DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Dr. Armando Oliveira e Dr. Marcolino Pisão Pedreiro (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 4 de abril de 2022, acordam no seguinte:
I. Relatório
A..., S.A., sociedade comercial anónima matriculada na Conservatória do Registo Comercial com o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva..., com sede social na Rua ..., n.º ..., ...-... ... (doravante abreviadamente designada por “A...” ou “Requerente”), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), nos termos do disposto na alínea a) do número 1 do artigo 2.º; na alínea a) do número 3 do artigo 5.º e no n.º 2 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também identificada por “AT” ou Requerida.
O Requerente visa a declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação adicional de imposto (IRC) n.º 2021..., de compensação n.º 2021... e de acerto de contas n.º 2021..., acrescidos os juros compensatórios, num montante total de € 141.580,98
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 26 de janeiro de 2022 e, de seguida, notificado à AT.
De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 4 de abril de 2022.
Notificada para o efeito, em 16 de maio de 2022, a Requerida apresentou a sua Resposta, na qual se defende por impugnação, pugnando pela improcedência da ação, por não provada, e pela absolvição do pedido, com as legais consequências. Procedeu à junção do PA.
Por despacho de 15 de junho de 2022, o Tribunal Arbitral determinou a dispensa realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por desnecessidade, ao que as Partes não se opuseram e foram as Partes notificadas para apresentarem alegações escritas, facultativas e sucessivas, advertindo-se o Requerente da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente até à data de prolação da decisão arbitral, que foi fixada no termo do prazo previsto no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT.
Apenas a Requerente optou por apresentar alegações.
Posição do Requerente
A Requerente baseia a sua pretensão em vício de erro de direito, alegando que, ao contrário do que entendeu a AT, a sua atividade principal transformação e comercialização de produtos à base de carne é elegível para efeitos do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (adiante, RFAI).
Acrescentando que, ao dedicar-se a uma atividade de cariz industrial de produção e transformação de produtos de carne, se encontra plenamente coberta pelo âmbito de aplicação do RFAI, conforme delimitado pelas normas nacionais e europeias aplicáveis.
Neste âmbito, a Requerente invoca o sentido das normas legais e princípios europeus aplicáveis, assim como o lastro jurisprudencial que, na sua opinião, são inequívocos no sentido da ilegalidade das correções contestadas.
Posição da Requerida
Defendendo posição oposta, a Requerida defende que a atividade desenvolvida pela Requerente se reconduz à transformação de produtos agrícolas em outros produtos agrícolas, e, como tal, não se enquadra no âmbito de aplicação do RFAI, face ao disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 2.º n.º 1 do art.º 22 do CFI, e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de Dezembro, e ao âmbito sectorial de aplicação das Orientações Relativas aos Auxílios com Finalidade Regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, nº C 209, de 23 de Julho de 2013 (OAR) e do Regulamento (UE) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de Junho 2014 (RGIC).
Consequentemente, conclui que os valores investidos pela Requerente no âmbito da sua atividade de transformação e comercialização de produtos à base de carne não podem dar origem a créditos de imposto a título do benefício fiscal do RFAI.
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos atos de liquidação de IRC e de juros compensatórios, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
Não foram identificadas questões prévias a apreciar. O processo não enferma de nulidades.
III. Questão a Apreciar
A questão a apreciar é de direito e reside em saber se os investimentos no processo produtivo efetuados pela Requerente na sua atividade de transformação e comercialização de produtos de carne encontram-se incluídos no âmbito do RFAI e se, em consequência, poderá beneficiar, para os exercícios em questão, do respetivo crédito fiscal.
IV. Fundamentação de Facto
1. De Facto
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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A Requerente é uma sociedade com atividade principal na transformação e comercialização de produtos de carne, exercendo a sua atividade nos seguintes códigos de atividade:
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CAE Principal 10110 – Abate de gado para produção de carne, e
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CAE Secundário 10130 – Fabricação de produtos à base de carne
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A Requerente não faz criação de animais (suínos), adquire os mesmos a terceiros, abate-os em matadouro tendo em vista a sua transformação em produtos de carne e enchidos, que vão ser escoados, como tal, no mercado interno e externo. Este processo produtivo pode ser simplificado, em que determinados produtos se bastam com a evisceração e a triparia dos animais, ou mais complexo, seguindo-se ainda várias etapas produtivas: desde a climatização/conservação até ao tratamento técnico da carne.
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No mercado nacional, a comercialização é realizada através de cadeias de distribuição para grandes superfícies e para o comércio tradicional sendo também relevante a exportação para outros países.
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A Requerente não atua no setor primário agrícola, nem produz nem comercializa animais vivos, é uma empresa que se dedica à transformação e comercialização de produtos agrícolas (suínos) em produtos agrícolas distintos dos que lhes dão origem (produtos de carne e enchidos).
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Nos anos de 2016 a 2019, a Requerente realizou um projeto de investimento de aproximadamente € 2,5M para modernizar e expandir a área de produção e assim corresponder ao aumento esperado do volume de produção.
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A Requerente realizou assim um conjunto de investimentos (nova unidade, ampliação do edifício da fábrica, e outros ativos fixos tangíveis afetos à produção, essencialmente equipamentos produtivos, tais como máquinas e equipamentos de conservação e tratamento térmico), suportados documentalmente por faturas e devidamente relacionados, e que considerou passíveis de serem enquadrados no RFAI, nomeadamente no ano aqui em causa (2019), conforme evidenciado na documentação de suporte ao projeto de investimento.
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Em 2019 a Requerente empresa apurou uma coleta de IRC de € 273.019,15. Dispondo ainda de um saldo de RFAI de € 358.885,62 (€ 72.869,96, do remanescente de 2016 + € 274.246,39, de 2017 + € 11.769.27, de 2018) não utilizado de anos anteriores, a Requerente deduziu o montante de € 136.509,57 de RFAI, correspondente a 50% da coleta apurada (e o montante de € 68.254,78 de DLRR no quadro 10, campo 355 da declaração de rendimentos mod. 22 – cuja cópia foi anexada ao processo como documento n.º 2), tendo originado um valor a pagar de € 4.661,16.
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Assim, e por referência a 2019, após a dedução da importância de € 136.509,57, a Requerente dispunha dos seguintes créditos fiscais referentes a RFAI:
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Dotação do período de tributação de 2017 (ainda não usado): € 210.606,78;
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Dotação do período de tributação de 2018: € 11.769,27;
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Dotação do período de tributação de 2019: € 53.810,00;
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Total/saldo que transita para o período seguinte: € 276.186,05.
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Por outro lado, e no âmbito do relatório de inspeção elaborado pelos STI, a Requerida efetuou uma alocação diferente por não concordar com o entendimento e cálculo da Requerente. Assim, de acordo com o relatório de inspeção “resulta ser de corrigir o valor de € 53.810,00 relativos à dotação do período, bem como o montante de € 136.509,57 (IRC), correspondente à dedução à coleta de IRC, constantes do campo 355 do Quadro 10 da Mod. 22”.
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Diferença que se justifica pela correção tanto ao nível da “dotação do período” (campo 714 do Quadro 7 da Modelo 22), como da “dedução no período” (campo 715).
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Ora, tal entendimento gerou emissão de uma liquidação adicional de IRC – liquidação de IRC n.º 2021 ... no valor de € 141.580,98, e a demonstração de liquidação de juros n.º 2021 ... no valor de € 5.071,42.
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O respetivo IRC gerado com a demonstração de liquidação adicional foi pago pela Requerente em 5 de novembro de 2021.
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Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.
Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em meros juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos (nomeadamente a declaração modelo 22 relativa ao período de tributação de 2019, o relatório de inspeção tributária e o comprovativo de pagamento do imposto impugnado) tendo em conta a posição assumida pelas Partes em relação aos factos essenciais, não tendo sido produzida prova testemunhal.
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Factos não Provados
Com relevo para a decisão, não se identificaram factos alegados que devam considerar-se não provados.
V. DO DIREITO
A questão a dirimir subsume-se, desta forma, em saber se os investimentos realizados pela Requerente na sua atividade, em particular a construção de uma nova unidade, ampliação do edifício da fábrica, e outros ativos fixos tangíveis afetos à produção, essencialmente equipamentos produtivos, tais como máquinas e equipamentos de conservação e tratamento térmico, se enquadram no âmbito de aplicação do RFAI, podendo beneficiar da dedução à coleta de IRC do exercício de 2019, em face da interpretação do artigo 2º e 22º do CFI, artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 282/2014 e demais legislação aplicável, bem como do quadro legislativo europeu relevante.
Ora, o Código Fiscal ao Investimento no seu artigo 1.º refere:
1 - O Código Fiscal do Investimento, doravante designado por Código, estabelece:
a) O regime de benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo;
b) O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI);
c) O sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II); e
d) O regime de dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR).
2 - O regime de benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo e o RFAI constituem regimes de auxílios com finalidade regional aprovados nos termos do Regulamento (UE) n.º 651/2014, da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de junho de 2014, e alterado pelo Regulamento (UE) 2021/1237, da Comissão, de 23 de julho de 2021, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 270/39, de 29 de julho de 2014 (adiante Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC). (Redação da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho; produz efeitos desde 1 de janeiro de 2022)
(…)
Por outro lado, o artigo 2.º do mesmo Código refere:
Artigo 2.º
Âmbito objetivo
(…)
2 - Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito setorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2022-2027 (OAR), publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 153/1, de 29 de abril de 2021, e no -RGIC: (Redação da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho; produz efeitos desde 1 de janeiro de 2022)
a) Indústria extrativa e indústria transformadora;
b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;
c) Atividades e serviços informáticos e conexos;
d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;
e) Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;
f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;
g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;
h) Atividades de centros de serviços partilhados.
3 - Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior. (sublinhado e negrito nosso)
O 22.º do Código Fiscal do Investimento (CFI), estabelece que:
Artigo 22.º
Âmbito de aplicação e definições
1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.
(…)
Por fim, a Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, que define os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes a várias atividades, dispõe que:
(…)
Atendendo à necessidade de observar as normas e demais atos emanados das instituições, órgãos e organismos da União Europeia em matéria de auxílios estatais, nomeadamente as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013 e o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, que aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014, são também definidos na presente portaria os setores de atividade excluídos da concessão de benefícios fiscais.
Assim:
Manda o Governo, pelos Ministros de Estado e das Finanças e da Economia, ao abrigo do n.º 3 do artigo 2.º do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, e nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 2.º do mesmo Código, o seguinte:
Artigo 1.º
Enquadramento comunitário
Em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto as atividades económicas dos setores siderúrgico, do carvão, da pesca e da aquicultura, da produção agrícola primária, da transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo i do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, da silvicultura, da construção naval, das fibras sintéticas, dos transportes e das infraestruturas conexas e da produção, distribuição e infraestruturas energéticas.
Artigo 2.º
Âmbito setorial
Sem prejuízo das restrições previstas no artigo anterior, as atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3 (CAE-Rev.3), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro:
(…)
b) Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;
(…)
Da leitura e articulação do acima exposto, resulta claro que este quadro normativo surgiu para assegurar a conformidade com o quadro legal europeu aplicável em matéria de auxílios de estado – o qual não pode nunca olvidar as normas/regulamentos que os regulam, já que os mesmos revestem, na sua essência, instrumentos de execução do normativo europeu. Aliás, o que se confirma pelas remissões efetuadas pelo artigo 22.º do CFI para as limitações impostas pelo âmbito setorial das Orientações sobre Auxílios de Estado Regionais (OAR) e do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (RGIC).
Assim, por forma a obter-se uma correta execução do normativo europeu em matéria de auxílios de estado, deverá ser efetuada uma análise de acordo com o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), do RGIC e, por último, das OAR.
Ora, o RGIC (Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014), no âmbito do seu artigo 2.º, refere:
Para efeitos do presente regulamento, entende-se por:
(…)
10) «Transformação de produtos agrícolas», qualquer operação realizada sobre um produto agrícola de que resulte um produto que continua a ser um produto agrícola, com exceção das atividades realizadas em explorações agrícolas necessárias à preparação de um produto animal ou vegetal para a primeira venda;
11) «Produto agrícola», um produto enumerado no anexo I do Tratado, exceto os produtos da pesca e da aquicultura constantes do anexo I do Regulamento (UE) n.o 1379/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013;
Por outro lado, as OAR declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, assumindo particular importância o § 10 que afasta do seu campo de aplicação, entre outros, os auxílios ao setor da agricultura, com a justificação de que:
“estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações”,
explicitando a nota de rodapé (11) que os auxílios à agricultura cobrem”:
“Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola”
Acresce que nas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020», publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 204/1, de 01-07-2014, refere-se no ponto 33:
Em virtude das especificidades do setor, não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020. Aplicam-se, no entanto, à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações.
Assim, resulta claro desta segunda parte do ponto acima (33), que as OAR não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários, mas aplicam-se à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações relativas aos setores agrícola e florestal.
Ora, o ponto 168 das mesmas «Orientações da União Europeia relativas aos auxílios estatais nos setores agrícola e florestal e nas zonas rurais para 2014-2020» estabelece-se que:
Os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio:
(a)
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Regulamento (UE) n.o 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.o e 108.o do Tratado;
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(b)
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Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020;
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(c)
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As condições estabelecidas na presente secção.
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Ora, de tudo o exposto conclui-se, assim, à luz do acima exposto, que a atividade da Requerente, de transformação e comercialização de produtos agrícolas, designadamente a atividade de preparação e transformação dos produtos de carne e enchidos, não é uma das «atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR's» a que se refere a parte final, do artigo 22.º do CFI, e, pelo contrário, desde que satisfaçam as condições previstas no RGIC, ou nas OAR, ou na secção em que se insere este ponto (168), são permitidos os auxílios estatais.
Pelo exposto, não colhe o argumento que fundamenta a exclusão da aplicação do RFAI que foi invocado pela Requerida ao referir “porque estão relacionados com produtos transformados à base de carne que entram na classificação de “produtos agrícolas” enumerados na lista do Anexo I do TFUE e, como tal excluídos do âmbito de aplicação das OAR”.
Desta forma, é de concluir que a liquidação impugnada enferma de vício, por erro sobre os pressupostos de direito, ao ter como pressuposto o entendimento de que a atividade principal da Requerente de produção de transformação e comercialização de produtos a base de carne não era elegível para efeitos de RFAI.
Reenvio prejudicial
A Requerente sugere o reenvio prejudicial para o TJUE, sugestão sem oposição acolhida da Requerida.
Afigura-se a este Tribunal Arbitral que a interpretação das normas de Direito Europeu que é necessária para apreciação da legalidade da liquidação impugnada, designadamente a interpretação do §10, nota de rodapé 11, das OAR 2014-2020, dos §§ 33 e 168 das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola, é clara, pelo que não há necessidade de efetuar o reenvio sugerido.
Pelo exposto, entende-se desnecessário efetuar o reenvio prejudicial.
Juros compensatórios
As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto a respetiva liquidação de IRC (n.º 8 do artigo 35.º da LGT), pelo que enferma do mesmo vício que afeta esta, justificando-se desta forma também a sua anulação.
Juros indemnizatórios
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que dispõe que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Os erros que afetam as liquidações são imputáveis à Administração Tributária, que as efetuou por sua iniciativa, assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados à taxa legal supletiva, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º, da LGT e 61.º do CPPT, até ao integral reembolso.
VI. Decisão
À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar a ação totalmente procedente e anular a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios impugnadas, relativas a 2019, com as legais consequências.
VI. Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 141.580,98 correspondente ao valor da liquidação de IRC cuja anulação é peticionada pela Requerente – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII. Custas
Custas no montante de € 3.060,00, a cargo da Requerida, por decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT; 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 7 de outubro de 2022
Os árbitros,
Alexandra Coelho Martins
Armando Oliveira, Relator
Marcolino Pisão Pedreiro