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Sumário:
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De acordo com o entendimento reiterado da jurisprudência do TJUE, nos casos em que houve falta de cobrança do IVA devido, este deverá ser deduzido do montante que o sujeito passivo efectivamente recebeu do seu cliente.
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Tal como decidido, p. ex., no Ac. do TJUE de 7/11/2013 (caso Tulică e Plavoşin), se o prestador tiver realizado prestações de serviços sem cobrança do IVA de que era devedor, e não estiver em condições de recuperar junto de quem pagou essas prestações o IVA posteriormente exigido pela AT (como se verifica no caso sub judice), há que considerar, nesse caso, que as remunerações recebidas a esse título pelo prestador de serviços incluem já o IVA devido.
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. A... Unipessoal Lda., com o NIPC ... e sede na ..., n.º ..., ...-... ... (doravante, “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1, deduzir, em 17/2/2022, impugnação das liquidações adicionais de IVA aqui em causa, no montante de €9.885,36, por entender que “o IVA em falta apurado pela inspeção está ferido de ilegalidade, por ter sido calculado por fora, em manifesta violação do disposto no artigo 49.º do Código do IVA.”
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
2.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o presente signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
2.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 27/4/2022.
3. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a ora Requerente, alega, em síntese, o seguinte:
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«A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção interno, de âmbito parcial ao IVA, com referência ao período de 2018, ao abrigo da ordem de serviço OI 2020..., do qual resultaram as liquidações adicionais de IVA [ora em causa].
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Como fundamento das correções considerou a inspeção tributária, em termos genéricos, que: a. Foi indevidamente aplicado o Regime de Bens em Segunda Mão (RBSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de outubro, quando devia ter sido aplicado o regime normal (pontos III 2, III 3 e III 5 do Relatório); b. Foi feito um errado apuramento do valor tributável do RBSM (ponto III 4 do Relatório).
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Para apuramento do alegado IVA em falta foi determinada a base não tributada e calculado o imposto, por fora, sobre a mencionada base.
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A Requerente não contesta a indevida aplicação do RBSM nem o erro no apuramento da base tributável, circunscrevendo a contestação à forma como foi apurado o imposto em falta, o que deu origem a um montante de € 9.885,36, que se considera indevidamente liquidado.
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Está em causa no presente processo saber se o IVA relativo a uma liquidação adicional correspondente a transmissões bens a consumidor final, deve ser calculado por dentro ou por fora, quando não foi nem pode ser exigido aos sujeitos passivos adquirentes.
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[...] o IVA incide em todas as fases do circuito económico e tributa, tendencialmente, todo o ato de consumo.
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[...] é o consumidor que através de cada ato de consumo evidencia uma capacidade contributiva e é essa capacidade contributiva que é objeto de tributação.
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[...] estes mesmos princípios básicos foram explicitados no Acórdão do Tribunal de Justiça de 24.10.1996, no Processo C-317/94 (Elida Gibbs) quando o Tribunal recorda que “o princípio de base reside no facto de o sistema do IVA ter como objectivo onerar unicamente o consumidor final. Consequentemente, a matéria colectável do IVA a cobrar pelas autoridades fiscais não pode ser superior à contrapartida efectivamente paga pelo consumidor final, sobre a qual foi calculado o IVA que recai sobre esse consumidor”. [...]. […] [O mesmo Tribunal] conclui que “resulta do que antecede que, tendo em conta, em cada caso, o mecanismo do IVA, o seu funcionamento e o papel dos intermediários, a administração fiscal não pode, em definitivo, cobrar um montante superior ao que foi pago pelo consumidor final”.
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O mesmo entendimento veio a ser reafirmado no Acórdão do TJUE de 22.11.2018, no Processo C-295/17 (MEO-Serviços de Comunicações e Multimédia, SA), como se transcreve: “Por outro lado, dado que o sistema do IVA tem como objetivo onerar unicamente o consumidor final, o valor tributável do IVA a cobrar pelas autoridades fiscais não pode ser superior à contraprestação efetivamente paga pelo consumidor final, sobre a qual foi calculado o IVA que recai em definitivo sobre esse consumidor”.
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Também o recente Acórdão do TJUE, de 01.07.2021, no Processo C-521/19, veio considerar que, mesmo nos casos de fraude, em que não foi emitida fatura nem incluídos os rendimentos gerados numa declaração a título de impostos diretos, “deve considerar-se que a reconstituição, no âmbito da inspeção de tal declaração, dos montantes pagos e recebidos durante a operação em causa levada a cabo pela Administração Tributária em causa é um preço que já inclui o IVA” e, consequentemente, o IVA deve ser calculado por dentro. No mesmo sentido decidiu o CAAD no Acórdão proferido no Processo 521/2021-T [...].
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[...] a Requerente não tem possibilidade legal de fazer repercutir nos clientes o IVA em falta, liquidado adicionalmente, nem a legislação nacional tem qualquer mecanismo que assegure a repercussão no cliente do IVA liquidado adicionalmente com o consequente exercício do direito à dedução, e, ainda que tal acontecesse, no caso, as operações foram efetuadas com consumidores finais.
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Donde se infere que, nas controvertidas liquidações adicionais o IVA devia ter sido determinado por dentro, como aliás acontece para a determinação do IVA da margem 2, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do RBSM.
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Para além disso, no setor do retalho, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei nº 138/90, de 26 de abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 162/99, de 13 de maio, todos os bens destinados à venda a retalho devem exibir o respetivo preço de venda ao consumidor e, esse preço deve incluir todos os impostos, taxas e outros encargos que nele sejam repercutidos, de modo que o consumidor possa conhecer o montante exato que tem a pagar. E, obviamente, em cumprimento da referida legislação a generalidade das viaturas que a Requerente comercializa são mencionadas pelo preço de venda ao consumidor, com todos os impostos incluídos.
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É igualmente por força da referida legislação que o artigo 39.º do Código do IVA permite que nas faturas emitidas por retalhistas possa ser indicado o preço com inclusão do imposto e a taxa ou taxas aplicáveis.
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[...] em consequência, nos termos do artigo 49.º do referido Código a base tributável e o imposto devido são determinados por dentro 3, quer se trate do regime da margem quer se trate do regime geral, partindo sempre do valor pago pelo consumidor final, que já não pode ser alterado, e o IVA a apurar tem de conter-se no preço final exigido e suportado pelo consumidor e que consubstancia a despesa sujeita a imposto.
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[...] a inspeção tributária não calculou o imposto por dentro em manifesta violação das regras de apuramento que decorrem do mencionado artigo 49.º.
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[...] tal violação ocorreu não só nos casos em que a Requerente aplicou indevidamente o RBSM, como nos casos em que houve um mero erro na determinação da base sujeita ao RBSM, tendo a inspeção, para determinar o valor em dívida, calculado sempre o imposto por fora
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Em consequência, o IVA em falta apurado pela inspeção está ferido de ilegalidade, por ter sido calculado por fora, em manifesta violação do disposto no artigo 49.º do Código do IVA.»
3.1. A Requerente termina pedindo que o presente Tribunal «a) Declare a ilegalidade, na parte contestada, das liquidações adicionais de IVA; b) Condene a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento dos juros indemnizatórios devidos pelo pagamento das contestadas liquidações de IVA, que, entretanto, por já ter sido autorizado, começará, a partir de Março 2022, a fazer em regime prestacional.»
4. A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “Requerida” ou “AT”) apresentou resposta, invocando, em síntese, o seguinte:
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«O presente pedido tem como objeto a anulação dos atos tributários consubstanciados nas Liquidações nºs ... de 2021, ... de 2021 e ... de 2021, respectivamente, do 2.º, 3.º e 4.º trimestres do ano de 2018.
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Confessadamente, a Requerente aplicou indevidamente o regime dos bens em segunda mão, na venda de viaturas. Os SIT, conforme o método melhor explicado no RIT dado como reproduzido, apuraram o preço pelo qual as viaturas foram vendidas, sem o IVA que havia sido erradamente liquidado ao abrigo daquele regime e, sobre o preço, aplicaram a taxa normal de imposto, liquidando adicionalmente à Requerente a diferença entre o IVA devido e o liquidado ao abrigo do Regime dos bens em segunda mão.
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A Requerente, alega no PPA que apresentou, que as viaturas em questão foram vendidas a consumidores finais. No entanto, não apresentou qualquer prova de que assim fosse.
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Desconhecemos, nos presentes autos, que viaturas foram vendidas, a quem foram vendidas e, se estes últimos são consumidores finais ou sujeitos passivos de imposto, porquanto não foi apresentada qualquer prova de tais factos, pelo que desde já se impugna a alegação da Requerente a este respeito.
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Competindo nos termos do art.º 74.º da LGT à Requerente fazer prova dos factos que alega, deve o alegado facto de as viaturas terem sido vendidas a consumidores finais ser julgado não provado.
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Por outro lado, a Requerente alega que o a legislação nacional não tem qualquer mecanismo que assegure a repercussão no cliente do IVA liquidado adicionalmente com o consequente exercício do direito à dedução IVA. Tal facto é falso e, desde logo contrariado pelos meios de correcção das facturas previstos, no caso, as notas de débito e de crédito, pelo que também este facto se impugna e se deve dar como não provado.
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Por último, alega a Requerente que lhe é impossível obter dos seus clientes o imposto liquidado adicionalmente, mas, embora se trate de uma conclusão, deve a mesma ser dada como não provada, na medida em que a Requerente não provou ter efectuado qualquer diligência no sentido de tentar proceder à cobrança daqueles valores e, que tal cobrança se tenha mostrado impossível, razão pela qual desde já se impugna.
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[A Requerente] Não apresenta qualquer nota de débito que haja emitido aos seus clientes nem, bem assim, qualquer prova da apresentação daquela ao cliente, nem da recusa deste em pagar o valor. A Requerente simplesmente alega que, aos consumidores finais o preço deve ser apresentado com IVA e que, como tal, lhe é impossível cobrar aqueles montantes aos seus clientes. No entanto, assim não é, porquanto, não só, como já observado, não provou a Requerente que os clientes fossem consumidores finais, pelo que, uma premissa de tal conclusão, não está provada e, assim, determina que a conclusão não se logre, como também, ainda que assim fosse, o que não se concede, sempre se verificaria uma obrigação natural e a possibilidade de, ainda que não fosse exigível, os clientes aceitassem pagar a diferença. Pelo que, não tendo a Requerente sequer tentado cobrar, não prova a sua alegada conclusão de que seja impossível cobrar e, assim, deve esta ser julgada como não provada.
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Por outro lado, deve ser julgado provado o facto não contestado pela Requerente de que os SIT consideraram como valor tributável o valor da contraprestação obtida ou a obter pela Requerente dos seus clientes, ou seja, o preço das viaturas sem IVA, e que foi sobre estes valores que aplicaram a taxa normal de imposto.
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Por último, deve ser julgado como provado que, de entre as 3 liquidações adicionais de imposto impugnadas, apenas duas determinaram montantes a pagar, sendo que a outra, a Liquidação n.º ... de 2021, referente ao período de imposto 18/09T, não determinou qualquer valor a pagar e, que a data da compensação, foi de 30/09/2021.
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Deve ainda ser dado como provado que a Requerente, no PPA que apresentou, não indicou, apresentou ou protestou juntar, qualquer prova por qualquer meio.
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[...] a Liquidação n.º ... de 2021, referente ao período 18/09T, não determinou qualquer montante a pagar e, a data da compensação notificada à Requerente é de 30/09/2021. Desta forma, a 17/02/2022, aquando da apresentação do PPA, há muito se tinha esgotado o prazo de 90 dias para impugnar a liquidação em questão.
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Assim, nos termos conjugados dos artigos 10.º do RJAT e 102.º do CPPT, deve ser julgada provada a excepção de caducidade do direito de acção, relativamente à impugnação da Liquidação nº ... de 2021, o que desde já se Requer, com todas as consequências legais.
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A requerente refere o artigo 49.º do CIVA, mas este artigo não tem qualquer aplicação ao caso em apreço. Relativamente às facturas que emitiu, este artigo não se aplica, porquanto no regime dos bens em segunda mão, o IVA não é dedutível e, não se pode apurar nos termos previstos no art.º 49.º do CIVA.
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Já relativamente às facturas que devia ter emitido, que não ao abrigo do Regime de bens em segunda mão, também não se aplica.
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Nas facturas emitidas, quer o valor do IVA devido quer das taxas aplicadas devem em regra ser descritos e visíveis – cfr. n.º 5 do art.º 36.º do CIVA; A única exceção admitida, é nos casos de faturas previstas no art.º 40.º (faturas simplificadas), casos esses em que o imposto pode ser incluído no preço total (desde que o valor da fatura não seja superior a € 1.000), o que também não é o caso.
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Inquestionavelmente, o IVA em apreço, deve ser liquidado sobre o valor tributável dos bens e, esse valor, é a contraprestação obtida ou a obter dos clientes, ou seja, o preço, sem IVA, pelo qual vendeu as viaturas e, que os SIT apuraram nos termos melhor explicados no RIT. E, é isto, unicamente, que a legislação em vigor prevê.
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A Requerente vem invocar o Acórdão do TJUE, proferido no processo C-317/94, mas aquele acórdão nada tem a ver com o que está em apreço nos presentes autos. Aquele acórdão, refere-se a descontos que o sujeito passivo dava aos seus clientes, através de “cupões” e, que por maioria de razão alteravam o montante da contraprestação obtida ou a obter dos clientes. Não é esse o caso dos autos. A Requerente não alega sequer, ter feito qualquer desconto aos seus clientes, pelo que o constante daquele acórdão não se aplica aos presentes autos.
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Por outro lado, também o Acórdão do TJUE de 22.11.2018, no Processo C-295/17 (MEO), não tem aplicação nos presentes autos, porquanto como supra se referiu, a Requerente não logrou provar que os seus clientes tenham sido consumidores finais. Todo o modo, mesmo que se aplicasse, o que não se concede, nunca permitiria a conclusão que a Requerente pretende [...]. [...] no caso em apreço, não ocorreu qualquer “anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efectuada a operação”, que permita a regularização do imposto a favor da Requerente; nas condições fixadas pelo Estado Membro em questão, ou seja, nos termos do previsto nos artigos 78.º e ss. do CIVA.
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De resto, nem sequer alega a Requerente a sua pretensão ou direito a qualquer regularização de imposto a seu favor e, menos ainda, o cumprimento dos requisitos que constituem os pressupostos de tais regularizações e, que estão previstos nos artigos 78.º e ss. do CIVA. Ora, aplicando este Acórdão aos presentes autos, sempre se concluiria, como no processo que deu origem àquele reenvio se concluiu, que não cabia aferir da eventual regularização de imposto por via de não ter sido cobrado ao cliente, porquanto não estavam sequer alegados e assim, menos ainda provados, os requisitos do direito à regularização. Um desses requisitos, sempre seria a evidência da tentativa de cobrança, que como observado, a Requerente ou não fez, ou não prova ter feito.
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Já relativamente ao Acórdão do TJUE, de 01.07.2021, no Processo C-521/19, por um lado, não se aplica, porquanto nos autos não está provado que os adquirentes das viaturas sejam consumidores finais, mas, por outro lado, numa transcrição também um nadinha mais completa do que a da Requerente, facilmente se observa que, os pressupostos que determinaram a conclusão do TJUE que a Requerente transcreveu, também não se verifica no caso [dado que] [...] nos presentes autos, não se verifica uma reconstituição com “métodos não podem aspirar a uma fiabilidade perfeita e comportam uma margem inevitável de incerteza”, mas antes e sim, uma precisa determinação da contraprestação obtida ou a obter pela Requerente, ou seja, o preço exacto que cobrou aos seus clientes pelas viaturas, sem IVA e, foi sobre esse montante que considerou o valor tributável, que aplicou a taxa correcta de imposto, ou seja, a taxa normal. O Acórdão referido é explicito ao afirmar que é naquelas condições que é aplicável aquela conclusão, pelo que, não se verificando aquelas condições, nos presentes autos, em respeito pelo próprio Acórdão, também não se aplica aquela conclusão.
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Por último, relativamente ao Acórdão proferido no processo 521/2021-T, cabe referir, antes de mais, que o mesmo não transitou em julgado, por ter sido interposto recurso que ainda não obteve decisão, pelo que o mesmo ainda não constitui jurisprudência. [...] por outro lado, refere o Acórdão que “(n)o caso em apreço, é manifesto que a Requerente não tem possibilidade de fazer repercutir nos clientes o IVA em falta”, mas, não alega e por consequência, não prova a Requerente que as circunstâncias de facto tidas em conta naquele processo sejam as mesmas que as em apreço nos presentes autos.
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Facto é que, nos presentes autos, a Requerente, ao contrário do que alega, tinha condições para repercutir o imposto aos seus clientes, nomeadamente através da emissão de notas de crédito que anulassem as facturas originais e de débito que repusessem a situação devida e que, não sendo pagas, sempre poderia lançar mão do previsto nos artigos 78.º e ss. do CIVA (cumpridos que fossem os requisitos) e, se porventura entendesse ser melhor, poderia ter concedido descontos aos seu clientes (através de notas de crédito), que coincidissem com o montante a mais que lhes tivesse de cobrar e que entendesse não cobrar, corrigindo o valor tributável das operações.
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Na verdade nada fez e, inquestionavelmente, sendo o preço cobrado, ou, a contraprestação obtida ou a obter dos seus clientes, apurada sem margem para dúvidas pelos SIT, é este o valor tributável das operações (cfr. Artigo 16.º do CIVA) e, assim, bem andaram os SIT ao aplicar a este a taxa normal de imposto, concluindo pela liquidação adicional à Requerente da diferença entre o imposto devido e o liquidado/entregue originalmente.»
4.1. A AT conclui a sua resposta pedindo que a «excepção invocada se[ja] julgada provada com todas as consequências legais e, no demais, ou assim não entendendo, [que o] presente pedido de pronúncia arbitral se[ja] julgado improcedente por não provado e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, nos termos acima peticionados, tudo com as devidas e legais consequências.»
5. Tendo sido invocada excepção pela Requerida, a Requerente foi convidada, por despacho de 4/8/2022, a pronunciar-se sobre a mesma. Após a referida pronúncia, o Tribunal Arbitral, por despacho de 29/9/2022, prescindiu da reunião do art. 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo e em ordem a promover a celeridade e a informalidade deste. Foi, ainda, fixado o dia 7/10/2022 para a prolação da decisão arbitral.
II. Saneamento
6. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.
7. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
8. Assim, e após a análise da excepção invocada pela Requerida – vd. infra (III.) – passar-se-á, em conformidade com o que resultar dessa análise, ao conhecimento do mérito dos pedidos da Requerente.
III. Excepção de caducidade do direito de acção quanto à liquidação adicional de IVA n.º ... de 2021
9. A Requerida alega, na sua resposta, que, “nos termos conjugados dos artigos 10.º do RJAT e 102.º do CPPT, deve ser julgada provada a excepção de caducidade do direito de acção, relativamente à impugnação da Liquidação n.º ... de 2021”.
10. Refere a Requerida, a este respeito, que, de entre as três liquidações adicionais de imposto impugnadas, “a Liquidação n.º ... de 2021, referente ao período 18/09T, não determinou qualquer montante a pagar e a data da compensação notificada à Requerente é de 30/09/2021”, pelo que, “a 17/02/2022, aquando da apresentação do PPA, há muito se tinha esgotado o prazo de 90 dias para impugnar a liquidação em questão.”
11. Na resposta à excepção invocada pela Requerida, a Requerente alega que “a alínea b) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, supostamente invocada pela AT e referente à «notificação dos restantes actos tributários», apenas é aplicável às situações em que, dos factos tributários notificados, não resulta qualquer imposto a pagar.” Sucede, contudo, que, como refere, “para o período em causa [18.09T] liquidou adicionalmente € 3 749,01, que a Requerente teve de pagar.” Refere, ainda, a Requerente, que, ainda que “o imposto a pagar (€ 3 749,01) apare[ça] associado a outro período de imposto (no caso, o período 18.12T)”, tal “não significa que a correção deixou de reportar-se, no caso, ao período 18.09T, e que deixou de ter subjacente os factos tributários relativamente aos quais a inspeção considerou haver imposto em falta.”
12. Com efeito, atendendo ao que consta da notificação relativa ao referido período 18.09T, nela se observa, de forma expressa, que a correcção no valor de € 3 749,01 se “repercut[irá] para os períodos de imposto seguintes”. E a prova de tal facto está na circunstância de, no período subsequente (18.12T), o excesso reportado do período anterior ter deixado de ser €5.205,77, passando a ser €1.456,76 (i.e., precisamente menos €3.749,01). Assim sendo, observa-se que, embora não exista valor a cobrar na liquidação n.º ..., a correcção que consta da referida notificação foi repercutida no período subsequente [18.12T], tendo sido o montante de imposto a pagar que resultaria dessa correcção adicionado ao período seguinte (vd. liquidação n.º ...), com data limite de pagamento em 22/11/2021.
13. Pelo exposto – e sob pena de, a adoptar-se entendimento contrário, se tornar insindicável a correcção que deu origem à liquidação do valor €3.749,01 (valor este relativo ao período de 18.09T mas que seria adicionado à correcção de €35.683,10 do período de 18.12T, gerando, na liquidação n.º ..., um valor total a pagar de €39.432,11) –, conclui-se que, tendo a liquidação adicional do período subsequente [n.º ...] integrado o referido valor de €3.749,01 [relativo ao período 18.09T], tal faz com que se considere que a data limite de pagamento do imposto daqui decorrente seja a data relativa ao período [18.12T] em que se materializa financeiramente a correcção [data esta que releva para efeitos do disposto na al. a) do n.º 1 do art. 102.º do CPPT], i.e., 22/11/2021. Assim sendo, conclui-se ser improcedente a invocada excepção.
IV. Questões a decidir
14. No entender da ora Requerente, “está em causa saber se o IVA relativo a uma liquidação adicional correspondente a transmissões de bens a consumidor final deve ser calculado por dentro ou por fora, quando não foi nem pode ser exigido aos sujeitos passivos adquirentes.”
15. O pedido da ora Requerente, baseado no entendimento de que “o IVA em falta apurado pela inspeção está ferido de ilegalidade, por ter sido calculado por fora, em manifesta violação do disposto no artigo 49.º do Código do IVA”, tem como objecto a anulação dos actos tributários consubstanciados nas liquidações n.os ... de 2021, ... de 2021, e ... de 2021, respectivamente do 2.º, 3.º e 4.º trimestres do ano de 2018.
16. Por seu lado, a Requerida alega que a Requerente “não apresentou qualquer prova” de que, como alega, “as viaturas em questão foram vendidas a consumidores finais.” Acrescenta, ainda, que o invocado art. 49.º do CIVA “não tem qualquer aplicação ao caso em apreço [...] porquanto, no regime dos bens em segunda mão, o IVA não é dedutível e não se pode apurar nos termos previstos no art.º 49.º do CIVA.” E que, quanto “às facturas que devia ter emitido, que não ao abrigo do Regime de bens em segunda mão, [tal artigo] também não se aplica.”
17. Pelo exposto, conclui-se que a questão essencial a decidir nos presentes autos diz respeito a saber se o IVA considerado em falta, pela forma como foi apurado pela IT, está ferido de ilegalidade, nomeadamente por violação do invocado art. 49.º do CIVA. Na sequência desta análise, tratar-se-á da questão relativa ao pagamento dos juros indemnizatórios peticionados.
V. Mérito
V.1. Matéria de facto
18. Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
A. A Requerente foi objecto de um procedimento de inspecção interno, de âmbito parcial, ao IVA, com referência ao período de 2018, ao abrigo da ordem de serviço OI 2020..., do qual resultaram as liquidações adicionais de IVA em causa (liquidações adicionais n.os ... de 2021, ... de 2021 e ... de 2021, respectivamente, do 2.º, 3.º e 4.º trimestres do ano de 2018).
B. As referidas liquidações adicionais (no valor, respectivamente, de €13.432,64 [do período 18.06T], de €3.749,01 [do período 18.09T] – valor este que foi adicionado ao valor do período seguinte [18.12T] (razão pela qual a liquidação do período 18.12T perfez o total de €39.432,11 [= €3.749,01 + €35.683,10] – e de €35.683,10 [do período 18.12T]) resultaram de correcções no montante de €52.864,76. Estas correcções, por sua vez, tiveram como fundamento, no entendimento da IT (vd. RIT constante do PA apenso aos autos): i) a aplicação indevida do Regime de Bens em Segunda Mão (RBSM), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 199/96, de 18/10 (em vez da aplicação do regime normal); e ii) o errado apuramento do valor tributável do referido RSBM.
C. A data limite de pagamento do imposto relativo à liquidação n.º ... (período 18.09T) é 22/11/2021, uma vez que a liquidação adicional do período 18.12T integrou (como supra referido) o valor de €3.749,01 relativo a esse período 18.09T (v. Doc. 3).
D. A Requerente não contesta nestes autos a indevida aplicação do RBSM nem o erro no apuramento da base tributável, circunscrevendo a sua contestação à forma como foi apurado o imposto em falta, a qual deu origem a um montante de €9.885,36 que a Requerente considera indevidamente liquidado.
E. Para apuramento do IVA em falta foi determinada a base não tributada e calculado o imposto, «por fora», sobre a mencionada base. Desse apuramento (vd. RIT constante do PA apenso aos autos) resultou o apuramento de IVA em falta, calculado «por fora», no montante global de €52.864,76 (= €34.673,69 [vd. ponto III.2.1. do referido RIT] + €9.163,56 [III.3.1.] + €677,11 [III.4.1.] + €8.350,40 [III.5.1.]).
F. A Requerente, apoiada em jurisprudência do TJUE (Acórdãos de 24/10/1996, no Proc. C-317/94; de 22/11/2018, no Proc. C-295/17; e de 1/7/2021, no Proc. C-521/19), considera que o IVA em falta deveria ter sido calculado «por dentro» (no respeito pelo artigo 49.º do CIVA) e que, não se tendo procedido desse modo, foi liquidado a mais imposto no valor total de €9.885,36 (= €6.483,69 + €1.713,51 + €126,69 + €1.561,47).
G. Inconformada – e sendo manifesto que a Requerente não tem possibilidade de fazer repercutir nos clientes o IVA em falta –, a Requerente interpôs o presente pedido de constituição de tribunal arbitral a 17/2/2022, peticionando a ilegalidade, na parte contestada, das liquidações adicionais de IVA em causa, e a condenação da AT no “pagamento dos juros indemnizatórios devidos pelo pagamento das contestadas liquidações de IVA que entretanto [...] começará [...] a fazer em regime prestacional.”
V.2. Factos não provados
19. Não se provou que a Requerente tenha efectuado o pagamento das quantias liquidadas. Com efeito, a ora Requerente, ao formular o pedido, apenas faz referência à autorização do “pagamento das contestadas liquidações de IVA, que [...] começará, a partir de Março 2022, a fazer em regime prestacional”. No entanto, a Requerente não viria a apresentar, nestes autos, qualquer documento comprovativo desse pagamento.
V.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
20. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada [cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT, e art. 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].
21. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável [vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT].
22. A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados.
V.4. Matéria de direito
23. Como decorre da leitura dos autos e, nomeadamente, da p.i., a Requerente reconhece que houve “casos em que a Requerente aplicou indevidamente o RBSM, [e] casos em que houve um mero erro na determinação da base sujeita ao RBSM”. Contudo, alega que, tanto naqueles como nestes, a IT, para determinar o valor em dívida, calculou “sempre o imposto por fora” e não “por dentro”, o que considera que foi feito “em manifesta violação do disposto no artigo 49.º do Código do IVA”. Assim, e por aplicação do disposto no referido art. 49.º, conclui a Requerente que as liquidações adicionais de IVA em causa são ilegais por ter sido liquidado imposto a mais relativamente às correcções efectuadas no RIT (imposto liquidado a mais no montante global, aqui impugnado, de €9.885,36).
24. Por seu lado, a Requerida alega que “os SIT, conforme o método melhor explicado no RIT [...], apuraram o preço pelo qual as viaturas foram vendidas, sem o IVA que havia sido erradamente liquidado ao abrigo daquele regime e, sobre o preço, aplicaram a taxa normal de imposto, liquidando adicionalmente à Requerente a diferença entre o IVA devido e o liquidado ao abrigo do Regime dos bens em segunda mão [RBSM].” E alega, ainda, que, apesar da ora Requerente alegar que as viaturas em questão foram vendidas a consumidores finais, não apresentou, como lhe competiria, à luz do art. 74.º da LGT, qualquer prova de que assim fosse. Ou prova de que lhe é impossível obter, dos seus clientes, o imposto liquidado adicionalmente.
25. Vejamos, então.
26. Na sua p.i., a ora Requerente recorre à jurisprudência do TJUE para defender que “o IVA deve ser calculado por dentro.” E, também no mesmo sentido dessa jurisprudência, invoca a Decisão arbitral colectiva proferida a 17/1/2022, no proc. n.º 521/2021-T (ver, igualmente no mesmo sentido da jurisprudência invocada, a Decisão arbitral colectiva proferida a 30/6/2021, no proc. n.º 563/2020-T).
27. Com efeito, também no caso destes autos se invoca o mesmo artigo do CIVA (49.º) e a mesma jurisprudência do TJUE que foi invocada pela Requerente do acima referido proc. n.º 521/2021-T (os Acórdãos do TJUE de 24/10/1996, no Processo C-317/94; de 22/11/2018, no Processo C-295/17; e de 1/7/2021, no Processo C-521/19).
28. A conclusão que a mencionada Decisão arbitral, proferida a 17/1/2022, retirou a respeito da matéria que aqui nos ocupa foi a de que “o TJUE tem vindo a decidir que, nos casos em que houve falta de cobrança do IVA devido, este seja deduzido do montante que o sujeito passivo efectivamente recebeu do seu cliente. Assim, no citado acórdão do TJUE proferido no dia 22-11-2018, no Processo C-295/17, refere-se o seguinte: «55. Por outro lado, dado que o sistema do IVA tem como objetivo onerar unicamente o consumidor final, o valor tributável do IVA a cobrar pelas autoridades fiscais não pode ser superior à contraprestação efetivamente paga pelo consumidor final, sobre a qual foi calculado o IVA que recai em definitivo sobre esse consumidor (v., neste sentido, Acórdão de 24 de outubro de 1996, Elida Gibbs, C 317/94 [...]). 56. Por isso, há que acrescentar, para todos os efeitos úteis e como a advogada geral salientou no n.º 55 das suas conclusões, que, se for necessário, caberá às autoridades nacionais competentes proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.º da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente.» No mesmo sentido, essencialmente, decidiu o TJUE nos seguintes acórdãos: de 24-10-1996, processo C-317/94 Elida Gibbs, n.º 19; de 15-10-2002, Comissão/Alemanha, processo n.º C-427/98, n.º 30, de 16-10-2003, Yorkshire Co-operatives, processo C-398/99, n.º 19. [E] Esta jurisprudência foi recentemente reiterada pelo TJUE no acórdão de 15-04-2021, processo n.º C-846/19 [...]: «93. No que respeita, por outro lado, à hipótese, evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de o prestador ter realizado prestações de serviços sem cobrança do IVA de que era devedor, e de não estar em condições de recuperar junto de quem pagou essas prestações o IVA posteriormente exigido pela administração tributária, há que considerar, se essa hipótese se concretizar, que as remunerações recebidas a esse título pelo prestador de serviços incluem já o IVA devido, pelo que a cobrança do IVA é compatível com o princípio de base da Diretiva IVA segundo o qual o sistema do IVA tem como objetivo onerar unicamente o consumidor final (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2013, Tulică e Plavoşin, C 249/12 e C 250/12 [...]).»
29. Acrescenta, ainda, a referida Decisão arbitral que, “ainda mais recentemente, o TJUE decidiu, no acórdão de 01-07-2021, processo n.º C-521/19, aplicar esse regime mesmo nos casos de fraude, se os sujeitos passivos não tiverem a possibilidade de fazer repercutir e deduzir ulteriormente o IVA em causa: «A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, nomeadamente os seus artigos 73.º e 78.º, lidos à luz do princípio da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), deve ser interpretada no sentido de que, quando os sujeitos passivos do IVA, por meio de fraude, não indicaram a existência da operação à Administração Tributária, não emitiram fatura nem incluíram os rendimentos gerados por ocasião desta operação numa declaração a título de impostos diretos, deve considerar-se que a reconstituição, no âmbito da inspeção de tal declaração, dos montantes pagos e recebidos durante a operação em causa levada a cabo pela Administração Tributária em causa é um preço que já inclui o IVA, a menos que, nos termos do direito nacional, os sujeitos passivos tenham a possibilidade de fazer repercutir e deduzir ulteriormente o IVA em causa, não obstante a fraude.»”
30. Concordando-se com este entendimento, que aqui também se segue (e que está em linha com a referida jurisprudência do TJUE), e considerando-se, ainda, que – atendendo ao que refere o referido Acórdão do TJUE de 7/11/2013, no Proc. C-249/12 (no qual se subordina a determinação do IVA por dentro à impossibilidade de recuperação do IVA pelo fornecedor) –, no caso ora em análise, é claro e manifesto que a Requerente não tem possibilidade de fazer repercutir nos clientes o IVA em falta, terá de concluir-se, tal como o fez a Decisão arbitral colectiva citada, que, aplicando a jurisprudência do TJUE supra mencionada, as liquidações adicionais de IVA aqui impugnadas enfermam de vício de violação de lei, por violarem o princípio da neutralidade, o que justifica a sua anulação nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do CPA, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, al. c), da LGT.
31. No mesmo sentido aqui expresso, ver, também, a Decisão arbitral proferida a 13/9/2021, no Proc. 593/2020-T: “por aplicação da jurisprudência do caso Tulică e Plavoşin, Acórdão do TJUE de 07.11.2013, quando um contrato tiver sido celebrado sem menção do IVA e o fornecedor, segundo o direito nacional, não puder recuperar junto do adquirente o IVA posteriormente exigido pela administração fiscal, deve o correspondente imposto ser retirado por dentro, determinando-se o respectivo valor tributável em conformidade com o determinado no art.º 49.º do CIVA”.
Juros indemnizatórios
32. A Requerente pede, ainda, que se “condene a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento dos juros indemnizatórios devidos pelo pagamento das contestadas liquidações de IVA, que, entretanto, por já ter sido autorizado, começará, a partir de Março 2022, a fazer em regime prestacional”.
33. Ora, como resulta da matéria de facto fixada (vd. supra, especificamente, ponto V.2), não se provou nestes autos que a ora Requerente tenha efectuado o referido pagamento da quantia liquidada.
34. Assim, não tendo sido feita prova desse pagamento, este pedido é julgado improcedente, ainda que sem prejuízo dos eventuais direitos a reembolso e juros indemnizatórios poderem ser reconhecidos à Requerente em execução de julgado, que é o meio processual adequado para os definir, quando não há elementos para esse efeito no processo declarativo (vd. artigos 609.º, n.º 2, do CPC, e 61.º, n.º 2, do CPPT).
VI. DECISÃO
Em face do supra exposto, decide-se:
- Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, determinar a anulação dos actos de liquidação adicional de IVA impugnados.
- Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto aos juros indemnizatórios, sem prejuízo de o respectivo direito poder ser reconhecido à Requerente em execução de julgado.
VII. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 9.885,36 (nove mil oitocentos e oitenta e cinco euros e trinta e seis cêntimos), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VIII. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a pagar pela Requerida, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 7 de Outubro de 2022.
O Árbitro
(Miguel Patrício)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto
no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
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