n.º 1, alínea b), do CIRS, norma de incidência tributária que, definindo o conceito de mais-valias, alude à “alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários”.

 

Por outro lado, importará notar que o enunciado normativo vertido no artigo 43.º, n.º 6, alínea a), apresenta uma redação exemplificativa, na medida em que ali se emprega o advérbio de modo “designadamente”, o que permite inferir que o legislador pretendeu abranger todas as situações de alteração do valor nominal, sem distinguir entre situações de incorporação de reservas e situações de aumento de capital, em dinheiro ou espécie, materializadas no reforço de quotas pré-existentes.

 

A temática em apreço, atinente à consideração ou desconsideração dos aumentos de capital para efeitos do disposto no artigo 43.º, n.º 6, alínea a), do CIRS, tem vindo a ser amplamente discutida em sede judicial e arbitral, merecendo especial referência a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, decorrente do acórdão proferido no processo n.º 0149/17, de 7 de março de 2018, que ora se transcreve no segmento relevante:

 

“A legislação comercial prevê a possibilidade de serem efectuados aumentos de capital. Por regra, tal operação funciona como uma fonte de financiamento para a empresa, para desenvolver novos projetos, um plano de expansão da organização, ou para fazer uma restruturação da atividade da empresa com a utilização de novos capitais próprios da organização que podem provir dos atuais acionistas ou sócios das empresas ou ser aberta a novos investidores.

O aumento de capital de uma empresa assume duas diversas formas, ou se realiza por incorporação de reservas, implicando uma mera operação contabilística, na qual as reservas (ou seja, nos lucros obtidos no passado e ainda detidos) se transferem para o capital social da organização, sem mudança da situação líquida da empresa, ou por novas entradas.

Quando, como na situação em análise, o aumento de capital assume a forma de novas entradas, em dinheiro ou em bens, a operação implica um processo diferente, com uma alteração da situação líquida da empresa, devido à entrada de dinheiro (ou de bens) na empresa. Neste caso, ou os sócios/acionistas das empresas adquirem as novas quotas/ações emitidas pela empresa, ou não há criação de novas quotas/acções mas é aumentado o valor nominal das existentes e, em ambas estas situações o resultado dessa operação serve para reforçar o capital social da organização.

Quando há emissão de novas quotas/ações esta é feita a um preço definido e, na maioria das vezes, as novas quotas/ações encontram-se reservadas aos anteriores sócios/acionistas, podendo ainda verificar-se a aquisição de novas quotas/acções por novos sócios. De acordo com o disposto no art.º 92.º, n.º 4 do CSC «A deliberação de aumento de capital deve indicar se são criadas novas quotas ou acções ou se é aumentado o valor nominal das existentes, caso exista, sendo que na falta de indicação, se mantém inalterado o número de acções».

 

Este entendimento, ao qual se adere completamente, tem sido acolhido pela jurisprudência do CAAD, sendo disso exemplo, para além da decisão proferida no processo 65/2022-T, as decisões proferidas no âmbito dos processos n.º 594/2019-T, 689/2019-T, 394/2020-T, 526/2020-T e 335/2021-T. Por se entender que tal é o entendimento mais convergente com as normas legais aplicáveis, e em face da necessidade de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, como resulta do disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, seguir-se-á o mesmo nos presentes autos.

 

No presente caso, constata-se que a Requerente não adquiriu qualquer quota nova no quadro do aumento de capital concretizado em 04-06-1991; diferentemente, o que sucedeu naquela data foi a alteração do valor nominal da quota que havia já por si sido adquirida em 18 de dezembro de 1974. O que, de resto, encontra respaldo direto e inequívoco na documentação que serviu de base ao aumento de capital de 04-06-1991, na medida em que ali se verteu que o mesmo seria subscrito e realizado por “Cada um dos sócios titulares de uma quota de QUINHENTOS MIL ESCUDOS, G..., H..., I..., D..., (sublinhado dos requerentes), J... e K..., com a importância de QUATRO MILHÕES DE ESCUDOS, que vão adicionar às suas atuais quotas, elevando-as assim, cada uma, para QUATRO MILHÕES E QUINHENTOS MIL ESCUDOS.”

Donde, este aumento de capital não afasta a relevância da data de aquisição da quota pela Requerente, devendo aquela considerar-se adquirida em 18 de dezembro de 1974. De resto, sempre se dirá que a documentação que serviu de base à transmissão da quota detida pela Requerente é coerente com esta factualidade, porquanto alude, no mesmo sentido, à transmissão de uma quota.

 

Consequentemente, e na medida em que (i) os ganhos decorrentes da transmissão de quotas representativas do capital social de sociedades comerciais não estavam sujeitos a tributação em sede de Imposto de Mais-Valias (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de junho de 1965) e (ii) a quota alienada pela Requerente, da qual resulta a mais-valia controvertida, foi adquirida antes da entrada em vigor do CIRS, impõe-se a conclusão de que o rendimento auferido pela Requerente não está sujeito a tributação em sede de IRS, ainda que tenha sido gerado em momento posterior à entrada em vigor do CIRS.

 

C. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:

  1. Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, com as legais consequências.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 64.048,91, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 12 de outubro de 2022

 

O Árbitro - Presidente,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins, Relator por vencimento)

 

 

O Árbitro-Vogal,

 

 

(Sofia Ricardo Borges, Relatora vencida conforme declaração anexa)

 

 

O Árbitro-Vogal,

 

 

(Sofia Quental)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de Voto

Teria decidido nos termos do Projecto de Acórdão que elaborei enquanto relatora inicial, e que, no essencial, e com todo o respeito, se transcreve.

1. Relatório

(...) foi sócia fundadora da (...), “a Sociedade”, constituída por EP de 18.12.1974 com um Capital Social (CS) de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos), no qual lhe coube, então, uma quota no valor de 500.000$00 (quinhentos mil escudos). Correspondentes a € 24.939,89, e a uma quota (doravante também “a Quota”) de € 2.493,98[4].[5]

Em 1991 foi realizado um aumento de capital, no valor de € 28.000.000$00 (vinte e oito milhões de escudos), correspondente a € 139.663,41, por entradas em dinheiro, no qual (...) subscreveu e realizou o montante de € 4.000.000$00 (quatro milhões de escudos), correspondente a € 19.951,91. Importância, assim subscrita e realizada por (...), que, notam, se adicionou à sua quota, elevando-a, de 500.000$00 (quinhentos mil escudos), para 4.500.000$00 (quatro milhões e quinhentos mil escudos), correspondentes a € 22.445,90. (...)

E em 24.02.2017, expõem, (... e marido) cederam a referida quota - então no valor nominal de € 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros) - pelo preço de € 500.000,00 (quinhentos mil euros).

Tendo submetido, depois, a sua Declaração Mod. 3, fizeram constar a venda da quota do Anexo G-1 (mais-valias não tributadas), indicando como data de aquisição Dezembro de 1974.

O que a AT, após procedimento inspectivo, não aceitou. Segundo referem, com base no entendimento, que eles Requerentes não acompanham, de que a data de aquisição a considerar - no que se refere à parte da quota subscrita com o aumento de capital realizado em 1991 - é a da respectiva operação, 1991.

Entendimento este, que a Requerida seguiu na Liquidação, que conduziu à conclusão de que a parte da mais-valia realizada correspondente à fracção da quota resultante daquele aumento de capital estaria sujeita a tributação.

Mais referem que o saldo de MV que na Liquidação veio assim a ser tributado resulta exclusivamente da dita cessão da quota. Sendo que, ao tributá-lo, a Administração Tributária errou na interpretação da lei – na interpretação do art.º 43.º, n.º 6, al. a) do CIRS.[6]

Nestes termos não se conformando com a Liquidação, vêm interpor o PPA na origem dos autos. Peticionam a anulação da Liquidação, por ilegal.

*

As posições das Partes são divergentes em matéria de qualificação - subsunção dos factos à lei.

A saber, quanto ao enquadramento (ou não) da situaçãoi.e., do ganho de mais-valias gerado pela alienação onerosa da Quota e correspondente à proporção desta que fora adquirida por D... aquando da subscrição de capital por novas entradas em dinheiro e respectiva realização com a importância de € 19.951,91 em 1991 – na previsão do art.º 43.º, n.º 6, al. a) do CIRS[7]. E, ainda, e por esta mesma via, na previsão do art.º 5.º, n.º 1 do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.[8] Pugnando os Requerentes, contrariamente à Requerida, pelo dito enquadramento e, assim, pela não sujeição do referido ganho a IRS.

 

No entender dos Requerentes, estando em causa nos autos rendimentos que não estavam sujeitos a imposto de Mais-Valias antes da entrada em vigor do CIRS, e tendo a quota em questão (a quota cuja alienação onerosa gerou, em 2017, ganho de mais-valias) sido criada em 1974, deverá - independentemente de a mesma ter vindo a ser reforçada, por entrada da respectiva sócia, em dinheiro, já na vigência do CIRS – deverá, dizíamos, segundo pugnam, todo o ganho de mais-valia obtido (na sua alienação onerosa em 2017) considerar-se não sujeito. Por aplicação das referidas normas: art.º 43.º, n.º 6, al. a) do CIRS e art.º 5.º, n.º 1 do DL n.º 442-A/88, de 30.11.

 

A Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”) apresentou Resposta, pugnando pela improcedência do PPA e pela consequente manutenção da Liquidação na Ordem Jurídica.

Enquadra os Requerentes pugnarem pela não sujeição do ganho de MV por entenderem a transmissão onerosa em causa estar abrangida pelo regime transitório previsto no art.º 5.º do DL n.º 442-A/88. Entre o mais, refere que, na Declaração Mod. 3, a alienação fora inscrita no Anexo G1 com indicação de aquisição da quota em 1974, e excluída, assim, de tributação. Mais que, mediante acção de inspecção, ela Requerida propôs a correcção da referida data de aquisição - na parte da quota subscrita com o aumento de capital por entradas em dinheiro ocorrido em 1991.

Tendo o aumento de capital tido lugar por reforço de capital em dinheiro - e não por incorporação de reservas - há, na parte respectiva, segundo expõe e como propostas as correcções, refere, sujeição a tributação.

Assim, o valor global da alienação foi repartido proporcionalmente em função dos dois momentos de aquisição. Foram apurados os valores de aquisição e de realização correspondentes, por um lado, à proporção da quota adquirida em 1974 (11,11%) e, por outro, à proporção imputável ao aumento de capital em 1991 (88,89%). Sendo que se excluiu de tributação a parte da mais-valia (do ganho de mais-valia) imputável ao ano de 1974. E se sujeitou a tributação (apenas) a parte da mais-valia (do ganho de mais-valia) restante. A saber, de € 404.850,00. Tendo sido, nesta base, emitida a Liquidação.

Quando se trate de aumento de capital por entradas em dinheiro ou em espécie não tem aplicação a al. a) do n.º 6 do art.º 43.º do CIRS. Justifica-se, pelas razões que melhor expõe, um tratamento diferenciado das duas realidades - incorporação de reservas / aumento de capital por novas entradas em dinheiro ou em espécie.

E os valores mobiliários alienados consideram-se adquiridos em diferentes momentos.  Consequentemente devendo o valor do ganho ser dividido em diferentes parcelas. E apenas o valor da mais-valia (rectius, do ganho de mais-valia) que corresponde ao valor da constituição da quota ficando excluído de tributação (por, sendo de 1974, recair no regime transitório da Categoria G). Conclui inexistir vício passível de ser assacado à Liquidação.

 

2. Matéria de facto (...)

 

3. Matéria de Direito

3.2. Questões a decidir

As questões a decidir nos autos são essencialmente de Direito, reconduzindo-se à fundamental questão seguinte:

Qual a data a considerar como data de aquisição da Quota – alienada onerosamente, depois, em 2017 – para efeitos de determinação da incidência em IRS, Categoria G, do respectivo ganho de mais-valias?

Colocado de outro modo: encontra-se o acto em crise, de liquidação de IRS reportada ao ano de 2017, ferido de ilegalidade por vício de violação de lei ao ter subdividido o ganho de mais-valias em dois distintos momentos, só considerando excluído de tributação o ganho na proporção correspondente à aquisição da Quota em 1974 (aquando da constituição da sociedade)? E, por outro lado, considerando sujeito a tributação o ganho na proporção remanescente – i.e., na parte deste correspondente à proporção da Quota decorrente da subscrição, em 1991, de um aumento de capital em dinheiro. 

 

Recapitulando muito brevemente.

 

Os Requerentes entendem que, ao a quota ter sido adquirida inicialmente em 1974, aquando da constituição da sociedade, a mesma é de considerar adquirida antes da entrada em vigor do CIRS, a 1 de Janeiro de 1989[9].

 

Assim, e no que à quota respeita nos termos em que então foi adquirida – a saber, uma quota no valor de 500.000$00, correspondentes a € 2.493,98 - não são divergentes as posições das Partes. Quanto a não ficar sujeito a IRS o ganho obtido em 2017 correspondente a essa porção da quota.

 

Porém, mais entendem os Requerentes que assim se deve entender por referência ao total do valor da quota aquando da sua alienação onerosa em 2017 (e, assim, ao total do ganho de mais-valias obtido com a alienação). Não obstante a mesma ser, então, no valor nominal já não de € 2.493,98[10], mas sim de € 22.500,00. O que sucedeu (este aumento de valor da quota) em consequência da subscrição, pela sua titular, do montante de € 19.951,91 no aumento de capital, por entradas em dinheiro, ocorrido em 1991. Data à qual, pois, se encontrava já em vigor o CIRS[11].

 

E é aqui, nesta segunda dimensão, que a posição das Partes diverge. Entendendo a Requerida, contrariamente aos Requerentes, que - na referida parte do ganho de mais-valias (a correspondente à porção da quota que adveio à esfera jurídica da respectiva titular em consequência da subscrição de aumento de capital por entradas em dinheiro no ano de 1991[12]) – há incidência real. Se se preferir, entendendo a Requerida que não há – no que a esta parte do ganho de mais-valias respeita – exclusão de incidência. Precisamente por entender que nesta parte a quota deve considerar-se ter sido adquirida já na vigência do CIRS.

 

Traduzido por normas legais, defende a Requerida, contrariamente aos Requerentes, que não é de aplicar ao caso (à “segunda dimensão” do ganho[13]) o regime transitório consagrado pelo legislador, aquando da aprovação do CIRS, para a Categoria G, Mais-Valias – no art.º 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro[14]. Assim, que o regime transitório é de aplicar sim, e apenas, à “primeira dimensão” do ganho (a correspondente à parte da quota adquirida em 1974).

 

E assiste-lhe, em nosso entender, adiante-se desde já, razão.

 

Apelam as Partes, também, neste itinerário por normas legais, ao disposto pelo legislador no art.º 43.º, n.º 6, al. a) do CIRS[15], por via do qual os Requerentes defendem, contrariamente à Requerida, a aplicação ao caso - i.e., (também) à dita “segunda dimensão” do ganho - do regime transitório constante daquele n.º 5 do DL que aprovou o CIRS. Assim, e segundo os Requerentes: uma vez que na referida norma se dispõe que “a data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas (...) é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem”, deve entender-se que - não só no caso de Aumento de Capital por incorporação de reservas (rectius, no caso de aquisição de quota via Aumento de Capital por incorporação de reservas) - mas também no caso de Aumentos de Capital por entradas em dinheiro (rectius, no caso de aquisição de quota via Aumento de Capital por entradas em dinheiro) esta estatuição (considerar-se como data da aquisição a da aquisição “dos valores mobiliários que lhes deram origem”) será de aplicar.

 

Vejamos, antes de mais e de avançarmos, o quadro legal potencialmente pertinente ao caso.

 

No CIRS,

Capítulo I – Incidência

Secção I – Incidência real

 

Artigo 9.º - Rendimentos da categoria G

  1. Consideram-se incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:
  1. As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte;

(...)

 

Artigo 10.º - Mais-valias

  1. Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
  1. (...);
  2. Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, incluindo:

(...)

 

  1. (Revogado)

 

  1. Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1, (...).

 

  1. O ganho sujeito a IRS é constituído:
  1. Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, (...), nos casos previstos nas alíneas (...), b), (...) do n.º 1;

     (...)

(...)

*

NOTA: Refira-se, neste ponto, que na sua redacção vigente de 01.01.2003 até 31 de Dezembro de 2014[16], o art.º 10.º continha o n.º 2 com a seguinte redacção: “ 2- Excluem-se do disposto no número anterior as mais-valias provenientes da alienação de: a) acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses.”

*

 

Capítulo II – Determinação do rendimento coletável

Secção VI – Incrementos patrimoniais

 

Artigo 43.º - Mais-valias

  1. O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.
  2. (...)
  3. O saldo referido no n.º 1, respeitante às operações previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, relativo a micro e pequenas empresas (...), quando positivo, é igualmente considerado em 50% do seu valor.
  4. (...)
  5. Para apuramento do saldo positivo ou negativo referido no n.º 1, respeitante às operações efectuadas por residentes previstas nas alíneas b), (...) do n.º 1 do artigo 10.º, (...).
  6. Para efeitos do número anterior, considera-se que:
  1. A data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem;

(...)

 

Artigo 50.º - Correção monetária

1. O valor de aquisição (...) bens referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, bem como de partes sociais no caso da alínea b) do referido número, é corrigido pela aplicação de coeficientes (...), sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação da afetação.

2. A data de aquisição é a que constar do título aquisitivo (...).

 

No DL n.º 442-A/88, de 30.11[17]

Artigo 5.º - Regime transitório da categoria G

1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei n.o 46673, de 9 de Junho de 1965 (...) só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código.

2 - Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efectuada, quanto aos valores mobiliários, mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos.

3 - Quando, nos termos dos n.s 8 e 10 do artigo 10.º do Código do IRS, haja lugar à valorização das participações sociais recebidas pelo mesmo valor das antigas, considera-se, para efeitos do disposto no n.º 1, data de aquisição das primeiras a que corresponder à das últimas.[18]

 

Na CRP,

 

Art.º 103.º - Sistema fiscal

(…)

2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, (...).

 

Na LGT,

 

Título I - Da ordem tributária

Capítulo I – Princípios gerais

 

Artigo 5.º - Fins da tributação

(...)

  1. A tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material.

 

Artigo 8.º - Princípio da legalidade tributária

  1. Estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, (...).

(...)

 

Capítulo II – Normas tributárias

Artigo 11.º - Interpretação

1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

 

No CSC[19]

 

SECÇÃO II - Obrigações e direitos dos sócios 
SUBSECÇÃO I - Obrigações e direitos dos sócios em geral

Artigo 21.º

Direitos dos sócios

1 - Todo o sócio tem direito: 

a) A quinhoar nos lucros; 

(...)

 

Artigo 22.º

Participação nos lucros e perdas

1 – (...) os sócios participam nos lucros e nas perdas da sociedade segundo a proporção dos valores das respectivas participações no capital. 

(...)

 

SUBSECÇÃO II - Obrigação de entrada

Artigo 25.º

Valor da entrada e valor da participação

1 - O valor nominal da parte, da quota ou das acções atribuídas a um sócio no contrato de sociedade não pode exceder o valor da sua entrada, como tal se considerando ou a respectiva importância em dinheiro ou o valor atribuído aos bens no relatório do revisor oficial de contas, exigido pelo artigo 28.º. (...)

 

Artigo 26.º - Tempo das entradas

As entradas dos sócios devem ser realizadas no momento da outorga da escritura do contrato de sociedade, (...).[20]

 

CAPÍTULO VIII - Alterações do contrato 

SECÇÃO I – Alterações em geral (...)

 

SECÇÃO II - Aumento do capital 

Artigo 87.º - Requisitos da deliberação ou decisão

 

1 - A deliberação de aumento do capital deve mencionar expressamente
a) A modalidade do aumento do capital; 
b) O montante do aumento do capital; 
c) O montante nominal das novas participações; 
d) A natureza das novas entradas
e) O ágio, se o houver; 
f) Os prazos dentro dos quais as entradas devem ser efectuadas, sem prejuízo do disposto no artigo 89.º; 
(...)

 

Artigo 88.º - Eficácia interna do aumento de capital

1 – (...) considera-se, para todos os efeitos internos, que o capital é aumentado e as participações constituídas na data da deliberação, (...).

(...)

 

Artigo 89.º - Entradas e aquisições de bens

1 - Aplica-se às entradas nos aumentos de capital o preceituado quanto a entradas da mesma natureza na constituição da sociedade (...).[21](...)
 

Artigo 90.º - Fiscalização

(...)

 

Artigo 91.º- Aumento por incorporação de reservas

 

1 - A sociedade pode aumentar o seu capital por incorporação de reservas disponíveis para o efeito
2 - Este aumento de capital só pode ser realizado depois de aprovadas as contas do exercício anterior à deliberação (...).
3 - O capital da sociedade não pode ser aumentado por incorporação de reservas enquanto não estiverem vencidas todas as prestações do capital, inicial ou aumentado. 
4 - A deliberação deve mencionar expressamente
a) A modalidade do aumento do capital; 
b) O montante do aumento do capital; 
c) As reservas que serão incorporadas no capital. (...)

 

Artigo 92.º - Aumento das participações dos sócios

1 - Ao aumento do capital social por incorporação de reservas corresponde o aumento da participação de cada sócio, proporcionalmente ao seu valor nominal ou ao respectivo valor contabilístico (...). 
(...)
4 - A deliberação de aumento de capital deve indicar se são criadas novas quotas ou acções ou se é aumentado o valor nominal das existentes, caso exista, sendo que na falta de indicação, se mantém inalterado o número de acções. (...)

 

Artigo 93.º- Fiscalização

 

1 - O pedido de registo de aumento do capital por incorporação de reservas deve ser acompanhado do balanço que serviu de base à deliberação (...). (...)

 

 

TÍTULO III – SOCIEDADES POR QUOTAS

Capítulo III – Quotas

Artigo 219.º - Unidade e montante da quota

 

1 - Na constituição da sociedade a cada sócio apenas fica a pertencer uma quota, que corresponde à sua entrada. 
(...) 
4 - A quota primitiva de um sócio e as que posteriormente adquirir são independentes. O titular pode, porém, unificá-las, desde que (...). 
(...) 
6 - A medida dos direitos e obrigações inerentes a cada quota determina-se segundo a proporção entre o valor nominal desta e o do capital, (...).

 

TÍTULO IV – SOCIEDADES ANÓNIMAS

Capítulo III – Acções

Artigo 296.º - Utilização da reserva legal

A reserva legal só pode ser utilizada: (...)

c) Para incorporação no capital;

*

NOTA: Nas SQ, v. art.º 218.º

Artigo 218.º - Reserva legal (remete para o art.º 296.º)

***

 

Aqui chegados. E enquadrando muito genericamente.

Na análise das matérias em Direito Tributário há que ter presente a especificidade deste ramo jurídico. “Assente que de um ramo de Direito Público se trata, ele é Direito Público especial. Especialidade reforçada ao longo do tempo com o desenvolvimento das finanças modernas, que lhe aportaram um desenvolvimento e uma coerência interna que “robustecem a especialidade dos seus princípios e exigem um tratamento peculiar.”[22] E com isto pretendemos salientar que não é senão natural que, a uma boa hermenêutica do aqui contido - a fiscalidade - se exijam conhecimentos mais abrangentes que os “meramente” jurídicos. São para aqui chamadas a ciência das finanças e a ciência económica. Sem elas e, ainda, seja de conhecimentos de contabilidade, auditoria e realidade estatística tributária, seja do contexto envolvente do mercado único e direito da união europeia em geral, não será fácil (ou possível) o tratamento completo destas matérias. “(...) uma análise estritamente jurídica do fenómeno tributário, apesar da sua grande relevância teórica e da sua crescente importância prática, é só por si insuficiente para o apreender na riqueza das suas múltiplas implicações (...)”[23].

Esta verdadeira essência do Direito Tributário deverá ser, quanto a nós, “pedra de toque” a estar presente na actuação de todos (...) - seja legislador, seja Doutrina, seja Jurisprudência.”[24]

 

Por seu turno, em matéria de interpretação das normas tributárias dispõe o legislador no art.º 11.º da LGT que na determinação do sentido das mesmas e na qualificação dos factos a que se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (n.º 1) e que sempre que, nas mesmas, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem aqueles ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei (n.º 2).

 

Como também é sabido, e como vem reflectido nas normas acima percorridas do CSC (outro ramo de Direito do qual o legislador tributário empregou termos próprios, desde logo, na norma constante do art.º 43.º, n.º 6, al. a) do CIRS) em matéria de alterações ao contrato de sociedade temos como a mais relevante - à cabeça no Capítulo VIII do CSC (v. supra) – o Aumento de Capital.

 

O Aumento de Capital, como também se sabe e dali igualmente decorre, pode ser feito por uma de duas distintas modalidades. As quais vêm tratadas, separadamente, nos artigos 87.º a 90.º do CSC (inclusive) – respeitantes à modalidade Aumento de Capital por novas entradas – e, por sua vez, nos artigos 91.º a 93.º do CSC (inclusive)[25] – normativos, estes últimos, respeitantes à modalidade Aumento de Capital por incorporação de reservas. Se dúvidas houvesse quanto a esta delimitação de objecto dos normativos legais, uns respeitantes à primeira referida modalidade, e os outros à segunda, v., por todos, Raúl Ventura[26], assim: “(...) o aumento de capital por incorporação de reservas tem tratamento autónomo nos arts. 91.º e 92.º (...).” Ou, ainda, assim: “A Secção II, dedicada ao aumento de capital, ocupa-se de duas modalidades desta: o aumento por novas entradas e o aumento de capital por incorporação de reservas. Teria esta secção ficado mais correcta se tivesse sido ainda subdividida, indicando expressamente os preceitos relativos ao aumento de capital por novas entradas e ao aumento de capital por incorporação de reservas. Assim teriam sido evitadas dúvidas quanto ao âmbito dos arts. 87.º e 88.º, que, pela generalidade da sua redacção, parecem aplicáveis às duas modalidades, quando na realidade assim não acontece. Os arts. 87.º a 90.º, inclusive, respeitam ao aumento de capital por novas entradas e os arts. 91.º a 93.º ao aumento de capital por incorporação de reservas.”[27]

 

Dito isto, avancemos.

 

A natureza das duas modalidades de Aumento de Capital (“AC”) não é confundível. Se na primeira – i.e., por novas entradas (ou em dinheiro, ou em espécie) – o aporte ao Capital Social é feito, como a denominação esclarece, por meio de novas entradas - capitaliza-se a sociedade por via e na medida das entradas subscritas e realizadas[28] -, já assim não sucede na segunda modalidade - i.e., no AC por incorporação de reservas. Aqui, do que se trata é sim, e tão só, de utilizar para/destinar a Capital Social uma das rúbricas integrantes do capital próprio da sociedade – as reservas[29] (cfr. Conta 55 do SNC).[30] Património líquido da sociedade.

 

Ao tratar esta última modalidade de AC explica Raúl Ventura[31] que a mesma traduz um AC sem acréscimo de novas riquezas. E expõe assim: “(...) no caso de incorporação de reservas, importâncias que se encontravam na rubrica Reservas passam para a rubrica Capital; é manifesto que (...) não houve, nessa altura, nenhum acréscimo do activo social. / É, contudo, exagerado reduzir o aumento de capital por incorporação de reservas a uma simples operação de contabilidade; há uma operação de contabilidade, mas esta limita-se a reflectir uma operação de carácter jurídico, assim como o aumento de capital por novas entradas acarreta uma mudança contabilística, pelo aumento no passivo do montante do capital social. A operação jurídica consiste em sujeitar uma parte do activo social ao regime jurídico do capital; tudo o mais são simples consequências desse facto. / Assim, esta modalidade de aumento de capital importa uma escolha pelos sócios entre dois regimes do activo social, com influência na situação dos sócios; quando deliberam incorporar reservas no capital, os sócios, quanto à importância do aumento, deixam de poder proceder mais tarde à atribuição individual da parte do activo correspondente a essas reservas, visto que a sujeitam a um regime de intangibilidade. (...).” / “Outro corolário da natureza da operação é o reflexo nas participações sociais. Desde que, em certos tipos de sociedades, é obrigatoriamente fixado no contrato o montante nominal das participações sociais e a soma desses montantes deve corresponder ao montante do capital social, o aumento deste montante [i.e., do Capital Social[32]] acarreta uma adaptação dos montantes das participações, ou por correcção do montante de cada uma ou por correcção do número de todas.” E, mais adiante, assim: “Quanto aos sócios, não retiram desta operação qualquer vantagem patrimonial directa. Pressupondo que o aumento de capital foi correctamente realizado, a sua participação (global) na sociedade tem precisamente o mesmo valor real que tinha antes daquele; basta reparar em que nada de novo entrou no activo social e, por outro lado, o passivo não foi aumentado ou diminuído. Só não seria assim se o valor real da participação coincidisse com o valor nominal, mas nesse caso não existiriam reservas incorporáveis no capital. Como o valor real da participação já toma em conta o valor das reservas, a mudança destas para o capital deixa intacto aquele valor real. Apenas acontece que, depois do aumento de capital, o valor nominal (ou a soma dos valores nominais) das participações dos sócios fica mais aproximado do valor real destas.”

 

E o que acaba de se percorrer auxilia, quanto a nós, não só à compreensão dos conceitos de AC por incorporação de reservas versus por novas entradas em dinheiro, mas, também, dos conceitos de valor nominal versus valor real da participação dos sócios numa sociedade (quota de capital versus quota de participação poderia ser outra abordagem conceptual, com referência a esta última distinção). 

 

Dito também isto.

 

Está em causa nos autos uma questão de aplicação da lei no tempo. Que o DL que aprovou o CIRS veio tratar. No seu art.º 5.º (v. supra).

 

Vejamos.

Como se compreende cuidou-se, por esta via - ratio legis [33]- de acautelar direitos adquiridos. Acautelar que ficam salvaguardados os direitos adquiridos, à data da entrada em vigor da nova lei, pois. Em cumprimento dos Princípios da legalidade e da protecção da confiança. Corolários do Estado de Direito Democrático. Situações adquiridas, portanto.

 

E, assim, determina o referido art.º 5.º do DL que aprova o CIRS (doravante também “o DL”) - “Regime transitório da categoria G” (supra) - que os ganhos que agora nos termos do CIRS passam a constituir mais-valias tributáveis (cfr. art.º 10.º) e que não se encontravam sujeitos, até então[34], a Imposto de Mais-Valias (cfr. Código do Imposto de Mais Valias aprovado pelo DL n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965) tão só ficarão sujeitos a IRS se “a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código”.

 

Desta norma, de direito transitório, decorre assim o princípio geral de que não estão sujeitos a tributação os ganhos de mais-valias decorrentes da alienação de bens ou direitos adquiridos antes de 1 de Janeiro de 1989 - desde que não estivessem sujeitos ao velho Imposto de Mais-Valias.[35] E a transmissão onerosa de quotas e acções não vinha, ali, tributada. O artigo 1.º daquele Código delimitava as mais-valias sujeitas àquele Imposto pela enumeração daí constante, na qual se não incluíam os ganhos gerados por tais transmissões.

 

Estamos, assim também, naquele art.º 5.º do DL, e no que à transmissão onerosa de quotas respeita, perante uma norma de exclusão de incidência, em IRS.

 

Pois bem.

Terá já ficado claro, pela exposição de conceitos acima, como no caso de uma aquisição de quota por via de um AC por incorporação de reservas os sócios não estão a contribuir com mais nenhum aporte para a sociedade, que não apenas estão a permitir que valores já integrantes do património líquido da mesma sejam transferidos para a rúbrica de Capital Social. Valores, pois, que integravam já a sua quota de participação, o valor real da sua quota (que não, até então, o valor nominal).

 

Valor nominal é neste contexto, afinal, sempre se diga, uma representação monetária. O único montante monetário constante do contrato de sociedade respeita à quota de capital e não à quota de participação. A função da quota de capital é exprimir, através de uma proporção entre o seu montante e o montante de capital, a medida dos direitos e obrigações dos sócios.[36]

 

E, de tudo o que antecede já se alcançará, os direitos dos sócios - aquando da utilização de reservas, existentes no património líquido da sociedade, para incorporação no Capital Social – os direitos dos sócios, na sociedade, dizíamos, não sofrem alteração. Aquilo que já era seu de direito assim continuará a ser (ainda que com um regime específico quanto à indisponibilidade). A aquisição faz-se, nesta modalidade, por via de um direito próprio anterior.

 

O direito na origem do ganho de mais-valias que, um dia, vem a ser gerado pela venda da quota que, a seu tempo, havia sido adquirida por via de AC por incorporação de reservas existia já na esfera jurídica do sócio antes da incorporação de reservas (e isto, sempre se note, independentemente de deste AC decorrer a criação de nova(s) quota(s) ou a alteração, para mais, do valor nominal das já então existentes; v. art.º 92.º, nº 4 do CSC). “O aumento de capital por incorporação de reservas aproveita uma situação sólida do património social para através dele se dilatar o capital social sem captação doutros fundos.”[37]

 

Diferentemente, na subscrição de um Aumento de Capital por novas entradas. Como, ademais, o nome indica. Aqui, é aquando do Aumento de Capital que se subscreve que o sócio realiza a entrada em dinheiro – adquirindo, por essa via, então, um (novo) direito. Direito que não havia, pois, adquirido antes desse momento.

 

E não será por, havendo subscrição de AC por novas entradas, em dinheiro, daí decorrer a criação de novas quotas ou, ao invés, a alteração, para mais, do valor nominal das pré-existentes, que a realidade subjacente, que vimos de aflorar, se altera. V., entre o mais, art.º 219.º, n.º 4 do CSC[38]: a quota primitiva de um sócio e as que posteriormente adquirir são independentes; o titular pode, porém, unificá-las. “O aumento de capital pode suscitar por duas vias o problema da cumulação de quotas: cumulação da quota anterior com quota no capital aumentado; cumulação de duas quotas no capital aumentado. (...) “quota primitiva de um sócio” deve significar “quota inicial originariamente adquirida pelo sócio que se dispõe a adquirir outra.” A razão de ser do preceito não reside, porém, nessa dupla característica da quota possuída pelo sócio; o legislador ocupou-se directamente da quota primitiva do sócio, mas a regra assenta sobre o momento das aquisições e para isso é indiferente que se trate de quota primitiva do sócio ou de qualquer quota que o sócio possua no momento da segunda aquisição; (...) As quotas conservam-se independentes. / O art.º 219.º, n.º 4 trata expressamente da unificação de quotas (...) podem ser mantidas autónomas várias quotas, apesar de pertencerem a uma só pessoa. (...) Inversamente, também parece certo que, embora a lei fixe uma participação social quantitativamente unitária – é o caso das legislações que para as sociedades de responsabilidade limitada consagram o princípio da quota única permanente – nenhum argumento pode daí deduzir-se para a unidade qualitativa, isto é, o facto de existir uma só quota por pessoa não significa que essa quota seja formada por um só direito.”[39]

 

De tudo o que vem de se percorrer se concluindo, assim o vemos, as situações (as duas modalidades de AC) serem, efectivamente, distintas por natureza.

 

E assim também se compreendendo que, numa situação em que a uma quota adquirida em 1974 viesse a acrescer um montante monetário decorrente de um AC por incorporação de reservas (elevando-se o seu valor nominal como consequência desse aumento – nos termos do art.º 92.º, n.º 1 do CSC - e independentemente de terem ou não sido criadas quotas novas, o que sempre resultaria na mesma consequência, diga-se) fosse de aplicar a norma de exclusão de incidência do art.º 5.º do DL.

 

O que, aliás, também se concluiria, parece-nos, independentemente do art.º 43.º, n.º 6, al. a).

 

Em todo o caso, vejamos agora quanto a esta última norma. Em que medida por via da mesma seríamos, ou não, conduzidos à aplicação do mesmo regime de exclusão de incidência também ao caso da aquisição de quota (ou de “parte” de quota) em consequência de subscrição de um AC por entradas em dinheiro na vigência do CIRS.

 

Comece por referir-se que, como quer que seja, independentemente de a norma em questão se destinar, em bom rigor, ao apuramento da matéria colectável (o saldo de MV), o sentido que da mesma decorre quanto à incorporação de reservas para efeitos, afinal, de contagem do tempo de detenção dos valores mobiliários - e, afinal, tendo primariamente em vista o regime favorável que constava do n.º 2 do art.º 10.º - não deixa de ser coerente, também, com o que vimos de concluir acima.

 

Pretendem, porém, os Requerentes, mais do que isso, fazer aplicar o regime de exclusão tributária do art.º 5.º do DL, por via da aplicação do art.º 43.º, n.º 6, al. a) do CIRS, ao ganho de mais valias obtido e correspondente à aquisição da “parte” da quota por subscrição de aumento de capital por entradas em dinheiro – em 1991.

 

Invocam, na defesa da tese por que pugnam, que assim como ao Aumento por incorporação de reservas é reconhecido o regime de exclusão (melhor, ao ganho correspondente à aquisição ocorrida por via desse Aumento), igualmente no Aumento por novas entradas na vigência do CIRS tal deverá suceder.

 

Segundo defendem, a Requerida - ao assim não o ter entendido no acto em crise – errou na interpretação da norma – i.e., na interpretação do art.º 43.º, n.º 6, al. a).

 

Vejamos então. Tendo por referência, sempre, os critérios hermenêuticos devidos aplicar e que se conhecem (cfr. art.º 11.º da LGT e art.º 9.º do CC). Desde logo a interpretação da norma não poderá fazer-se sem que para a mesma exista um mínimo de correspondência verbal na respectiva letra. Que é - logo por aqui - onde ab initio perde amparo, quanto a nós, a tese dos Requerentes. Como segue. E retomando a redacção da norma:

 

“6. Para efeitos do número anterior, considera-se que:

  1. A data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem;”

 

Antes de mais, de notar que a norma estará destinada, sobretudo, a acções. Como quer que seja, é quanto a nós clara a divisão da norma em duas partes, na sua previsão. Uma até “de reservas”. E outra desde “ou por” e até “sociedade emitente,”. E queremos com isto também significar que aquilo que na norma se encontra entre vírgulas respeita, tão só, à segunda parte da norma. Assim: “ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente,”. Com efeito, é isso mesmo que decorre, desde logo, da pontuação utilizada pelo legislador. Mas não só. Pelo próprio sentido que ali se apreende não poderia deixar de assim ser entendido. Uma “sociedade emitente” será emitente de acções, que não de quotas. E será em Sociedades Anónimas que surgirão as situações, dali constantes (daquela segunda parte), de substituição de títulos por motivos que não directamente relacionados com o seu valor real (alteração do valor nominal – pense-se, por hipótese, numa OPA; note-se, também, como a alteração pode ser para menos; alteração do objeto social - pense-se, por exemplo, em situações que ocorrem aquando de fusões e aquisições...). A segunda parte a que nos referimos está, assim, a nosso ver, delimitada. E não vemos como poder interpretá-lo de outra maneira.

Por fim, a primeira parte da norma - a que se reporta ao aumento por incorporação de reservas e consequência do mesmo para efeitos de determinação da data de início de detenção dos títulos – não tem relação possível, muito menos equiparação, quanto a nós, com situações de aquisição por subscrição de aumento de capital por novas entradas. Por tudo o que vimos também de ver acima. Sendo a natureza das duas modalidades de Aumento claramente distintas, e mais não se alcançando em que medida teria o legislador - que tem que presumir-se razoável e como tendo consagrado as melhores soluções dentro do espírito do Sistema – nesta sede, e para estes efeitos, feito equipar as duas modalidades.

Fazendo também apelo ao n.º 2, novamente, do art.º 11.º da LGT – não poderia senão concluir-se como vimos imediatamente de concluir. E por tudo o percorrido já supra.

 

Se dúvidas houvesse, nem estamos sós na interpretação que entendemos ser a devida da norma em questão. Por todos, v. Xavier de Basto[40], assim: “Também no mesmo sentido, de favorecer a aplicação da exclusão de incidência que acabamos de referir, aponta a norma da alínea a). O caso nela previsto é a de a mais-valia se realizar em valores mobiliários (acções) que tenham sido adquiridos por incorporação de reservas ou em títulos que tenham sido recebidos em substituição de outros, designadamente em resultado da alteração do valor nominal ou modificação do objecto da sociedade. A norma manda considerar como data de aquisição desses títulos a data de aquisição dos títulos originários, novamente com a consequência de manter a data primitiva e assim “ajudar a passar o tempo” para a exclusão de incidência. Se é certo que a solução é plenamente justificável nas situações previstas na segunda parte desta alínea [a)], já que então a substituição dos títulos resulta de factores que não têm relação directa com o seu valor real (alteração do valor nominal, denominação em moeda diferente, alteração do escopo societário...), no caso da incorporação de reservas manter como data de aquisição a data das acções primitivas é favorecer que escapem ao IRS, através da norma de exclusão de incidência, as mais-valias que resultam da incorporação de reservas.”

 

De tudo o que antecede, não se vê como alcançar através desta norma o resultado pretendido pelos Requerentes, e pelo qual pugnam nos autos. Nem de outra.

 

Com efeito, dispondo o art.º 10.º, n.º 1, al. b) que constituem mais-valias os ganhos obtidos que resultem de alienação onerosa de partes sociais, e não sendo aplicável ao caso, por tudo o que vimos, a norma de exclusão de tributação constante do art.º 5.º do DL, não haverá senão que concluir-se no sentido da conformidade à lei do acto em crise. Tenham-se em conta, ademais, os normativos constitucionais e legais respeitantes ao Princípio da legalidade e aos elementos essenciais da relação jurídico-tributária (v. supra, CRP e LGT).

 

Nem se vê como, sempre se diga, pudesse sustentar-se, neste mesmo enquadramento, uma interpretação extensiva de uma norma de delimitação negativa de incidência.

 

E sempre ainda se podendo chamar à colação o art.º 50.º, n.ºs 1 e 2 do CIRS, onde se determina a data de aquisição nesta sede – e para efeitos de correcção monetária – ser aquela que constar do título aquisitivo. O que, para o caso de Aumento de Capital em questão nos autos deverá conjugar-se, desde logo, com o disposto nos art.ºs 88.º, n.º 1, 89.º, n.º 1 e 26.º do CSC (supra). De onde se concluirá a data de aquisição da “parte” da quota cujo ganho se discute estar ou não sujeito a IRS ser a data do Aumento de Capital, em 1991 (na vigência, pois, do CIRS). Como na Liquidação em crise.

 

Sendo que, insista-se, não será por ter sido deliberado, em consequência do AC, adicionar o valor das entradas realizadas em dinheiro às quotas já pré-existentes que a natureza da operação se altera. O AC foi subscrito em 1991, tendo a titular da Quota realizado - então - a entrada em dinheiro para o efeito. Se, em consequência deste facto - determinante da aquisição originária de uma quota – os sócios entenderam, ao invés de criar novas quotas, adicionar o montante das entradas então realizadas às quotas pré-existentes, tal não desconfigura a realidade. Aquisição originária de uma quota, ou de uma “parte” de quota de capital, se se preferir. Como também vimos acima, num AC por incorporação de reservas a norma, supletiva e não mandatória, é a de que as quotas serão aumentadas no seu valor nominal – v. art.º 92.º, n.º 4. Por sua vez, em consequência de um AC por novas entradas poderão criar-se novas quotas, como poderão estas, criadas, ser unificadas com quotas pré-existentes, como também poderá manter-se desde logo o número de quotas. Como sucedeu no caso. V. art.s 25.º, n.º 1, 87.º, 88º, 89.º e 219.º, n.º 4 do CSC. Sendo que a medida dos direitos e obrigações inerentes a cada quota se determina a partir da proporção entre o respectivo valor nominal e o valor do Capital Social – cfr. art.º 219.º, n.º 6 do CSC. E a isto, precisamente, se reconduz – vimo-lo também – a função da quota de capital. Valor nominal da quota de capital que será materializado, de igual maneira, seja numa única quota, seja em várias (neste último caso pela soma dos respectivos valores nominais). Sendo a materialidade subjacente, pois, a mesma.

 

Nem também assim se alcança o que se possa pretender significar com – com referência à aquisição de quotas -“aquisição por alteração do valor nominal”. A alteração do valor nominal, terá ficado claro, não é uma causa, será sim uma consequência do aumento do valor real da quota de capital. Aumento este que terá origem num facto determinante de aquisição. Facto determinante de aquisição originária que poderá ser, desde logo, a aquisição de quotas novas na constituição de uma sociedade, ou um Aumento de Capital.

*

 

Como no início ficou percorrido, os Requerentes colocam em crise a liquidação em IRS com o fundamento de - ao a Requerida não ter interpretado o art.º 43.º, n.º 6, al. a) no sentido de abranger aquisições de quotas por via de AC por novas entradas - ter incorrido em violação de lei. Por assim não se ter feito aplicar o regime transitório do art.º 5.º do DL.

 

Por tudo o que antecede, não colhe a tese dos Requerentes. A Liquidação é conforme à lei.

 

Vejamos por fim. Não ignoramos a existência do douto Acórdão do STA de 07.03.2018, prolatado no proc. 0149/17, do qual respeitosamente divergimos por considerarmos que a interpretação que no mesmo é feita da norma constante do art.º 43.º, n.º 6, al. a) não é a mais correcta.

 

Referimo-nos desde logo ao que ali é inferido a partir da norma e que, ressalvado todo o devido respeito, não terá amparo verbal na letra da lei. Como acima também já aflorado. É que a previsão da norma à qual o legislador fez corresponder a estatuição - “[a data de aquisição] é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem” - não é haver aumento do valor nominal das quotas. A previsão - aquela que aos nossos autos também releva - é sim aquisição de valores mobiliários pelo sujeito passivo por incorporação de reservas. E a outra previsão – que da norma constam duas, distintas – será aquisição de valores mobiliários pelo sujeito passivo por substituição daqueles [inicialmente adquiridos], designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente.

Desde logo, a inexistência de vírgula entre “por incorporação de reservas” e “ou por substituição daqueles” é de notar. A nosso ver, o que depois se encontra, sim, entre vírgulas, é precisamente respeitante, tão só, à segunda parte da oração. A alteração do valor nominal a que na segunda parte da oração se faz referência não se relaciona com a aquisição de valores mobiliários por incorporação de reservas constante da primeira parte da oração. Como decorre da colocação da pontuação (vista), e como logo decorreria da natureza das coisas.

A referida aquisição por incorporação de reservas tanto pode ter por consequência um aumento de valor nominal das quotas já existentes como pode, diferentemente, traduzir-se na criação de novas quotas. E pergunte-se: quereria o legislador diferenciar - neste contexto, de apurar qual a data a ser considerada como data de aquisição – diferenciar, dizíamos, entre uma situação e a outra? Ou seja, quereria o legislador - havendo incorporação de reservas, aquisição de valores mobiliários por via de um AC por incorporação de reservas – considerar como data da respectiva aquisição a data de aquisição das quotas que lhe deram origem apenas e só quando em consequência desse AC se aumentasse o valor nominal das quotas de capital já existentes? E não já assim quando em consequência desse aumento de capital (por incorporação de reservas) fossem criadas quotas novas? Parece-nos evidente a resposta no sentido de que não, o legislador não o quereria. Desde logo por ser, como teremos que presumir, um legislador razoável que consagra as melhores soluções dentro do espírito do Sistema. Em ambos os casos sendo a modalidade e, assim, a natureza do aumento, a mesma: incorporação de reservas. Com as especificidades que lhe são próprias, e que vimos.

Se dúvidas houvesse quanto a que do Aumento por incorporação de reservas pode resultar qualquer uma das duas hipóteses (aumento do valor nominal das quotas já existentes versus criação de quotas novas) v. art.º 92.º, n.º 4 do CSC, que trata precisamente da modalidade de AC em questão. Cfr. também supra.

Por outro lado, a segunda parte da oração será dirigida a situações sobretudo, senão exclusivamente, de sociedades anónimas, capital social representado por acções, pois.

Que no caso de AC, e assim aquisição de valores mobiliários, por incorporação de reservas, se há-de fazer corresponder a respectiva data de aquisição – para efeitos de apuramento do saldo de MV (cfr. art.º 43.º do CIRS, n.º 6) – à da aquisição dos valores mobiliários originais é algo que, parece-nos, decorrerá da natureza das coisas. E que coisa diferente sucede quando a aquisição se faça mediante novas entradas em dinheiro, realizadas precisamente aquando do AC, não deixará também de revelar-se claro.

 

Mais, que racional que explicaria o facto “aumento do valor nominal” das quotas/acções levar a que a data de aquisição das mesmas a considerar fosse a data de aquisição dos valores mobiliários originais? Pelo simples optar por parte dos sócios entre aumentar o valor nominal das participações de capital existentes ou – diferentemente – criar novas quotas de capital, a data de aquisição dos valores mobiliários em questão sofreria alteração? Sem relevância dada à substância da operação e apenas atentando na forma?

Para os mesmos efeitos pretendidos pelos Requerentes nestes autos (aplicabilidade da exclusão de tributação via regime transitório da Categoria G) se podendo então prolongar ad aeternum a exclusão de tributação: bastaria de cada vez que se deliberasse um Aumento de Capital – mesmo que por novas entradas – se deliberasse manter o número de quotas de capital já existente e simplesmente aumentar o seu valor nominal. Ao invés de criar quotas novas. Ou até criar quotas novas e unificá-las (com o assim também consequente aumento do valor nominal). Situação razoável, querida pelo legislador? Não cremos.

 

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A terminar, nem se diga que a Jurisprudência que acaba de se referir é uniforme. Aquele é o único Aresto do STA que se conhece, e sobre esta mesma questão fundamental de Direito existe Acórdão do TCA Norte – de 28.09.2017, proc. 01264/09. Revendo-nos nós na interpretação e aplicação da lei que neste último é feita, e em cujo Sumário se lê:

“1. Inexistindo norma tributária de isenção, ou não sujeição a imposto, dos ganhos obtidos com a alienação de quotas sociais adquiridas no domínio de vigência do Cód. do IRS por entradas em dinheiro, tais ganhos estão sujeitos a tributação por força do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRS.

2. Se incluídas na alienação quotas constituídas ou adquiridas pelo sujeito passivo anteriormente à entrada em vigor do CIRS, portanto não sujeitas a imposto (n.º 1 do art.º 5.º do D.L. 442-A/88, de 30 de Novembro), os ganhos devem ser decompostos (no caso, valor das quotas constituídas em 1987 e valor das quotas adquiridas em 2002) para efeitos de exclusão ou sujeição a tributação, segundo determinado critério de imputabilidade.”

 

Teríamos, assim, decidido pela improcedência do PPA.

Lisboa, 12 de Outubro de 2022

 

Sofia Ricardo Borges

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] E seguindo de perto o Acórdão proferido no processo nº 65/2022-T, disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?id=6522.

[4] Quaisquer negritos e/ou sublinhados ao longo da presente serão nossos, salvo se indicado em contrário.

[5] Valores estes em euros cfr. redenominação, entretanto, do CS para euros.

[6] Sempre que na presente Decisão nos referirmos a normas sem indicação do respectivo Diploma Legal estaremos a reportar-nos ao CIRS.

[7] (com a consequente aplicação da respectiva estatuição)

[8] (com a consequente aplicação da respectiva estatuição)

[9] Cfr. art.º 2.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprova o CIRS.

[10] Depois redenominado para € 2.500,00.

[11] 1 de Janeiro de 1989, v. nota anterior.

[12] E que corresponderá à parte da quota traduzida na diferença entre € 22.500,00 e € 2.500,00. € 20.000,00, portanto. Valor este depois – no acto em crise – actualizado cfr. correcção monetária (cfr. art.º 50.º).

[13] A expressão é nossa, por facilidade.

[14] Ao qual adiante nos dirigiremos.

[15] V. redacção infra

[16] (antes vigorara redacção com diferente tempo de detenção exigido para a exclusão de incidência)

[17] Que aprova o CIRS.

[18] (n.º 3 aditado pelo DL 6/93, de 9 Jan.)

[19] Código das Sociedades Comerciais

[20] V., em relação, o art.º 89.º, infra

[21] V. nota anterior.

[22] Xavier, Alberto, Manual de Direito Fiscal, Manuais da FDL, Almedina, 1974, p. 24

[23] ibidem, p. 26

[24] Borges, Sofia Ricardo, “A Taxa de Segurança Alimentar Mais – Enquadramento – Análise de Jurisprudência”, in RFPDF, Ano X ¾ 17, Ed. Almedina, 2018, pp. 185-186

[25] V. supra

[26] In “Alterações do contrato de sociedade”, 2.ª Ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1988, p. 263

[27] Op cit, pp. 94-95

[28] Cfr. dispositivos legais do CSC, supra

[29] Cfr. dispositivos legais do CSC, supra

[30] “55 Reservas – As contas (...) registam a constituição e a utilização de excedentes de resultados que a entidade tenha deliberado reservar com base em disposição legal ou estatutária ou por decisão dos detentores de capital).”

[31] In “Sociedades por Quotas”, Vol. I, 2.ª Ed. (reimpressão), Almedina, 1993

[32] (nota nossa)

[33] E tenha-se presente os critérios hermenêuticos devidos aplicar, cfr. art.º 9.º do CC por via do art.º 11.º, n.º 1 da LGT.

[34] Até à entrada em vigor do CIRS

[35] Também assim, v. Manuel Faustino, “A tributação do rendimento das pessoas singulares” in “Lições de Fiscalidade”, Vol. I, Almedina, 2017, p. 240;

[36] V. Raúl Ventura, op cit

[37] Jorge Henrique Pinto Furtado, in “Curso de Direito das Sociedades”, 4.ª Ed., Almedina, 2001

[38] supra

[39] Raúl Ventura, in “Sociedades por Quotas”, Vol. I, 2.ª Ed. (reimpressão), Almedina, 1993

[40] In “IRS: Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos”, Coimbra Editora, 2007, referindo-se à mesma norma, então com o n.º 4.