SUMÁRIO:
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Não há qualquer obstáculo processual que impeça que na impugnação do acto de liquidação de IMI se questione a questão prévia relativa à determinação do valor patrimonial tributável. Com efeito, pese embora seja possível a impugnação autónoma deste, nada obsta a que, não o tendo sido, possa ainda ser sindicado em sede de impugnação da liquidação do tributo dado que a errónea qualificação do facto tributário constitui uma ilegalidade expressamente tipificada na lei.
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Os actos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, ainda que presumidos tacitamente, constituem actos administrativos em matéria tributária, impugnáveis nos termos do artigo 97º do CPPT, e para cuja apreciação os tribunais arbitrais são competentes.
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O regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no art.º 45, do C.I.M.I. Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não há lugar à consideração dos coeficientes de afectação e de qualidade e conforto.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A... – SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A, com o número de identificação fiscal ..., apresentou, em 17-10-2021, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a anulação parcial dos actos tributários de liquidação de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) n.os ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... com referência, aos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, bem como da formação da presunção de indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa que apresentou junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, em 15 de junho de 2021.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 18-10-2021.
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.
3.2. Em 07-12-2021 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 27-12-2021.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
3.5. Por despacho de 12-03-2022 foi dispensada a realização da reunião e notificadas as partes para apresentação de alegações, tendo vindo a ser proferido despacho de prorrogação da decisão, ao abrigo do disposto no artigo 21º, n.º 2 do mesmo diploma.
4. Com o pedido de pronúncia arbitral manifesta a Requerente a sua inconformidade com o acto de liquidação impugnado, bem como com o indeferimento presumido do pedido de revisão oficiosa que apresentou.
Sustenta, com tal fundamento, em suma:
A impugnação judicial – e também o pedido arbitral - é o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o acto silente da AT, nas situações em que esta não tenha decidido, dentro do prazo que dispunha para o efeito, quanto à Revisão Oficiosa formulada pela Requerente, e que, nos termos do n.º 5 do artigo 57.º da LGT, fez presumir o indeferimento (tácito) desse mesmo pedido.
No âmbito da sua actividade, a Requerente é proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para construção.
As liquidações de IMI sub judice contabilizaram, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar pela Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula adoptada à data pela Autoridade Tributária e Aduaneira e que considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e / ou (iii) de qualidade e conforto, conforme resulta das cadernetas prediais urbanas iniciais.
Recentemente, face ao expressamente consagrado no artigo 45.º do Código do IMI e nos termos preconizados pela jurisprudência constante do STA quanto à errónea aplicação dos coeficientes acima mencionados na determinação dos valores patrimoniais de terrenos para construção, a AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes, conforme resulta, aliás, das cadernetas prediais urbanas que juntou.
Deste modo, nos anos sub judice (2016 a 2019), relativamente aos terrenos para construção em apreço, a AT liquidou um montante de imposto superior ao montante legalmente devido face aos valores patrimoniais tributários que deveriam ter sido considerados à data para efeitos de cálculo da colecta de IMI para estes anos.
Relativamente ao conjunto de terrenos para construção objecto dos actos tributários de liquidação de IMI sub judice, consoante demonstrado pelas Tabelas supra expostas, é claro que, se expurgarmos os coeficientes de localização, de afectação e / ou de qualidade e conforto aplicáveis aos valores patrimoniais tributários destes terrenos que serviram de base para cálculo da colecta de IMI destas liquidações (coeficientes estes que conforme explanado infra não deveriam ter sido aplicados para efeitos de determinação destes valores), resultam diferentes valores patrimoniais tributários que são de montantes inferiores àqueles que foram efectivamente utilizados para efeitos deste cálculo do imposto. Consequentemente, estamos perante um erro nos pressupostos de facto e direito do qual resulta uma ilegal liquidação (parcial) de IMI, especificamente um erro na determinação da matéria tributável de IMI e da qual resulta uma colecta ilegal deste imposto.
A AT, enquanto entidade responsável pela determinação dos valores patrimoniais tributários dos prédios através dos métodos de avaliação disponíveis, deverá sempre cingir-se às regras legalmente estabelecidas que regulam os diferentes métodos de avaliação, não devendo utilizar métodos de avaliação / determinação do valor patrimonial tributário que não tenham base legal e / ou que não sejam aplicáveis aos concretos prédios urbanos em avaliação.
A modificação legislativa à redacção do artigo 45º do Código do IMI, introduzida pela Lei do Orçamento para 2021, só produziu efeitos (e, consequentemente, a nova fórmula só é aplicável) a partir de 1 de Janeiro de 2021 – i.e. para efeitos de liquidações de IMI referentes a anos anteriores a 1 de Janeiro de 2021 dever-se-á aplicar a redacção deste artigo 45º e respectiva fórmula que vigoravam antes desta alteração efectuada pelo legislador.
Os coeficientes de afectação (estabelecido no artigo 41.º), de localização (definido no artigo 42.º), de qualidade e conforto (regulado no artigo 43.º) e de vetustez (consagrado no artigo 44.º) não são aplicáveis aos “terrenos para construção”, não fazendo parte da fórmula de cálculo consagrada no n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI, mas sem prejuízo de este mesmo cálculo poder considerar elementos e características igualmente relevantes para efeitos de determinação estes coeficientes.
Até recentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira tipicamente calculava o valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” com base na fórmula prevista no n.º 1 do artigo 38.º do Código do IMI para prédios urbanos, edificados, classificados como habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, considerando os coeficientes de localização, de afectação ou de qualidade e conforto (só não era aplicado o coeficiente de vetustez referente à idade do prédio).
Em conclusão, no cálculo do correspondente valor patrimonial tributário de “terreno para construção”, deverá ser desconsiderado os coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto, e adoptado, em regra geral, a seguinte fórmula de cálculo: Vt = Vc x A x % do valor das edificações autorizadas ou previstas.
O método de determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” se encontra previsto no Código do IMI desde da aprovação deste compêndio tributário através do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, diploma legislativo que procedeu à reforma da tributação do património, nunca tendo sido previsto em tal método a aplicação dos coeficientes acima elencados.
Considerando que é a AT a entidade responsável pela determinação concreta dos valores patrimoniais tributários dos prédios, tais erros nesta determinação são “erros imputáveis aos serviços” que justificam plenamente a admissibilidade de pedidos de revisão oficiosa nos termos gerais do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
Os valores patrimoniais tributários destes terrenos para construção encontram-se “sobrevalorizados”, e, nesta sequência, a colecta de IMI para cada um destes terrenos foi em montante superior ao que seria legalmente devido caso os valores desta matéria tributável tivessem sido fixados de acordo com o artigo 45.º do Código do IMI e não segundo a fórmula erroneamente aplicada aos terrenos pela Autoridade Tributária e Aduaneira nos anos de tributação em discussão. Tendo sido efectuada uma liquidação (e pagamento) em excesso de IMI.
Acresce que, sempre será de referir que a aplicação do artigo 38.º do Código do IMI – em concreto, a aplicação dos coeficientes de avaliação ali previstos – na determinação do VPT de terrenos para construção sempre será manifestamente contrária ao princípio da legalidade tributária, conforme consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º CRP.
Conclui, requerendo a anulação parcial das liquidações, com a restituição do imposto pago em excesso acrescido de juros indemnizatórios.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por impugnação, nos seguintes termos:
A presente ação não é fundamentada em qualquer vício dos atos de liquidação, ou do seu procedimento, ou da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
Os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.
A apreciação da legalidade dos atos que procederam à fixação do valor patrimonial não cabem na competência dos tribunais arbitrais.
A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral profira despachos de deferimento dos pedidos de revisão oficiosa, não se afigurando legítimo ao Tribunal ser encarregado de controlar a legalidade de um ato de administração, pratique atos administrativos ou tributários em concorrência com a administração tributária, sob pena de desrespeito pelos princípios da indisponibilidade e da tipicidade de competências.
O prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do ato tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária.
Tendo o pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI calculadas com base em valores patrimoniais tributários fixados no ano de 2013 sido apresentado em 15/06/2021 tem necessariamente de se concluir que o mesmo é intempestivo. No que respeita especificamente, à liquidação de IMI 2016, para que o pedido de revisão oficiosa fosse tempestivo, também teria que ser formalizado no prazo de três anos posteriores ao ato tributário, no caso dos autos, foi claramente excedido.
Não tendo a Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação. Ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação que não na posterior liquidação consequente.
Os vícios da fixação do VPT, não sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica. Os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação; são atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis.
Decorre do artigo 168º do CPA que apenas são passíveis de anulação os atos de fixação dos VPT que contrariam o recente entendimento jurisprudencial nos casos em que não tenha decorrido cinco anos desde a respetiva emissão. Já se encontra precludido o prazo para anulação administrativa do ato que fixe valor patrimonial tributário o qual se encontra sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI.
A pretensão arbitral da Requerente não está sustentada nem na lei nem no direito constituído, devendo ser julgada improcedente.
Por estar a Administração Tributária vinculada ao princípio da legalidade previsto no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e concretizado nos artigos 55.º da Lei Geral Tributária e no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo não pode deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou em vigor no ordenamento jurídico, conforme se verificou no caso em apreço.
Conclui, pois, a Requerida no sentido de ser infundado todo o aduzido no pedido de pronúncia arbitral que contrarie o exposto no seu articulado, devendo decidir-se a final que os atos impugnados não padecem dos vícios que lhe foram assacados nem de nenhuns outros que deverão, assim, ser mantido, não sendo devidos, em qualquer circunstância, juros indemnizatórios.
II – Saneamento
6.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
6.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
6.3. O processo não enferma de nulidades.
6.4. A Requerida deduziu a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral e de ilegalidade do pedido, o que se apreciará adiante.
III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO
III.1. Matéria de facto
Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito.
Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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A Requerente, A..., S.A., é uma sociedade que tem como objecto social a aquisição, promoção ou exploração de empreendimentos imobiliários, incluindo designadamente, o desenvolvimento, execução e comercialização de empreendimentos imobiliários e/ou turísticos, reabilitação, construção ou reconstrução, loteamentos e urbanizações, a aquisição de imóveis, seu arrendamento, exploração onerosa por outras formas, sua valorização, o arrendamento de imóveis ou a compra e venda de imóveis, bem como a revenda dos adquiridos para esse fim.
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No âmbito da sua actividade, a Requerente é proprietária de diversos prédios, incluindo os terrenos para construção a que se reportam as liquidações impugnadas.
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A Requerente foi notificada, relativamente a tais terrenos para construção, dos seguintes actos tributários de liquidação de IMI:
- N.os ..., ..., ... referentes ao ano 2016, no montante total de € 25.459,71;
- N.os ..., ..., ... referentes ao ano 2017, no montante total de € 24.958,20;
- N.os ..., ..., ... referentes ao ano 2018, no montante total de € 25.140,61;
- n.os ..., ... e ... referentes ao ano 2019, no montante total de € 25.434,39.
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As liquidações de IMI em apreço tiveram por base, em parte, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de imposto a pagar, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção fixados segundo a fórmula adoptada, à data, pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de localização, de afectação e/ou de qualidade e conforto.
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A Requerente apresentou, em 15-06-2021, pedido de revisão oficiosa destes actos tributários, por entender que as referidas liquidações de IMI não estão em conformidade com a legislação aplicável.
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Até à apresentação do presente pedido arbitral, em 17-10-2021, não foi proferida qualquer decisão no âmbito do aludido pedido de revisão oficiosa.
Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, bem como do processo administrativo e dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Requerente.
III.2. Matéria de Direito
A Requerida suscita, em primeira mão, a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, por considerar que no pedido arbitral não está em causa o acto de liquidação em si, mas sim o acto de fixação de matéria colectável que definiu o valor patrimonial (VPT) dos prédios em causa, matéria que está subtraída à sua competência.
Defende, em suma, que o acto de fixação do VPT constitui acto administrativo em matéria tributária destacável e necessariamente impugnável autonomamente.
Do mesmo modo, sustenta que a Requerente não formula qualquer pedido de declaração de ilegalidade de uma liquidação, mas um pedido de deferimento de revisão oficiosa, o que é ilegal e inconstitucional por violação do princípio de separação de poderes.
Apreciando tais excepções.
incompetência do tribunal
A Requerida sustenta que a Requerente pretende a anulação dos actos impugnados com fundamento em vícios, não dos actos de liquidação – não lhes sendo imputado qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento - mas sim dos actos que fixaram o VPT (designadamente da sua fórmula de cálculo), que considera destacáveis e eles próprios autonomamente atacáveis. Conclui, por isso, que, no seu entendimento, os vícios do acto que definiu o VPT não são susceptíveis de ser impugnados no acto de liquidação que seja praticado com base no mesmo, o que determina a incompetência do Tribunal Arbitral por não ter competência para apreciar a legalidade daqueles actos que procedem à fixação do valor patrimonial.
A este propósito, o Requerente argumenta que não se pode confundir o meio de impugnação do acto de fixação do valor patrimonial tributário – que corresponde ao meio de impugnação autónoma deste acto destacável per se – com o meio de impugnação do acto tributário de liquidação de IMI ou AIMI com fundamento em ilegalidade na determinação do valor patrimonial/base tributável do tributo efectuado pela AT – impugnação última esta para o qual o Tribunal Arbitral é competente. Sustenta que a impugnação autónoma referida produz efeitos para o futuro / para os períodos de tributação seguintes à avaliação (ou, nos casos de pedido de avaliação por reclamação da matriz, para os períodos de tributação seguintes à data da entrega deste pedido), determinando um novo VPT que é relevante, não só para efeitos de IMI ou AIMI, como igualmente para efeitos de IMT, Imposto do Selo ou para outros tributos em que o VPT seja relevante juridicamente; enquanto que a impugnação do acto tributário de liquidação de IMI ou AIMI só produz efeitos limitados ao acto tributário objecto de tal contestação. Conclui, desse modo, que os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são competentes, à face das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, quer para apreciar a legalidade das liquidações de IMI ou AIMI, quer dos actos de fixação de valores patrimoniais que lhes estão subjacentes.
Decidindo.
Como se diz na decisão arbitral proferida no processo 540/2021-T:
- “A nosso ver, a questão não é a de saber se a lei configura a fixação do VPT como um acto destacável, prevendo a sua impugnação judicial autónoma – o que é um facto -, mas sim saber se existem razões que obstem a que tal acto, quando surja como instrumental relativamente a um acto de liquidação, possa, também, ser objecto de apreciação em processo dirigido à impugnação desta. Há, pois, que ponderar sobre a “ratio” das normas que prevêem a impugnabilidade judicial autónoma de actos administrativos que constituem pressuposto de outros actos administrativos (…) a previsão da impugnabilidade autónoma de actos destacáveis visa, em geral, conferir maiores garantias aos particulares e não reduzir o âmbito das garantias que a lei, em geral, prevê. Assim, tal previsão legal não deve ser entendida - salvo existindo razões substanciais que a tal se oponham, o que não acontece no presente caso - como precludindo a possibilidade de impugnação dos vícios do acto instrumental (fixação do VPT) em processo de impugnação do acto conclusivo do procedimento (liquidação)”. (podem ver-se entre outras, no mesmo sentido, as decisões arbitrais dos processos 11/2022-T, de 09/08/2022 e 792/2020-T, de 30-06-2021 e 647/2017-T).
A propósito da questão da impugnação autónoma invocada pela Requerida remete-se para o Acórdão do STA de 29-03-2017 – Proc. 0312/15: “O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a esclarecer que a susceptibilidade de impugnação autónoma decorre da lesividade do acto e que caso o contribuinte não tenha contra ele reagido no momento em que ele surgiu e se tornou lesivo pode ainda vir a atacar esse mesmo acto quando ele se insira num procedimento de liquidação e venha a determinar um acto posterior de liquidação. Ou seja, quando se faz, como neste caso, uma inscrição oficiosa na matriz de um bem que o contribuinte entende que não é um prédio e não pode, por isso ser inscrito, como tal na matriz, pode imediatamente impugnar essa inscrição por ela ser, em si mesma, susceptível de vir a determinar a liquidação de um ou vários tributos. Mas, seguidamente, se o bem foi avaliado e lhe foi atribuído um valor, pode impugnar esse acto de avaliação e impugnar o tributo que venha a ser liquidado com base nessa avaliação. Como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Novembro de 2013, proferido no rec. n.º 1725/13 –, « o acto de inscrição oficiosa na matriz de uma determinada realidade física como prédio reconduz-se a acto imediatamente lesivo dado que provoca uma alteração significativa na esfera jurídica da recorrente, daí a admissibilidade de ser formulado pedido de suspensão da sua eficácia (…),o facto de a imediata lesividade de tal acto permitir, querendo, a sua impugnação autónoma, não obsta a que, não o tendo sido, possa ainda ser sindicado em sede de impugnação da liquidação do tributo». Não há, contrariamente ao indicado na sentença recorrida, qualquer obstáculo processual que impeça que na impugnação do acto de liquidação de IMI se questione a questão prévia relativa à qualificação jurídica do facto tributário dado que a errónea qualificação do facto tributário constitui uma ilegalidade expressamente tipificada na lei - cfr. a alínea a) do artigo 99.º do Código de Processo e Procedimento Tributário”.
Em conclusão, o facto de o ato interlocutório lesivo não ser impugnado autonomamente não impede que os vícios de que o mesmo padeça constituam fundamento da impugnação da decisão final do procedimento, inexistindo o efeito preclusivo que a Requerida invoca. Com efeito, “de acordo com o princípio da impugnação unitária estabelecido no artigo 54.º do CPPT, a Requerente pode invocar no pedido arbitral qualquer ilegalidade do procedimento tributário, incluindo o erro na classificação dos prédios na matriz, não exigindo a lei impugnação administrativa prévia, como condição de procedibilidade, nem se produzindo o efeito preclusivo que a Requerida invoca (caso decidido/caso resolvido) – decisão arbitral supra.
Deste modo, improcede a exceção deduzida pela Requerida.
Diga-se, por último, que não se alcança que, pelo menos, grande parte das decisões judiciais invocadas pela Requerida tenham conexão com a questão em apreciação. Tendo sido dedicado, aliás, pouco cuidado nas transcrições das mesmas. Refira-se, a título de exemplo, o acórdão n.º 1808/12.0BEPERT que não é do STA, como indicado, mas do TCA Norte. Do n.º 0885/16, de 18-10-2018 que apenas aprecia a questão da contagem do prazo para a propositura do processo de impugnação a que se refere o art. 134º do CPPT, não se apreciando a questão da necessária impugnação autónoma. Ou o acórdão do STA n.º 633/14 que se debruça sobre a avaliação da matéria colectável por métodos indirectos por manifestação de fortuna e não do valor patrimonial tributário, devendo-se certamente a lapso a transcrição do sumário como “o acto de fixação do valor patrimonial tributário constitui…” uma vez que o mesmo é “a decisão de avaliação constitui…”.
ilegalidade do pedido
Invoca ainda a AT que a Requerente pretende que o tribunal arbitral profira despacho de deferimento do pedido de revisão oficiosa, não sendo legítimo que o tribunal o faça.
Ora, a Requerente formulou o seu pedido nos seguintes termos:
“a) Sejam parcialmente anulados os actos tributários que constituem o seu objecto, relativos às liquidações de IMI supra identificadas, porque contrários à lei, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito;
b) Seja a AT condenada a reembolsar a Requerente do valor do IMI pago em excesso, no montante global de € 54.172,97, relativamente às liquidações sub judice, e, bem assim, condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido.
c) Seja desaplicado, no caso concreto, a norma pretensamente se extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redacção vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais”.
suscitou a incompetência do tribunal arbitral para apreciação do mérito da causa, por “não ter competência para conhecer do pedido de anulação do ato de alteração da desconsideração do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, pois estamos perante competências que não foram legamente cometidas ao tribunal arbitral”.
Cumpre decidir
Face a tal formulação do pedido, defende a Requerida que o que a Requerente efectivamente pretende é que o Tribunal Arbitral profira despachos de deferimento dos pedidos de revisão oficiosa, para daí concluir que não se afigura legítimo
É sabido que a competência dos tribunais é a medida da sua jurisdição, o modo como entre eles se fraciona e reparte o poder jurisdicional. Em sentido concreto ou qualitativo, será a suscetibilidade de exercício pelo tribunal da sua jurisdição para a apreciação de uma certa causa.
Os Tribunais Arbitrais estão previstos no artigo 209.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, sendo o âmbito da jurisdição arbitral tributária recortado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os correspondentes critérios de repartição material. Aí se determina competir a esta “espécie” de tribunais a apreciação, entre outras pretensões, “a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.
Alega a Requerida, e bem, que o tribunal arbitral é incompetente para conhecer e decidir actos de reconhecimento de direitos bem como outros actos que não estejam previstos no elenco de competências legalmente previstas na lei um específico acto administrativo.
Será que isso resulta do pedido formulado pela Requerente? Diga-se, desde já, que não se acompanha a argumentação da Requerida.
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeira linha, balizada pelas matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do RJAT. Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais é também limitada pelos termos em que a AT foi vinculada àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, já que o art. 4.º do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”. Quer isso dizer que ainda que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação, estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.
E o que dizer dos actos de segundo grau, como no caso em apreço?
Como se diz na decisão arbitral n.º 620/2017-T: “a inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais (…) a referência que na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele artigo 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau”.
Por absolutamente claro se transcreve de modo mais extenso o que se refere no Ac. 617/2015-T de 22-02-2016:
- “No art. 2.º do RJAT, em que se define a «Competência dos tribunais arbitrais», não se inclui expressamente a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos tributários, pois, na redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, apenas se indica a competência dos tribunais arbitrais para «a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta» e «a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais».
Porém, o facto de a alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do art. 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele art. 2.º do RJAT.
Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de que o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).
Mas, este mesmo argumento que se extrai da autorização legislativa conduz à conclusão de que estará afastada a possibilidade de utilização do processo arbitral quando, no processo judicial tributário, não for utilizável a impugnação judicial ou a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
Na verdade, sendo este o sentido da referida lei de autorização legislativa e inserindo-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre o «sistema fiscal», inclusivamente as «garantias dos contribuintes» [arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] , e sobre a «organização e competência dos tribunais» [art. 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP], não pode o referido art. 2.º do RJAT, sob pena de inconstitucionalidade, por falta de cobertura na lei de autorização legislativa que limita o poder do Governo (art. 112.º, n.º 2, da CRP), ser interpretado como atribuindo aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competência para a apreciação da legalidade de outros tipos de actos, para cuja impugnação não são adequados o processo de impugnação judicial e a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.
Os actos de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa do acto tributário e de indeferimento de recurso hierárquico constituem actos administrativos, à face das definições fornecidas pelos artigos 120.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991 e 148.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015, [subsidiariamente aplicáveis em matéria tributária, por força do disposto no art. 2.º, alínea c), da LGT, 2.º, alínea d), do CPPT, e 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT], pois constituem decisão de órgãos da Administração que ao abrigo de poderes públicos visaram produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.
Por outro lado, é também inquestionável que se trata de actos em matéria tributária pois é neles feita aplicação de normas de direito tributário.
Assim, os actos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e de indeferimento do recurso hierárquico constituem actos administrativos em matéria tributária.
Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação”.
Em nada altera a situação o facto de se estar perante uma situação de presunção de indeferimento tácito, na medida em que a lei lhe atribui os mesmos efeitos que ao indeferimento expresso, tendo presente o dever de decisão da AT previsto no art. 56º, n.º 1 da LGT. A presunção de indeferimento que, por natureza, é infundamentada, tem apenas em vista permitir ao particular a possibilidade de obter, por via contenciosa, uma decisão. “O indeferimento tácito, por ser ficção de acto, não tem fundamentação, destinando-se tal presunção a facultar ao lesado o acesso à via judicial perante a omissão do dever de decisão” (Acórdão do TCA Sul de 12-13-2021 – Proc. 410/15.9BEFUN).
É, pois, inequívoco que a apreciação do indeferimento tácito se encontra compreendido no âmbito da competência do tribunal arbitral.
Improcede, assim, do mesmo modo, a excepção invocada pela Requerida.
Não existem outras excepções que obstem ao conhecimento do mérito.
DO PEDIDO
A questão essencial a apreciar no presente pedido arbitral consiste em saber, por um lado, se na avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção se deviam ter em consideração, ou não, os coeficientes aplicáveis aos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços.
tempestividade da revisão oficiosa
Tenha-se previamente presente que o pedido de revisão oficiosa em causa, nos presentes autos, foi apresentado em 15-06-2021 e na data da apresentação do pedido arbitral, em 17-10-2021, a AT ainda não se havia pronunciado sobre o mesmo, pelo que, face ao incumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 57º da LGT, naquela data já se tinha por presumidamente indeferida a pretensão da Requerente, para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial (n.º 5 do mesmo artigo).
Ora, contrariando a pretensão da Requerente, a Requerida, como já se viu, sustenta que o que está em causa é a apreciação da determinação do VPT e, desse modo, conclui estar caducado o direito ao pedido de revisão oficiosa – que entende ser de três anos -, por ser aplicável, não o n.º 1, mas o n.º 4 do art. 78º da LGT e que, em qualquer circunstância, pelo mesmo motivo, isso sucederia com liquidação relativa ao ano de 2016, por ter sido emitida em 22-03-2017.
A propósito do prazo para ser requerida revisão oficiosa do acto tributário, discordamos, salvo o devido respeito, pelas decisões arbitrais invocadas pela Requerida, por subscrevermos integralmente o que a esse propósito se diz no Acórdão do STA de 04-05-2016, no processo n.º 0407/15:
“(…)
O art. 78.º da LGT prevê e regula a revisão dos actos tributários, seja por iniciativa da AT, seja por iniciativa do sujeito passivo (O acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Abril de 2009, proferido no processo n.º 65/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Setembro de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32220.pdf), págs. 530 a 541, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/04c500a0579f5bd88025759f00508122, faz um resumo – quase um quadro sinóptico – dos tipos de revisão oficiosa legalmente admissíveis, que, pela sua clarividência, aqui reproduzimos:
«Na redacção infeliz do n.º 1 deste artigo distinguem-se dois tipos fundamentais de revisão dos actos tributários, com iniciativas, prazos e fundamentos autónomos:
– por iniciativa sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade;
– por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
Porém, apesar da aparente repartição dos dois tipos de revisão do acto tributário em função da «iniciativa» do procedimento, constata-se que no também infeliz n.º 7 se faz referência a «pedido do contribuinte» para realização de «revisão oficiosa».
«Revisão oficiosa» é a realizada por iniciativa dos serviços, sendo esse o alcance natural da expressão «oficiosa» na terminologia jurídica. Mas, é inequívoco pela referência a «pedido do contribuinte» «para a sua realização» que, afinal, essa revisão não tem de ser de iniciativa da administração tributária, podendo ser assentar também em iniciativa do contribuinte.
Das infelizes redacções dos n.ºs 1 e 7, conclui-se assim, que os dois tipos fundamentais de revisão do acto tributário são afinal os seguintes:
– há um em que a revisão é pedida pelo contribuinte no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade;
– há outro em que a revisão é da iniciativa dos serviços ou é pedida pelo contribuinte, que se denomina sempre «revisão oficiosa», que pode ser efectuada no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços».).
Na verdade, é hoje pacífico que a revisão prevista no art. 78.º da LGT constitui um poder-dever da AT, à qual se impõe, por força dos princípios justiça, da igualdade e da legalidade dos impostos, que a AT está obrigada a observar na sua actividade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e art. 55.º da LGT), que não exija dos contribuintes senão o imposto resultante dos termos da lei; e é também jurisprudência consolidada, que, tal como a AT deve, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário (no prazo de quatro anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, como decorre do n.º 1 do art. 78.º da LGT), com fundamento em erro imputável aos serviços, também o contribuinte pode, dentro dos mesmos prazos, pedir que seja cumprido esse dever (Cfr. RUI DUARTE MORAIS, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2012, 28.5, págs. 212 a 214.) (Por mais recente, e com indicação de numerosa jurisprudência, vide o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Junho de 2015, proferido no processo n.º 793/14, ainda não publicado no jornal oficial, disponívelhttp://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1ac7262259ee80ae80257e67003a5e89.
Por outro lado, é hoje também jurisprudência consolidada que, em face do indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão oficiosa, mesmo que este seja formulado para além do prazo da reclamação administrativa (Seja este prazo o de dois anos, previsto no art. 132.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, seja o prazo de 15 dias, previsto no art. 162.º do Código do Procedimento Administrativo, na redacção em vigor à data.), mas dentro dos limites temporais em que a AT pode rever o acto, se abre a via contenciosa nos termos do art. 95.º, n.ºs 1, alínea d), e 2, da LGT (Vide, entre outros, o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Julho de 2014, proferido no processo n.º 1950/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Outubro de 2015 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32230.pdf), págs. 2517 a 2520, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c349445a1a25275480257d0f0056a073.)“.
O pedido de revisão oficiosa, cuja presunção de indeferimento é objecto do pedido arbitral, foi apresentado dentro do prazo de quatro anos a que se reporta a 2.ª parte da mesma norma (n.º 1 do artigo 78.º da LGT), contados de cada uma das notificações das liquidações a que aquele respeita. Pelo que o pedido de revisão oficiosa é manifestamente tempestivo, incluindo a respeitante ao ano de 2016, individualizada na Resposta da AT.
consolidação do acto tributário que determinou o vpt – da liquidação de imi
A Requerida, em sede de impugnação, retoma a questão da consolidação do acto tributário que determinou o VPT, argumentando novamente não ser possível conhecer na posterior liquidação de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação. Remete-se, relativamente a esta questão, para o que infra se disse já a esse respeito a propósito da excepção de incompetência do tribunal, improcedendo os argumentos invocados.
No que respeita à determinação do valor patrimonial tributário, dispunha o art. 38º do CIMI (na redacção da Lei 7-A/20016):
«1 - A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:
Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv
em que:
Vt = valor patrimonial tributário;
Vc = valor base dos prédios edificados;
A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;
Ca = coeficiente de afectação;
Cl = coeficiente de localização
Cq = coeficiente de qualidade e conforto;
Cv = coeficiente de vetustez.
2 - O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos apurado é arredondado para a dezena de euros imediatamente superior.
3 – Os prédios comerciais, industriais ou para serviços, para cuja avaliação se revele desadequada a expressão prevista no n.º 1, são avaliados nos termos do n.º 2 do artigo 46º.
(…)»
Por seu lado, o art. 45º do mesmo CIMI dispunha o seguinte (na redacção em vigor à data dos factos, ou seja, na redacção anterior à Lei 75-B72020, de 31 de Dezembro que entrou em vigor em 01-01-2021):
«1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º.
4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.
(…)».
Da conjugação destes preceitos, dúvidas não há que a determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços é operada nos termos do art. 38° do CIMI e a dos terrenos para construção nos termos do art. 45º do CIMI.
No caso destes últimos, o respectivo valor patrimonial resulta da soma de dois outros valores: do valor da área de implantação do edifício a construir e do valor do terreno adjacente à implantação. O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas, tendo-se em conta, na fixação dessa percentagem, as características referidas no nº 3 do art. 42º do CIMI. O valor do terreno adjacente à área de construção é calculado nos termos do nº 4 do art. 40º do CIMI.
A propósito do coeficiente de localização, se disse no Acórdão do STA de 04-05-2017- Processo n.º 01107/16: “Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI”.
E também a propósito do coeficiente de qualidade e conforto já o Acórdão do Pleno do mesmo Tribunal de 21-09-2016 - Processo nº 01083/13, havia determinado que a regra específica constante do art. 45º do CIMI, onde “se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes”, só pode significar “que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI ...”.
Subscrevendo, sem reservas, o assim decidido, se entende que na determinação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção não são de considerar os coeficientes de localização, afectação e/ou qualidade e conforto, pelo que os VPT subjacentes às liquidações e IMI impugnadas, por os terem considerado, são ilegais, por vício de violação da lei.
Fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
Juros indemnizatórios
Além da restituição do imposto indevidamente pago, pretende a Requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
Tal direito vem consagrado no art. 43º da LGT o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido. Acrescentado a alínea c) do n.º 3 que também são devidos juros indemnizatórios “quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se atraso não for imputável à administração tributária”.
Ou seja, a atribuição de juros indemnizatórios na sequência de pedido de revisão oficiosa, obedece a um regime específico.
Face a dúvidas interpretativas de tal disposição, o STA já veio determinar, através do acórdão do Pleno de 04-11-2020 – Processo n.º 038/19.4BALSB que, nesse caso, “os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano, contado da apresentação do pedido de revisão, até à data do processamento da respectiva nota de crédito, e não desde a data do pagamento indevido do imposto”.
Ou seja, como já se dizia no acórdão do mesmo Tribunal de 12-07-2006 – Processo n.º 402/06: “nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) … apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art.º 43.º, n.º 3, da LGT”., o que terá justificação na falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo desta, como se prevê no n.º 1 do art.º 78.º da LGT.
No caso em apreço, é manifesto que não tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado no prazo da reclamação administrativa, não se está perante uma situação enquadrável na 1.ª parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT, em que o pedido de revisão oficiosa é equiparável à reclamação graciosa.
Assim, atendendo a que a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do art.º 43.º da LGT, a Requerente só teria direito aos mesmos a partir de um ano a contar da data em que foi apresentado o pedido de revisão oficiosa, ou seja, 15-06-2021
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
-
Julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado, anulando-se parcialmente as liquidações de IMI supra identificadas e ordenando-se, em consequência, a restituição à Requerente do imposto pago em excesso acrescido de juros indemnizatórios, nos termos supra referidos.
-
Condenar a Requerida nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 54.172,97 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
24 de Outubro de 2022
O Árbitro
(António Alberto Franco)