Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 626/2021-T
Data da decisão: 2022-10-24  IVA  
Valor do pedido: € 461.754,89
Tema: IVA – Prestações de Serviços de Nutrição – Acessoriedade – Serviços de Ginásio.
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Sumário

 

  1. O procedimento inspetivo não padece de déficit instrutório se a AT realizou diligências com vista à identificação e demonstração das correções, nomeadamente a deslocação a um dos estabelecimentos do contribuinte, e lhe submeteu diversos pedidos de elementos e de esclarecimentos, coligindo factos que suportam os atos de liquidação.
  2. Ao Tribunal cabe apreciar a legalidade dos atos de liquidação nos moldes em que os mesmos foram praticados, ficando o objeto da ação circunscrito aos fundamentos externados pela AT em momento contemporâneo ao da respetiva emissão.
  3. Não tendo sido posta em crise, pela Requerida, a finalidade terapêutica dos serviços de nutrição ou a aplicabilidade da isenção prevista no artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA, caso aqueles serviços fossem isoladamente considerados, não cabe ao Tribunal apreciar essa matéria como causa invalidante dos atos tributários, uma vez que não foi esse o motivo que lhes presidiu, mas apenas a respetiva acessoriedade aos serviços de ginásios.
  4. Nas circunstâncias em que os clientes de ginásio do Requerente: i) celebram com este contratos de adesão à prática desportiva nos seus estabelecimentos, padronizados, que incorporam obrigatoriamente a subscrição de consultas de nutrição, independentemente da modalidade de adesão e incluídas no montante dessa modalidade; ii) podendo a falta de subscrição dessas consultas ser fundamento de recusa da celebração do contrato, deve considerar-se que estamos perante uma única prestação, em que os serviços de nutrição são indissociáveis do contrato de adesão ao ginásio e não constituem uma finalidade autónoma, do ponto de vista do consumidor médio, mas um meio de beneficiar do serviço de ginásio nas melhores condições, em linha com os critérios definidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.
  5. A esta conclusão não obsta o facto de, em abstrato, ser possível o acesso às consultas por clientes externos, uma vez que o que é relevante para apreciar a natureza acessória ou não das prestações não é a perspetiva individual de cada cliente, mas sim a da generalidade da clientela, sendo que no período de 3 anos objeto de correções de IVA o Requerente apenas demonstrou existirem 2 clientes nesta situação.
  6. À prestação única é aplicável IVA à taxa normal de 23% ao abrigo do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea c) do Código deste imposto.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 31 de dezembro de 2021, Alexandra Coelho Martins (presidente), Henrique Nogueira Nunes, indicado pelo Requerente, e Manuela Roseiro, designada pela Requerida, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

 

A..., Lda., pessoa coletiva número ..., com sede na ..., n.º ..., R/C, ...-... Coimbra, adiante designado por “Requerente”, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º  e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), exercendo a opção de designar árbitro. 

 

O Requerente pretende a declaração de ilegalidade e a anulação das liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e juros compensatórios emitidas em relação a todos os períodos (mensais) dos anos 2016 a 2018, no montante total de € 461.754,89, com o consequente reembolso das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.

 

 É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.

 

Em 29 de setembro de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, do que foi notificada a AT.

 

O Requerente designou como árbitro o Dr. Henrique Nogueira Nunes, ao abrigo da prerrogativa prevista no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, tendo a Requerida indicado a Dra. Maria Manuela do Nascimento Roseiro.

 

Os árbitros designados comunicaram ao CAAD a designação da Dra. Alexandra Coelho Martins como árbitro presidente, conforme preveem os artigos 6.º, n.º 2, alínea b) e 11.º, n.º 6 do RJAT.

 

Todos os árbitros comunicaram a aceitação do encargo, tendo o Exmo. Presidente do CAAD informado as Partes da respetiva nomeação, em 13 de dezembro de 2021, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT, não tendo estas manifestado oposição.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 31 de dezembro de 2021.

 

            Em 7 de fevereiro de 2022, a Requerida apresentou a sua Resposta, na qual se defende por impugnação e pugna pela improcedência do pedido arbitral, tendo junto posteriormente o processo administrativo (“PA”)

 

Em 29 de março de 2022, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, com inquirição das testemunhas indicadas pelo Requerente. As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas e o Tribunal designou a data de prolação da decisão arbitral, (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

 

 

O Requerente apresentou alegações em 22 de abril de 2022 e a Requerida contra-alegou em 4 de maio de 2022, tendo ambas as Partes reafirmado, no essencial, as posições assumidas nos respetivos articulados.

 

Por despachos de 20 de junho e de 24 de agosto de 2022, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.

 

Posição do Requerente

 

Como fundamento da sua pretensão o Requerente alega as seguintes ilegalidades:

 

  1. Violação do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material (v. artigos 58.º da Lei Geral Tributária – “LGT” e 5.º e 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira – “RCPITA”), considerando que a Requerida não apurou a realidade das prestações de serviços de ginásio e de nutrição realizadas, nomeadamente através da deslocação aos clubes e do contacto direto com os nutricionistas e com os clientes, o que lhe permitiria constatar que os serviços de nutrição são prestados em zonas autónomas dos outros serviços, em particular os de ginásio;
  2. Falta de fundamentação (v. violação do artigo 77.º da LGT e 268.º, n.º 3 da Constituição), por não terem sido apresentados elementos factuais de análise da atividade do Requerente demonstrativos da instrumentalidade da nutrição face à atividade de ginásio, assentando as liquidações num pré-juízo baseado em posições assumidas pelos Serviços Centrais, sendo falso que o Requerente não tenha clientes apenas de nutrição;
  3. Violação do ónus da prova (v. artigo 74.º da LGT), estribada no argumento de falta de demonstração, pela AT, de que “não existem clientes que apenas vão aos ginásios para ter consultas de nutrição”, e de que as prestações de serviços do Requerente [de ginásio e de nutrição] constituem uma única operação e não (duas) prestações distintas;
  4. Erro nos pressupostos por violação dos artigos 9.º, 1) do Código do IVA e 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA[1], em virtude de as prestações de serviços de nutrição em causa serem distintas e autonomizáveis e, portanto com enquadramento no regime de isenção previsto no artigo 9.º, 1) do Código do IVA, não se encontrando condicionadas à prestação de serviços de ginásio.

 

Posição da Requerida

 

Segundo a Requerida não se verificam as ilegalidades imputadas aos atos tributários controvertidos, uma vez que:

 

  1. Inexiste violação do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, tendo os serviços de inspeção tributária desenvolvido os procedimentos instrutórios necessários, incluindo a deslocação a um dos estabelecimentos do Requerente (ao contrário do que foi por este alegado), e, bem assim, remetido pedidos de elementos e de esclarecimentos ao Requerente. Acrescenta que a AT não se negou a qualquer diligência de prova que o Requerente tivesse requerido, não tendo este proposto diligências adicionais em fase de audiência prévia, o que podia ter feito;
  2. A Requerida demonstrou, como lhe competia, a existência de operações, os seus montantes e a não liquidação de imposto, matéria que não é sequer controvertida. Por outro lado, cabia ao Requerente a prova dos pressupostos constitutivos da isenção que alega, o que não logrou fazer. Em qualquer caso, a Requerida fez prova de factualidade que conduz à conclusão de que o Requerente não tinha direito a aplicar a isenção, em virtude de os seus clientes de serviços de ginásio contratarem necessariamente também vários serviços, de entre os quais os de nutrição, e de, neste caso, o Requerente desagregar o valor, aplicando a isenção;
  3.  Os atos tributários foram devidamente fundamentados, permitindo descobrir o percurso cognitivo e valorativo para chegar à decisão final, tendo o Requerente entendido perfeitamente o seu sentido e alcance, conforme expresso na reclamação graciosa que deduziu e no pedido de pronúncia arbitral (“ppa”). Além de que, a verificar-se falta ou insuficiência de fundamentação, poderia ter lançado mão do mecanismo previsto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), faculdade que não usou;
  4. Em relação ao alegado erro nos pressupostos, na perspetiva da Requerida, os serviços de nutrição não têm enquadramento no regime de isenção, pois, no caso concreto, os clientes, com a adesão aos serviços de ginásio, contratavam conjuntamente serviços, como a avaliação inicial, o aluguer de toalhas e, em alguns estabelecimentos, o estacionamento e a nutrição, sem a possibilidade de destacar todos ou alguns destes serviços (extra) da contratação dos serviços de ginásio, desagregando a Requerente a rubrica referente à nutrição. Este circunstancialismo impõe a conclusão de que os serviços de nutrição estavam indissociavelmente ligados aos serviços de ginásio (não isentos de IVA), sendo acessórios destes, por não ser possível a contratação de uns sem os outros. 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação de atos de liquidação de IVA e juros compensatórios inerentes (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias a contar da notificação do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra os atos tributários impugnados, conforme previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), tendo em conta que essa notificação ocorreu em 30 de junho de 2021 e que a ação arbitral deu entrada em 28 de setembro de 2021.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Não foram identificadas questões prévias a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

 

 

  1. Fundamentação de Facto

 

  1. Factos Provados

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

  1. A..., Lda., aqui Requerente, é uma sociedade que prossegue a atividade principal de exploração de ginásios de atividades desportivas, manutenção e reabilitação, sob o CAE 93130, e secundária de apoio na área da saúde, designadamente nutrição prestada por profissional com especialização adequada, sob o CAE 086906 – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) que consta do PA. 
  2. O Requerente tem por objeto social a “Exploração de ginásios de actividades desportivas, manutenção e reabilitação, apoio na área da saúde, designadamente, nutrição prestado por profissional médico com especialização adequada; comércio, importação e exportação de material e equipamento desportivo; formação profissional; instituto de beleza e cabeleireiro, bar snack-bar e cafeteria” – cf. RIT. 
  3. O Requerente está enquadrado no regime normal de IVA, com periodicidade mensal por opção, e aplica o método de dedução misto com afetação real de todos os bens – cf. RIT.
  4. O Requerente está inscrito na Entidade Reguladora de Saúde como prestador de cuidados de saúde, desde 26 de outubro de 2012 – cf. documento 75 junto pelo Requerente.
  5. O Requerente desenvolve as suas atividades em 4 clubes/estabelecimentos: B...; C...; D..., E..., localizados em Coimbra e Leiria – cf. RIT.
  6. Nos estabelecimentos supra referidos, o Requerente proporciona serviços direcionados para a manutenção de um estilo de vida saudável e bem estar através da atividade física e presta serviços de consultas de nutrição – cf. documento 75 junto pelo Requerente, RIT e depoimentos das quatro testemunhas inquiridas.
  7. O Requerente possibilita a adesão aos serviços de ginásio nas modalidades de fidelização ou sem fidelização – cf. cláusulas 4.ª e 5.ª dos contratos de adesão constantes dos anexos I [2016], II [2017] e III [2018] ao RIT e depoimento da terceira testemunha.
  8. Na modalidade de fidelização a Requerente celebra contratos com os seus clientes com a duração de 1 ano, 6 meses ou 3 meses – cf. RIT e cláusula 2.ª dos contratos de adesão constantes dos anexos I [2016], II [2017]e III [2018] ao RIT, sendo que o prazo de 3 meses apenas passou a estar previsto no contrato do anexo III [2018].
  9. Os clientes do Requerente podem adquirir ad hoc consultas de nutrição sem serem clientes dos serviços de ginásio (“clientes externos”), ou, sendo clientes do ginásio, quando ultrapassem as consultas a que têm direito de acordo com a modalidade de adesão – cf. documento 78 junto pelo Requerente (faturas de consultas de nutrição “externas”) e depoimentos da primeira e terceira testemunhas.
  10. A título de serviços adicionais a cláusula 8.1 dos contratos de adesão constantes dos anexos I e II ao RIT [anos 2016 e 2017] prevê o seguinte:

8.1. Fisiatria, Fisioterapia, Massagem e Nutrição: estarão ao dispor do Sócio serviços de Fisiatria e Fisioterapia, não incluídos no montante da modalidade subscrita pelo Sócio, que terão de ser marcados previamente por aquele na recepção dos clubes do F...”.

  1. A mesma cláusula 8.1 do contrato de adesão constante do anexo III ao RIT [2018] é do seguinte teor:

8.1. Fisiatria, Fisioterapia e Massagem: estarão ao dispor do Sócio serviços de Fisiatria e Fisioterapia e Massagem, não incluídos no montante da modalidade subscrita pelo Sócio, que terão de ser marcados previamente por aquele na recepção dos clubes do F...”.

  1. A cláusula 3.ª do contrato de adesão constante do anexo III ao RIT [2018] estipula o seguinte:

3.2. No momento de inscrição ou adesão ao F..., todos (as) os (as) Sócios (as), independentemente da idade ou do tipo de adesão, têm subscrever consultas de nutrição, nos seguintes termos:

  1. Nos contratos anuais duas consultas de nutrição, devendo a primeira ser realizada nos primeiros trinta dias após a celebração do contrato e a segunda no decurso do segundo semestre de vigência do contrato;
  1. Nos contratos semestrais uma consulta de nutrição, a qual deverá ser realizada nos primeiros trinta dias após a celebração do contrato;
  2. Nos contratos trimestrais uma consulta de nutrição, a qual deverá ser realizada nos primeiros trinta dias após a celebração do contrato;
  3. Nos contratos mensais uma consulta de nutrição, a qual deverá ser realizada nos primeiros quinze dias após a celebração do contrato;
  4. Nos contratos mensais, havendo renovação contratual, todos os Sócios, independentemente da idade ou do tipo de adesão, têm subscrever uma consulta de nutrição em cada um dos trimestres subsequentes.

3.3. Excluem-se das obrigações previstas nas alíneas anteriores os sócios que adiram à modalidade F... Junior e F... Babies.

3.4. A falta de subscrição das consultas nos termos e condições previstas no ponto anterior é fundamento de recusa de celebração do presente contrato pelo “F...”.”  

  1. Os serviços de nutrição são prestados por profissionais especializados, nutricionistas identificados no RIT – cf. RIT, corroborado pelos depoimentos das três primeiras testemunhas.
  2. Os serviços de nutrição são prestados nos clubes do Requerente, em zonas dedicadas principalmente à área da nutrição, nas quais são realizadas as respetivas consultas e exames, que se encontram equipados com aparelhos específicos, nomeadamente de medição (balanças e adipômetros). As zonas onde são prestados os serviços de nutrição encontram-se identificadas, podendo realizar-se, também aí, medições e pesagens por outros profissionais do ginásio – cf. documentos 76 e 77 (plantas e fotos dos espaços de nutrição e dos equipamentos) e depoimentos das três primeiras testemunhas.
  3. A generalidade das pessoas que usufrui das consultas de nutrição é cliente dos estabelecimentos de ginásio do Requerente. Apesar de ser possível a prestação de consultas de nutrição a pessoas que não são clientes dos ginásios do Requerente (“clientes externos”), categoria em que se incluem os que já tinham deixado de o ser, o Requerente identificou apenas 2 clientes, com 2 consultas faturadas a cada um, num total de 4 consultas para o período em análise (triénio de 2016 a 2018) – cf. documento 78.
  4. O controlo (da realização) das consultas de nutrição era efetuado pelos nutricionistas dos estabelecimentos, através de uma folha de presenças arquivada pelo Requerente, apesar de este ter comunicado aos Serviços de Inspeção Tributária, no decurso do procedimento, que “não dispõe de comprovativos das presenças dos seus clientes nas consultas de nutrição realizadas nos anos 2016, 2017 e 2018” – cf. depoimentos das segunda e terceira testemunhas e RIT.
  5. O Requerente dispõe de uma base de dados de clientes que partilha com os nutricionistas para informação sobre a marcação das consultas e gestão das agendas. A primeira consulta de nutrição dos clientes do ginásio (que dispõem do pacote de fidelização e nutrição) é marcada pelos rececionistas dos estabelecimentos do Requerente. Após a primeira consulta, o agendamento das consultas subsequentes é efetuado, em regra, pelo nutricionista com o cliente – cf. depoimentos das três primeiras testemunhas.
  6. O Requerente, na faturação emitida, segregou os serviços de nutrição prestados aos seus clientes e aplicou ao respetivo valor a isenção de IVA prevista na alínea 1), do artigo 9.º do Código do IVA – cf. RIT, incluindo as faturas anexas.
  7. O Requerente foi alvo de um procedimento inspetivo externo realizado aos anos 2016, 2017 e 2018, ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI 2018..., OI 2018... e OI 2019..., com origem numa seleção de contribuintes dedicados a atividades de ginásios. A ação teve início em 9 de maio de 2019 e foi concluída em 27 de abril de 2020 – cf. RIT.
  8. Em resultado deste procedimento de inspeção, foram efetuadas correções meramente aritméticas de IRC e IVA, com referência aos exercícios de 2016, 2017 e 2018, estando em causa nos presentes autos apenas a matéria de IVA relativa aos serviços de nutrição[2] – cf. RIT.
  9. Para fundamentar estas correções, na parte relevante para o objeto desta ação, refere o Relatório de Inspeção Tributária, o seguinte – cf. RIT:

“[…]

II.3.2 – Estabelecimentos da sociedade

Possui 4 estabelecimentos:

  1. B...  (ginásio e piscina), sito na ... ..., ...-... Coimbra – contrato de arrendamento não habitacional de 1 de outubro de 2007;
  2. C... (ginásio), sito na R. ..., ...-... Coimbra – contrato de arrendamento urbano, de 05 de fevereiro de 2014;
  3. E... (ginásio), sito na R... Coimbra – contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais, de 01 de agosto de 2016; e
  4. D... (ginásio e piscina), sito na Rua ..., ...-... Leiria – contratos de sublocação, de 01 de maio de 2017 e de 01 de junho de 2018.

II.3.3 – Contratos de Adesão

Consta das condições de aceitação dos contratos de adesão, entre outras disposições, o seguinte:

1. Objeto

«1.1 Pelo presente contrato o F... coloca à disposição dos seus Sócios as instalações dos seus clubes e os equipamentos necessários à prática desportiva e de lazer, bem como outros serviços conexos com a referida atividade desportiva, nomeadamente no que diz respeito à prestação de serviços na área da Nutrição, Fisiatria, Fisioterapia, formação e treino personalizado.»

2. Duração

«2-,1 O presente contrato é celebrado pelo:

  1. período de um ano (…) b) período de seis meses, (…) adesão livre nos termos da clausula 5.» – Anexo I, fls 02 (ano de 2016) e Anexo II, fls 2 (ano de 2017)

«2.1 O presente contrato é celebrado pelo:

            Período de doze meses (,…) Período de seis meses,(…) Período de três meses (…) adesão livre nos termos da clausula 5» – Anexo II, fls 2 (ano de 2018)

11. Direitos do sócio

«Com a assinatura do presente contrato passam a constituir direitos do Sócio:

a) aceder às instalações do(s) clubes do F..., de acordo com a modalidade de adesão contratada e nos horários em vigor no F..., com exceção das áreas cuja utilização o F... reserve de forma permanente ou pontual para actividades específicas»; Anexo I, fls 4 (Ano de 2016) e Anexo II, fls 3 (ano de 2017)

«b) Utilizar os serviços incluídos na anuidade ou no semestre, com excepção daqueles que o F... faça depender do pagamento de um montante adicional por considerar fora das condições gerais do presente contrato, nomeadamente os serviços da área da Nutrição, Fisiatria, Fisioterapia, treino personalizado e coach, disponibilizados pelo F...» Anexos I, fls 5 (ano de 2016) e Anexo II, fls 3 (ano de 2017)

«b) Utilizar os serviços incluídos na modalidade de adesão escolhida, com exceção daqueles que o F... faça depender do pagamento de um montante adicional por considerar fora das condições gerais do presente contrato, nomeadamente os serviços da área da Nutrição, Fisiatria, Fisioterapia, treino personalizado e coach, disponibilizados pelo F...» Anexo III, fls 4 (Ano de 2018)

[…]

III.2. Imposto Sobre o Valor Acrescentado – IVA

[…]

III.2.1 – Iva não Liquidado (Isenções – Serviços de Nutrição)

[…]

Seguidamente, passamos a descrever as diligências efectuadas e o enquadramento correto, em sede de IVA, das prestações de serviços em causa:

  1. A solicitação dos serviços de inspeção, de forma voluntária, foram entregues fotocópias das cédulas profissionais dos seguintes nutricionistas:
    1. G...– Cédula Profissional nº ...N;
    2. H...– Cédula Profissional nº ...N;
    3. I...– Cédula Profissional nº ...N;
    4. J...– Cédula Profissional nº ... N;
    5. K...– Cédula Profissional nº ...N;
    6. L...– Cédula Profissional nº ...N;
    7. M...– Cédula Profissional nº ... N;e
    8. N...– Cédula Profissional nº ... N
  2. Notificado que foi o sujeito passivo para comprovar as presenças dos clientes nas consultas de nutrição – ofício/notificação nº..., de 2019-08-14, Registo RH ... PT, tendo sido entregue aos serviços de inspeção, em 19/09/2019, um documento onde refere no seu ponto 1. «A Exponente não dispõe na contabilidade dos comprovativos de presenças dos seus Clientes nas consultas de nutrição realizadas nos anos de 2016, 2017 e 2018.» - Anexo XVII

Em 04-10-2019, foi efectuada uma notificação, solicitando-se no seu ponto 1. a clarificação da situação, ou seja «(…) não existindo na contabilidade, solicita-se que informe se existem, e em caso afirmativo (…) nos sejam exibidos (…) – Anexo XVIII

Em 15 de Outubro de 2019, deu entrada nestes Serviços um documento – Reg:2019... – constando do ponto 1. «a exponente não dispõe de comprovativos de presenças dos seus Clientes nas consultas de nutrição realizadas nos anos de 2016, 2017 e 2018» - Anexo XIX

  1. Sobre esta matéria, a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira, emitiu entendimento, através da informação vinculativa referente ao processo: nº 9215, por despacho de 2015-08-19, do SDG do IVA, por delegação do Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira - AT., tendo por assunto, «Isenções - Serviços de aconselhamento de nutrição, prestados em health clubs, clubes de fitness e ginásios, faturados aos seus clientes, desde que sejam assegurados por profissionais habilitados para o seu exercício nos termos da legislação aplicável.»;
  2. No capítulo «ENQUADRAMENTO LEGAL E ANÁLISE DA SITUAÇÃO», pontos 9 a 18, elencam-se os requisitos necessários para se verificar a isenção prevista na alínea 1) do artigo 9.º do CIVA, devendo constar na fatura o «…motivo justificativo da não aplicação do imposto…»;
  3. Para uma análise mais abrangente da situação, e que não é vertida na informação vinculativa, hipoteticamente por não ter sido colocada, é o facto de analisar se estamos em presença de «Prestação única, composta ou duas prestações distintas», situação que foi abordada no Tribunal de Justiça da União Europeia - TJUE - (Sexta Secção) no processo C-224/11 - BGZ Leasing sp. z.o.o. (Acórdão de 17 de janeiro de 2013).

Para clarificar se no caso em análise (consultas de nutrição), estamos em presença de uma prestação de serviços única ou não, reproduzem-se os nºs 30 e 31 do douto acórdão.

«30 Não obstante, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, em determinadas circunstâncias, várias operações formalmente distintas, suscetíveis de ser realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, à tributação ou à isenção, devem ser consideradas uma operação única quando não sejam independentes (acórdãos de 21 de fevereiro de 2008, Part Service, C-425/06, Colet., p. I-897, n.º 51, e de 2 de dezembro de 2010, Everything Everywhere, C-276/09, Colet., p.I-12359, n.º 23). Está em causa uma operação única, nomeadamente, quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria um caráter artificial (acórdãos de 27 de outubro de 2005, Levob Verzekeringen e OV Bank, C-41/04, Colet., p. I-9433, n.º 23 e de 29 de março de 2007, Aktiebolaget NN, C-111/05, colet., p. I-2697, n.º 23) , É também o que sucede nos casos em que se deva considerar que um ou mais elementos constituem a prestação principal, ao passo que, inversamente, um ou vários elementos devem ser vistos como uma ou várias prestações acessórias que partilham do destino fiscal da prestação principal (acórdãos de 25 de fevereiro de 1999, CPP, C-349/96, Colet. p, I-973, n.º 30, e Part Service, já referido, n.º 52) .

31 Assim, o Tribunal de Justiça decidiu que não só cada prestação de serviços deve normalmente ser considerada distinta e independente como também que a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA (v., neste sentido, acórdãos CPP, já referido, n.º 29, e de 22 de outubro de 2009, Swiss Re Germany Holding, C-242/08, Colet. p. I-10099, n.º 51).»

  1. Conforme se referiu no ponto anterior, a informação vinculativa identificada (processo: nº 9215, por despacho de 2015-08-19), não define o conceito de prestação única, enquanto a vinculativa respeitante ao processo nº 10454, por despacho de 21-06-2016, do SDG do IVA, por delegação do Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira - AT., aborda esse conceito, conforme se verifica na reprodução do capítulo II – Enquadramento, pontos 4. a 12.:

«4. Atendendo à operação descrita pela requerente importa, antes de mais, determinar se esta efetua uma prestação de serviços única aos seus clientes, ou se estamos perante diferentes prestações de serviços (locação, conservação e manutenção, limpeza, despesas de condomínio, serviços de internet e TV, entre outras).

5. A este respeito é oportuno recordar o que, a propósito das prestações de serviços compostas, concluiu o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), em de 17 de janeiro de 2013, no acórdão proferido no processo C-224/11, designado também por BGZ Leasing s.p. z o.o..

6. O citado acórdão, a propósito da distinção entre se uma prestação é única composta ou se são duas prestações distintas, esclarece que, para efeitos de IVA, cada prestação deve ser considerada distinta e independente, tal como resulta do artigo 1.º n.º 2, segundo parágrafo, da Diretiva IVA.

7. Refere, ainda, aquele acórdão que, “(n)ão obstante, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, em determinadas circunstâncias, várias operações formalmente distintas, suscetíveis de ser realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, à tributação ou à isenção, devem ser consideradas uma operação única quando não sejam independentes.”

8.   Ou seja, há situações em que apesar de existirem várias prestações, estas se consideram indissociáveis, referindo a este respeito o TJUE, no citado processo, que “está em causa uma operação única, nomeadamente, quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria um caráter artificial”.

9.   Assim, o Tribunal de Justiça já decidiu que não só cada prestação deve ser normalmente considerada distinta e independente, como também nas situações em que a operação seja constituída por uma prestação única no plano económico não deve ser artificialmente decomposta.

10. Resulta, ainda, da jurisprudência daquele Tribunal que, na hipótese de uma operação complexa única, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições do serviço principal do prestador (acórdãos do TJUE, de 22 de outubro de 1998, Madgett e Baldwin, C 308/96 e C 94/97). 11. Assim, uma vez que, por um lado, cada prestação deve normalmente ser considerada distinta e independente e, por outro lado, a operação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente dividida, para não se alterar o funcionamento do sistema do IVA, importa, em cada caso concreto, averiguar os elementos característicos da operação para se determinar se os serviços fornecidos constituem várias prestações principais distintas ou uma prestação única.

12. Em conformidade com este entendimento, torna-se essencial determinar se, no caso apresentado pela requerente, os serviços fornecidos formam uma prestação única economicamente indivisível, que seria artificial separar, ou se são constituídos por diversas prestações de serviços individualizadas.»

  1. Análise dos contratos de adesão

Reprodução das CONDIÇÕES DE ADESÃO

«3.1. À data de inscrição no F..., todos os Sócios, independentemente da idade ou do tipo de adesão têm de proceder ao pagamento das quantias a seguir referidas e à entrega dos seguintes documentos, sob pena de ser recusada a celebração do presente contrato de adesão:

  1. Pagamento da inscrição inicial;
  2. Pagamento da totalidade da primeira anuidade (no caso de opção pelo pagamento anual), e (…);
  3. Pagamento do montante referente ao Cartão de Sócio e ao Seguro anual;
  4. Pagamento do montante referente ao exame de avaliação física;
  5. Assinatura do Termo de Responsabilidade para a prática desportiva (…);
  6. Cópia do Cartão de Cidadão ou Bilhete de Identidade; Exibição do Cartão (…)
  7. Declaração de Consentimento nos termos do Regulamento Geral de Protecção de Dados»

De conformidade os contratos, designadamente com o conteúdo da Pagina 1 e Condições de Adesão (Anexo l, II e II), constata-se que os clientes utilizam serviços de acesso aos ginásios, constando das respectivas faturas vários serviços, designadamente consultas de nutrição – decompostas, aplicando a taxa “0” (isentas), – o que no entendimento destes Serviços, essas consultas de nutrição não são susceptíveis de ser desagregadas, ou seja, os clientes contratam o acesso aos ginásios da empresa, sendo os serviços de nutricionismo e outros – ex: inscrição inicial – componentes do acesso aos ginásios. Para que fique mais claro, não existem clientes que apenas vão aos ginásios para ter consultas de nutrição.

Sintetizando, podemos concluir que estamos em presença de serviços de prestação única, não devendo o sujeito passivo desagregar o serviço de nutrição (ou outros), aplicando a taxa “0”, ou seja, aplicando a alínea 1) do artigo 9º do CIVA. Na situação em apreço, e de conformidade com o consignado na alínea c) do nº1 do artigo 18º do CIVA, a taxa a aplicar à totalidade dos serviços indicados nas faturas, deverá ser a taxa normal (23%).

Na análise aos ficheiros SAF-T (s) da facturação, constam indevidamente, menções de isenção, conforme quadro abaixo, extraído de um dos ficheiros:

Rótulos de Linha

            Isento Artigo 9.º do CIVA (ou similar)

            Nº 2 do Art. 9º do CIVA

Pelo exposto, conclui-se que os serviços facturados com aplicação das referidas normas de isenção, indevidamente, se encontram sujeitos a IVA à taxa normal, ou seja 23%.

Estas irregularidades verificam-se em todos os anos analisados, ou seja 2016, 2017 e 2018-»

[…]”

  1. O Requerente foi notificado dos atos tributários discriminados na tabela infra, no montante global de € 461.754,89 – cf. documentos 1 a 71 juntos pelo Requerente:

DOC. N.º

LIQUIDAÇÃO N.º

TRIBUTO

PERIODO

VALOR

1

2020 ...

IVA

201601

 

2

2020 ...

JUROS

201601

 

3

2020 ...

IVA

201602

 

4

2020 ...

JUROS

201602

 

5

2020 ...

IVA

201603

 

6

2020 ...

JUROS

201603

 

7

2020 ...

IVA

201604

 

8

2020 ...

JUROS

201604

 

9

2020 ...

IVA

201605

 

10

2020 ...

JUROS

201605

 

11

2020 ...

IVA

201606

 

12

2020 ...

JUROS

201606

 

13

2020 ...

IVA

201607

 

14

2020 ...

JUROS

201607

 

15

2020 ...

IVA

201608

 

16

2020 ...

JUROS

201608

1  

17

2020 ...

IVA

201609

 

18

2020 ...

JUROS

201609

 

19

2020 ...

IVA

201610

 

20

2020 ...

JUROS

201610

 

21

2020 ...

IVA

201611

 

22

2020 ...

JUROS

201611

 

23

2020 ...

IVA

201612

 

24

2020 ...

JUROS

201612

 

25

2020 ...

IVA

201701

 

26

2020 ...

JUROS

201701

 

27

2020 ...

IVA

201702

 

28

2020 ...

JUROS

201702

 

29

2020 ...

IVA

201703

 

30

2020 ...

JUROS

201703

 

31

2020 ...

IVA

201704

 

32

2020 ...

JUROS

201704

 

33

2020 ...

IVA

201705

 

34

2020 ...

JUROS

201705

 

35

2020 ...

IVA

201706

 

36

2020 ...

JUROS

201706

 

37

2020 ...

IVA

201707

 

38

2020 ...

JUROS

201707

 

39

2020 ...

IVA

201708

 

40

2020 ...

IVA

201709

 

41

2020 ...

JUROS

201709

 

42

2020 ...

IVA

201710

 

43

2020 ...

JUROS

201710

 

44

2020 ...

IVA

201711

 

45

2020 ...

JUROS

201711

1  

46

2020 ...

IVA

201712

 

47

2020 ...

JUROS

201712

 

48

2020 ...

IVA

201801

 

49

2020 ...

JUROS

201801

 

50

2020 ...

IVA

201802

 

51

2020 ...

JUROS

201802

 

52

2020 ...

IVA

201803

 

53

2020 ...

JUROS

201803

 

54

2020 ...

IVA

201804

 

55

2020 ...

JUROS

201804

 

56

2020 ...

IVA

201805

 

57

2020 ...

JUROS

201805

 

58

2020 ...

IVA

201806

 

59

2020 ...

JUROS

201806

 

60

2020 ...

IVA

201807

 

61

2020 ...

JUROS

201807

 

62

2020 ...

IVA

201808

 

63

2020 ...

JUROS

201808

 

64

2020 ...

IVA

201809

 

65

2020 ...

JUROS

201809

 

66

2020 ...

IVA

201810

 

67

2020 ...

JUROS

201810

 

68

2020 ...

IVA

201811

 

69

2020 ...

JUROS

201811

 

70

2020 ...

IVA

201812

 

71

2020 ...

JUROS

201812

 

 

 

 

TOTAL

 

 

  1. Após notificação das liquidações acima identificadas, em 11 de novembro de 2020, o Requerente, inconformado, apresentou reclamação graciosa contra as mesmas, a qual veio a ser indeferida por despacho de 25 de junho de 2021, do Diretor de Finanças da Direção de Finanças de Coimbra, notificado em 30 de junho de 2021, por carta registada, através do ofício n.º..., de 28 de junho de 2021 – cf. Procedimento de reclamação graciosa constante do PA e documento 74 junto pelo Requerente. 
  2. Em discordância com as liquidações de IVA e de juros compensatórios identificadas supra e com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que as manteve, o Requerente apresentou junto do CAAD, em 28 de setembro de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo e de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD.

 

  1. Motivação e Factos não Provados

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos.

 

Foram ainda tidos em conta os depoimentos das testemunhas indicadas pelo Requerente, em especial os prestados pelas três primeiras, nutricionistas: G..., N... e I... (esta última ainda hoje colabora com o Requerente, tendo os primeiros cessado funções em 2019 e 2017, respetivamente). As testemunhas revelaram conhecimento direto dos factos respeitantes ao exercício da função de nutricionista nos clubes do Requerente, mas não inteiramente na parte referente aos procedimentos administrativos.

 

As duas primeiras testemunhas (nutricionistas pertencentes aos clubes de Coimbra) afirmaram que os primeiros agendamentos das consultas de nutrição dos clientes do ginásio eram efetuados pelos serviços/funcionários do Requerente, sendo os agendamentos subsequentes efetuados pelos próprios nutricionistas, para o que tinham autonomia. A terceira testemunha (nutricionista do clube de Leiria) afirmou que as marcações são (sempre) feitas diretamente pelos nutricionistas, tendo autonomia para definir a sua agenda, o que pode indiciar procedimentos distintos nos ginásios de Coimbra e Leiria.

 

Ficou claro que existiam folhas de controlo das consultas de nutrição realizadas que os nutricionistas partilhavam com o Requerente e que eram por este arquivadas, as quais, porém, nunca foram apresentadas no procedimento inspetivo, nem carreadas aos presentes autos arbitrais.

 

 Consensual foi também a afirmação de que podiam ser marcadas consultas de nutrição por pessoas que não frequentavam o ginásio, ou que já tinham deixado de o frequentar (clientes de base “externa”), e de que todas as consultas eram efetuadas em espaços adequados e principalmente usados para essa finalidade.

 

No entanto, a primeira testemunha não se recorda de quantas pessoas tiveram consulta sem serem clientes do ginásio, e as segunda e terceira testemunhas não conseguiram sequer afirmar que no período em causa (2016 a 2018) tivessem sido realizadas, em concreto, consultas a clientes externos.

 

Não resultou dos depoimentos que os espaços onde eram realizadas as consultas e os equipamentos neles incluídos fossem exclusivamente utilizados na nutrição, podendo sê-lo, fora dos horários dessas consultas, pelos profissionais do ginásio, nomeadamente para pesagem e medição dos clientes, conforme expressamente afirmado pelas três testemunhas nutricionistas.

 

Em relação ao tipo de problemas mais comuns nas consultas, foram referidos problemas de alimentação e de nutrição, a obesidade, perturbações gastrointestinais e da tiróide, diabetes. Existiam também casos apenas com objetivos desportivos.

 

De acordo com o depoimento das primeira e terceira testemunhas, a maioria das pessoas ia à consulta porque estava incluída no pacote do ginásio (a grande maioria dos clientes era proveniente do ginásio), mas acabavam por beneficiar da mesma para as suas patologias. Em regra os clientes já estavam cientes dessas patologias, que já haviam sido diagnosticadas por médicos.

 

O depoimento da quarta testemunha, gestor de Recursos Humanos do Requerente, não se mostrou relevante, uma vez que a sua intervenção se reportava ao recrutamento de nutricionistas, desconhecendo a forma como estes exerciam a sua atividade, afirmando apenas que gozavam de autonomia.

 

As demais testemunhas indicadas não foram ouvidas, quer por terem sido prescindidas, quer por ter sido excedido o número de testemunhas para os factos em causa e ainda, em relação à última, por não ter conhecimento direto à data dos factos.

 

Relativamente aos factos não provados, não se demonstrou que caso o cliente não comparecesse à consulta, sem aviso prévio, a mesma seria cobrada pela disponibilidade do nutricionista (artigo 18.º do ppa), afirmação que, em qualquer caso, só parece fazer sentido no caso de consultas externas e não das consultas incluídas no pacote, pelas quais os clientes não tinham a pagar adicionalmente. Igualmente não se demonstrou que o Requerente apenas controlasse o agendamento das consultas e não a sua realização (artigo 19.º do ppa), desde logo, atendendo à existência de folhas de controlo das consultas que os nutricionistas devolviam ao Requerente.

 

            Também não se provou que os clientes do Requerente pudessem aderir apenas aos serviços de ginásio, desacompanhados dos serviços de nutrição (artigo 26.º do ppa). O contrato de adesão constante do anexo III ao RIT (cláusulas 3.2 a 3.4), reportado ao ano 2018, expressa precisamente o contrário, i.e., que a frequência do ginásio implicava a subscrição obrigatória de consultas de nutrição. Os contratos dos anexos I e II ao RIT (2016 e 2017) são omissos a esse respeito, embora se possa inferir que a nutrição estava sempre incluída, pois na cláusula 8.1 relativa a serviços adicionais, só se consideram não incluídos no montante da modalidade subscrita pelos sócios os serviços de fisiatria e de fisioterapia.

 

            Por fim, não se provou o pagamento por conta das liquidações de IVA que o Requerente alegou ter efetuado na importância de € 180.000,00, no âmbito dos processos executivos contra si instaurados.

 

Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

  1. Do Direito

 

  1. Sobre a Violação do Princípio do Inquisitório e da Verdade Material

 

A Requerente começa por invocar que a Requerida não apurou a factualidade relevante relativa às prestações de serviços de ginásio e de nutrição, omitindo diligências instrutórias como a deslocação aos clubes e o contacto direto com os nutricionistas e clientes, o que, em seu entender, configura uma conduta omissiva contrária ao disposto nos artigos 58.º da LGT e 5.º e 6.º do RCPITA.

 

As citadas normas dispõem que o procedimento de inspeção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária realizar todas as diligências necessárias e adequadas à satisfação do interesse público e à descoberta dessa verdade, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.

 

De assinalar ainda a este respeito o preceituado no artigo 50.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), segundo o qual assiste à Requerida a prerrogativa de, no procedimento, utilizar todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correto apuramento dos factos, incluindo tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou de outras pessoas e promover a realização de perícias ou de inspeções oculares. Faculdade que se afigura essencial à indagação dos factos relevantes e ao exercício das competências próprias da Requerida, na prossecução do interesse geral.

 

No caso concreto, não se verifica que o procedimento inspetivo padeça de déficit instrutório, tendo a Requerida realizado diligências com vista à identificação e demonstração das correções, nomeadamente a deslocação a um dos estabelecimentos do Requerente, e submetido a este diversos pedidos de elementos e de esclarecimentos. De salientar que no decurso do procedimento o Requerente não solicitou ou propôs a realização de quaisquer diligências adicionais.

 

Em linha com a decisão arbitral do processo n.º 14/2021, de 21 de novembro de 2021, o princípio do inquisitório não implica que a AT tenha de realizar todas as diligências possíveis, ou todas as diligências requeridas pelo contribuinte (o qual, no presente caso, nem sequer solicitou uma qualquer atuação instrutória) no decurso do procedimento.  

 

Acresce, por outro lado, que “[…] O principal efeito jurídico da insuficiência das diligências instrutórias a realizar pela Administração no âmbito do procedimento tributário traduz-se, em sede de impugnação judicial, num non liquet probatório sobre os factos materiais da causa, implicando que o tribunal emita uma pronúncia desfavorável em relação à parte a quem incumbia fazer a prova dos factos, à luz dos critérios de repartição do ónus da prova do artigo 74.º da LGT (Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, Vol. I, Coimbra, 2017).

Como vício invalidante do ato tributário, a preterição do princípio do inquisitório (e, consequentemente, do princípio da verdade material) apenas pode ser considerada na situação limite em que os serviços omitam diligências essenciais à averiguação da situação tributária de tal modo que não se encontre justificação plausível para a correção fiscal.” – cf. decisão arbitral citada n.º 14/2021.

Não é esse o caso quando a AT fundamenta as correções em múltiplos factos coligidos sobre os procedimentos do contribuinte, suportados em declarações deste e em prova documental (a título de exemplo, os contratos de adesão e as faturas emitidas), idóneos à inferência de uma relação de acessoriedade dos serviços de nutrição com os serviços de ginásio. Isto, sem prejuízo de o Requerente poder produzir prova que contrarie esta qualificação jurídico-tributária.

 

Improcede, assim, o argumento de violação do princípio do inquisitório e da verdade material.

 

  1. Da Falta de Fundamentação

 

Considera o Requerente que os atos impugnados não foram (devidamente) fundamentados por ausência de elementos factuais demonstrativos de acessoriedade dos serviços de nutrição face à atividade de ginásio.

 

Neste âmbito, importa ter presente que o dever de fundamentação dos atos da Administração Pública que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes deriva de imperativo constitucional, abrangendo os atos lesivos e impositivos (v. artigo 268.º, n.º 3 da Constituição). Tal dever desempenha a função primordial de transmitir ao destinatário do ato as razões que subjazem à decisão administrativa, permitindo o controlo da sua validade através da análise dos respetivos pressupostos e o acesso à garantia contenciosa, dando-lhe a conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo para a AT ter decidido no sentido em que decidiu.

 

Contrariamente ao que o Requerente alega, ressalta da leitura do Relatório de Inspeção transcrito no probatório[3] a justificação acessível, clara, congruente e suficiente das correções de IVA vertentes, sendo percetível o raciocínio que conduziu a Requerida à conclusão da acessoriedade dos serviços de nutrição vis a vis os serviços de ginásio. 

 

Nestes termos, do ponto de vista formal, e independentemente do seu mérito, o ato encontra-se suficientemente justificado com a enunciação clara e percetível dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo. Relatório que foi adequadamente compreendido pela Requerente, que o refuta de forma pormenorizada na presente ação arbitral, pelo que não se constata a violação do disposto nos artigos 77.º da LGT e 268.º, n.º 3 da Constituição.

 

Questão distinta, atrás apreciada, é a da validade, já não formal (relativa à enunciação dos motivos), antes substancial dos fundamentos do ato, que “tem já a ver com o mérito da decisão e com a legalidade «stricto sensu» do próprio ato”, quer por os factos não corresponderem à realidade, quer por terem sido extraídas conclusões erradas ou não serem “suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa (VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação Expressa de Atos Administrativos, Almedina, 2003, pág. 231)” – acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de abril de 2014, processo n.º 1690/13, e de 21 de novembro de 2019, processo 0404/13.9BEVIS.

 

É neste plano, da fundamentação substantiva (i.e., do erro de facto ou do erro de direito), que se coloca a ilegalidade arguida pelo Requerente, pois apontar a falta de elementos factuais da sua atividade demonstrativos da instrumentalidade da nutrição face à atividade de ginásio integra um erro nos pressupostos de facto, de seguida examinado, e não o vício de falta de fundamentação – v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10 de setembro de 2014, processo n.º 01226/13.

 

Pelo que importa concluir que, tendo o Requerente sido notificado do Relatório de Inspeção Tributária contendo a fundamentação das razões subjacentes às liquidações de IVA aqui discutidas, não se constata a ilegalidade formal suscitada em relação aos atos tributários em crise.

  1. Erro nos Pressupostos de Facto e Violação do Ónus da Prova

 

  1. Delimitação do Objeto da Ação - Contencioso de Legalidade

 

A título prévio importa sublinhar que ao Tribunal cabe apreciar a legalidade dos atos de liquidação, i.e., a sua compatibilidade com o direito, nos moldes em que os mesmos foram prolatados, ficando o objeto da ação delimitado pelos fundamentos subjacentes que, em momento contemporâneo ao da sua emissão, tenham sido externados pela AT e oportunamente notificados ao contribuinte. No caso concreto, estes fundamentos constam do Relatório de Inspeção Tributária que concluiu o procedimento inspetivo aos anos 2016, 2017 e 2018.

 

Desta forma, a invocação pelo Requerente de ilegalidades (erros de facto e/ou de direito) que não fazem parte dos atos tributários, porquanto não constituem seu fundamento, é insuscetível de conduzir à respetiva anulação, uma vez que essas ilegalidades não constituíram a motivação, nem a razão de ser das liquidações (cuja invalidade é peticionada), sendo-lhes alheias.

 

Como se diz na decisão do processo arbitral n.º 563/2020-T, de 30 de junho de 2021:

 

“O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera anulação em que se visa apreciar a legalidade e declarar a eventual ilegalidade dos actos impugnados, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º, n.º 1, do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele]. Por isso, os actos impugnados têm de ser apreciados tal como foram praticados […].

 

Em consequência, num contencioso de legalidade, além de não deverem ser tidos em conta fundamentos de tributação invocados pela Requerida após a prática do ato tributário, não é, de igual modo, pertinente a apreciação de causas de invalidade alegadas pelo Requerente que não digam respeito aos concretos fundamentos do ato, já que os poderes de cognição do Tribunal “não podem ir além dos fundamentos de que o ato explicitamente partiu[4].

 

Posição alinhada com a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo que considera, no âmbito do processo de impugnação judicial previsto no artigo 99.º e seguintes do CPPT, modelo e paradigma do processo arbitral, que “o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do ato sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori. […] Assim, não pode a AT, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou” – v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de outubro de 2020, processo n.º 02887/13.8BEPRT, e, no mesmo sentido, o acórdão de 17 de fevereiro de 2021, processo n.º 02111/14.6BEPRT 0981/16.

 

Retomando a situação em análise, a razão pela qual a AT liquidou IVA sobre os serviços de nutrição faturados pelo Requerente foi unicamente a de aqueles serem considerados acessórios dos serviços de ginásio, configurando uma prestação global única, passível de IVA à taxa normal de 23%. Com efeito, a Requerida não colocou em crise que os serviços de nutrição isoladamente considerados pudessem beneficiar da isenção de IVA prevista no artigo 9.º, alínea 1) do Código deste imposto e que tivessem finalidade terapêutica. A questão suscitada foi distinta, sendo apenas uma, a da acessoriedade desses serviços. Ou seja, independentemente de ser ou não aplicável a norma de isenção citada (do artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA, a AT concluiu que os serviços de nutrição, da forma como eram disponibilizados, revestiam caráter instrumental e acessório da atividade de ginásio (prestação principal), devendo ser tratados conjuntamente como uma única prestação de serviços para efeitos de IVA, enquadrável à taxa normal de 23%, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alínea c) do correspondente Código.

Em síntese, não pode discutir-se a respeito dos atos tributários impugnados o enquadramento das operações na norma de isenção do artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA e do correspondente artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA[5], porque este regime não foi posto em causa pela AT, nem constitui o fundamento desses atos e, num contencioso de legalidade, essa é a única matéria que cabe apreciar, pelo que não há que conhecer do regime de isenção e da verificação ou não, in casu, da finalidade terapêutica nos serviços de nutrição prestados.

 

  1. Erro nos Pressupostos

 

Como acabado de referir a questão central que aqui se suscita prende-se com o tratamento dos serviços de nutrição disponibilizados pelo Requerente como desprovidos de autonomia relativamente à atividade e serviços de ginásio, e consequente aplicação do regime de tributação destes últimos à globalidade da contraprestação cobrada, configurada como a remuneração de uma prestação única.

 

A tese da AT é alicerçada no clausulado contratual e no entendimento de que as consultas de nutrição resultam da contratação, pelos clientes, do acesso aos ginásios do Requerente, sendo esses serviços uma componente não destacável do referido acesso, ao que este último contrapõe estarmos perante prestações distintas e autonomizáveis.

 

Compulsada a matéria de facto consolidada, constata-se, em primeiro lugar, que as consultas de nutrição eram efetivamente inerentes à subscrição dos contratos de adesão.

 

Tal inferência é implícita nos anos 2016 e 2017, em que os contratos de adesão, na cláusula de serviços adicionais (8.1), mencionavam a fisiatria, a fisioterapia, a massagem e a nutrição, resultando, porém, do seu teor, a contrario sensu, que a nutrição estava incluída no montante da modalidade subscrita pelo sócio, o que já não sucedia com a fisiatria e fisioterapia, que seriam, portanto, disponibilizadas caso a caso, a pedido dos clientes e objeto de faturação adicional.

 

No ano 2018, o próprio contrato passa a prever de forma explícita a indissociabilidade dos serviços de nutrição e de ginásio, ao contemplar a obrigatoriedade de os clientes subscreverem as consultas de nutrição “independentemente da idade ou do tipo de adesão[6]” e a cominação de que a falta de subscrição das consultas é fundamento de recusa de celebração do contrato de ginásio (cláusula 3.4). De onde se retira que os clientes do ginásio, por essa circunstância, eram obrigatoriamente clientes dos serviços de nutrição.

 

Resulta também do probatório que, em geral, os clientes de consultas de nutrição do Requerente eram clientes do ginásio. Sem prejuízo de ser teoricamente possível o acesso a essas consultas por parte de pessoas que não fossem clientes de ginásio, facto é que no período em consideração (o triénio 2016-2018) tal sucedeu de forma totalmente residual e incipiente, tendo o Requerente feito prova de apenas 2 pacientes no período abrangente de 3 anos (de 2016 a 2018), num total de 4 consultas.

 

Assim, embora não seja, em rigor, correta a afirmação da AT de que “não existem clientes que apenas vão aos ginásios para ter consultas de nutrição”, na verdade, no triénio abrangido, somente se demonstraram 2 casos em que tal ocorreu, o que não reveste qualquer expressão, nem descaracteriza a natureza subordinada e acessória da nutrição em relação aos serviços de ginásio para a generalidade das situações.

 

Sobre a questão da acessoriedade existem diversas pronúncias do Tribunal de Justiça que estabelecem como ponto de partida o princípio geral de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente (v. acórdãos Levob Verzekeringen, C-41/04, de 27 de outubro de 2005, e CPP, C-349/96, de 25 de fevereiro de 1999).

 

Não obstante, uma prestação pode ser considerada acessória em relação a uma prestação principal e partilhar do regime (de IVA) desta, “quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador” – acórdãos CPP, C-349/96, e Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97, de 22 de outubro de 1998. Em determinadas circunstâncias, “várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes” – acórdão Part Service, C-425/06, de 21 de fevereiro de 2008.

 

Assim, o primeiro critério para apurar a natureza acessória ou não de prestações é a inexistência de finalidade autónoma da prestação do ponto de vista do “consumidor médio”: a prestação é acessória se não constituir para os clientes um fim em si mesma, mas um meio de beneficiar do serviço principal nas melhores condições – v. também neste sentido a decisão arbitral no processo n.º 563/2020-T.

 

Para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa, sendo, para tal, necessário tomar em consideração todas as circunstâncias em que a mesma se desenrola – acórdãos Frenetikexito, C-581/19, de 4 de março de 2021, BGŻ Leasing, C-224/11, de 17 de janeiro de 2013, Field Fisher Waterhouse, C-392/11, de 27 de setembro de 2012, e demais jurisprudência acima citada.

 

Segundo o Tribunal de Justiça, atenta a “dupla circunstância de que, por um lado, do artigo 2.°, n.º 1, da Sexta Diretiva [artigo 2.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA] decorre que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA, importa assim, em primeiro lugar, procurar encontrar os elementos característicos da operação em causa para determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor, entendido como um consumidor médio, diversas prestações principais distintas ou uma prestação única […]. O mesmo se passa quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor, entendido como consumidor médio, estão tão estreitamente conexionados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificialLevob Verzekeringen, C-41/94. No mesmo sentido, veja-se o caso Aktiebolaget NN, C-111/05, de 29 de março de 2007[7].

 

Acresce que se o cliente tiver a faculdade de escolher os seus prestadores e/ou as modalidades de utilização dos bens ou serviços em causa, as prestações relacionadas com estes bens ou serviços podem, em princípio, ser consideradas distintas da operação dita “principal” – acórdão Wojskowa Agencja Mieszkaniowa, C-42/14, de 16 de abril de 2015.

 

O segundo critério a aplicar para este efeito, que constitui, segundo o Tribunal de Justiça, um indício do primeiro, “tem que ver com a tomada em consideração do valor respetivo de cada uma das prestações que compõem a operação económica, uma revelando-se mínima, ou mesmo marginal, relativamente à outra” – acórdão Frenetikexito, C-581/19 supra referido. De acordo com esta jurisprudência, o que é relevante para apreciar a natureza acessória ou não das prestações não é a perspetiva individual de cada cliente, mas sim a da generalidade da clientela.

 

Voltando à situação concreta dos autos, os clientes de ginásio do Requerente celebravam com este contratos de adesão à prática desportiva nos seus estabelecimentos, padronizados, que incorporavam os serviços de nutrição. Desta forma, com a assinatura dos contratos, os clientes estavam simultaneamente vinculados a subscrever os serviços de nutrição associados, de forma automática, à modalidade de adesão adotada (trimestral, semestral ou anual). Em síntese, os clientes não tinham a possibilidade de contratar os serviços de ginásio sem estarem agregados os serviços de nutrição.

 

O Requerente afirma que nos contratos sem fidelização essa dissociação era possível. Porém, não só não fez prova do afirmado, como até resulta expressamente o contrário do modelo contratual vigente em 2018 em que é expressa a obrigatoriedade de subscrição de consultas de nutrição independentemente do tipo de adesão, sendo que nos contratos mensais tem de ser subscrita uma consulta no decurso do primeiro trimestre subsequente à primeira renovação, que ocorre no termo do primeiro mês de vigência do contrato. A conexão da nutrição aos serviços de ginásio é de tal forma intensa que a falta de subscrição destas consultas é, de acordo com a cláusula 3.4, “fundamento de recusa de celebração” do contrato.

 

Conclusão semelhante pode ser igualmente extraída em relação aos contratos de 2016 e 2017, pois, apesar de a redação não ser idêntica ao modelo de 2018, aqueles contratos também tratam os serviços de nutrição como incluídos no montante da modalidade subscrita pelo cliente, sem distinção quanto ao tipo/temporalidade de adesão (cláusula 8.1). 

 

Neste quadro, não pode deixar de entender-se que as consultas de nutrição disponibilizadas pelo Requerente são indissociáveis da contratação dos serviços de ginásio, surgindo como uma forma de beneficiar os clientes destes serviços e não apresentam autonomia face a estes. Conclusão que não é prejudicada pelo facto de, em abstrato, ser possível o acesso às consultas por parte de clientes externos, pois, de acordo com o critério do Tribunal de Justiça acima identificado, a perspetiva a adotar é a do consumidor médio, e não a de clientes pontuais e de situações meramente esporádicas que, de acordo com a prova produzida pelo Requerente, se cifraram no caso em apenas 2 clientes no período de 3 anos.

 

Em sentido similar fundamenta a decisão arbitral no processo n.º 264/2019-T, de 29 de maio de 2020, que veio a ser confirmada pelo acórdão do Pleno (da Secção de Contencioso Tributário) do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de outubro de 2021, no processo n.º 077/20.2BALSB[8], em situação que reveste paralelismo com a ora apreciada, nos termos infra transcritos:

“[…] não obstante os serviços de ginásio e os serviços de nutrição serem realidades que, em abstracto, podem existir autonomamente (autonomizáveis, portanto, em abstracto) - percorridas todas as circunstâncias do nosso caso, há que concluir, os dois estão interligados, sendo indissociáveis, e os serviços de ginásio são os que assumem - aos olhos do consumidor médio, típico (e até mesmo da própria Requerente, como se viu) - o papel principal. É essa a prestação principal, aquela que leva os Clientes a aderir ao ginásio, a se fazerem “sócios” do mesmo. E a prestação de serviços de nutrição existe, no quadro das circunstâncias do nosso caso, como meio de permitir aos Clientes melhor alcançar os resultados que visam ao aderir ao serviço principal, de exercício físico.

Aos olhos do consumidor médio, é essa a possível mais valia dos serviços de nutrição que lhe são disponibilizados. O consumidor médio não adere ao Ginásio (via contrato de adesão) para assim poder utilizar serviços de nutrição. Adere para praticar exercício físico. E, nessa adesão, são-lhe disponibilizados vários serviços, nos quais se incluem também serviços de nutrição […]

Nos períodos em causa nos autos não foram prestados serviços com fidelização sem nutrição.

[…]

Aos olhos do consumidor médio era pois de uma prestação acessória à principal, aquilo de que se tratava. A nutrição. Esta não constitui para os Clientes, no caso, um fim em si mesmo. O que aliás é também coerente, não deixa de se notar, com o contexto em que é disponibilizada: nutrição em ambiente ginásio, nutrição no desporto. Está aqui em causa pois uma prestação constituída por um único serviço no plano económico, que - cfr. Acórdão do TJ CPP e tantos outros - não deve ser artificialmente decomposta. Sob pena de alterar a funcionalidade do sistema do IVA.

[…]

E isto, independentemente do que consta do contrato - que já se viu também, indicia no sentido da não relevância (e assim não autonomia) da nutrição.

[…]

Assim, e tendo em conta que é Jurisprudência assente do TJ que nestes casos - de haver uma operação complexa única, na qual coexiste uma prestação principal (ou mais) e uma prestação acessória (ou mais) - o regime da acessória em IVA segue o da principal - accessorium sequitur principale - temos que a prestação de serviços da Requerente, no que aos serviços de nutrição respeita, não beneficia da isenção, pois que deve seguir o regime da prestação principal, sujeita a IVA à taxa normal.

 

Atento o exposto, o pedido de pronúncia arbitral deve improceder, soçobrando a alegação de que a AT não demonstrou os pressupostos de facto dos atos tributários de IVA e da consequente violação do disposto no artigo 74.º da LGT, concluindo-se, ao invés, pela reunião das condições – de facto e de direito – indispensáveis à qualificação dos serviços de nutrição como acessórios dos serviços de ginásio, tendo em conta a interpretação preconizada pelo Tribunal de Justiça, pelo que aqueles atos não são anuláveis e devem manter-se na ordem jurídica.

 

Como salienta a decisão do processo arbitral n.º 563/2020-T, é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), que “a jurisprudência do Tribunal de Justiça tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11- 2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593). A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».”

Nesta leitura, assiste razão à AT ao considerar indevida a desagregação da contraprestação faturada pelo Requerente aos clientes de ginásio, correspondendo a uma decomposição artificial das prestações de serviços desportivos e dos serviços de nutrição e que a prestação destes últimos serviços é acessória aos serviços de ginásio, devendo ser aplicada à totalidade da remuneração o regime normal de IVA, com aplicação da taxa de 23%, ao abrigo do artigo 18.º, n.º 1, alínea c) do compêndio deste imposto.

 

  1. Desnecessidade de Reenvio Prejudicial

           

A questão de interpretação do direito europeu discutida nos autos, que se prende com a acessoriedade das operações, foi especificamente clarificada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça supra referenciada, cujo último acórdão de referência é muito recente (Frentikexito, C-581/19), que densificou os respetivos critérios de aferição.

 

Neste contexto, de acordo com o entendimento do Tribunal de Justiça, a partir do acórdão Cilfit[9], a obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode ser dispensada quando:

  1. A questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal; ou
  2. O Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma; ou
  3. O juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.  

 

No caso sub judice, verifica-se o preenchimento dos requisitos previstos na alínea b), podendo afirmar-se que o “ato” em questão está devidamente aclarado pela jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça, pelo que não se identifica fundamento para suscitar o reenvio prejudicial.

 

  1. Reembolso e Juros Indemnizatórios

 

Não ocorrendo as ilegalidades imputadas pelo Requerente às liquidações de IVA e de juros compensatórios impugnadas, referentes aos anos 2016, 2017 e 2018, conclui-se pela validade e manutenção de tais atos, com a consequente improcedência dos pedidos dependentes de reembolso de quantias de imposto alegadamente pagas (o que nem sequer se comprovou) e de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios (v. artigos 43.º da LGT e 99.º do Código do IVA).

 

  1. Decisão

 

            Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar improcedente o pedido de anulação dos atos de liquidação de IVA e juros compensatórios supra identificados, referentes aos períodos dos anos 2016, 2017 e 2018.

 

  1. Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 461.754,89, indicado pela Requerente, respeitante ao montante de IVA liquidado e juros compensatórios cuja anulação pretende, e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Lisboa, 24 de outubro de 2022

            Notifique-se.

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins, relatora

 

 

 

Henrique Nogueira Nunes

 

 

 

 

Manuela Roseiro

 

 

 

 



[1] Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006.

[2] Ou seja, excluindo as correções de IVA relativas a prestações de serviços de construção civil, que não constituem objeto desta ação arbitral.

[3] Na parte relevante para a matéria a apreciar nesta ação.

[4] Decisão arbitral citada n.º 563/2020-T e demais jurisprudência aí citada, bem como a decisão n.º 404/2020-T, de 10 de maio de 2021. 

[5] Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006.

[6] Com ressalva das modalidades junior e babies.

[7] Sobre a matéria vejam-se ainda os seguintes Acórdãos do Tribunal de Justiça: Stock ’94, C-208/15, de 8 de dezembro de 2016, RR Donnelley, C-155/12, de 27 de junho de 2013, CinemaxX, C‑497/09, de 10 de março de 2011, Everything Everywhere, C-276/09, de 2 de dezembro de 2010, Don Bosco, C‑461/08, de 19 de novembro de 2009 e RLRE Tellmer Property, C‑572/07, de 11 de junho de 2009.

[8] Que deu lugar ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 1/2022, publicado no Diário da República de 20 de janeiro de 2022. Nesse processo suscitavam-se duas questões, a da isenção e a da acessoriedade, tendo a decisão (no sentido da tributação) acabado por resultar da inaplicabilidade da isenção do artigo 9.º, alínea 1) do Código do IVA que precede, naturalmente, a da acessoriedade. Nesta ação arbitral, como antes salientado, está somente em discussão a matéria da acessoriedade.

[9] Acórdão de 06.10.82, processo 283/81.