DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros, Juiz José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr. José Rodrigo de Castro e Dr. António Alberto Franco, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-5-2014, acordam no seguinte:
I RELATÓRIO
A…, contribuinte n.º …, falecido e aqui representado pela cabeça de casal B…, residente na Av. ..., em Lisboa (“A...”), B…, contribuinte n.º …, residente na Av.ª…, Lisboa (“B...”), C…, contribuinte n.º …, residente na Av. …, Lisboa (“C...”), D…, contribuinte n.º …, residente na Av. …, em Lisboa (“D...”) e F…, contribuinte n.º …, residente na Rua das …, Cascais (“F…”), em conjunto “Requerentes”, vieram, nos termos do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 (doravante “RJAT” - Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), de 20 de Janeiro, requerer a constituição de tribunal arbitral coletivo, tendo por objeto:
· a declaração da ilegalidade, e consequente anulação, das liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) e juros compensatórios n.ºs …, emitidas pelo Diretor-Geral dos Impostos(“Liquidações Contestadas”), das quais resultou um valor total a pagar de € 369.463,30 - cf. docs. n.ºs 1 a 5 que ora se juntam e dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;
· a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, das decisões de indeferimento das reclamações graciosas através das quais os Requerentes contestaram a legalidade daquelas liquidações (“Decisões Contestadas”) - cf. docs. n.ºs 6 a 10 que juntam e dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais; e
· à condenação da Administração Tributária e Aduaneira (“AT”) no reembolso das quantias indevidamente pagas com respeito a tais liquidações - no montante total de € 369.463,30 (cf. docs. n.ºs 11 a 15 que ora se juntam e dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais) – acrescidas dos devidos juros indemnizatórios e de juros de mora, se a eles houver lugar.
Alegam, em síntese:
Na origem das Liquidações Contestadas (que as decisões contestadas mantêm) estão as correções ao IRS de 2009 dos Requerentes levadas a cabo pela AT no âmbito de um procedimento de inspeção que resultou na aplicação da cláusula geral anti-abuso.
Na sequência de tal procedimento, e por aplicação da sobredita cláusula geral anti-abuso, entendeu a AT deverem considerar-se como mais-valias tributáveis as mais-valias realizadas com a venda em 2009 de ações detidas há mais de 12 meses (a essa data excluídas de tributação em face da redação da lei então em vigor).
Na realidade, os Requerentes alienaram em 31 de dezembro de 2009 ações da sociedade G... -, S.A. (“G...”) – detidas há mais de 12 meses – à sociedade H…, S.A. (“H...”).
A antedita correção - na origem das Liquidações Contestadas - resulta do facto de, segundo considera a AT, ser de desconsiderar, ao abrigo da cláusula geral anti-abuso (prevista no art.º 38.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária – “LGT”), a transformação da G... de sociedade por quotas em sociedade anónima, em 5 de dezembro de 2009.
Segundo entende a AT, a venda das ações da G... deveria ser tratada como se de uma venda de quotas se tratasse, pelo que não seria de aplicar a exclusão de tributação prevista no art.º 10.º, n.º 2, al. a) do Código do IRS (aplicável ao rendimento de mais-valias resultante da venda de ações detidas há mais de 12 meses). Assim, e tributando a referida operação como se de uma venda de quotas se tratasse - por se ignorar a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima - o rendimento de mais-valias (que havia sido isento nos termos do art.º 10.º, n.º 2, al. a) do Código do IRS) ficaria sujeito a tributação à taxa de 10%, de acordo com o disposto no n.º 4 do art.º 72.º do Código do IRS.
É pois esta a origem da correção efetuada em sede inspetiva, que está na origem das Liquidações Contestadas e mantidas em sede de reclamação graciosa, cuja legalidade nesta sede se contesta.
Os Requerentes reputam ilegal tal correção porquanto entendem que o rendimento de mais-valias realizado com a alienação das ações da G... deve estar excluído de tributação ao abrigo do art.º 10.º, n.º 2, al. a) do Código do IRS (na redação à data dos factos), sendo certo que tais ganhos, mesmo que realizados mediante a venda das quotas (antes da transformação da sociedade) sempre estariam excluídos de tributação em IRC ao abrigo do disposto no art.º 5.º do Decreto-lei n.º 442-A/88 de 30 de Novembro, sendo ilegal a aplicação da cláusula geral anti-abuso ao caso sub judice.
A H... dedica-se, desde a sua constituição, em 1968, à gestão profissionalizada de imóveis, tendo por objeto a “administração, exploração direta ou indireta ou venda de bens móveis ou imóveis, já existentes ou adquiridos, bem como a compra de prédios para revenda” (cf. certidão permanente que ora se junta como doc. n.º 16 e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
É pois a atividade de compra, reabilitação e rentabilização de imóveis que a H... vem desenvolvendo, tal como desenvolvia nos anos de 2006, 2007, 2008 e 2009 (que são as datas relevantes nos presentes autos) e desenvolve ainda hoje - cf. relatórios de gestão da H... de 2006 a 2008 que ora se juntam como docs. n.º 17 a 19 e dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
A G... foi constituída em 1944, sob a denominação E…, Lda., tendo, nessa data, por objeto o comércio de representações – cf. escritura de constituição de sociedade e respetiva publicação que ora se junta como doc. n.º 20 e dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
Sem prejuízo de outros desenvolvimentos não relevantes para o caso sub judice, em 11 de julho de 1985, o capital social G... foi aumentado para 1.000.000$00 (redenominado e aumentado por incorporação de reservas para € 5.000, aquando da introdução do euro) tendo ficado repartido da seguinte forma – cf. doc. n.º 21 que ora se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais:
Sócio
|
Capital (Escudos)
|
Capital
(Euros)
|
Percentagem da Participação
|
A...
|
600.000$00
|
€3.000
|
60%
|
B...
|
100.000$00
|
€ 500
|
10%
|
C...
|
100.000$00
|
€ 500
|
10%
|
D...
|
100.000$00
|
€ 500
|
10%
|
F…
|
100.000$00
|
€ 500
|
10%
|
Total
|
1.000.000$00
|
€ 5.000
|
100%
|
Os Requerentes (com exceção de A..., que adquiriu a sua participação em 1965) tornaram-se pois titulares do capital da G... em 1985 (situação que se manteve até 5 de dezembro de 2009) – cf. certidão permanente que ora se junta como doc. n.º 22 e dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, bem como o doc. n.º 21 junto.
A essa data – 11 de julho de 1985 –, bem como nos anos seguintes, a G... dedicava-se essencialmente à importação e exportação, tendo por objeto “o comércio de representações, a administração de propriedades suas ou de terceiros, bem como a prestação de outros serviços a entidades públicas ou privadas” – cf. docs. n.ºs 21 e 22 juntos.
Com o intuito de rentabilizar e atribuir um foco de negócio com elevadas potencialidades de rendimento à G..., assim potenciando o desenvolvimento e redimensionamento da mesma, em 1994, A... doou à G... o prédio urbano sito na …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário (àquela data) de 10.498.753$00 – cf. escritura de doação que ora se junta como doc. n.º 23 e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Em resultado dessa doação a sociedade donatária – i.e, a G... – procedeu (como, aliás, sempre fez) ao pagamento dos devidos impostos (no caso, Imposto sobre Sucessões e Doações em montante bastante significativo) – cf. doc. n.º 24 que ora se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
O imóvel aportado à G..., devido à sua localização e estrutura (ainda que com necessidade de reabilitação e obras profundas) tinha – como tem ainda – uma significativa capacidade de gerar rendimento, mediante o arrendamento das diversas frações do mesmo (em particular o arrendamento a um supermercado que aí ainda hoje opera) – cf. documentos comprovativos dos valores das rendas que ora se juntam como doc. n.º 25 e dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, bem como relatório de avaliação do imóvel, elaborado em outubro de 2009 pela I... (“Relatório de Avaliação do Imóvel”), que, inter alia, descreve detalhadamente o imóvel e os respetivos contratos de arrendamento, o qual aqui se junta como doc. n.º 26 e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) .
Ao longo do tempo a G... veio assim direcionando a sua atividade para o mercado imobiliário, em particular no que respeita à gestão profissionalizada de imóveis – cf. relatórios de gestão relativos aos anos de 2006 a 2008 que ora se juntam como docs. n.ºs 27 a 29 e dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais .
Com efeito, e sempre financiada pelos seus sócios, a G... procedeu, desde logo, a uma reabilitação profunda do imóvel em 1996, tendo subsequentemente procedido a obras diversas de reabilitação e beneficiação necessárias à sua rentabilização – cf. a título de exemplo, o relatório de gestão com respeito aos exercício de 2006 aqui junto como doc. n.º 27.
Ao longo do tempo, e devido às necessidades de financiamento da G... para a realização de obras de reabilitação e beneficiação do seu património imobiliário, foi necessário, para além dos suprimentos realizados, proceder a um aumento do capital social, realizado em 2007, passando para € 65.000 distribuído da seguinte forma – cf. docs. n.ºs 22 e 28 juntos:
Sócio
|
Capital
|
Percentagem da Participação
|
A...
|
€ 39.000
|
60%
|
B...
|
€ 6.500
|
10%
|
C...
|
€ 6.500
|
10%
|
D...
|
€ 6.500
|
10%
|
F…
|
€ 6.500
|
10%
|
Total
|
€ 65.000
|
100%
|
Em 2008 (bem como nos anos seguintes), a gestão (rentabilização, reabilitação e beneficiação) do seu património imobiliário continuou a ser a principal atividade da G...– cf. relatório de gestão com respeito ao exercício de 2008 junto como doc. n.º 29.
O sucesso e evolução da referida sociedade, refletida nos resultados da mesma, levou à natural necessidade de adoção de uma estratégia de redimensionamento e reposicionamento no mercado.
No âmbito da referida estratégia de redimensionamento no mercado da G..., entendeu-se :
(i) Por um lado, proceder a um aumento de capital da mesma, mediante a entrada de um novo sócio com experiência na atividade de gestão profissionalizada de imóveis (assim possibilitando a criação de sinergias), entrada essa que viria ainda permitir o financiamento da G..., mediante a entrada de fundos destinados ao desenvolvimento da sua atividade (em particular para a realização de obras de reabilitação do seu património imobiliário); e
(ii) Por outro lado, transformar a empresa de sociedade por quotas em sociedade anónima, assim adotando um modelo societário mais adequado quer à sua estratégia de redimensionamento quer à posição já assumida no mercado.
Com efeito, pretendia-se quer com a transformação da G... em sociedade anónima quer com a entrada da H... no capital social da primeira, direcionar e focalizar a atividade da G... no mercado imobiliário urbano, adquirindo uma nova dimensão em termos de volume de ativos e negócios e uma maior capacidade de gestão profissionalizada dos imóveis em carteira.
No que respeita à entrada de um novo sócio no capital social da G..., entenderam os titulares do capital, que quer a experiência já adquirida pela H... no mercado imobiliário quer a sua capacidade financeira poderia ser proveitosa para a G..., assim como poderia a ligação da G... à H... ser estrategicamente proveitosa para a H....
Assim, em 2 de Novembro de 2009, decidiu o Conselho de Administração da H... o seguinte:
“O Conselho entende dever continuar a privilegiar oportunidades imobiliárias de baixo risco e de rentabilidade imediata assegurada, ainda que tal oportunidade seja escassa, tendo-se então debruçado no passo seguinte para a expansão da empresa. Dentro da mesma estratégia de gestão surge a oportunidade de tomar posição no capital da sociedade E…, Lda. (atual G...), que irá em breve ser transformada em sociedade anónima, empresa cujo principal ativo consiste num edifício misto de habitação, comércio e serviços, integralmente arrendado, com obras recentes de beneficiação inserido numa localização excelente da cidade. Essa tomada de posição será concretizada através de um aumento de capital com prémio de emissão, comportando este investimento um valor total de 280.000 euros (duzentos e oitenta mil euros) para uma participação relativa de 7,14%. A sociedade a transformar apresenta uma situação patrimonial estável, embora careça de fundos que viabilizem ultimar as obras de beneficiação do seu imóvel (…)” – cf. doc. n.º 30 que ora se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Realizar-se-ia assim (como acabou por se realizar) um aumento de capital da G... no valor de € 5.000, mediante a entrada de um novo sócio – a H... – com um prémio de emissão de € 275.000 (cf. doc. n.º 30 junto).
Por outro lado, decidiu-se levar a cabo uma alteração do modelo societário adotado pela G... (de sociedade por quotas para sociedade anónima), de forma adequar o mesmo quer à dimensão atingida quer às futuras possibilidades de crescimento da G... – cf. Relatório Justificativo da Transformação, de 26 de Novembro de 2009, que ora se junta como doc. n.º 31 e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Com efeito, em tal Relatório Justificativo da Transformação – cf. doc. n.º 31 junto - pode ler-se que “considera a Gerência que se torna necessária e recomendável a transformação em Sociedade Anónima pois esta forma de sociedade apresenta manifestas vantagens nomeadamente ao permitir:
1. Uma maior flexibilidade na gestão e no processo deliberativo necessário à execução do objecto social e à continuação do incremento da actividade;
2. Mais flexibilidade na transmissão de participações sociais, menores custos nessas transmissões e maior celeridade nas mesmas.
3. Decorrente do ponto anterior, uma maior facilidade na abertura do capital social a novos investidores;
4. Uma adequação da sociedade a um novo modelo societário mais condicente com as suas potencialidades e capacidades económico-financeiras;
Entendemos assim útil e oportuna, considerando a atividade exercida por esta sociedade e a estrutura societária, a modificação da sua estrutura jurídica, transformando a E…, Limitada (atual G...) em sociedade anónima.”
A referida transformação foi aprovada por Assembleia Geral da G... em 26 de novembro de 2009, no âmbito da qual se decidiu, por unanimidade dos sócios, a transformação da mesma em sociedade anónima – cf. doc. n.º 32 que ora se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Assim, em 5 de dezembro de 2009 foram registados quer o aumento de capital da G... quer a sua transformação em sociedade anónima – cf. doc. n.º 22 junto.
No mesmo ato, e porque – de facto – a atividade da G... se foi redirecionando para o mercado imobiliário (no qual atuava exclusivamente àquela data) foi também alterado o objeto social da G... que passou a ser: “Comércio de representações, a administração de bens, exploração direta ou indireta de imóveis seus ou de terceiros, a venda de bens móveis ou imóveis, já existentes ou adquiridos, a compra de imóveis para revenda, bem como a prestação de outros serviços a entidades públicas ou privadas” [sublinhado dos Requerentes] – cf. doc. n.º 22 junto.
Não obstante o aumento de capital acima referido, com vista à mesma obtenção de sinergias entre a G... e a H... – dada a vasta experiência da H... no mercado imobiliário, no qual se encontrava a operar a G... depois do já referido redireccionamento da sua atividade – verificaram os Requerentes (enquanto acionistas de ambas as sociedades) que se impunha proceder à alienação das suas participações na G... para a H....
Com efeito, tendo em conta que a H... era (como é ainda) uma entidade com já vasta experiência no mercado imobiliário (no qual pretendia a G... desenvolver com uma maior amplitude o seu negócio), poder-se-ia obter um ganho de eficiência decorrente das sinergias geradas com a aquisição da maioria do capital da G... por parte da H... (que é detida pelos mesmos acionistas que detinham a G... à data da operação).
Por outro lado, esta transmissão foi ainda motivada pela existência de fundos em montante significativo na H... que permitiriam o financiar a G... na reabilitação do seu património imobiliário, que tinha (como tem ainda) um potencial de rendimento muito elevado, tal como resulta claro do Relatório de Avaliação do Imóvel aqui junto como doc. n.º 26 elaborado por uma entidade independente amplamente reconhecida e qualificada no mercado – a I... –, em 26 de outubro de 2009.
Como consta daquele Relatório, não só as rendas anuais obtidas àquela data com a exploração do referido imóvel ascendiam a € 282.852, como o valor de mercado do mesmo imóvel – de acordo com o método do Rendimento (Cash Flow) – ascendia a € 3.750.000, o que bem demonstra o potencial do referido imóvel (cf. doc. n.º 26 junto, pág. 21).
Ora, com os fundos disponíveis a H... poderia simplesmente investir em novos imóveis ou adquirir as participações da G... e assim investir indiretamente no património imobiliário dessa sociedade.
Tendo em conta a situação do mercado, acabou por se decidir pela transmissão das participações da G... detidas pelos Requerentes para a H..., que assim investiria (ainda que indiretamente) no património imobiliário constante do ativo da G....
Assim, e para efeitos da concretização de tal operação de compra e venda das ações da G..., foi solicitada pelo Conselho de Administração da G... a uma entidade independente a avaliação do valor de mercado da G..., no âmbito da qual foi elaborado, em 16 de dezembro de 2009, o relatório de avaliação de tal sociedade com efeitos a 31 de dezembro de 2009 (“Relatório de Avaliação da G...”) que aqui se junta como doc. n.º 33 e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
De acordo com o Relatório de Avaliação da G..., aquela sociedade teria a 31 de dezembro de 2009 um valor de mercado de € 3.800.000 (tendo em conta um valor material da empresa de € 4.023.300 e um valor de rendimento de € 3.385.400) – cf. doc. n.º 33 junto.
Assim, em 18 de dezembro de 2009, deliberou o Conselho de Administração da H... o seguinte – cf. ata do Conselho de Administração da H... de 18 de dezembro de 2009 que ora se junta como doc. n.º 34 e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais:
“(…) o Conselho debruçou-se sobre a oportunidade de incremento da atual participação de sete virgula catorze por cento na G..., , S.A.
Trata-se de um investimento que se enquadra na estratégia definida pela H... no âmbito do sector imobiliário uma vez que a empresa em questão detém como principal atividade económica o arrendamento de imóveis contando no seu ativo com um edifício integralmente alugado, em bom estado de conservação e localização central na cidade de Lisboa.
De acordo com avaliações independentes quer do imóvel quer da empresa proprietária G..., S.A., ambas em poder do Conselho, o investimento previsto apresenta uma rendibilidade interessante e um risco muito reduzido, sendo que, por outro lado, encontra-se inserido no mercado imobiliário do arrendamento na cidade de Lisboa, precisamente o sector onde a sociedade vem apostando nos últimos anos. Daí que, no prosseguimento dos contactos mantidos com os acionistas, tenha sido decidido avançar com a compra de 1.250 ações da G..., devendo a operação ser concretizada até ao final do mês, investindo o valor global de três milhões e trinta e nove mil duzentos e oitenta e sete euros a que corresponde o valor por ação de dois mil setecentos e setenta e um euros e quarenta e três cêntimos, à data de 31 de dezembro de 2009.
Em conformidade, o Conselho de Administração deliberou aprovar a operação descrita (…)”
Assim, em 31 de dezembro de 2009, foi celebrado entre os Requerentes e a H... o contrato de compra e venda de ações, pelo valor global de € 3.339.287,50 (correspondendo a 1250 ações, pelo valor de € 2.671,43, cada), mediante o qual os Requerentes transmitiram à H... 1. 250 ações por si detidas na G..., nos termos seguintes – cf. contrato de compra e venda que ora se junta como doc. n.º 35 e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais:
Acionista
|
N.º de Ações Detidas
|
N.ºde Ações Vendidas
|
Valor de Venda
|
A...
|
780
|
770
|
€ 2.050.001,10
|
B...
|
130
|
120
|
€ 320.571,60
|
C...
|
130
|
120
|
€ 320.571,60
|
D...
|
130
|
120
|
€ 320.571,60
|
F...
|
130
|
120
|
€ 320.571,60
|
Total
|
1.300
|
1.250
|
€ 3.339.287,50
|
Em resultado de tal transmissão de ações, o capital social da G... ficou repartido da seguinte forma:
Acionista
|
Capital
|
Número de Ações
|
Percentagem
da Participação
|
A...
|
€ 490
|
10
|
0,7%
|
B...
|
€ 490
|
10
|
0,7%
|
C...
|
€ 490
|
10
|
0,7%
|
D...
|
€ 490
|
10
|
0,7%
|
F...
|
€ 490
|
10
|
0,7%
|
H...
|
€ 67.550
|
1.350
|
96,5%
|
Total
|
€ 70.000
|
1.400
|
100%
|
Por estar em causa a alienação de ações detidas pelos Requerentes há mais de 12 meses, os Requerentes entenderam que o rendimento de mais-valias em causa se deveria considerar excluído de tributação em IRS ao abrigo ao disposto nos art.ºs 10.º, n.º 2, al. a) e 43.º, n.º 4, al. b) do Código do IRS (na redação em vigor a 31 de dezembro de 2009).
Assim, os Requerentes declararam as mais-valias realizadas com a venda das ações da G... à H... no quadro 4 (Alienação onerosa de acções detidas durante mais de 12 meses) do Anexo G1 (Mais-Valias Não Tributadas) das respetivas declarações de IRS Modelo 3 de 2009 – cf. docs. n.ºs 36 a 40 que ora se juntam e dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais -, o que fizeram nos termos seguintes:
(i) A... – cf. doc. n.º 36 junto;
Realização
|
Aquisição
|
Mês
|
Valor
|
Ano
|
Mês
|
Valor
|
12
|
€ 2.057.001,00
|
1965
|
2
|
€ 2.954,42
|
(ii) B...– cf. doc. n.º 37 junto;
Realização
|
Aquisição
|
Mês
|
Valor
|
Ano
|
Mês
|
Valor
|
12
|
€ 320.571,50
|
1985
|
7
|
€ 460,43
|
(iii) C... – cf. doc. n.º 38 junto;
Realização
|
Aquisição
|
Mês
|
Valor
|
Ano
|
Mês
|
Valor
|
12
|
€ 320.571,50
|
1985
|
7
|
€ 460,43
|
(iv) D... – cf. doc. n.º 39 junto;
Realização
|
Aquisição
|
Mês
|
Valor
|
Ano
|
Mês
|
Valor
|
12
|
€ 320.571,50
|
1985
|
7
|
€ 460,43
|
(v) F... – cf. doc. n.º 40 junto.
Realização
|
Aquisição
|
Mês
|
Valor
|
Ano
|
Mês
|
Valor
|
12
|
€ 320.571,50
|
1985
|
7
|
€ 460,43
|
Por este motivo, e em consequência do enquadramento dado pelos Requerentes nas declarações anuais de rendimentos apresentadas (em que entenderam aplicáveis os art.ºs 10.º, n.º 2, al. a) e 43.º, n.º 4, al. b) do Código do IRS na redação em vigor a 31 de dezembro de 2009) não foi objeto de tributação naquele imposto o rendimento resultante da venda das ações da G....
Através do Ofício n.º …, de 6 de outubro de 2011, da Divisão de Inspeção de Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, foi o Requerente A... (entretanto falecido em 20 de março de 2011) notificado para remeter àqueles serviços os documentos de suporte dos valores inscritos no Anexo G1 da sua declaração de IRS – Modelo 3 – de 2009 – (que são os valores relativos à aquisição e alienação das participações na G..., identificados no artigo supra) - cf. doc. n.º 41 que ora se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Em resposta àquele Ofício, a Requerente C..., na qualidade de filha do entretanto falecido A..., remeteu, em 17 de outubro de 2011, à Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa a documentação solicitada (nomeadamente, o contrato de compra e venda das ações da G..., celebrado entre os Requerentes e a H..., em 31 de dezembro de 2009, e documentação comprovativa da antiguidade da participação de A... na G...) – cf. doc. n.º 42 que ora se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Cerca de nove meses depois, foi a H... notificada, através do Ofício n.º … de 26 de julho de 2012 da mesma Divisão de Inspeção de Tributária da Direção de Finanças de Lisboa para remeter àqueles serviços uma relação dos seus acionistas nos anos de 2009 e 2010, bem como os comprovativos dos valores pagos aos Requerentes em resultado da aquisição das ações da G... em 31 de dezembro de 2009 - cf. doc. n.º 43 que ora se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
A informação solicitada foi remetida pela H... à Divisão de Inspeção de Tributária da Direção de Finanças de Lisboa em 3 de agosto de 2012 – cf. doc. n.º 44 que ora se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Em setembro de 2012, foram os Requerentes, bem como a G..., notificados (cada um deles) de Projetos de Aplicação de Norma Geral Anti-Abuso, onde a AT, após descrever a evolução da estrutura de capital da G... e da H..., bem como as operações ocorridas em 2009 (i.e., transformação e aumento de capital da G... em sociedade anónima e a transmissão das ações da G... detidas pelos Requerentes à H...), vem afirmar que “Face ao decurso cronológico supra descrito, será de aplicar a cláusula geral anti-abuso desconsiderando a transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima, e, tributando a transmissão com o enquadramento devido à transmissão de quotas, nos termos do qual, o ganho resultante é, na esfera do vendedor, sujeito à taxa especial de 10% fixada pelo n.º 4 do art.º 72.º do CIRS vigente à data dos factos (e sem ressalvar aqui o disposto na al. b) do n.º 4 do artigo 43.º do mesmo código), porquanto, a participação vendida, se refere a uma sociedade que, em data prévia próxima ao fim da não sujeição, foi transformada de sociedade por quotas em sociedade anónima, não se vislumbrando qualquer vantagem económica empresarial” – cf. doc. n.º 45 que ora se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (por uma questão de facilidade e dada a dimensão do documento apenas se junta o Projeto notificado ao Requerente A..., sendo os demais em tudo idênticos e disponibilizando-se os Requerentes para juntar aos autos todos os demais Projetos, caso este douto Tribunal o considere necessário ou conveniente).
Nos mesmos Projetos de Aplicação de Norma Geral Anti-Abuso, após discorrer sobre a verificação dos pressupostos de aplicação da cláusula geral anti-abuso prevista no art.º 38.º, n.º 2 da LGT no caso em apreço – numa interpretação claramente desfasada dos diversos elementos da norma em causa, como se demonstrará -, vem a AT concluir que “Os atos e negócios jurídicos praticados através da montagem de uma operação de aumento de capital da sociedade, E..LDA. (G..., , S.A.), no montante de € 5.000, através de entradas em dinheiro de uma nova sócia (H... –, S.A.) com a qual existem relações especiais, e subsequente transformação em sociedade anónima, com redenominação do capital em ações, tiveram como objetivo excluir de tributação mais-valias obtidas, substituindo uma operação sujeita a imposto (alienação onerosa de partes sociais – quota) por outra isenta (venda de ações). Pelo que, face ao exposto não se poderá concluir de outra forma que não seja a de que o negócio descrito reveste natureza artificiosa, e, a sua utilização foi determinada essencialmente por razões fiscais” – cf. doc. n.º 45 junto.
Refira-se que, apenas e somente com os referidos Projetos de Aplicação de Norma Geral Anti-Abuso tomaram os Requerentes conhecimento de que contra si (e a respeito dos rendimentos por si declarados com referência ao ano de 2009) se encontravam, de facto, a correr procedimentos de inspeção que a AT qualificou – indevidamente, como se demonstrará – como internos (instaurados com base nas ordens de serviço internas n.ºs OI…, com respeito ao Requerente A..., OI…, com respeito à Requerente B..., OI…, com respeito à Requerente C..., OI…, com respeito ao Requerente D..., e OI…, com respeito ao Requerente F...) – cf. doc. n.º 45 junto.
Em janeiro de 2013 os Requerente foram notificados do despacho do Diretor-Geral da AT que, na sequência dos anteriores projetos, determinou a aplicação da cláusula geral anti-abuso à transmissão de participações da G... levada a cabo em 2009 pelos Requerentes (excluindo, desde logo, da aplicação daquela norma à G...) – cf. doc. n.º 46 que ora se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Em fevereiro de 2013 foram os Requerentes notificados dos respetivos Projetos de Relatório de Inspeção, nos termos dos quais, e por aplicação da cláusula geral anti-abuso, foram propostas as correções ao IRS de 2009 dos Requerentes decorrentes da qualificação das mais-valias realizadas com a alienação das ações da G... à H... como mais-valias sujeitas a tributação à taxa especial de 10%, prevista no art.º 72.º, n.º 4 do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos – cf. docs. n.ºs 47 a 51 que ora se juntam e dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
Em tais Projetos de Relatório de Inspeção foram pois propostas a seguintes correções:
(i) A... – cf. doc. n.º 47 junto;
(ii) B...– cf. doc. n.º 48 junto;
(iii) C... – cf. doc. n.º 49 junto;
(iv) D... – cf. doc. n.º 50 junto;
(v) F... – cf. doc. n.º 51 junto.
1.º
Em março de 2013, os Requerentes foram notificados dos respetivos Relatórios Finais de Inspeção que mantiveram na integralidade as correções propostas nos Projetos de Relatório de Inspeção – cf. docs. n.ºs 52 a 56 que ora se juntam e dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
Na sequência das referidas correções, os Requerentes foram notificados – em 6 de maio de 2013 - das liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios que ora se impugnam, das quais resultou um valor a pagar (sendo o termo do prazo de pagamento voluntário 5 de junho de 2013), no montante total de € 369.463,30 (cf. docs. n.ºs 1 a 5 juntos), nos termos seguintes:
O Requerente A... (representado por B..., enquanto cabeça de casal) foi notificado da liquidação de IRS e juros compensatórios n.º …, da qual resultou um valor a pagar de 227.270,25 – cf. doc. n.º 1 junto.
A Requerente B... foi notificada da liquidação de IRS e juros compensatórios n.º…, da qual resultou um valor a pagar de € 35.607,41 – cf. doc. n.º 2 junto.
A Requerente C... foi notificada da liquidação de IRS e juros compensatórios n.º …, da qual resultou um valor a pagar de € 35.512,39 – cf. doc. n.º 3 junto.
O Requerente D... foi notificado da liquidação de IRS e juros compensatórios n.º …, da qual resultou um valor a pagar de € 35.579,79 – cf. doc. n.º 4 junto.
O Requerente F... foi notificado da liquidação de IRS e juros compensatórios n.º …, da qual resultou um valor a pagar de € 35.493,56 – cf. doc. n.º 5 junto.
Embora reputando ilegais as referidas liquidações (já que as mesmas decorrem de uma correção ilegal, como melhor se demonstrará) os Requerentes procederam ao pagamento voluntário integral dos montantes liquidados – cf. docs. n.ºs 11 a 15 juntos.
Não obstante o pagamento, por reputarem ilegais as correções feitas em sede inspetiva decorrentes da aplicação da cláusula geral anti-abuso à transformação da G... em sociedade por quotas e subsequente alienação das ações da G... à H..., e consequentemente ilegais as liquidações aqui impugnadas, os Requerentes apresentaram, em 3 de outubro de 2013, reclamações graciosas contestando tais liquidações – cf. docs. n.ºs 57 a 61 que ora se juntam e dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
Entre 24 de dezembro e 31 de dezembro de 2013 foram os Requerentes notificados das respetivas decisões de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas – i.e., as Decisões Contestadas – onde a AT reiterou a sua posição (cf. docs. n.ºs 6 a 10 juntos), mantendo na ordem jurídica as Liquidações Contestadas.
Entendem os Requerentes que as liquidações de IRS e juros compensatórios em crise, bem como as Decisões Contestadas que as mantêm, são ilegais, devendo ser anuladas com todas as consequências legais, por padecerem de inúmeros vícios, quer de forma quer de violação de lei, todos capazes de por si (e mais ainda em conjunto) levarem necessariamente à anulação das Liquidações Contestadas.
De forma sumária elencam-se em seguida os vícios de que enfermam aqueles atos:
a) São ilegais os procedimentos de inspeção na origem das correções incorporadas nas referidas liquidações (o que inquina de ilegalidade as liquidações em crise, bem como as Decisões Contestadas que as mantêm). Tais procedimentos não podem ser senão qualificados como procedimentos externos, pelo que por (a) falta de notificação prévia aos Requerentes, nos termos do art.º 49.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária - “RCPIT”) (e também dos art.ºs 59.º, n.º 3, al. l) e da primeira parte do art.º 69.º, n.º 2 da LGT), e (b) por ter sido ultrapassado o prazo imperativo de 6 meses para a conclusão dos mesmos procedimentos (cf. art.º 36.º, n.ºs 2 do RCPIT), são tais procedimentos ilegais, sendo consequentemente ilegais, com este fundamento, as Liquidações Contestadas e as Decisões Contestadas que as mantêm;
b) Acresce que, e ainda que assim não fosse, são ainda ilegais as correções levadas a cabo pela AT, por falta de verificação dos pressupostos para aplicação da cláusula geral anti-abuso, e consequente violação do disposto nos art.ºs 38.º, n.º 2 da LGT, 10.º, n.º 2 al. a) e 43.º, n.º 4, al. b) do Código do IRS, o que de igual forma conduz à anulabilidade das Liquidações Contestadas;
c) As mesmas correções sempre seriam ilegais, não fossem os vícios antes elencados, por violação expressa do art.º 5.º do Decreto-lei n.º 442-A/88 de 30 de Novembro, uma vez que a venda das quotas (se assim tivesse ocorrido) geraria um ganho excluído de tributação em IRS nos termos do sobredito inciso normativo, o que inquina de ilegalidade as liquidações em crise, bem como as Liquidações Contestadas e as Decisões Contestadas que as mantêm.
Tal como nos procs. arbitrais n.º 123/2012 e 124/2012 (cf. Decisão respetiva) “Verifica-se, sub iudice, um planeamento e uma estrutura de atos e negócios jurídicos, tanto relacionados com a reorganização empresarial como com o investimento que a motiva, que têm uma evidente justificação económica. Por conseguinte, aquela transformação e venda não se assumem como atos e negócios "centrais" de uma estrutura de atos e negócios jurídicos "essencial ou principalmente dirigidos" à obtenção de uma vantagem fiscal”.
A atuação dos Requerentes – ao transformarem a G... de sociedade por quotas em sociedade anónima em momento prévio ao da alienação das respetivas partes sociais - não merece qualquer censura pelo Direito.
E isto não só porque, mesmo que tivesse ocorrido uma alienação de quotas as respetivas mais-valias ficariam excluídas de tributação no caso presente, mas também porque – como vem sendo amplamente reconhecido pela mais reputada doutrina e jurisprudência nesta matéria -, ainda que as mais-valias decorrentes da alienação de quotas ficassem sujeitas a tributação (o que no caso presente não se concede dada a aplicação do art.º 5.º do Decreto-lei n.º 442-A/88 de 30 de Novembro, que aprova o Código do IRS), a transformação da sociedade não mereceria qualquer reparo por não ser juridicamente condenável.
Com efeito, a diferença de tributação entre mais-valias decorrentes da alienação de quotas e mais-valias decorrentes da alienação de ações, trata-se de uma opção clara do legislador que pretende precisamente privilegiar os detentores de ações face aos detentores de quotas.
Este entendimento quanto a este caso específico tem, aliás, vindo a ser reiteradamente exposto pela doutrina e jurisprudência que se vêm debruçando sobre a matéria…
Desde logo, Saldanha Sanches (in ob. cit. pág. 180) afirma que “se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações das quotas, deixa por tributar as mais-valias das ações ou as tributava com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por ações mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais”, qualificando tal situação como “lacuna consciente de tributação”.
Também a jurisprudência arbitral tem vindo a decidir precisamente neste sentido.
Vejam-se as Decisões Arbitrais proferidas nos proc. n.ºs 123/2012, 124-2012 e 138/2012 onde se pode ler que "mesmo que a transformação fosse motivada por razões exclusivamente fiscais", é o legislador que opta, expressamente, por tributar a venda das quotas e por não tributar a venda das ações naquele contexto”.
No mesmo sentido, pode ler-se na Decisão Arbitral proferida no proc. n.º 43/2013-T que:
“É que mesmo que a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima fosse motivada por razões exclusivamente fiscais não se estaria perante um acto condenável face ao ordenamento jurídico tributário, uma vez que o próprio legislador fiscal optou por tributar em sede de IRS os ganhos decorrentes da venda de quotas e por não tributar em sede daquele imposto os ganhos resultantes da venda de acções.
Uma situação destas, em que o legislador resistiu longamente a eliminar tal regime mantendo uma “lacuna consciente de tributação” não se mostra susceptível de aplicação da cláusula geral anti-abuso. E não cabe ao aplicador da lei substituir-se às opções de tributar ou não tributar certas realidades seguidas pelo legislador fiscal”.
Torna-se, assim, muito evidente que não foi intenção do legislador tributar mais-valias decorrentes de alienações de ações, resultantes de uma prévia transformação da sociedade cujas ações são alienadas, nem a cláusula geral anti-abuso tem tal pretensão.
Assim, e mesmo que a transformação da G... previamente à alienação das ações por parte dos Requerentes fosse exclusivamente motivada por razões fiscais – que como demonstrado não é o caso -, sempre se concluiria – diferentemente do que entendeu a AT - pela não aplicação da cláusula anti-abuso ao caso sub judice, por falta de verificação do elemento normativo, e pela consequente ilegalidade das correções levadas a cabo pela AT e respetivas liquidações (que se encontram aqui em crise).
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Os Requerentes optaram pela não designação de árbitro.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram notificadas e não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 29-05-2014.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que, mantendo no essencial, a posição que fundamentou a aplicação da CGAA, defendeu a improcedência dos pedidos.
Alegou a AT:
Os Requerentes procuram demonstrar, em sede arbitral, que a transformação social operada nos termos e moldes descritos no relatório da inspecção teve subjacente um racional económico, no sentido de “direccionar e focalizar a actividade da G... no mercado imobiliário urbano, adquirindo uma nova dimensão em termos de volume de activos e negócios e uma maior capacidade de gestão profissionalizada dos imóveis em carteira.”, no entanto, a prova dos factos não se faz com meras alegações.
Tanto mais que se os Requerentes tivessem qualquer outro propósito, que não fosse o de obter uma mais valia excluída de tributação, teriam, ao abrigo do princípio da colaboração, todo o interesse, no decurso do processo de inspecção que fundamentou a aplicação da CGAA, em exercer o seu direito de audição, sustentado factos e demonstrado que, não obstante a aparência abusiva, a operação de transformação e venda das participações sociais tinha um racional económico que a sustentava.
A decisão de aplicação da CGAA, encontra-se legalmente fundamentada através de despacho do Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) que em 2012-12-27, autorizou a aplicação da CGAA, por estarem reunidos os pressupostos previstos no n.º 2 do art.º 38.º da LGT e no art.º 63.º do CPPT e cujo teor se dá por integralmente reproduzido nos presentes autos arbitrais.
Confrontando a transformação societária e a respectiva transmissão das acções, outrora quotas, sem que nenhum racional económico o justificasse, com o impacto em termos de tributação que a mesma pudesse ter na esfera jurídica dos requentes, designadamente tendo em atenção ao diferente tratamento, em sede de IRS, da venda de quotas ou de acções, procedeu-se à análise aprofundada das circunstâncias e elementos caracterizadores do referido negócio, com vista à eventual verificação dos pressupostos para aplicação das normas antiabuso.
Na sequência do preenchimento e subsequente entrega do QUADRO 4, ANEXO G1 – Mais valias não tributadas – anexo à Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS de 2009, nos termos do artigo 128.º do CIRS, foram os Requerentes notificados para remeter aos serviços de Inspecção da Direcção de Finanças de Lisboa, os documentos que originaram as mais valias não tributadas e declaradas.
Em cumprimento das Ordens de Serviço seguidamente referenciadas, foram realizadas cinco acções inspectivas, nos seguintes termos:
a) Ordem de Serviço n.º OI…, emitida para o sujeito passivo D…, NIF ...:
b) Ordem de Serviço n.º OI…, emitida para o sujeito passivo F…, NIF ... e mulher…, NIF ...;
c) Ordem de Serviço n.º OI…, emitida para o sujeito passivo A…, NIF ...;
d) Ordem de Serviço n.º OI, emitida para o sujeito passivo B..., NIF ...;
e) Ordem de Serviço n.º OI …, emitida para o sujeito passivo C…, NIF ....
No decurso do procedimento inspectivo e da análise efetuada, foram apurados indícios de negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos por meios artificiosos e com abuso das formas jurídicas, com objectivo da redução de impostos que seriam devidos sem a utilização desses meios, que se afiguraram constituir fundamento para proceder à aplicação da norma legal antiabuso prevista no n.º 2 do art.º 38.ºda LGT.
Para o efeito, foi proposta a aplicação do procedimento de norma antiabuso, a que se refere o art.º 63.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT), a qual foi autorizada por despacho do Exmo. Senhor Diretor Geral da AT, de 2013/01/07, precedida dos nomeadamente o exercício do direito de audição).
Da autorização para aplicação da norma antiabuso, a que se refere o n.º 7 do art.º 63.º do CPPT, resultou a liquidação presentemente em crise, a qual foi apurada através da conclusão dos procedimentos inspectivos supra mencionados, os quais obedeceram a todas as disposições legais e regulamentares previstas no Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (doravante RCPIT) – nomeadamente o exercício do direito de audição, aí estipulado.
O enquadramento dos factos e os argumentos apresentados pelos Requerentes não são aceitáveis.
A sociedade G..., , S.A. NIPC ... (sociedade alienada), foi constituída em 02-08-1965, com a denominação de E…, LDA, e capital social de 20.000$00.
A..., NIF ..., detinha uma quota de 19.000$00, correspondente a 95% do capital, pertencendo a outra quota (1.000$00) a B…, NIF ....
Em 11 de julho de 1985 verificou-se um aumento do capital social para 1.000.000$00, tendo a sócia B... cedido a sua quota a C…, bem como a entrada de 3 novos sócios, ficando o capital social repartido da seguinte forma:
Sócios NIF Valor Quota Percentagem
A...... 600.000$00 60,0%
B... 100.000$00 10,0%
C…100.000$00 10,0%
D… 100.000$00 10,0%
F... 100.000$00 10,0%
Total 1.000.000$00 100,0%
Aquando da transição para o euro, o capital social foi redenominado e aumentado, através da incorporação de reservas, para 5.000,00 euros. A estrutura do capital social manteve-se a mesma assim como as respetivas percentagens.
Em 08-03-2007 o capital social foi aumentado para os 65.000,00 euros, mantendo-se novamente inalterada a estrutura do capital social:
Sócios Valor Quota (€) Percentagem
A... 39.000,00 60,0%
B... 6.500,00 10,0%
C… 6.500,00 10,0%
D… 6.500,00 10,0%
F... 6.500,00 10,0%
Total: 65.000,00 100,0%
Em 05-12-2009 ocorreram os seguintes factos:
1) Entrada de um novo sócio “H..., , S.A.”, NIPC ... na sociedade E…, LDA;
2) Transformação da sociedade E.., LDA em sociedade anónima, passando a designar-se “G... –, S.A”
3) Aumento do capital social para 70.000,00 euros, representado por 1.400 ações, com o valor nominal de 50,00 euros.
Nesta data a sociedade passa a ter a seguinte estrutura acionista e de capital:
Accionistas Nº acções Capital % Capital social Nº Votos (1 voto = 20 ações):
A... 780 39.000,00 55,714% 39
B... 130 6.500,00 9,286% 6,5
C... 130 6.500,00 9,286% 6,5
D… 130 6.500,00 9,286% 6,5
F... 130 6.500,00 9,286% 6,5
H..., , S.A. 100 5.000,00 7,143% 5
Total 1.400 70.000,00 100,00% 70
A estrutura da administração compete a um conselho de administração, conforme nomeação que consta da certidão permanente.
Acionistas NIF
Presidente A...
Vogal C... ...
Vogal J... ...
Conforme teor da certidão permanente:
1) A... era gerente da sociedade, pelo menos desde 21-02-1994;
2) C... era gerente da sociedade, pelo menos desde 15 06-2005;
3) J... era gerente da sociedade desde 03-08-2006.
Em 31-12-2009 os acionistas individuais venderam 1250 acções desta sociedade à empresa H..., , S.A. o valor desta aquisição foi de € 2.671,43 por ação, que dá um valor total de € 3.339.287,50.
Accionistas Nº acções detidas Nº ações alienadas Valor realização
A... 780 – 770 - 2.057.001,10
B... 130 – 120 - 320.571,60
C... 130 – 120 - 320.571,60
D… 130 – 120 - 320.571,60
F... 130 – 120 - 320.571,60
Total 1.300 - 1.250 - 3.339.287,50
Os pagamentos foram efetuados através de vários cheques emitidos em 01-03-2010.
Para cada sócio, o pagamento foi efetuado através de dois cheques, um da Caixa Geral de Depósitos e outro do Barclays.
Cheques da CGD - Cheques Accionistas do Barclays - Nº - Valor Total do pagamento
A... - 1.957.001,00 – 6815055800 - 100.000,00 - 2.057.001,00
B... ---- 260.749,75 ---- 59.821,75 - 320.571,50
C... ---- 260.749,75 ---- 59.821,75 - 320.571,50
D... ---- 260.749,75 ---- 59.821,75 - 320.571,50
F... ---- 260.749,75 ---- 59.821,75 - 320.571,50
Total ---- 3.000.000,00 ---- 339.287,00 - 3.339.287,00
Paralelamente a sociedade H..., , S.A., NIPC
... (sociedade que compra as ações), foi constituída em 20-04-1968.
A sociedade em questão tem um capital social de 500.000,00 euros, correspondente a 10.000 ações, com valor nominal de 50,00 euros, distribuídas pelos seguintes accionistas:
Accionistas - Nº acções – Capital – Percentagem - Nº Votos (1 voto = 500 ações)
A... - 6.000 - 300.000,00 60,00% - 12
B... - 1.000 - 50.000,00 - 10,00% - 2
C... - 1.000 - 50.000,00 - 10,00% - 2
D... 1.000 - 50.000,00 - 10,00% - 2
F... 1.000 - 50.000,00 - 10,00% - 2
Total: 10.000 - 500.000,00 - 100,00% - 20
A administração compete a um conselho de administração composto por três membros, eleito por mandatos de três anos, conforme certidão permanente. No mandato para o triénio 2007/2009, a composição do conselho de administração foi:
Accionistas - NIF
Presidente A... - NIF ...
Vogal C... - NIF ...
Vogal J... - NIF ...
Diante do quadro supra descrito, é possível concluir que os acionistas da sociedade alienada são os mesmos da sociedade adquirente, antes da venda das ações. Os acionistas têm relações familiares entre si, nomeadamente pai e filhos.
Os membros do conselho de administração da sociedade alienada são os mesmos da sociedade adquirente.
Face ao preenchimento e subsequente entrega do QUADRO 4, ANEXO G1 da Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS de 2009, nos termos do artigo 128º do CIRS, foi solicitado aos Requerentes para remeter aos serviços de Inspecção, os documentos que originaram as mais-valias não tributadas e declaradas.
Os elementos solicitados foram remetidos através de correio, com registo de entrada nos serviços da AT em 2011-10-17.
Face aos documentos enviados pelos Requerentes e consequente justificação por escrito das operações realizadas que originaram as mais valias referentes à alienação da E… LDA. (G..., , S.A), foi possível aferir cronologicamente as seguintes operações seguidamente resumidas:
· 1965 – constituição da sociedade E…, LDA ;
· 11 de julho de 1985 – Aumento de capital para 1.000.000$00, saída de um sócio e entrada de quatro novos sócios. O Requerente A... . passa a deter uma quota de 600.000$00, correspondente a 60% do capital, sendo que os restantes Requerentes detêm, individualmente, quotas de 100.000$00, correspondentes a 10% do capital para cada um;
· 05 de dezembro de 2009 – aumento de capital com a entrada de nova sócia, “H..., , S.A.”, NIPC ..., e subsequente transformação da sociedade por quotas E…, LDA. para sociedade por ações G…–, S.A.
· 31 de dezembro de 2009 – Através de contrato de compra e venda de ações, os Requerentes vendem, um conjunto de ações da G... –, S.A., NIPC ... à empresa H..., , S.A, NIPC ..., na qual detêm ações.
Esta operação de alienação de partes sociais foi declarada em 2009, pelos Requerentes no anexo G1 – mais valias não tributadas – da declaração de rendimentos modelo 3 do IRS, assente nos seguintes valores:
Requerente - Valor de realização - Valor de aquisição
A... . - € 2.057.001,10 - € 2.954,42 (reportado à data de Fevereiro de 1965)
D... - € 320.571,50 - € 460,43, (reportado à data de Julho de 1985)
C... - € 320.571,50 - € 460,43 (reportado à data de Julho de 1985)
F... - € 320.571,50 - € 460,43 (reportado à data de Julho de 1985)
B…- € 1.599,00 - € 460,43 (reportado à data de Julho de 1985)
Desta forma, a alienação destas ações beneficiou da exclusão de tributação em sede de IRS, por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 10.º do CIRS, considerando que as mesmas foram detidas por período superior a 12 meses;
A alienação das ações foi efetuada no último dia de 2009, quando já era do conhecimento público a intenção de que a norma prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS, seria revogada, tal como efetivamente o foi através da Lei n.º 15/2010, de 26 de julho.
Sem prejuízo da alteração operada em 05 de dezembro de 2009, nos termos da alínea b) do n.º 4 do art. 43.º do CIRS vigente à data dos factos, é considerada como data de aquisição das ações a data de aquisição das quotas originárias, pelo que as mesmas são, para todos os efeitos legais, detidas há mais de 12 meses, e por esta razão isentas de tributação, por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 10.º do CIRS, vigente à data da prática dos atos.
De acordo com indicação da Requerente, C..., na resposta à solicitação dos serviços de inspecção, as quantias combinadas foram recebidas após 90 dias da celebração do contrato, nos termos aí acordados, sendo remetido cópia dos dois cheques, ambos datados de 01-03-2010.
Com efeito, verifica-se uma alteração de sociedade dia 05 de dezembro de 2009, fazendo uso da prerrogativa da alínea b) do n.º 4 do artigo 43º do CIRS vigente à data dos factos, e subsequentemente, no último dia desse ano, uma venda de ações por um valor unitário (€ 2.671,43) superior ao valor nominal (€ 50,00) a uma entidade com a qual existem relações especiais – os mesmos administradores, os mesmos acionistas, existência de relações de parentesco entre si – situações que, conjuntamente com outros factos seguidamente descritos, revelam caráter abusivo e de total discrepância do negócio com as práticas normais de mercado.
Não se constata a entrada de novos sócios com uma estrutura financeira superior à da sociedade;
Por seu turno, a percentagem de participações que cada um vem a deter, como resultado da transformação, não permite à sociedade, beneficiar de uma efectiva melhoria da respetiva situação financeira.
Assim sendo, cai por terra a argumentação dos Requerentes, no sentido de que esta operação de transformação societária gerou benefícios, de índole financeiro, para a sociedade.
Pelo que, e assim sendo, é de concluir pela inexistência de uma fundamentação/razão económica plausível para que esta operação de transformação societária fosse levada a cabo.
Ficando, portanto, evidenciado, que a operação de transformação apenas teve lugar, no sentido de o sujeito passivo poder beneficiar, em 2009, da isenção de tributação das mais valias geradas pela alienação de participações sociais em sociedades anónimas.
Face ao decurso cronológico supra descrito, foi aplicada a cláusula geral antiabuso desconsiderando a transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima, e, em consequência, tributando a transmissão com o enquadramento devido à transmissão de quotas, nos termos do qual, o ganho resultante é, na esfera do vendedor, sujeito à taxa especial de 10% fixada pelo n.º 4 do artigo 72.º do CIRS vigente à data dos factos (e sem relevar aqui o disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 43.º do mesmo código), porquanto, a participação vendida, se refere a uma sociedade que, em data prévia próxima ao fim da não sujeição, foi transformada de sociedade por quotas em sociedade anónima, não se vislumbrando qualquer vantagem económico-empresarial.
O que teria sido uma mera alienação de partes sociais – quotas – foi antecedida por uma redenominação de capital social em acções, com o intuito de possibilitar aos sócios, a transmissão de grande parte das suas participações sociais, obtendo assim rendimentos de mais-valias, geralmente tributáveis, beneficiando, com isso da exclusão de tributação em IRS, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS.
Em 2012-09-18 foram os Requerentes notificados, para exercer o direito de audição prévia do Projecto de Aplicação da Clausula Geral Antiabuso não tendo, contudo, exercido o direito de audição.
Pugnam os Requerentes, em sede arbitral pela ilegalidade do procedimento inspectivo.
No entanto, em sede de reclamação graciosa não alegaram tal facto.
Assim, e sendo o processo arbitral instaurado na sequência e por causa do indeferimento expresso da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, tem por objecto esse mesmo indeferimento e por objecto mediato o acto de liquidação, cuja anulação é visada a final.
Deduzido pedido arbitral do indeferimento de uma reclamação graciosa, a impugnação arbitral tem por objecto quer a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, quer o próprio acto tributário, a liquidação.
Cabe ao Tribunal Arbitral confirmar o indeferimento, mantendo-se o acto tributário impugnado, ou anular esse indeferimento, no entanto o seu enquadramento está condicionado aos factos e fundamentos que alicerçaram a formação da decisão administrativa.
Tratando-se de uma nova fundamentação, posterior à formação da decisão administrativa, visando o processo arbitral, nos termos definidos no RJAT, um mero controle da legalidade dos actos de correcção efectuados, não pode o Tribunal Arbitral dela tomar conhecimento.
Não obstante:
Da natureza dos procedimentos de inspecção
Quanto aos fins o procedimento de inspecção pode ser de comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários – alínea a) do n.º1 do art.º 12.º; e, ou de informação, visando o cumprimento dos deveres legais de informação ou de parecer dos quais a inspecção tributária seja legalmente incumbida – sua alínea b).
No que concerne ao lugar da realização do procedimento inspectivo, pode o mesmo classificar-se, nos termos do artigo 13.º do RCPIT, em:
“a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos;
b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.”
Ora, todas as Ordem de Serviço, determinaram a realização de acções de inspecção internas de controlo dos elementos declarados pelos Requerentes na declaração Modelo 3 de IRS.
Sendo que tais acções inspectivas foram realizadas exclusivamente nas instalações da AT, mediante análise formal e de coerência dos elementos declarados, constantes do sistema informático, ou de esclarecimentos prestados à AT pelos Requerentes.
Foi o preenchimento e entrega do Quadro 4, anexo G1 da Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS de 2009, que levou a Direcção de Finanças de Lisboa – Divisão de Inspecção Tributária a solicitar ao Requerente A... os documentos que originaram as mais – valias não tributadas e declaradas.
E decorre desde logo do disposto no n.º 1 do art.º 63.º da LGT, que “os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes”
Este pedido, foi efectuado ao abrigo das obrigações acessórias que impendem sobre os sujeitos passivos de IRS, e que encontra guarida legal no art.º 128.º do CIRS que estabelece, sob a epígrafe
“ Obrigação de comprovar os elementos das declarações”, que:
“1- As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo que lhes for fixado, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respectiva declaração, quando a Direcção – Geral dos Impostos os exija.
2- A obrigação estabelecida no número anterior mantém-se durante os quatro anos seguintes àqueles a que respeitem os documentos.
3- O extravio dos documentos referidos no n.º 1 por motivo não imputável ao sujeito passivo não o impede de utilizar outros elementos de prova daqueles factos”.
Os documentos assim obtidos e solicitados ao Requerente A..., inserem-se assim, numa obrigação de comprovação dos elementos das declarações preenchidas e entregues por si, que não obstante o princípio da verdade declarativa, não se podem de todo presumir absolutamente intocáveis, podendo ao abrigo da lei, a AT solicitar os documentos que originaram as mais – valias não tributadas e declaradas.
Não se compreende assim a argumentação dos Requerentes quando alegam que “ as correcções efectuadas (no âmbito dos procedimentos de inspecção que a AT, estranhamente embora de forma muito conveniente, qualificou como internos”, tanto mais o procedimento de autorização de aplicação da Cláusula Geral Antiabuso previsto no art.º 63.º do CPPT decorreu de acordo com o disposto na lei e, concedida a necessária autorização do Director – Geral, as correcções daí decorrentes estariam, independentemente da qualificação do procedimento inspectivo, em observância do prazo de caducidade, do art.º 45.º da LGT.
Também a informação solicitada à H..., ao abrigo do princípio da colaboração, visou a comprovação dos valores inscritos no anexo G1 da declaração Mod. 3 entregue por A..., que visou que a análise dos documentos de suporte em resultado da aquisição das acções da G... em 31 de Dezembro de 2009.
Não se tendo passado de uma análise formal e de coerência dos documentos, que é o que em substância, nos termos do art.º 13.º, alínea a) do RCPIT, e implica a classificação da inspecção como interna.
Sendo que tais acções inspectivas foram realizadas exclusivamente nas instalações da AT, mediante análise formal e de coerência dos elementos declarados, que face à informação solicitada, vieram a demonstrar que os mesmos não correspondiam à realidade, porque tendo sido declarada uma mais – valia não tributável, da análise dos documentos que originaram as mais-valias só se logrou apurar que as mesmas eram tributadas.
Não se pode dizer que foram os elementos recolhidos que permitiram a realização das correcções, estas resultaram da análise dos documentos de suporte das declarações do contribuinte, que obrigatoriamente teriam que ser fornecidos à AT para a verificação da veracidade das mesmas.
Se os documentos não estavam efectivamente em “poder” da AT, o facto de constituírem o suporte das declarações efectuadas, implicaria sempre que teriam que ser levados ao seu “ poder”, o que se distingue efectivamente da operação de “recolher”, que implicaria sempre uma colaboração, distinta de uma obrigação.
Não tendo sido praticados quaisquer actos inspectivos ou recolhidos e consultados quaisquer elementos probatórios nas instalações dos Requerentes ou de terceiros, pelo que só pode o procedimento inspectivo qualificar-se como interno.
A redacção do n.º 2 do artigo 36.º do RCPIT determina que “O procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início.”
Sucede, porém, que a “notificação do seu início” só se encontra legalmente prevista no procedimento de inspecção externa, ocorrendo, nesse caso, no momento da entrega da correspondente ordem de serviço ao contribuinte (artigo 46.º do RCPIT), após esse procedimento lhe ter sido comunicado por meio de carta – aviso, a que se refere o 49.º do RCPIT, com a antecedência mínima de 5 dias.
É o que decorre, aliás, da inserção sistemática da citada norma no RCPIT no Título IV – Actos de Inspecção, Capítulo II, sob a epígrafe “Local, horário dos actos de inspecção e prazo do procedimento”, pretendendo o legislador referir-se, naturalmente, ao procedimento externo de inspecção já que o procedimento interno, nos termos do artigo 13.º do mesmo diploma, se efectua exclusivamente nos serviços da administração tributária.
Com efeito e atendendo a que só o procedimento de inspecção externo depende da credenciação dos funcionários para tal incumbidos bem como da notificação do seu início – cfr.- arts. 46.º n,º 1 e 4, 49.º e 50.º do mesmo 46.º n,º 1 e 4, 49.º e 50.º do RCPIT – não pode ter ocorrido a omissão das formalidades invocadas pelos Requerentes por não serem as mesmas legalmente prescritas para este tipo de inspecções de cariz interno.”
DA ILEGALIDADE DAS CORRECÇÕES POR VIOLAÇÃO DO ART. 5.º DO
DECRETO-LEI N.º 442-A/88 DE 30 DE NOVEMBRO.
Os Requerentes discordam igualmente do enquadramento operado pela AT aos ganhos resultantes com a alienação das participações sociais, “por violação expressa do art. 5.º do Decreto-lei n.º 442-A/88 de 30d Novembro”.
À data (2009) a alienação de quotas, estava sujeita a um regime mais rigoroso por comparação com a alienação de acções, na medida em que as quotas se encontravam sempre sujeitas a tributação, salvo se a alienação incidisse sobre partes sociais adquiridas antes da entrada em vigor do CIRS, i.e., antes de 1989, tal como decorre do regime transitório da Categoria G, referido pelos Requerentes, constante no artigo 5.º do Decreto-lei de n.º 442-A/88 de 30 de Novembro (diploma que aprovou o CIRS).
Nele se dispõem regras próprias para a alienação de participações sociais adquiridas antes da entrada em vigor do referido CIRS, que veio a ocorrer em 1 de Janeiro de 1989.
Não obstante, importa, pois, atender às regras de determinação do cálculo das mais-valias prevista no artigo 43.º do CIRS, à data em vigor, e que aqui transcrevemos:
1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.
2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.
3 - Para apuramento do saldo positivo ou negativo referido no n.º 1, respeitante às operações efectuadas por residentes previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, não relevam as perdas apuradas quando a contraparte da operação estiver sujeita no país, território ou região de domicílio a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
(Redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro).
Esta redacção tem natureza interpretativa, de acordo com o n.º 4 do art.º 26.º desta Lei.
4 - Para efeitos do número anterior, considera-se que:
a) A data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objecto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem;
b) A data de aquisição de acções resultantes da transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima é a data de aquisição das quotas que lhes deram origem;
c) A data de aquisição das acções da sociedade oferente em oferta pública de aquisição lançada nos termos do Código dos Valores Mobiliários cuja contrapartida consista naquelas acções, dadas à troca, é a data da aquisição das acções das sociedades visadas na referida oferta pública de aquisição;
d) Tratando-se de valores mobiliários da mesma natureza e que confiram idênticos direitos, os alienados são os adquiridos há mais tempo;
e) Nas permutas de partes de capital nas condições mencionadas no n.º 5 do artigo 67.º e do n.º 2 do artigo 71.º do Código do IRC, o período de detenção corresponde ao somatório dos períodos em que foram detidas as partes de capital entregues e as recebidas em troca;
(Redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro)
f) O regime da alínea anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, à aquisição de partes sociais nos casos de fusão ou cisão a que seja aplicável o artigo 68.º do Código do IRC.
Importa atentar na alínea b) do n.º 4 supra, segundo a qual “A data de aquisição de acções resultantes da transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima é a data de aquisição das quotas que lhes deram origem;”
Porém, decomposta a participação social (quota), que originou o facto tributário (transformação seguida de alienação) importa ter em consideração que o valor da mesma em 2009 não era o mesmo que em 1965, no caso de A... ., nem o mesmo de 1985, no caso dos restantes Requerentes, fruto dos aumentos de capital, entretanto realizados, após 1 de Janeiro de 1989, vg. o “substancial” aumento de capital ocorrido em 8 de Março de 2007, donde resultou um aumento de 60.000,00 euros no capital social daquela sociedade.
A este respeito, vem o artigo 43.º do CIRS estabelecer, em relação às participações sociais onde existiram aumentos de capital, se o mesmo se tratar de um aumento de capital por incorporação de reservas que a data a considerar, para efeitos de alienação, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem.
Porém, o mesmo já não se verifica para acções resultantes de aumento de capital por entradas em dinheiro ou em espécie, sendo que os ganhos obtidos com a sua alienação encontram-se sujeitas a tributação.
Resulta, pois, que o aumento de capital no montante de 60.000,00 euros, conduzirá a um aumento do valor da quota, sendo que as mais-valias obtidas com a sua alienação estarão sujeitas a tributação, em virtude do referido aumento de capital ter ocorrido depois da entrada em vigor do CIRS.
Assim, e em síntese, temos que:
· A sociedade foi constituída em 02-08-1965 com a denominação de E…, LDA, e capital social de 20.000$00, em que A... . detinha uma quota de 19.000$00, correspondente a 95% do capital, pertencendo a outra quota (1.000$00) a B…, NIF ....
· Em 11 de julho de 1985 o capital social foi aumentado para 1.000.000$00, tendo a sócia B... cedido a sua quota a C…, bem como a entrada de 3 novos sócios, ficando o capital social repartido da seguinte forma (valores já expressos em Euros):
Sócios – NIF – Valor - Quota Percentagem
A... . – ... - 3.000,00€ - 60,0%
B... – 103315268 - 500,00€ - 10,0%
C... – ... - 500,00€ - 10,0%
D...– 153994126 - 500,00€ - 10,0%
F...– 145835600 - 500,00€ - 10,0%
Total 5.000,00€ - 100,0%
· Em 08-03-2007 o capital social foi aumentado para os 65.000,00 euros, mantendo-se inalterada a estrutura do capital social.
Quadro II-2
Sócios - Valor Quota (€) - Percentagem
A... . - 39.000,00 - 60,0%
B... - 6.500,00 - 10,0%
C... - 6.500,00 - 10,0%
D... - 6.500,00 - 10,0%
F... - 6.500,00 - 10,0%
Total € 65.000,00 - 100,0%
· Em 05-12-2009 verifica-se um novo aumento de capital, com a entrada da nova sócia, com uma participação de 5.000,00 euros, subscrita em numerário, donde resulta a seguinte estrutura accionista e de capital:
Acionistas - Nºações - Capital % Capital social
A... . – 780 - 39.000,00€ - 55,714%
B... – 130 - 6.500,00€ - 9,286%
C... – 130 - 6.500,00€ - 9,286%
D... 130 - 6.500,00€ - 9,286%
F... 130 - 6.500,00€ - 9,286%
H..., S.A. 100 - 5.000,00€ - 7,143%
Total: 1.400 - 70.000,00€ - 100,00%
É, pois, inequívoco que o aumento de capital traduz-se numa valorização das participações sociais.
Em consonância com a boa aplicação do direito e com a interpretação das normas do CIRS, nomeadamente o artigo 43.º, resulta igualmente que não se encontram excluídos de tributação os ganhos operados com a alienação de participações sociais, resultantes de aumento de capital mediante entradas em dinheiro ou em espécie, tal como sucedeu, in casu.
DA ALEGADA NÃO VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DE APLICAÇÃO DA
CGAA, CONSTANTES DO Nº 2 DO ART. 38º DA LGT.
Atentando no conjunto de factos que vêm sendo relatados, encarados como um todo coerente, torna-se forçosa a conclusão de estarmos em presença da realidade normalmente designada pela doutrina como elisão ou evitação fiscal (ou ainda, na expressão inglesa, tax avoidance).
Pois que as evidências sensíveis demonstram a existência de uma finalidade primacial de celebrar determinado negócio – em sentido económico – evitando a utilização de forma jurídica que seja susceptível de implicar a sujeição a tributação.
Com o encadeado de actos a que se dispôs, foi manifestada uma vontade exclusiva ou, pelo menos, predominante de celebrar a venda das participações pela forma que permitisse que os rendimentos auferidos não fossem sujeitos a tributação fiscal.
Assim, resulta dos factos e da decisão de aplicação da CGAA estarem verificados os pressupostos e procedimentos previstos no art.º 63.º do CPPT.
Tendo a AT, para efeitos de fundamentação da decisão de aplicação da CGAA, nos termos do n.º 7 do art.º 63.º do CPPT demonstrado, que:
i) Se verificou a prática ou celebração de acto (s) ou negócio (s) jurídico (s) de carácter artificioso ou fraudulento, tendo-se demonstrado a manipulação negocial da operação de aumento de capital, seguida da transformação em sociedade anónima, e consequentemente a redenominação das partes de capital - quota em ações, operações ocorridas antes da celebração do contrato de compra e venda de ações;
ii) Comprovou-se que a realização de tais atos ou negócios teve como objetivo principal possibilitar a realização de operações de transmissão de valores mobiliários – ações, por parte de pessoas singulares, com benefício de exclusão de tributação, em sede de IRS das mais-valias obtidas;
iii) Determinou-se a equivalência económica dos atos ou negócios praticados face aos atos ou negócios alternativos, através dos quais o rendimento de mais-valias obtido pelo sujeito passivo em resultado da venda da participação no capital – quota, passa a estar sujeito a tributação, por força do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, pela diferença positiva entre o valor de realização, determinado de acordo com as regras estabelecidas no artigo 44.º daquele diploma, e o valor de aquisição, determinado nos termos dos artigos 45.º e 48.º também do CIRS, acrescido das despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à alienação, conforme dispõe o artigo 51.º do Código do IRS, ao qual deve aplicar-se a taxa especial de 10%, nos termos do artigo 72.º também do CIRS.
É certo que o legislador isentou de IRS as mais-valias decorrentes da venda de acções, e que há toda a legitimidade de beneficiar dessa isenção, mas só deve ser aplicada aos actos que correspondam a uma normal alienação de partes sociais e não a artificiosas operações que têm unicamente como finalidade a obtenção de vantagens fiscais.
A cláusula geral anti-abuso permite a consideração como ineficazes no âmbito tributário, dos actos ou negócios jurídicos, essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não sejam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.
Reúnem-se, no caso, os requisitos essenciais para a aplicabilidade do artigo 38º-2, da LGT: o elemento meio [a estruturação jurídica da venda das participações sociais, querida pelos Requerentes, foi objecto de um planeamento, à medida, cujo propósito só se consegue justificar com a obtenção de uma vantagem fiscal, que de outra forma não seria de todo auferida];elemento resultado [vantagem fiscal conseguida através da atividade do contribuinte, que no caso em apreciação e face ao decurso factual e cronológico supra descrito, o sujeito passivo conseguiu, através da transformação da empresa e posterior venda – no último dia do ano de 2009 e apenas 26 dias após a transformação – uma exclusão de tributação da mais valia realizada, aproveitando o disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 43.º do CIRS e da alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS, ambos vigentes à data dos factos, quando já era do conhecimento público que esta última norma seria revogada, tal como viria a ser através da Lei n.º 15/2010, de 26 de julho. Caso o sujeito passivo executasse o negócio que poderia ou deveria ser executado, dentro do planeamento empresarial economicamente mais racional e lógico, ou seja, a manutenção do regime jurídico da empresa transformada, a transmissão de quotas, seria sujeita, na sua mais-valia, à taxa especial de 10% fixada no n.º 4 do artigo 72.º do CIRS (e sem relevar aqui o disposto na alínea b) do n.º 4 do art.º 43.º do mesmo código), porquanto, a participação vendida, se refere a uma sociedade que em data prévia próxima ao fim da não sujeição, foi transformada de sociedade por quotas em sociedade anónima]; elemento intelectual [que a escolha e forma adotada pelo contribuinte seja fiscalmente dirigida (tax driven) à obtenção da vantagem fiscal. Atenta a sequência lógica e cronológica em que foram celebrados os negócios jurídicos em questão, o mesmo permite que se considere este conjunto de negócios como um esquema concebido e executado como meio ou ferramenta para a obtenção da evitação fiscal com manifesto abuso das formas jurídicas utilizadas];elemento normativo [desconformidade do resultado obtido com a ratio legis, o espírito ou propósito da lei e os princípios do sistema fiscal] e elemento sancionatório [desconsideração, no caso, dos efeitos fiscais dos contratos de compra e venda de acções celebrados pelos requerentes, na qualidade de alienantes, sendo antes tributado o negócio jurídico considerado usual para obter o efeito económico em causa].
A razão de ser das normas anti-abuso está fundada na necessidade de estabelecer meios de reacção adequados para garantir o cumprimento do princípio da igualdade na repartição da carga tributária e na prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas (nos termos do art.º 103, n.º 1, da CRP).
E ainda que se reconheça que é inerente à racionalidade económica a minimização dos impostos a suportar, aquela terá obrigatoriamente de prestar preito aos princípios e objectivos ordenadores do sistema jurídico – tributário, devendo, por conseguinte, seguir dentro dos limites da lei e do direito.
Pelo que o sujeito passivo pode escolher as formas menos onerosas de tributação tendo como limite da sua pretensão minimizadora a fraude à lei.
O que não foi manifestamente o caso.
Neste sentido a melhor jurisprudência exarada no processo n.º 04255/10 de 15/02/2011, do Tribunal Central Administrativo Sul.
Ou seja, é manifesto que não colhe o argumento de que é o próprio legislador que, não proibindo expressamente o acto abusivo, deseja ou incentiva a prática do mesmo.
A teleologia do n.º 2 do art.º 38.º é clara: sancionar comportamentos elisivos, portanto, comportamentos que só aparentemente são legais, que se escondem sob operações artificiais, às quais não subjaz uma verdadeira razão económica.
In casu, não pode dizer-se que o legislador tenha querido o aproveitamento de formas fiscais menos onerosas, dando ao contribuinte a possibilidade de escolher os negócios mais vantajosos, apenas por motivações fiscais.
Ademais não é despiciendo relembrar que a norma prevista no n.º 2 do art.º 10 do CIRS acabou por ser revogada, o que é revelador da intenção do legislador em reagir aos inúmeros abusos perpetrados com base nestas aludidas lacunas conscientes de tributação.
E naquilo que concerne à transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, veja-se o lapidar acórdão ante citado:
“XVI) A interpretação da norma constante do art.º 38, n.º 2, da L.G.Tributária, deve ser operada em conformidade com a Constituição, sob pena de declaração da inconstitucionalidade da mesma, nomeadamente devido à violação do disposto no art.º 103, da Constituição da República, o que passando muito embora pelo respeito pela liberdade de opção quanto às formas de gestão empresariais visando obter todas as vantagens fiscais possíveis, assim devendo ser restringidas as limitações públicas a tal liberdade de opção empresarial, não deve ser entendida como um direito absoluto, mas apenas aceitável no plano de razoabilidade com base num relacionamento social que se pretende justo e equilibrado face à óbvia constatação da existência de direitos conflituantes (cfr.art°.18, n°.2, da Constituição da República).
XVII) Um dos limites à liberdade de gestão empresarial, é o da subsistência e manutenção do sistema fiscal visando a satisfação das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas no quadro de uma repartição justa do rendimento e da riqueza criados (cfr.art°.103, n°.1, da Constituição da República), estabelecendo a lei, para tanto, mecanismos de planeamento fiscal, ao mesmo tempo que visa prevenir a ocorrência de situações de evasão e fraude fiscais por razões de justiça social nessa medida se justificando a adopção de decisões de limitação legítima de direitos, liberdades e garantias em confronto.
XVIII) Sendo certo que a liberdade de gestão fiscal tem a sua expressão nas liberdades de iniciativa económica e de empresa, contempladas nos artigos 61, 80, al. c), e 86, da Constituição da República, também o é que a legitimação da liberdade das empresas, guiando-se pelo planeamento fiscal, passa, nomeadamente, pela escolha da forma e organização da empresa (…).
XX) Assim, não estando, nem podendo estar em causa a liberdade de escolha do contribuinte na conformação dos seus negócios, ou, dito de outro modo, não estando em causa o exercício da sua autonomia privada, o que se limita é a possibilidade de a vontade do contribuinte ser relevante no que respeita ao grau da sua oneração fiscal (…).” [Negrito e sublinhados nossos].
Em face de tudo o que vem antedito é insofismável que este entendimento/interpretação que tem vindo a ser acolhido em sede arbitral nas decisões citadas pela requerente a interpretação veiculada mostra-se contrário à Constituição, violando os princípios da capacidade contributiva, da igualdade e neutralidade fiscal, não podendo, em consonância, o CAAD recusar, in casu, a aplicação da cláusula geral anti-abuso com base em tal reflexão.
A Constituição e a lei fiscal pressupõem a tributação segundo a capacidade contributiva, mesmo quando essa tributação incide sobre a alienação de participações sociais.
No caso em concreto a exclusão das mais-valias provenientes da alienação das acções detidas por um período superior a 12 meses, teve subjacente critérios exclusivos de política fiscal como forma de incentivar e dinamizar o mercado de capitais e atrair investimentos, sem contudo, deixar de tributar a mera especulação mobiliária de curto prazo ou qualquer outra forma artificiosa de exclusão.
Pretendia-se dinamizar o mercado bolsista sem contudo promover a especulação de curto prazo.
Na situação em apreço verifica-se existir essa forma artificiosa de exclusão que passou por atribuir aos actos uma forma diferente da substância.
Dentro dos limites da lei e do direito, os Requerentes poderiam decidir, quais as formas menos onerosas de tributação, no entanto esta capacidade encontra-se constitucionalmente limitada, não estando em causa o exercício da autonomia privada, mas sim o facto que respeita ao grau da sua oneração fiscal!
Ora, o aproveitamento ilícito, através de meios artificiosos ou fraudulentos do regime de exclusão tributária, não pode deixar de merecer censura normativo-sistemática por parte do ordenamento jurídico.
Tem sido este o entendimento seguido pelo Tribunal Central Administrativo Sul nos acórdãos n.º 04255/10 de 15.02.2011 e n.º 05104/11 de 14.02.2012, que apontam para um conceito latu de antijuridicidade com remissão para os conceitos que nesta matéria vão sendo aclarados e fixados pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.
Está assim devidamente fundamentada a decisão de aplicação da clausula geral anti-abuso, quer em sede de procedimento inspectivo, quer no preenchimento dos pressupostos previstos no n.º 2 do art.º 38.ºda LGT que determinam a aplicação da cláusula geral anti – abuso na medida em que:
- Verificou-se a prática ou celebração de acto (s) ou negócio (s) jurídico (s) de carácter artificioso ou fraudulento, tendo-se demonstrado a manipulação negocial da celebração do contrato promessa de compra e venda e respectivo clausulado, a operação de aumento de capital, seguida da transformação em sociedade anónima, e consequentemente a redenominação das partes de capital - quota em acções, operações ocorridas antes da celebração do contrato de compra e venda de acções;
- Comprovou-se que a realização de tais actos ou negócios teve como objectivo principal possibilitar a realização de operações de transmissão de valores mobiliários – acções, por parte de pessoas singulares, com benefício de exclusão de tributação, em sede de IRS das mais valias obtidas;
- Determinou-se a equivalência económica dos actos ou negócios praticados face aos actos ou negócios alternativos, através dos quais o rendimento de mais-valias obtido pelo sujeito passivo em resultado da venda da participação no capital – quota, passa a estar sujeito a tributação, por força do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, pela diferença positiva entre o valor de realização, determinado de acordo com as regras estabelecidas no artigo 44.º daquele diploma, e o valor de aquisição, determinado nos termos dos artigos 45.º e 48.º também do CIRS, acrescido das despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação, conforme dispõe o artigo 51.º do Código do IRS, ao qual deve aplicar-se a taxa especial de 10%, nos termos do artigo 72.º também do CIRS.
QUANTO AOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Não obstante a requerida entender que a presente acção deva ser julgada improcedente, sempre qualquer pretensão de pagamento de juros indemnizatórios deverá improceder por não consubstanciar quaisquer das situações previstas no artigo 43.º da LGT.
Justamente, e para efeitos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, resulta comprovado dos autos que não houve erro da Requerida na liquidação impugnada, uma vez que a mesma decorreu das conclusões alcançadas em sede de ação inspetiva na análise dos documentos que, ao abrigo do dever de colaboração, foram facultados pelos Requerentes.
Na verdade, o dever de ressarcir o contribuinte pelos prejuízos causados, contemplado no art. 43º da LGT, constitui uma concretização do regime geral da responsabilidade civil extracontratual do Estado, aplicável quando reunidos os respetivos pressupostos legais.
Assim, quando se verificam as situações de retardamento no pagamento ou devolução do imposto aí previstas, o contribuinte tem direito a uma indemnização calculada nos termos expressamente previstos na lei.
A não verificação dos pressupostos aí contemplados não afasta a possibilidade de o contribuinte que entenda estar lesado nos seus direitos patrimoniais de “exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado não só pela Constituição da República (cfr. art. 22.º), como pela lei ordinária (Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, diploma em cujo art. 9.º se faz equivaler qualquer ilegalidade a ilicitude). Porém, para obter essa reparação terá de fazer, em processo próprio, a demonstração da existência do direito a essa indemnização, à face das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, como qualquer outra pessoa que seja lesada nos seus direitos por actos de outrem, não havendo qualquer norma constitucional ou legal que imponha que, em todos os casos de anulação de actos administrativos, se presumam os prejuízos, como está ínsito nas normas que prevêem a atribuição de juros indemnizatórios”. (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., Volume I, anotação 5. ao artigo 61.º, págs. 532-533.).
Por fim, a faculdade de revogar o ato ora em crise, no prazo de 30 dias a contar da notificação do pedido de constituição do tribunal arbitral, conforme previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, na redação inserida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, não tem qualquer enquadramento no artigo 43.º da LGT, nem qualquer similitude com a alínea c) do seu n.º 3 em que a morosidade da Requerida na revisão do ato tributário não origina qualquer direito a juros indemnizatórios antes de decorrido um ano após o pedido do contribuinte.
Nos termos supra expostos, deve o Tribunal determinar que não são devidos juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, tal como já foi determinado no Processo 72/2013-TCAAD.
Conclusões
A. Invocam os Requerentes a jurisprudência arbitral proferida nos processos n.º 123/2012, 124/2012 e 43/2013-TCAAD, bem como em sede doutrinal a opinião do Professor Saldanha Sanches no que respeita ao planeamento fiscal ilegítimo, o qual «consiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das onerações fiscais de um determinado sujeito passivo” .
B. Certo é que no Direito Tributário a jurisprudência e a doutrina não são fonte de direito ou pelo menos não podem senão ser vistas como fonte indirecta ou imprópria e como tal impura.
C. Já em relação à doutrina especificamente, esta deve ser encarada do ponto de vista do conjunto da produção intelectual de juristas que se empenham no conhecimento teórico do direito e não da opinião singular de um jurista. Até porque a produção de cada doutrinador pode servir a uma finalidade distinta, não podendo ter maior relevo que o de opinião pessoal sobre a interpretação do direito em vigor.
D. Já a lei tem como finalidade servir como modo de produção do direito, nas situações da vida para a concretização do justo.
E. Está pois devidamente fundamentada, a decisão de aplicação da cláusula geral antiabuso, pela Administração Tributária, quer em sede de procedimento inspectivo, quer nos presentes autos arbitrais.
F. Pois estão reunidos os pressupostos previstos no n.º 2 do art.º 38.º da LGT que determinam a aplicação da cláusula geral anti – abuso para efeitos de liquidação do imposto que se mostra devido no caso em apreço:
i. Verificou-se a prática ou celebração de acto (s) ou negócio (s) jurídico (s) de carácter artificioso ou fraudulento, tendo-se demonstrado a manipulação negocial da operação de aumento de capital, a admissão de três novos sócios, seguida da transformação em sociedade anónima, e consequentemente a redenominação das partes de capital - quota em acções, operações ocorridas antes da celebração do contrato de compra e venda de acções;
ii. Comprovou-se que a realização de tais actos ou negócios teve como objectivo principal possibilitar a realização de operações de transmissão de valores mobiliários – acções, por parte de pessoas singulares, com benefício de exclusão de tributação, em sede de IRS das mais valias obtidas;
iii. Determinou-se a equivalência económica dos actos ou negócios praticados face aos actos ou negócios alternativos, através dos quais o rendimento de mais-valias obtido pelo sujeito passivo em resultado da venda da participação no capital – quota, passa a estar sujeito a tributação, por força do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, pela diferença positiva entre o valor de realização, determinado de acordo com as regras estabelecidas no artigo 44.º daquele diploma, e o valor de aquisição, determinado nos termos dos artigos 45.º e 48.º também do CIRS, acrescido das despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação, conforme dispõe o artigo 51.º do Código do IRS, ao qual deve aplicar-se a taxa especial de 10%, nos termos do artigo 72.º também do CIRS.
G. Aceitar a actuação dos Requerentes é dar cobertura a uma operação abusiva.
H. Atenta a factualidade apurada, outra não podia ser a conclusão, senão a de que a operação desenvolvida é manifestamente artificial e abusiva e teve como objectivo a transformação artificial de uma mais-valia a pagar, numa mais-valia excluída de tributação.
I. Sem que para o efeito releve nenhuma justificação económica, uma vez que, não se pode considerar lícito, nem legítimo que um contribuinte transforme rendimentos sujeitos a tributação em rendimentos dela excluídos, construindo artificiosamente uma mais-valia fiscal não sujeita a tributação.
J. Tal actuação é totalmente desconforme com a realidade económica que presidiu ao seu surgimento e que como tal tem de ser sujeita á aplicação da cláusula geral anti abuso prevista no artigo 38º, n.º 2 da LGT, em conformação com o princípio da legalidade e da capacidade contributiva.
K. É certo que o legislador isentou de IRS as mais-valias decorrentes da venda de acções, e que há toda a legitimidade de beneficiar dessa isenção, mas só deve ser aplicada aos actos que correspondam a uma normal alienação de partes sociais e não a artificiosas operações que têm unicamente como finalidade a obtenção de vantagens fiscais.
L. Aceitar esta transformação como legítima significaria a subversão do princípio da legalidade, da neutralidade fiscal e da igualdade – da capacidade contributiva, pois que a tributação deixa de ser materialmente justa, na medida em que haveriam manifestações da capacidade contributivas não tributadas, produzindo efeitos não desejados pelo ordenamento jurídico.
Teve lugar a reunião do Tribunal com as partes prevista no artigo 18º, do RJAT, conforme ata junta aos autos.
Foi apresentada resposta por escrito à defesa por exceção, alegando a requerente:
· Com efeito, nesta Resposta, defende a AT que, não tendo os Requerentes invocado, em sede de procedimento de reclamação graciosa, a ilegalidade daqueles processos inspetivos, não poderá este douto tribunal dela conhecer, invocando, para o efeito, o seguinte:
· “Pugnam os Requerentes, em sede arbitral pela ilegalidade do procedimento inspetivo.” (cfr. artigo 61.º da Resposta);
· “No entanto, em sede de reclamação graciosa não alegaram tal facto.” (cfr. artigo 62.º da Resposta);
· “Assim, e sendo o processo arbitral instaurado na sequência e por causa do indeferimento expresso da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, tem por objeto esse mesmo indeferimento e por objeto mediato o acto de liquidação, cuja anulação é visada a final.” (cfr. artigo 63.º da Resposta);
· “Deduzido pedido arbitral do indeferimento de uma reclamação graciosa, a impugnação arbitral tem por objeto quer a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, quer o próprio acto tributário, a liquidação.” (cfr. artigo 64.º da Resposta);
· “Cabe ao Tribunal Arbitral confirmar o indeferimento, mantendo-se o acto tributário impugnado, ou anular esse indeferimento, no entanto o seu enquadramento está condicionado aos factos e fundamentos que alicerçaram a formação da decisão administrativa” (cfr. artigo 65.º da Resposta);
· “Tratando-se de uma nova fundamentação, posterior à formação da decisão administrativa, visando o processo arbitral, nos termos do RJAT, um mero controle da legalidade dos actos de correção efetuados, não pode o Tribunal arbitral dela tomar conhecimento.” (cfr. artigo 66.º da Resposta);
· Resulta, pois, do exposto que a AT se defende por exceção, invocando ter havido lugar à ampliação da causa de pedir relativamente às reclamações graciosas que antecederam o presente processo arbitral.
· Respeitando essa ampliação à alegação feita pelos Requerentes, da ilegalidade dos processos inspetivos que deram origem às liquidações adicionais em causa no presente processo.
· Em face desta ampliação defende a AT que não poderá este Tribunal conhecer daquele vício e com base nele declarar a ilegalidade das liquidações e das decisões de indeferimento contestadas.
- DA RESPOSTA DOS REQUERENTES À EXCEPÇÃO INVOCADA PELA AT:
· Com o devido respeito pela posição da AT, a verdade é que a invocada excepção não pode proceder.
· O RJAT, na delimitação do conteúdo do pedido de pronúncia arbitral, remete para os fundamentos de impugnação previstos no CPPT (cf. remissão prevista no art.º 10.º, n.º 2 al. a)).
· Sendo que este diploma é muito claro ao indicar que “Constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade”, exemplificando depois algumas das ilegalidades que podem apontar-se aos atos impugnados (cf. art.º 99.º do CPPT).
· É pois evidente que, ainda que o contribuinte tenha optado por submeter o ato à apreciação prévia da AT, por via da apresentação de uma reclamação graciosa, os vícios invocados nessa sede não precludem nem impedem legalmente que na sequência do indeferimento da reclamação, e abrindo-se novo prazo para contestar o acto, possam ser invocados quaisquer outros vícios não alegados em sede graciosa.
· Note-se que a jurisprudência dos tribunais é unânime em considerar que o objecto da impugnação judicial (e por remissão, também do pedido de pronúncia arbitral) é o ato tributário e a sua legalidade.
· Por todos, vejam-se, entre muitos outros, os Acórdãos proferidos pelo douto Supremo Tribunal Administrativo em 04/03/2009, no proc. 01034; em 09/10/2008, no proc. 0567/08; ou em 19/12/2007 no proc. 0617/07.
· Em todos os referidos arestos conclui aquele douto Tribunal superior que o meio adequado para pôr em causa o indeferimento de uma reclamação graciosa que comporta a apreciação da legalidade de ato de liquidação é a impugnação judicial, e assim é porque o objecto do processo é ainda o ato de liquidação cuja legalidade se contesta.
· Da mesma forma, e em sede de pronúncia arbitral, esclarece o Il. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa[1], que “embora na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT apenas se faça referência explícita à competência dos tribunais arbitrais para declararem a ilegalidade de atos de liquidação, atos definidores da quantia a pagar pelo contribuinte, essa competência estende-se também a atos de segundo e terceiro graus que apreciem a legalidade desses atos primários, designadamente atos de indeferimento de reclamações graciosas e de indeferimento de recursos hierárquicos interpostos das decisões dessas reclamações.”.
“Na verdade essa conclusão retira-se inequivocamente da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, que faz referência expressão ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (que trata do indeferimento de reclamação graciosa) e à «decisão do recurso hierárquico» ”.
· E é assim porque, tal como refere aquele Autor[2] “nos casos em que o ato de segundo grau ou terceiro grau conhece da legalidade do ato de liquidação, o indeferimento da reclamação graciosa ou do recurso hierárquico que confirme aquele ato faz suas as respetivas ilegalidades, pelo que da apreciação da ilegalidade do ato de segundo ou terceiro grau decorre a ilegalidade do ato de liquidação.”.
· No mesmo sentido tem seguido a jurisprudência arbitral tributária.
· Veja-se, a título de exemplo, o acórdão proferido pelo tribunal arbitral constituído no âmbito do processo n.º 32/2013-T, com vista à declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da decisão da reclamação graciosa de uma liquidação de imposto do selo, em que claramente se refere que, ainda que o objeto imediato da pronúncia arbitral seja a decisão de indeferimento da reclamação, o seu objeto mediato é ainda a liquidação de imposto do selo a que essa reclamação se referia.
· Com efeito, pode ler-se nesse acórdão que “De facto, e como a própria ATA começa por conceder, logo no início da respectiva contestação (ponto 1.), «O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a legalidade de acto de liquidação do Imposto do Selo da verba 1.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo no montante de € 13.726,80».
Tal deverá, com efeito, ser considerado o objecto mediato do presente processo, sendo o objecto imediato a decisão do pedido no requerimento datado de 3 de Outubro de 2012, no qual, como resulta do ponto 24 e 25 dos factos dados como provados, a ora Requerente manifestou, inequivocamente, intenção de reclamar daquela referida liquidação, o que foi devidamente compreendido pela ATA, conforme resulta igualmente dos pontos 28 e 31 daquele mesmo rol factual.”.
· Note-se que a própria AT reconhece expressamente no artigo 64.ª da sua Resposta que “Deduzido pedido arbitral do indeferimento de uma reclamação graciosa, a impugnação arbitral tem por objeto quer a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, quer o próprio acto tributário, a liquidação.” (Sublinhado dos Requerentes);
· Ora, sendo inequívoco que o processo de impugnação – corra ele junto de um Tribunal Administrativo e Fiscal ou de um Tribunal Arbitral constituído nos termos do RJAT – tem como objecto último o ato de liquidação, é também sobre a (i)legalidade deste ato que recai a pronúncia do tribunal e não, como parece defender a AT, apenas sobre os “factos e fundamentos que alicerçaram a formação da decisão administrativa” de indeferimento da reclamação graciosa apresentada desse ato pelo contribuinte;
· E é assim porque, como bem referia o Senhor Professor J.L. Saldanha Sanches, está hoje definitivamente ultrapassada a “velha querela sobre se [no processo de impugnação] estamos perante uma acção ou um recurso que só poderia fazer sentido na fase hoje ultrapassada em que se consideravam os tribunais administrativos órgãos da Administração” (in Revista Fisco n.º 6 de 15/03/1989, pág. 22).
· Mais, o conceito de causa de pedir é um conceito processual, vertido no CPC, que poderá ter aplicação no âmbito da impugnação judicial e da pronúncia arbitral (levando a que todos os factos devam ser alegados na petição inicial), mas não na reclamação graciosa, como parece pretender a AT.
· Na realidade, não há qualquer princípio de estabilidade da instância que deva ser respeitado entre a reclamação graciosa e o subsequente processo judicial, não apenas porque este princípio não tem consagração no procedimento tributário (mas apenas no processo) como porque, além disso, é de dois processos e não de um que verdadeiramente tratamos.
· Por outro lado, o vício relativo à ilegalidade dos procedimentos inspectivos agora invocados e que a AT pretende que o Tribunal não conheça decorre de factos que resultam provados dos elementos juntos aos autos.
· Ora, se assim é, se os factos em causa foram (e podiam ser) alegados nesta sede, e se, ainda que o não fossem, resultam claramente dos autos, sempre estes deveriam ser conhecidos, sendo certo que, quanto à apreciação desses factos e a determinação da existência de eventuais ilegalidades, tal limitação nunca existiria, na medida em que o Tribunal é livre na conformação jurídica dos factos.
· Parece evidente que a mera análise do processo administrativo já junto aos autos sempre permitiria a este douto Tribunal concluir pela verificação do invocado vício, pelo que não poderia este, como em seguida veremos, deixar de o conhecer e declarar.
· Conclui-se pois que, ainda que o contribuinte opte por submeter a questão da apreciação da legalidade do ato à AT, por via da apresentação da reclamação graciosa, tal não preclude que, chegado à fase contenciosa em que o ato será sindicado perante um Tribunal, o mesmo contribuinte possa, nos termos da lei, invocar qualquer ilegalidade de que o ato padeça, ainda que esta não tenha sido invocada em sede graciosa.
· Mais, esta discussão toca ainda uma outra questão, que se prende com a natureza do processo tributário e com as competências dos Tribunais.
· Uma vez mais, nesta matéria acompanhamos integralmente a posição do Senhor Professor J.L. Saldanha Sanches, quando este afirmava que “(...) não podem os tribunais administrativos e fiscais, ao examinarem a legalidade de um acto administrativo ou tributário, ficar limitados pelas alegações dos recorrentes ou pela chamada causa de pedir (conceito de duvidosa utilização no processo administrativo).
Se o acto é objecto do processo, identificado este, não pode haver logicamente limites para o conhecimento de ilegalidades patentes” (in Revista Fisco n.º 4 de 15/01/1989, pág. 28).
· Só desta forma poderão os Tribunais (Administrativos e Fiscais ou Arbitrais) cumprir a tarefa que a Constituição da República Portuguesa lhes atribui de assegurar a defesa dos direitos e dos interesses legalmente protegidos dos administrados (cf. Constituição da República Portuguesa, art.º 268º, n.º 4).
· Tal conclusão resulta aliás muito clara do art.º 99.º, n.º 1 da LGT, que limita o conhecimento do Tribunal quanto à matéria de facto alegada pelas partes, mas deixa obviamente ao mesmo Tribunal total liberdade quer “na realização de todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados” quer na conformação jurídica de tais factos.
· Do que vimos de dizer decorre claramente que se dos factos alegados resulta claramente identificado vício que afeta os processos inspetivos e consequentemente os atos tributários em crise, não pode o Tribunal deixar de apreciar esse vício, pois só assim cumprirá o seu desígnio legal e constitucional.
· Desta forma, não resta senão concluir que a exceção invocada pela AT na Resposta apresentada deverá ser considerada inteiramente improcedente por manifesta falta de fundamento legal.
O RJAT, na delimitação do conteúdo do pedido de pronúncia arbitral, remete para os fundamentos de impugnação previstos no CPPT (cf. remissão prevista no art.º 10.º, n.º 2 al. a)).
Sendo que este diploma é muito claro ao indicar que “Constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade”, exemplificando depois algumas das ilegalidades que podem apontar-se aos atos impugnados (cf. art.º 99.º do CPPT).
É pois evidente que, ainda que o contribuinte tenha optado por submeter o ato à apreciação prévia da AT, por via da apresentação de uma reclamação graciosa, os vícios invocados nessa sede não precludem nem impedem legalmente que na sequência do indeferimento da reclamação, e abrindo-se novo prazo para contestar o acto, possam ser invocados quaisquer outros vícios não alegados em sede graciosa.
Note-se que a jurisprudência dos tribunais é unânime em considerar que o objecto da impugnação judicial (e por remissão, também do pedido de pronúncia arbitral) é o ato tributário e a sua legalidade.
Por todos, vejam-se, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo em 04/03/2009, no proc. 01034; em 09/10/2008, no proc. 0567/08; ou em 19/12/2007 no proc. 0617/07.
Em todos os referidos arestos conclui aquele douto Tribunal superior que o meio adequado para pôr em causa o indeferimento de uma reclamação graciosa que comporta a apreciação da legalidade de ato de liquidação é a impugnação judicial, e assim é porque o objecto do processo é ainda o ato de liquidação cuja legalidade se contesta.
Da mesma forma, e em sede de pronúncia arbitral, esclarece o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa[3], que “embora na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT apenas se faça referência explícita à competência dos tribunais arbitrais para declararem a ilegalidade de atos de liquidação, atos definidores da quantia a pagar pelo contribuinte, essa competência estende-se também a atos de segundo e terceiro graus que apreciem a legalidade desses atos primários, designadamente atos de indeferimento de reclamações graciosas e de indeferimento de recursos hierárquicos interpostos das decisões dessas reclamações.”.
“Na verdade essa conclusão retira-se inequivocamente da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, que faz referência expressão ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (que trata do indeferimento de reclamação graciosa) e à «decisão do recurso hierárquico» ”.
E é assim porque, tal como refere aquele Autor[4] “nos casos em que o ato de segundo grau ou terceiro grau conhece da legalidade do ato de liquidação, o indeferimento da reclamação graciosa ou do recurso hierárquico que confirme aquele ato faz suas as respetivas ilegalidades, pelo que da apreciação da ilegalidade do ato de segundo ou terceiro grau decorre a ilegalidade do ato de liquidação.”.
No mesmo sentido tem seguido a jurisprudência arbitral tributária.
Veja-se, a título de exemplo, o acórdão proferido pelo tribunal arbitral constituído no âmbito do processo n.º 32/2013-T, com vista à declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da decisão da reclamação graciosa de uma liquidação de imposto do selo, em que claramente se refere que, ainda que o objeto imediato da pronúncia arbitral seja a decisão de indeferimento da reclamação, o seu objeto mediato é ainda a liquidação de imposto do selo a que essa reclamação se referia.
Com efeito, pode ler-se nesse acórdão que “De facto, e como a própria ATA começa por conceder, logo no início da respectiva contestação (ponto 1.), «O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a legalidade de acto de liquidação do Imposto do Selo da verba 1.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo no montante de € 13.726,80».
Tal deverá, com efeito, ser considerado o objecto mediato do presente processo, sendo o objecto imediato a decisão do pedido no requerimento datado de 3 de Outubro de 2012, no qual, como resulta do ponto 24 e 25 dos factos dados como provados, a ora Requerente manifestou, inequivocamente, intenção de reclamar daquela referida liquidação, o que foi devidamente compreendido pela ATA, conforme resulta igualmente dos pontos 28 e 31 daquele mesmo rol factual.”.
Note-se que a própria AT reconhece expressamente no artigo 64.ª da sua Resposta que “Deduzido pedido arbitral do indeferimento de uma reclamação graciosa, a impugnação arbitral tem por objeto quer a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, quer o próprio acto tributário, a liquidação.” (Sublinhado dos Requerentes);
Ora, sendo inequívoco que o processo de impugnação – corra ele junto de um Tribunal Administrativo e Fiscal ou de um Tribunal Arbitral constituído nos termos do RJAT – tem como objecto último o ato de liquidação, é também sobre a (i)legalidade deste ato que recai a pronúncia do tribunal e não, como parece defender a AT, apenas sobre os “factos e fundamentos que alicerçaram a formação da decisão administrativa” de indeferimento da reclamação graciosa apresentada desse ato pelo contribuinte;
E é assim porque, como bem referia o Senhor Professor J.L. Saldanha Sanches, está hoje definitivamente ultrapassada a “velha querela sobre se [no processo de impugnação] estamos perante uma acção ou um recurso que só poderia fazer sentido na fase hoje ultrapassada em que se consideravam os tribunais administrativos órgãos da Administração” (in Revista Fisco n.º 6 de 15/03/1989, pág. 22).
Mais, o conceito de causa de pedir é um conceito processual, vertido no CPC, que poderá ter aplicação no âmbito da impugnação judicial e da pronúncia arbitral (levando a que todos os factos devam ser alegados na petição inicial), mas não na reclamação graciosa, como parece pretender a AT.
Na realidade, não há qualquer princípio de estabilidade da instância que deva ser respeitado entre a reclamação graciosa e o subsequente processo judicial, não apenas porque este princípio não tem consagração no procedimento tributário (mas apenas no processo) como porque, além disso, é de dois processos e não de um que verdadeiramente tratamos.
Por outro lado, o vício relativo à ilegalidade dos procedimentos inspectivos agora invocados e que a AT pretende que o Tribunal não conheça decorre de factos que resultam provados dos elementos juntos aos autos.
Ora, se assim é, se os factos em causa foram (e podiam ser) alegados nesta sede, e se, ainda que o não fossem, resultam claramente dos autos, sempre estes deveriam ser conhecidos, sendo certo que, quanto à apreciação desses factos e a determinação da existência de eventuais ilegalidades, tal limitação nunca existiria, na medida em que o Tribunal é livre na conformação jurídica dos factos.
Parece evidente que a mera análise do processo administrativo já junto aos autos sempre permitiria a este douto Tribunal concluir pela verificação do invocado vício, pelo que não poderia este, como em seguida veremos, deixar de o conhecer e declarar.
Conclui-se pois que, ainda que o contribuinte opte por submeter a questão da apreciação da legalidade do ato à AT, por via da apresentação da reclamação graciosa, tal não preclude que, chegado à fase contenciosa em que o ato será sindicado perante um Tribunal, o mesmo contribuinte possa, nos termos da lei, invocar qualquer ilegalidade de que o ato padeça, ainda que esta não tenha sido invocada em sede graciosa.
Mais, esta discussão toca ainda uma outra questão, que se prende com a natureza do processo tributário e com as competências dos Tribunais.
Uma vez mais, nesta matéria acompanhamos integralmente a posição do Senhor Professor J.L. Saldanha Sanches, quando este afirmava que “(...) não podem os tribunais administrativos e fiscais, ao examinarem a legalidade de um acto administrativo ou tributário, ficar limitados pelas alegações dos recorrentes ou pela chamada causa de pedir (conceito de duvidosa utilização no processo administrativo).
Se o acto é objecto do processo, identificado este, não pode haver logicamente limites para o conhecimento de ilegalidades patentes” (in Revista Fisco n.º 4 de 15/01/1989, pág. 28).
Só desta forma poderão os Tribunais (Administrativos e Fiscais ou Arbitrais) cumprir a tarefa que a Constituição da República Portuguesa lhes atribui de assegurar a defesa dos direitos e dos interesses legalmente protegidos dos administrados (cf. Constituição da República Portuguesa, art.º 268º, n.º 4).
Tal conclusão resulta aliás muito clara do art.º 99.º, n.º 1 da LGT, que limita o conhecimento do Tribunal quanto à matéria de facto alegada pelas partes, mas deixa obviamente ao mesmo Tribunal total liberdade quer “na realização de todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados” quer na conformação jurídica de tais factos.
Do que vimos de dizer decorre claramente que se dos factos alegados resulta claramente identificado vício que afeta os processos inspetivos e consequentemente os atos tributários em crise, não pode o Tribunal deixar de apreciar esse vício, pois só assim cumprirá o seu desígnio legal e constitucional.
Desta forma, não resta senão concluir que a exceção invocada pela AT na Resposta apresentada deverá ser considerada inteiramente improcedente por manifesta falta de fundamento legal.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
II FUNDAMENTAÇÃO
Matéria de facto
Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
1) Na sequência do preenchimento e subsequente entrega do QUADRO 4, ANEXO G1 – Mais valias não tributadas – anexo à Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS de 2009, (nos termos do artigo 128.º do CIRS), foram os Requerentes notificados para remeter aos serviços de Inspecção da Direcção de Finanças de Lisboa, os documentos que originaram as mais valias não tributadas e declaradas.
2) Em cumprimento das Ordens de Serviço seguidamente referenciadas, foram realizadas cinco acções inspectivas, nos seguintes termos:
a) Ordem de Serviço n.º OI…, emitida para o sujeito passivo D…, NIF ...:
b) Ordem de Serviço n.º OI…, emitida para o sujeito passivo F..., NIF ... e mulher…, NIF ...;
c) Ordem de Serviço n.º OI…, emitida para o sujeito passivo A... ., NIF ...;
d) Ordem de Serviço n.º OI…, emitida para o sujeito passivo B..., NIF ...;
e) Ordem de Serviço n.º OI …, emitida para o sujeito passivo C..., NIF ....
3) A sociedade G..., , S.A. NIPC ..., foi constituída em 02-08-1965, com a denominação de E…, LDA, e capital social de 20.000$00.
4) A... ., NIF ..., detinha uma quota de 19.000$00, correspondente a 95% do capital, pertencendo a outra quota (1.000$00) a B…, NIF ....
5) Em 11 de julho de 1985 verificou-se um aumento do capital social para 1.000.000$00, tendo a sócia B... cedido a sua quota a C…, bem como a entrada de 3 novos sócios, ficando o capital social repartido da seguinte forma:
Sócios – NIF - Valor Quota - Percentagem
A... . – ... - 600.000$00 - 60,0%
B... – 103315268 - 100.000$00 - 10,0%
C... – ... - 100.000$00 - 10,0%
D...– 153994126 - 100.000$00 - 10,0%
F...– 145835600 - 100.000$00 - 10,0%
Total: 1.000.000$00 - 100,0%
6) Aquando da transição para o euro, o capital social foi redenominado e aumentado, através da incorporação de reservas, para 5.000,00 euros. A estrutura do capital social manteve-se a mesma assim como as respetivas percentagens.
7) Em 08-03-2007 o capital social foi aumentado para os 65.000,00 euros, mantendo-se novamente inalterada a estrutura do capital social:
Sócios - Valor Quota (€) - Percentagem
A... . - 39.000,00 - 60,0%
B... - 6.500,00 - 10,0%
C... - 6.500,00 - 10,0%
D... 6.500,00 - 10,0%
F... - 6.500,00 - 10,0%
Total: 65.000,00 - 100,0%
8) Em 05-12-2009 ocorreram os seguintes factos:
- Entrada de um novo sócio “H..., S.A.”, NIPC ... na sociedade E…, LDA;
- Transformação da sociedade E…, LDA em sociedade anónima, passando a designar-se “G... –, S.A”
- Aumento do capital social para 70.000,00 euros, representado por 1.400 ações, com o valor nominal de 50,00 euros.
9) Nesta data (5-12-2009) a sociedade passa a ter a seguinte estrutura acionista e de capital:
Accionistas - Nº acções - Capital % Capital social - Nº Votos (1 voto = 20 ações):
A... . - 780 39.000,00 - 55,714% - 39
B... - 130 6.500,00 - 9,286% - 6,5
C... - 130 6.500,00 - 9,286% - 6,5
D... - 130 6.500,00 - 9,286% - 6,5
F... - 130 6.500,00 - 9,286% - 6,5
H..., S.A. - 100 5.000,00 - 7,143% - 5
Total: 1.400 70.000,00 - 100,00% - 70
10) A estrutura da administração compete a um conselho de administração, conforme nomeação que consta da certidão permanente.
Acionistas - NIF
Presidente A... . - ...
Vogal C... - ...
Vogal J... - ...
Conforme teor da certidão permanente:
11) A... . era gerente da sociedade, pelo menos desde 21-02-1994;
12) C... era gerente da sociedade, pelo menos desde 15 06-2005;
13) J... era gerente da sociedade desde 03-08-2006.
14) Em 31-12-2009 os acionistas individuais venderam 1250 acções desta sociedade à empresa H..., S.A. o valor desta aquisição foi de € 2.671,43 por ação, o que perfaz um valor total de € 3.339.287,50.
Accionistas - Nº acções detidas - Nº ações alienadas - Valor realização
A... . – 780 – 770 - 2.057.001,10
B... – 130 – 120 - 320.571,60
C... – 130 – 120 - 320.571,60
D... – 130 – 120 - 320.571,60
F... – 130 – 120 - 320.571,60
Total: 1.300 - 1.250 - 3.339.287,50
15) Os pagamentos foram efetuados através de vários cheques emitidos em 01-03-2010.
16) A sociedade H..., S.A., NIPC ... (sociedade que compra as ações), foi constituída em 20-04-1968.
17) E tem um capital social de 500.000,00 euros, correspondente a 10.000 ações, com valor nominal de 50,00 euros, distribuídas pelos seguintes accionistas:
Accionistas - Nº acções – Capital – Percentagem - Nº Votos (1 voto = 500 ações)
A... . - 6.000 - 300.000,00 - 60,00% - 12
B... - 1.000 - 50.000,00 - 10,00% - 2
C... - 1.000 - 50.000,00 - 10,00% - 2
D... - 1.000 - 50.000,00 - 10,00% - 2
F... - 1.000 - 50.000,00 - 10,00% - 2
Total: 10.000 - 500.000,00 - 100,00% - 20
18) A administração compete a um conselho de administração composto por três membros, eleito por mandatos de três anos, (conforme certidão permanente), sendo que no mandato para o triénio 2007/2009, a composição do conselho de administração foi:
Accionistas - NIF
Presidente A... . - NIF ...
Vogal C... - NIF ...
Vogal J... - NIF ...
19) Os Requerentes alienaram em 31 de dezembro de 2009 ações da sociedade G... - S.A. (“G...”) – então detidas há mais de 12 meses – à sociedade H..., S.A. (“H...”);
20) Em janeiro de 2013 os Requerentes foram notificados do despacho do Diretor-Geral da AT que, na sequência dos anteriores Projetos, determinou a aplicação da cláusula geral anti-abuso à transmissão de participações da G... levada a cabo em 2009 pelos Requerentes (excluindo, desde logo, da aplicação daquela norma à G...) – cf. doc. n.º 46[5] que ora se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
21) Em fevereiro de 2013 foram os Requerentes notificados dos respetivos Projetos de Relatório de Inspeção, nos termos dos quais, e por aplicação da cláusula geral anti-abuso, foram propostas as correções ao IRS de 2009 dos Requerentes decorrentes da qualificação das mais-valias realizadas com a alienação das ações da G... à H... como mais-valias sujeitas a tributação à taxa especial de 10%, prevista no art.º 72.º, n.º 4 do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos – cf. docs. n.ºs 47 a 51
22) Em tais Projetos de Relatório de Inspeção foram pois propostas a seguintes correções:
A... – cf. doc. n.º 47:
B...– cf. doc. n.º 48
C... – cf. doc. n.º 49
D... – cf. doc. n.º 50
F... – cf. doc. n.º 51
23) Em março de 2013, os Requerentes foram notificados dos respetivos Relatórios Finais de Inspeção que mantiveram na integralidade as correções propostas nos Projetos de Relatório de Inspeção – cf. docs. n.ºs 52 a 56
24) Na sequência das referidas correções, os Requerentes foram notificados – em 6 de maio de 2013 - das liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios [ora impugnadas], das quais resultou um valor a pagar, até 5 de junho de 2013, de € 369.463,30 (cf. docs. n.ºs 1 a 5), nos termos seguintes:
- O Requerente A... (representado por B..., enquanto cabeça de casal) foi notificado da liquidação de IRS e juros compensatórios n.º …, da qual resultou um valor a pagar de 227.270,25 – cf. doc. n.º 1 junto.
- A Requerente B... foi notificada da liquidação de IRS e juros compensatórios n.º …, da qual resultou um valor a pagar de € 35.607,41 – cf. doc. n.º 2 junto.
- A Requerente C... foi notificada da liquidação de IRS e juros compensatórios n.º …, da qual resultou um valor a pagar de € 35.512,39 – cf. doc. n.º 3 junto.
- O Requerente D... foi notificado da liquidação de IRS e juros compensatórios n.º …7, da qual resultou um valor a pagar de € 35.579,79 – cf. doc. n.º 4 junto.
- O Requerente F... foi notificado da liquidação de IRS e juros compensatórios n.º …, da qual resultou um valor a pagar de € 35.493,56 – cf. doc. n.º 5 junto.
25) Os Requerentes procederam ao pagamento voluntário integral dos montantes liquidados – cf. docs. n.ºs 11 a 15
Factos não provados
- Não se provou que as operações ou negócios descritos nas alíneas 5) e 14) dos factos provados, tivessem sido efetuados apenas ou predominatemente com o desígnio de obtenção de vantagens fiscais dos intervenientes.
Motivação
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela requerente, no processo administrativo instrutor e relatório dos Serviços de Inspeção Tributária, nos documentos juntos e dos que integram o citado processo instrutor, com ponderação ainda da circunstância de inexistir controvérsia entre as partes quanto ao quadro factual e objetivo descrito pela requerente.
Para considerar não provado que “(…)as operações ou negócios descritos nas alíneas 5) e 14), dos factos provados, tivessem sido efetuados apenas ou predominantemente com o desígnio de obtenção de vantagens fiscais dos intervenientes (…)”, socorreu-se o Tribunal das regras de apreciação e decisão do non liquet probatório, mais exatamente da solução dada pela Lei para esse non liquet pelos artigos 414º, do CPC
Concretamente: não parece de afastar a importância de outros factores, maxime de natureza comercial [“(…) adequar o modelo societário à dimensão atingida quer às futuras possibilidades de crescimento da G... (…)” - Cfr relatório justificativo da transformação da sociedade, datado de 26-11-2009, não impugnado pela AT – Doc 31, junto com o pedido), para que a sociedade deliberasse a sua transformação em sociedade anónima.
Fundamentação (cont)
O Direito
Nesta análise, tem de partir-se do pressuposto de que a fundamentação do ato que decidiu a aplicação da cláusula geral antiabuso que se tem de apreciar é apenas a que consta do próprio ato e elementos para que remete, pois o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por atos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele]. Por isso, os atos que são objeto do processo têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua atuação poderia basear-se noutros fundamentos.
São três as questões suscitadas:
a) Ilegalidade no procedimento inspetivo mas não suscitada em sede de reclamação graciosa;
b) Aplicação indevida da cláusula geral anti-abuso e
c) Exclusão de tributação das mais-valias por não sujeição, face à sua integração no regime transitório de IRS (art. 5º do DL 442-A/88, de 30 Novembro)
Apreciando cada uma das questões de per si:
a) Ilegalidade no procedimento inspetivo mas não suscitada em sede de reclamação graciosa
Este processo arbitral foi instaurado na sequência e em consequência do indeferimento expresso da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, ou seja, tem por objecto imediato esse mesmo indeferimento e por objecto mediato o acto de liquidação, cuja anulação é visada a final.
Ora deduzido pedido arbitral do indeferimento de uma reclamação graciosa, a impugnação arbitral tem por objecto quer a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, quer o próprio acto tributário, a liquidação.
Compete ao Tribunal apreciar qualquer ilegalidade cometida na liquidação ainda que não suscitada na reclamação.
Vejamos então:
Está subjacente à discussão a sempre controvertida distinção entre inspecção interna e externa.
Defende a requerente que a liquidação oficiosa resulta de inspecção externa ao passo que a AT entende tratar-se de inspecção interna (pese embora não se tenha pronunciado sobre tal questão na defesa, tendo apenas qualificado os procedimentos inspectivos como internos - art. 53).
Quanto aos fins, o procedimento de inspecção pode ser de comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários – alínea a) do n.º1 do art.º 12.º, do RCPIT; e, ou de informação, visando o cumprimento dos deveres legais de informação ou de parecer dos quais a inspecção tributária seja legalmente incumbida – sua alínea b).
No que concerne ao lugar da realização do procedimento inspectivo, pode o mesmo classificar-se, nos termos do artigo 13.º do RCPIT (Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária – DL nº 413/98, de 31-12), em:
“a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos;
b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.”
Ora, todas as Ordem de Serviço determinaram a realização de acções de inspecção internas de controlo dos elementos declarados pelos Requerentes na declaração Modelo 3 de IRS (Cfr PA e teor das ordens de serviço).
Dúvidas não subsistem que, substancial e formalmente a inspeção é qualificada como interna e não externa.
Improcede assim esta ilegalidade suscitada pelos requerentes.
b) Cláusula geral anti-abuso
A cláusula geral anti abuso (abreviadamente, CGAA) foi introduzida no sistema fiscal português durante a década de noventa, altura em que começaram a ser adotadas também em Portugal algumas outras medidas antiabuso, especiais, no âmbito dos impostos sobre o rendimento.
E, na essência das alterações introduzidas à redação inicial da CGAA pela Lei nº 100/99, de 26 de julho, está a “importação” da doutrina germânica do missbrauch von formen [abuso de formas ou possibilidades de configurações jurídicas dos negócios][6]
A sua razão de ser e principal motivação encontra-se na necessidade de se estabelecerem meios de relação – e, também, de prevenção – que sejam mais adequados a reprimir estes comportamentos tidos por “antijurídicos”, ainda que lícitos, exigindo que a Administração Fiscal faça a prova da verificação concreta dos pressupostos legais que permitem desencadear as suas consequências próprias.
Antevêm-se e verificam-se enormes dificuldades de aplicação com sucesso de que nos dá conta a escassez de decisões judiciais a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira.[7]
Nestas, acolheu-se a chamada step transaction doctrine segundo a qual a disposição antiabuso pode e deve aplicar-se atendendo ao momento decisivo e final das operações em causa.
O princípio subjacente à CGAA é o da prevalência da substância económica sobre a forma jurídica dos atos ou negócios jurídicos, sem, no entanto, se chegar ao ponto de retirar alcance prático aos princípios da legalidade e da tipicidade taxativa dos impostos.
Por isso é que, para o pleno funcionamento da CGAA, ter-se-á, no limite de concluir pela existência duma “roupagem” de formas jurídicas destinadas tão só e apenas a encobrir realidades económicas que, sem essa “roupagem”, seriam tributadas.
Se, pelo contrário, os contribuintes são norteados por outras preocupações ou razões quando escolhem uma via que redunda em dispensa ou redução de tributação, então revelar-se-á excessivo concluir pela obrigação de opção do contribuinte pela via que implique um maior agravamento na tributação.
A esta luz, adiante-se que se considera a transformação duma sociedade por quotas em sociedade anónima como ato normal que se insere no campo da liberdade de gestão geral e fiscal, com expressão nas liberdades de iniciativa económica e de empresa, normalmente destinada a robustecer a estrutura societária e permitir a abertura do seu capital.
A questão premente e essencial é a de saber se podem ou devem considerar-se juridicamente “artificiosos ou fraudulentos” os sobreditos passos objetivamente legais adotados e que se reconduziram (ou também se reconduziram) a final a uma objetiva poupança fiscal.
Antes de mais, não pode ver-se a venda das ações sem sujeição a tributação (regime então em vigor até à revogação do artigo 10º-2, do CIRS) como algo abusivo ou proibitivo: se existia essa denominada “lacuna consciente de tributação[8]”, desta se aproveitou legal, compreensível e legitimamente o vendedor
É certo que podem suscitar-se algumas dúvidas quanto ao sobredito enquadramento factual; todavia, por força do disposto no artigo 100.º do CPPT, subsidiariamente aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, essa hipotética dúvida sempre teria de ser valorada processualmente a favor da Requerente, o que equivale a considerar não provado que tenham sido razões exclusiva ou principalmente fiscais as determinantes para as sobreditas operações.
Por isso, a utilização das sobreditas e legais formas jurídicas não pode ser considerada como utilização de meios artificiosos ou fraudulentos, para efeitos do artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, nem se pode vislumbrar qualquer abuso de formas jurídicas na concretização de tais operações.
Por outro lado, o facto de a estas operações estar associada uma vantagem fiscal não pode ser considerado um obstáculo à aceitação da opção para efeitos fiscais, pois os contribuintes não são obrigados a optar pelos negócios que sejam fiscalmente mais onerosos, quando a lei lhes propicia mais de um meio para atingir os fins que visam na reestruturação e gestão de sociedades.
Assim, sendo cumulativos os requisitos previstos no artigo 38.º, n.º 2, da LGT, para aplicação da cláusula geral antiabuso tem de se concluir que a atuação dos requerentes sócios da empresa transformada (de sociedade por quotas em sociedade anónima), não pode ser considerada um planeamento fiscal ilegítimo destinado a evitar a liquidação de IRS.
Precisando melhor:
O artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária estabelece uma cláusula geral antiabuso, nos termos da qual «são ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas».
No caso em apreço, a Administração Tributária decidiu a aplicação da cláusula geral antiabuso considerando que as mais-valias obtidas com a alienação, em 31-12-2009, de 1.250 ações da G... – Comércio e Gestão Imobiliária, SA, eram tributáveis, embora os requerentes as tivessem considerado excluídas de tributação por serem detidas há mais de 12 meses, sendo que à data a Lei vigente excluía essa tributação no caso de as ações serem detidas pelos alienantes há mais de 12 meses [arts 10º-2/a) e 43º-4/b), do CIRS – red. em vigor em dezembro de 2009].
E, para fundamentar a sua posição e consequente correção das liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios (de que resultou o valor total a pagar pelo requerentes de €369.463,30), acionou a AT o mecanismo previsto no artigo 38º, da LGT [cláusula geral antiabuso] fundada na desconsideração, para efeitos de tributação, da transformação da sociedade ocorrida em 5-12-2009 (era, até esta data, uma sociedade por quotas – E…, Lda.).
Na verdade, tal como alega a requerente, “(…) em setembro de 2012, foram os Requerentes, bem como a G..., notificados (cada um deles) de Projetos de Aplicação de Norma Geral Anti-Abuso, onde a AT, após descrever a evolução da estrutura de capital da G... e da H..., bem como as operações ocorridas em 2009 (i.e., transformação e aumento de capital da G... em sociedade anónima e a transmissão das ações da G... detidas pelos Requerentes à H...), vem afirmar que “ (…)face ao decurso cronológico supra descrito, será de aplicar a cláusula geral anti-abuso desconsiderando a transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima, e, tributando a transmissão com o enquadramento devido à transmissão de quotas, nos termos do qual, o ganho resultante é, na esfera do vendedor, sujeito à taxa especial de 10% fixada pelo n.º 4 do art.º 72.º do CIRS vigente à data dos factos [e sem ressalvar aqui o disposto na al. b) do n.º 4 do artigo 43.º do mesmo código], porquanto, a participação vendida, se refere a uma sociedade que, em data prévia próxima ao fim da não sujeição, foi transformada de sociedade por quotas em sociedade anónima, não se vislumbrando qualquer vantagem económico empresarial” (…) “(…)Os atos e negócios jurídicos praticados através da montagem de uma operação de aumento de capital da sociedade E…, LDA. (G..., , S.A.), no montante de € 5.000, através de entradas em dinheiro de uma nova sócia (H... –, S.A.) com a qual existem relações especiais, e subsequente transformação em sociedade anónima, com redenominação do capital em ações, tiveram como objetivo excluir de tributação mais-valias obtidas, substituindo uma operação sujeita a imposto (alienação onerosa de partes sociais – quota) por outra isenta (venda de ações). Pelo que, face ao exposto não se poderá concluir de outra forma que não seja a de que o negócio descrito reveste natureza artificiosa, e, a sua utilização foi determinada essencialmente por razões fiscais” – cf. doc. n.º 45 junto com o pedido de pronúncia arbitral.
Haverá que salientar, desde já, a natureza de norma excecional [absolutamente excecional] da cláusula geral anti abuso (CGAA).
A natureza excecional desta norma resulta quer do facto de permitir que a tributação seja efetuada por aplicação de outras regras que não as normas gerais que a lei prevê para o(s) negócio(s) efetivamente praticados, quer, mais importante, por constituir um desvio ao princípio da segurança jurídica, na sua dimensão de previsibilidade da lei fiscal aplicável, que é um princípio basilar do direito fiscal.
Segurança e previsibilidade implicam que os contribuintes possam confiar na tipicidade do tipo legal de imposto, que possam ter a certeza que, uma vez praticados os negócios que a norma de incidência prevê, serão tributadas de acordo com a respetiva estatuição.
A CGAA só será, pois, aplicável nos casos em que se deva considerar que não é posto em causa o valor da segurança jurídica, a ideia confiança na norma legal ínsita na ideia de Estado-de-Direito, por o contribuinte, objetivamente, dever saber que o ato ou negócio que praticou, nas circunstâncias em que ele aconteceu, não pode ser enquadrado na previsão legal por não ser coerente com o “espírito da lei”, muito embora, formalmente, possa encontrar “amparo” no elemento literal da norma.
Porém, diferentemente do que acontece relativamente a normas com idêntico intuito, que encontramos em outros ramos do ordenamento jurídico, como sejam o instituto do abuso do direito ou o princípio da boa-fé, a CGAA não é uma cláusula geral aberta que permita ao intérprete afastar a solução legal (a tributação) que decorre da norma que resultaria aplicável (da norma de incidência cuja hipótese os factos preenchem) invocando considerações de justiça material ou de coerência substantiva do sistema jurídico fiscal.
A CGAA é, também ela, uma norma típica – como não poderia deixar de ser, tratando-se de uma norma que releva diretamente nas regras de incidência tributária - que só pode ser aplicada quando, indubitavelmente, se encontrem verificados todos e cada um dos pressupostos nela previstos.
Significa isto que o intérprete se tem de abster de quaisquer juízos sobre, nomeadamente, se a economia fiscal lograda é ou não “justificada” ou “aceitável”, se a concreta situação fere ou não uma suposta igualdade horizontal entre os contribuintes.
O intérprete, o julgador, tem apenas o dever de verificar se, no caso concreto estão ou não, indubitavelmente, presentes cada um dos pressupostos de aplicação da CGAA.
E tal análise, tal interpretação, tem que ser feita de forma restritiva, como impõem as regras da hermenêutica jurídica relativamente às normas excecionais.
Ao intérprete é completamente vedado dar à CGAA um âmbito de aplicação mais vasto [fazer uma interpretação extensiva] que aquele que decorre do próprio texto legal, mesmo que sob o pretexto de realização da justiça material no caso concreto.
Dir-se-á que, assim sendo, fica, em muito, reduzida a eficácia da CGAA no combate a formas de elisão fiscal que se poderão, razoavelmente, considerar abusivas. Poderá ser a realidade, mas tal decorre, inquestionavelmente, da natureza excecional da norma e do que tal natureza impõe ao intérprete, ao julgador.
Os elementos da CGAA
É pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que a aplicabilidade da CGAA supõe a verificação de quatro pressupostos (ou elementos): elemento meio; elemento resultado; elemento intelectual; elemento normativo.
a) Elemento meio
“Este elemento corresponde à via escolhida pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal, i.e., o(s) acto(s) ou negócios jurídicos cuja estrutura se encontra determinada em função de um dado resultado fiscal (Gustavo Courinha, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário, 2009, pág. 165)
“É, em conclusão, do nível de incoerência entre a forma ou estrutura escolhida e o propósito económico fáctico fiscal do contribuinte, entre o fim para que é entregue concretamente essa forma adoptada e a causa que lhe é própria” (ibidem, pág. 166) que se aferirá da verificação deste elemento.
Estando em causa uma sequência de negócios jurídicos pré-ordenados (step by step doctrine) importa ressalvar, no entanto, que perante um caso de uma estrutura de tal natureza será esta que deverá possuir o carácter anómalo exigido pela atual redação da C.G.A.A, ainda que os actos ou negócios que a compõem sejam, em si mesmos, típicos ou vulgares.
No caso concreto, verificamos que os negócios jurídicos que conduziram à realização de mais-valias não sujeitas a tributação (como veremos adiante, este é o cerne da questão, é em razão destes negócios que se concretizou a “vantagem fiscal” em causa, sendo os negócios jurídicos posteriores irrelevantes em termos de aplicação da CGAA) foram essencialmente a transformação da sociedade por quotas em anónima e a subsequente venda, num prazo curto, das ações representativas do capital.
Ora não se pode detetar qualquer “carácter anómalo” em cada um destes negócios jurídicos pois a transformação das sociedades por quotas em anónimas era até estimulado então pelo legislador quando estabeleceu a isenção de tributação da mais-valia decorrente de venda ou alienação de ações detidas há mais de 12 meses, considerando a data da alienação [Cfr. arts 10º-2/a) e 43º-4/b), do CIRS – red. em vigor em dezembro de 2009].
Porém, a inexistência de “negócios jurídicos anómalos”, ou de uma “sequência anómala de negócios jurídicos”, não basta, a nosso ver, para excluir a possível aplicação da CGAA.
É preciso ainda aferir se o conjunto dos negócios praticados não é, em si mesmo artificial, não passou de uma mera fachada que nada alterou de substancial relativamente à realidade anterior, o que analisaremos nos pontos seguintes.
Por ora, cumprirá ainda salientar que, existindo diferentes vias legais típicas para a realização de um determinado resultado económico, o contribuinte não é obrigado a escolher a via que, para si, resultaria mais onerosa.
b) Elemento resultado
“Neste elemento resultado importa apenas demonstrar que o sujeito logrou, pelos seus actos, a verificação de uma certa vantagem fiscal e a equivalência dos efeitos económicos com aqueles do acto normal tributado” (Gustavo Courinha, cit., , pag. 176).
No caso concreto, está provado que, ao realizar uma mais-valia de valor relativamente elevado, os requerentes obtiveram uma significativa vantagem fiscal, que não lograriam se se mantivesse a forma societária anterior uma vez que, tratando-se de quotas, a alienação destas não beneficiava da isenção de tributação mencionada.
c) Elemento intelectual
Este é, sem dúvida, o pressuposto mais característico da CGAA
“A manifestação da fraude à lei revela-se na pretensão do contribuinte em obter primordialmente uma vantagem fiscal, dirigindo neste sentido os negócios ou actos que pratica. A finalidade não fiscal que, por seu turno, deve guiar a atuação de qualquer sujeito (…) é aqui substituída, na sua normal preponderância, por uma finalidade fiscal, acabando secundarizada” (ibidem, pág. 179)
No caso concreto temos, como factos provados, a vantagem fiscal obtida pelas razões já referidas.
Se a sociedade se transformou para permitir aos titulares do capital social a sua alienação em condições de beneficiarem de ausência de tributação, é matéria que, no caso, não se afigura especialmente relevante porquanto tudo ocorre num plano de estímulo legal à constituição ou transformação de sociedades anónimas.
Na verdade, em casos como o dos autos, ainda que se demonstre que não terá havido outra motivação que não a fiscal para a transformação, a desconsideração dessa transformação para efeitos de tributação dos titulares do capital social em caso de alienação, não terá a cobertura da Lei e/ou do Direito na medida em que não é aceitável penalizar os sócios ou acionistas duma sociedade pelo facto de esta deliberar a sua transformação.
Por outro, considerando a recorrente ou frequente impossibilidade ou, pelo menos, dificuldade em valorar a importância relativa interesses (fiscal e não fiscal) em presença (pese embora se reconheça o quão pode impressionar muitas vezes o montante da vantagem fiscal obtida), a dúvida teria que, necessariamente, aproveitar ao sujeito passivo num contexto – como é o dos autos - em que o ónus da prova dos factos alegados para aplicação da cláusula geral antiabuso recai sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira (artigo 74.º, n.º 1, da LGT. [cfr artigos 414º, do CPC, 346º, do Cód Civil, 100º, do CPPT e 29º-1/c), do RJAT. Defendendo, no essencial, esta orientação, cfr ainda na jurisprudência arbitral, os Acs. do CAAD n.ºs 62/2014-T, de 1-9-2014 e 267/2013-T, págs. 34 e 23, respetivamente (Coletivos presididos pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa).
Daí que, neste enquadramento, resultaria, no caso, a ausência de prova quanto à exclusividade ou preponderância do interesse fiscal na prática da sucessão de atos que também conduziram a uma efetiva e significativa poupança fiscal.
Porém e apesar disso, no caso concreto, o peso que deve ser atribuído ao elemento intelectual resulta necessariamente muito desvalorizado, na ponderação de interesses que aqui cumpre fazer, em razão do que a seguir se dirá quanto ao elemento normativo.
d) Elemento normativo
“Pode dizer-se, em atenção à existência (e exigência) deste elemento, que a CGAA não é, afinal, um mero expediente de obtenção de receita fiscal a qualquer custo, assente no facto de o contribuinte obter uma vantagem fiscal. A desconsideração fiscal de tais actos ou negócios só sucederá quando, cumulando-se todos os supra referidos requisitos, se demonstre que o efeito fiscal obtido (sempre em atenção aos efeitos identicamente obtidos) merece um juízo de reprovação pelo Direito “ (Courinha, ibidem, pág. 189).
Começaremos por realçar o seguinte: uma questão, que já ficou abordada, é a da motivação fiscal do negócio ou negócios praticados; outra, diferente, é o de, no pressuposto de que os negócios praticados não sejam anómalos ou artificiais, saber “da contrariedade do resultado ao Direito”. É apenas desta última questão que agora cuidaremos.
Em suma: é absolutamente legítima a opção[9] do contribuinte em organizar os seus negócios jurídicos de forma a realizar mais-valias não tributadas (vg. transformando uma sociedade por quotas em sociedade anónima e alienando, depois, com ganho, as ações assim obtidas), mesmo quando a única motivação da alteração da forma societária tenha sido de natureza fiscal (cf., p. ex.,Acs Arbitrais, CAAD n.ºs 123/2012, de 9/05/2013, 124/2012, de 06/06/2013, 138/2012, de 12/07/2013, 139/2013, de 19/12/2013, este último subscrito também pelo Presidente deste colégio arbitral).
Sintetizando:
- Constitui planeamento fiscal legítimo, face à CGAA, os sujeitos passivos praticarem negócios jurídicos que tenham como resultado a realização de mais-valias não sujeitas [ao tempo] a tributação em IRS, mesmo quando a realização de tais negócios tenha como motivação exclusiva ou principal a economia fiscal assim lograda.
- Os negócios jurídicos praticados pelos sujeitos passivos com tal desiderato só serão passíveis de censura, ao abrigo da CGAA, quando forem uma mera “fachada”, originem apenas uma mera alteração jurídico-formal da situação anterior, que, no essencial, se manteve inalterada. Ora não acontece no caso sub juditio.
- Não se verificam pois, no caso concreto, os elementos meio e normativo e intelectual cuja verificação, cumulativamente com o elemento resultado (que aconteceu), é condição necessária para o preenchimento da tipicidade da CGAA.
c) Exclusão de tributação das mais-valias por não sujeição, face à sua integração no regime transitório de IRS (art. 5º do DL 442-A/88, de 30 Novembro)
Ainda que se considerasse como válida a aplicação da cláusula anti-abuso, parece ter a requerente parcialmente razão quando invoca a aplicação ao caso do regime transitório de não sujeição de tributação das mais-valias.
Com efeito, todas as participações sociais existem anteriormente a 01-01-1989.
Assim sendo, as mais-valias obtidas com a sua alienação no âmbito do IRS não estaria sujeita a tributação por força do disposto no 5º do DL 442-A/88, de 30 Novembro. Só as participações decorrentes do aumento de capital social da G... (Sociedade) ocorrido em 2007 estariam excluídas dessa não sujeição.
Do que resulta que teria a requerente, parcialmente, pelo menos, razão nesse ponto.
Juros indemnizatórios
Nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária, os requisitos do direito a juros indemnizatórios são os seguintes:
- Que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;
- Que ele seja imputável aos serviços;
- Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa, de impugnação judicial ou de pronúncia arbitral;
- Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributável em montante superior ao legalmente devido.
No que se refere ao artigo 100º da Lei Geral Tributária, exige-se que:
- Tenha havido uma decisão de procedência total ou parcial de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso, de que resulte a anulação de um ato tributário;
- Que não sejam devidos juros indemnizatórios relativamente a período anterior ao termo do prazo de execução da decisão anulatória e
- Que a decisão a executar não seja uma decisão judicial.
A Lei Geral Tributária não refere, de forma genérica, os termos iniciais e finais da contagem dos juros indemnizatórios.
Encontramos alguns casos, porém, em que existe uma indicação do termo inicial: é o caso da alínea b) do nº 3 do artigo 43º daquela Lei, onde se prevê que os juros indemnizatórios são devidos a partir do 30º dia posterior à decisão da Administração Tributária de anular o ato tributário por sua iniciativa, e da alínea c) do mesmo número e artigo, de onde resulta que, no caso de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte - fora das situações de reclamação graciosa enquadráveis no nº 1 do mesmo artigo - , os juros indemnizatórios só são devidos a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão e, mesmo nesta hipótese, poderão ser contados a partir de momento posterior se o atraso não for imputável à administração tributária.
Nos casos não previstos, a contagem deve fazer-se com base na natureza destes juros e das situações que geram a dívida, devendo, em princípio, corresponder ao início do período em que o sujeito passivo esteja privado de quantias que deveriam estar em seu poder se não se verificasse uma situação ilegal.
Assim sendo e concluindo:
- Se os juros indemnizatórios forem provocados pela existência de um erro imputável aos serviços (cfr. artigo 43º, nº 1 e nº 2 da Lei Geral Tributária), eles serão devidos desde o momento em que foi paga ou retida a quantia em excesso até ao momento em que seja elaborada a nota de crédito que permita ao sujeito passivo receber a quantia de que, indevidamente, ficou privado;
- Se os juros indemnizatórios se deverem ao não cumprimento do prazo de restituição oficiosa dos impostos (cfr. artigo 43º , nº 3, alínea a), da Lei Geral Tributária) , os juros indemnizatórios serão devidos desde o termo do prazo legal para a restituição até ao momento em que seja elaborada a nota de crédito.
Relativamente à taxa, nos termos do nº 4 do artigo 43º da Lei Geral tributária, a taxa de juros indemnizatórios é idêntica à dos juros compensatórios, ou seja, a taxa fixada nos termos do artigo 559º, do Cód Civil, por força do disposto no nº 10 do artigo 35º da Lei Geral Tributária.
No caso, os requerentes efetuaram o pagamento das liquidações sob impugnação.
Têm assim, à luz do exposto, direito a ser reembolsados das importâncias pagas acrescida de juros indemnizatórios contados desde essa data de pagamento até ao momento de emissão da respetiva nota de crédito.
Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 369 463,30.
DECISÃO
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e determinar a anulação das liquidações adicionais de IRS de imposto objeto dos autos e demais acréscimos (juros compensatórios) e
b) Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios aos requerentes desde as datas do pagamento das sobreditas liquidações, até à data em que forem emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira as respetivas notas de crédito.
Custas
Fica a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira o pagamento das custas, fixando-se o respetivo montante em € 6.120,00 (seis mil cento e vinte euros), nos termos do artigo 22º-4, do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Lisboa, 5 de dezembro de 2014
O Tribunal Arbitral Coletivo
Poças Falcão
(Presidente)
Rodrigo de Castro
António Alberto Franco
[1] In “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, inserido no “Guia da Arbitragem Tributária”, coordenado por Nuno de Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, Almedina, 2013, pág.121
[3] In “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, inserido no “Guia da Arbitragem Tributária”, coordenado por Nuno de Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, Almedina, 2013, pág.121
[5] A referência a documentos, se não for feita menção contrária expressa, reporta-se àqueles que foram juntos com o pedido de pronúncia arbitral.
[6] Cfr Saldanha Sanches, Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, pp. 169-175 e Gustavo Courinha, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário: Contributos para a sua Compreensão, reimpressão da 1ª Ed, Almedina, 2009, pp. 157 e ss..
[7] Conheciam-se, até muito recentemente, apenas, no sentido apontado, os Acórdãos do TCAS de 15-23-2011 (Proc nº 4255/10 e de 14-2-2011 (Proc nº 5104/11), que podem ser consultados em http://www.dgsi.pt/
[8] Saldanha Sanches, Obra Citada
[9] “Nenhum principio do direito fiscal implica que as escolhas dos contribuintes se façam pela via mais tributada. O contribuinte pode perfeitamente erigir uma construção jurídica que desemboque numa tributação relativamente moderada. O abuso do direito não condena a habilidade fiscal, mesmo que esta conduza a construções jurídicas pouco ortodoxas” [Bergerès, apud, Nuno Sá Gomes, “Evasão Fiscal, Infracção Fiscal e Processo Penal Fiscal” (Lições), Editora Rei dos Livros, 2000, pg. 71].