Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 731/2021-T
Data da decisão: 2022-09-26  IABA  
Valor do pedido: € 145.542,83
Tema: IABA –Imposto sobre o Álcool e Bebidas Alcoólicas; Enquadramento fiscal da “Sangria”.
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Sumário

 

  1. Segundo o preceituado na al. b), do n.º 1, do artigo 66.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, para efeitos da determinação da taxa do Imposto sobre o Álcool, as Bebidas Alcoólicas e as Bebidas Adicionadas de Açúcar ou outros Edulcorantes (IABA), a que se refere o n.º 2 do artigo 72.º, n.º 2, são classificados como “vinho tranquilo” os produtos abrangidos pelos códigos de Nomenclatura combinada 2204 e 2205 cujo título alcoométrico seja superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 18% vol. e resultante inteiramente de fermentação;
  2. As sangrias comercializadas pela Requerente possuem um título alcoométrico que resulta inteiramente de fermentação, pelo que se enquadram na citada categoria de “vinho tranquilo” e beneficiam, por isso, da taxa de imposto prevista no n.º 2 do art. 72.º do Código do IEC.

 

Decisão Arbitral

 

Os árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), para formarem o Tribunal Arbitral coletivo, constituído em 18 de janeiro de 2022, Juiz José Poças Falcão (Presidente), Dr. Amândio Silva e Dra. Marisa Almeida Araújo, acordam no seguinte:

 

I.         Relatório

 

A..., S.A. (doravante designada por “Requerente”), titular do estatuto de operador IEC (depositário autorizado) n.º PT..., com sede em “...”, ..., ..., ..., ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Vila Franca de Xira sob o número único de matrícula e pessoa coletiva ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, bem como dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, na redação vigente.

 

A Requerente pretende que seja anulado o ato tributário, proferido pelo Senhor Diretor da Alfândega de ..., por despacho proferido em 14.09.2021 e notificado à Requerente sob o ofício n.º ..., de 10.09.2021, sob a epígrafe “Pedido de Reembolso por Erro na Liquidação – Sangria” e substituído aquele ato por outro que declare que as bebidas alcoólicas comercialmente designadas sangria, armazenadas e expedidas pela Requerente, são classificadas como vinho tranquilo e vinho espumante para efeitos do n.º 2 do art.º 72.º do CIEC e, em consequência, ser reembolsado à Requerente o montante €145.542,83 (cento e quarenta e cinco mil quinhentos e quarenta e dois euros e oitenta e três cêntimos) a título de IABA pago pela mesma aquando da introdução das ditas bebidas no consumo, respeitante ao período de 01.07.2018 e 31.12.2020.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado a 10 de novembro de 2021 e aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD a 11 de novembro de 2021 e, de seguida, notificado à AT.

 

Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a), do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.

A 31 de dezembro de 2021, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído a 18 de janeiro de 2022.

 

Notificada para responder, a Requerida defendeu-se por exceção e por impugnação a 7 de março de 2022, pugnando pela absolvição da instância ou, assim não se entendendo, pela absolvição dos pedidos, respetivamente.

 

A Requerente exerceu o seu direito ao contraditório a 31 de março de 2022 e, por despacho de 13 de maio de 2022, tendo em conta as concretas vicissitudes processuais, foi dispensada a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT e as partes foram convidadas a apresentar alegações finais escritas.

A Requerente e Requerida apresentaram alegações a 7 de junho de 2022.

 

Posição da Requerente

 

            A Requerente, no âmbito da sua atividade comercial presta serviços de comercialização, armazenamento e distribuição de diversos produtos, nomeadamente bebidas alcoólicas sujeitas a IABA, encontrando-se adstrita ao cumprimento de obrigações declarativas, de liquidação e pagamento de imposto.

            A Requerente obteve o competente estatuto de depositário autorizado, com a referência de operador de IEC n.º PT..., através de pedido dirigido à Estância Aduaneira Competente (“EAC”) e constituiu entreposto fiscal com a referência PT..., localizado na ..., no Carregado.

            Entre outras mercadorias que a Requerente armazena, recebe e expede no seu entreposto fiscal, compreendem-se bebidas alcoólicas subsumíveis nos conceitos de vinho tranquilo e espumante que, conforme o seu entendimento, se encontra a pagar indevidamente imposto. Sendo que, até 31.12.2016, as bebidas alcoólicas correspondentes aos tipos previstos no código de nomenclatura combinada NC 2205 10 10, com graduação alcoólica de 8% vol., elaboradas a partir de vinho fermentado a baixas temperaturas e reforçado com essências naturais de frutas e especiarias, encontravam-se sujeitas a IABA à taxa de €0, a saber:

(a) ... Sangria Branco;

(b) ... Sangria Tinto e

(c) ... Frutos Vermelhos.

            A partir de 01.01.2017 as taxas de imposto aplicáveis aos vinhos tranquilos e espumantes passaram a ser distintas das taxas aplicáveis às outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes. Nesta sequência, manteve-se a taxa de imposto aplicável aos vinhos tranquilos e espumantes, prevista no n.º 2 do art.º 72.º do CIEC, ou seja, a taxa de €0, e passou a estipular-se que “A taxa do imposto aplicável às outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes é de €10,30/hl.”, tendo sido, entretanto, aumentada para €10,44/hl a partir de 01.01.2018.

            Não obstante o enquadramento adotado anteriormente quanto às bebidas alcoólicas elencadas no anterior art.º 7.º logo que entrou em vigor a alteração ao n.º 2 do art.º 73.º do CIEC, a Requerente observou que a EAC passou a incluir tais produtos no conceito de outras bebidas tranquilas fermentadas previsto na alínea d) do n.º 2 do art.º 66.º do CIEC, passando, por conseguinte, a considerar aplicar-se àquelas bebidas alcoólicas a taxa de €10,30/hl (nas introduções no consumo de 01.01.2017 a 31.12.2017, e de €10,44/hl, nas introduções no consumo posteriores a 01.01.2018).

            Razão pela qual, a partir de 01.01.2017, a Requerente passou a pagar IABA relativamente às bebidas alcoólicas em causa, às taxas mencionadas.

            Não obstante, entende a Requerente que tal circunstância se consubstancia num erro inequívoco na interpretação dos conceitos aplicáveis para efeitos de incidência objetiva do imposto, nomeadamente pela incorreta subsunção de tais produtos no conceito de “outras bebidas tranquilas ou fermentadas”, consagrado na al. d) do n.º 2 do art.º 66.º do CIEC, ao invés de, como era anteriormente evidente, nos conceitos de “vinho tranquilo e espumante” previstos nas als. b) e c) do n.º 2 do art.º 66.º daquele Código.

            A 21.06.2021, por meio de requerimento apresentado na Alfândega de ..., a Requerente solicitou o reembolso de IABA, no montante de €145.542,83, com fundamento no erro da liquidação decorrente de errónea qualificação do facto tributário subjacente à introdução no consumo das bebidas alcoólicas supra elencadas, ocorrida entre 01.07.2018 e 31.12.202.

            A 15.07.2021, a Requerente foi notificada pela Alfândega de ..., através do ofício n.º..., da proposta de decisão de indeferimento do pedido de reembolso de IABA. A Requerente optou por não exercer, nessa sede, o seu direito de audição, essa proposta de decisão do pedido de reembolso foi convertida em final.

            A Requerente entende que existe uma errónea racionalização da AT dos conceitos de “vinhos tranquilos” e “vinhos espumantes”, conforme estipulados pela Diretiva 92/83/CEE do Conselho, de 19 de outubro (“Diretiva 92/83/CEE”) e pelo Código dos IEC, uma ilegitimidade da análise comparativa com outros Estados-Membros e ilegalidade da análise jurídico-tributária efetuada tendo por base apenas (e só) as características organolépticas dos produtos em apreciação, sem atender, por conseguinte, às características essenciais dos mesmos.

            Sumariamente, entende a Requerente que de acordo com o n.º 1 do art.º 8.º da Diretiva 92/83/CEE, são considerados “vinho tranquilo” os produtos abrangidos pela NC 2204 e 2205, com exceção do vinho espumante, com as seguintes características:

a) teor alcoólico adquirido superior a 1,2% vol., mas inferior ou igual a 15% vol., desde que o álcool contido no produto acabado resulte inteiramente de fermentação; ou,

b) teor alcoólico adquirido superior a 15% vol., mas não a 18% vol., desde que tenham sido produzidos sem enriquecimento e que o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação.

            Adicionalmente, de acordo com o n.º 2 do art.º 8.º da sobredita Diretiva, são qualificados como “vinho espumante” os produtos abrangidos pela NC 2204 10, 2204 21 10, 2204 29 10 e 2205, com as seguintes características:

a) estejam contidos em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo, fixas por açaimes ou grampos, ou com uma sobrepressão derivada do anidrido carbónico em solução de, pelo menos, 3 bares; e,

b) como teor alcoólico adquirido superior a 1,2% vol., mas não a 15% vol., desde que o álcool contido no produto acabado resulte inteiramente de fermentação. Paralelamente, prevê o n.º 1 do art.º 12.º da Diretiva 92/83/CEE que “outras bebidas fermentadas” são os produtos abrangidos pelas NC 2204 e 2205, com exceção dos produtos abrangidos pelo art.º 8.º da referida Diretiva (supra citado), e os produtos abrangidos pela NC 2206 – exceto bebidas espumantes fermentadas definidas no art.º 2.º da Diretiva (i.e., cerveja) –, que tenham:

c) teor alcoólico adquirido superior a 1,2% de vol., mas não a 10% de vol.; ou,

d) teor alcoólico adquirido superior a 10% vol., mas não a 15% vol., desde que o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação.

            Entende, assim, a Requerente que deste diploma comunitário, o legislador europeu pretendeu fazer uma distinção entre vinhos tranquilos e vinhos espumantes, por um lado, e outras bebidas fermentadas, por outro, ao enquadrar (i) no conceito de vinhos tranquilos as bebidas com graduação alcoólica inferior a 10% de vol. e cujo álcool contido no produto acabado resulte inteiramente de fermentação e (ii) no conceito de vinhos espumantes as bebidas com graduação alcoólica inferior a 15% de vol. e contidas em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo, fixas por açaimes ou grampos (como é o caso das bebidas alcoólicas comercializadas pela Requerente), pelo que apenas considera para efeitos de classificação, enquanto outra bebida fermentada, (iii) produtos com graduação alcoólica inferior a 10% mas cujo álcool não resulte inteiramente de fermentação - os quais se encontram previstos no artigo 8.º da referida Diretiva.

            Desta forma, depreende a Requerente que, não obstante o cruzamento entre os três conceitos, o legislador cingiu, de forma inequívoca, o conceito de vinho tranquilo às bebidas com graduação alcoólica inferior a 10%, mas que tenha resultado inteiramente de fermentação, e o conceito de vinho espumante às bebidas com graduação alcoólica inferior a 15% de vol. e contidas em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo, fixas por açaimes ou grampos, apenas se aplicando o conceito de outras bebidas fermentadas àquelas que, não obstante assumirem tais graduações alcoólicas, não a obtiveram inteiramente por fermentação, o que não é o caso da sangria.

            Em face da definição conceptual dada pela Diretiva em apreço, a Requerente conclui pelo enquadramento dos produtos em referência no disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 8.º da Diretiva 92/83/CEE, uma vez que o teor alcoólico adquirido daqueles produtos é superior a 1,2% vol., mas inferior ou igual a 15% vol., e que o álcool contido no produto acabado resulta inteiramente de fermentação – sendo que, no caso do produto “... Sangria Frutos Vermelhos”, este se encontra contido em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo, fixas por açaimes ou grampos.

            Posto isto, conclui a Requerente que importa apenas verificar se o produto será qualificável no código de NC 2205.

            De acordo com Regulamento de Execução (UE) 2017/1925, da Comissão, datado de 12.10.2017, que altera o anexo I do Regulamento (CEE) n.º 2658/87, do Conselho, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum, consideram-se como produtos abrangidos pela posição 2205 “(…) unicamente os vermutes e outros vinhos de uvas frescas aromatizados por plantas ou substâncias aromáticas cujo teor alcoólico adquirido seja igual ou superior a 7 % vol.”.

            Acrescenta a Requerente que o produto em referência elaborado a partir de vinho fermentado a baixas temperaturas, reforçado com essências naturais de frutas e especiarias, com graduação alcoólica de 8% vol. Neste sentido, segundo a Requerente, expressam as Notas Explicativas da Nomenclatura Combinada da União Europeia (2015/C 076/01, de 4 de março de 2015), pela qual a Comissão Europeia considera abrangidas pela NC 2205 – Vermutes e outros vinhos de uvas frescas aromatizados por plantas ou substâncias aromáticas “as bebidas denominadas sangria, à base de vinho, aromatizadas, por exemplo, com limão ou laranja”.

            Concluindo a Requerente pela inclusão das bebidas alcoólicas comercializadas naquela NC 2205.

            Por seu turno, o Regulamento n.º 251/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.02.2014, relativo à definição, descrição, apresentação, rotulagem e proteção das indicações geográficas dos produtos vitivinícolas aromatizados, define, no n.º 3 do seu art.º 3.º, que bebida aromatizada à base de vinho consiste na bebida:

a) obtida a partir de um ou mais dos produtos vitivinícolas definidos no Anexo VII parte II do Regulamento 1308/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2014,

b) na qual os produtos vitivinícolas referidos na alínea a) representam, pelo menos, 50% do volume total,

c) à qual não foi adicionado álcool,

d) à qual foram eventualmente adicionados corantes,

e) à qual foram eventualmente adicionados mosto de uvas, mosto de uvas parcialmente fermentado ou ambos,

f) que pode ter sido eventualmente edulcorada,

g) com título alcoométrico volúmico adquirido igual ou superior a 4,5% vol e inferior a 14,5% vol.

            Para além disso, segundo a Requerente, o mesmo Regulamento indica no ponto B da al. 3) do seu Anexo II, que deve ser denominada Sangria a “bebida aromatizada à base de vinho”, (i) obtida a partir de vinho, (ii) aromatizada através da adição de essências ou extratos naturais de citrinos, com ou sem sumo desses frutos, (iii) à qual foram eventualmente adicionadas especiarias ou dióxido de carbono, (iv) que não foi corada, (v) com título alcoométrico volúmico adquirido igual ou superior a 4,5% vol., e inferior a 12% vol., (vi) que pode conter partículas sólidas provenientes da polpa ou da casca de citrinos e cuja cor deve resultar exclusivamente das matérias-primas utilizadas.

            Acrescenta ainda que este Regulamento, no referido Anexo, a designação Sangria “só pode ser utilizada como denominação de venda” quando o produto for produzido em Espanha ou Portugal, sendo que, nos demais Estados-Membros da União Europeia, tal designação apenas poderá ser utilizada como complementado à denominação de venda “bebidas aromatizada à base de vinho”. Daqui resulta, segundo a Requerente, que estes produtos – sangria – são subsumíveis ao conceito de vinho noutros países da UE, beneficiando Portugal e Espanha de uma permissão especial para a respetiva denominação comercial e que, em rigor, não prejudica a assunção do produto na classe de vinho.

            Para além disso, a EAC aduziu na decisão de indeferimento do pedido de reembolso efetuado pela Requerente que “os produtos aromatizados aplicados no fabrico destas bebidas são dissolvidos ou têm uma base de álcool, pelo que o teor alcoólico não resulta inteiramente de fermentação”, concluindo que os produtos em apreciação no presente pleito não preenchem assim os critérios substantivos para cabimento no conceito de vinho para efeitos da Diretiva n.º 92/83/CEE. Posição que a Requerente não sufraga já que, de acordo com a sua posição, o entendimento replicado pela EAC e propugnado pela República Francesa de que os produtos vitivinícolas aromatizados não devem ser classificados enquanto “vinhos tranquilos ou espumantes”, mas como “outras bebidas fermentadas”, apenas colheria se não fossem devidamente consideradas as características particulares deste produto nos diversos Estados-Membros, com especial enfoque no território nacional e em Espanha, cuja produção pode obedecer a um conjunto de regras e/ou tradições bastante dispares e incomparáveis, tornando qualquer conclusões neste contexto suportada em premissas frágeis porque subjetivas.A previsão de um regime especial para a Península Ibérica em termos de denominação comercial conduz a que o processo de produção das bebidas em causa ocorre através da utilização de produtos aromatizados não naturais, dissolvidos ou com base de álcool, i.e., não sendo elaborado a partir de vinho fermentado a baixas temperaturas e posteriormente reforçado com essências naturais de frutas e especiarias sem qualquer teor alcoólico, motivo pelo qual outros Estados-Membros tendem a não qualificar tais produtos como vinho tranquilo – ao contrário do que ocorre com os produtos comercialmente designados por Sangria comercializados pela Requerente, porquanto resultam de um procedimento elaborativo distinto.

            Assim, entende a Requerente, que o entendimento vertido pela EAC neste âmbito não pode proceder na medida em que os aromas utilizados nos produtos comercializados pela Requerente não contêm teor alcoólico.

            Por último, argumenta a Requerente que a EAC, na sua decisão de indeferimento, que o ponto 1, al. b), do Anexo I do Regulamento n.º 251/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.02.2014 “estipula que a adição das substâncias autorizadas na aromatização das referidas bebidas confere ao produto final características organoléticas diferentes das de um vinho” o que, segundo a Requerente, não é aplicável aos produtos comercializados por si, não se aplicando a aludida a al. b) do Anexo I do Regulamento n.º 251/2014, mas antes a al. a) do referido Anexo, segundo a qual se consideram autorizados para a aromatização de vinhos aromatizados, designadamente, os seguintes produtos:

a) Ervas aromáticas e/ou especiarias; e

b) As substâncias aromatizantes naturais e/ou as preparações aromatizantes definidas no art.º 3.º, n.º 2, als. c) e d), do Regulamento n.º 1334/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16.12.2008.

            Segundo a Requerente, considerando que os produtos comercializados por si consistem em vinho adicionado de especiarias e aromatizantes naturais de fruta, não pode prevalecer o argumento da EAC de que estes produtos não se qualificam como vinho, por aplicação da al. b) do Anexo I do Regulamento n.º 251/2014.

            Por sua vez, o Regulamento (UE) n.º 1308/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17.12.2014, que estabelece uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas, determina no seu número 1 da Parte II que por “vinho” se entende “o produto obtido exclusivamente por fermentação alcoólica, total ou parcial, de uvas frescas, esmagadas ou não, ou de mostos de uvas”. Igualmente, segundo a Requerente, aqui se apresenta a fronteira entre vinho e outras bebidas fermentadas, permitindo a correta distinção entre realidades objetiva e tecnicamente diferentes. Concluindo que as bebidas alcoólicas em apreço devem ser consideradas como vinho tranquilo para efeitos de Imposto Especial de Consumo.

            Por outro lado, a Direção Geral da Fiscalidade e da União Aduaneira – TAXUD, da Comissão Europeia entende que “o produto comercialmente designado por Sangria consiste em vinho de uvas frescas aromatizado com plantas ou substâncias aromáticas, devendo qualificar-se como vinho tranquilo e, consequentemente, incluído na NC 2205, sempre que tenha o teor alcoólico constante do n.º 1 art.º 8.º da Diretiva 92/83/CEE”.

            Para além disso, segundo a Requerente, na definição de outras bebidas tranquilas fermentadas, prevista na al. d) do n.º 2 do art.º 66.º do CIEC, encontram-se expressamente excecionados os vinhos – i.e., as bebidas que se integrem no conceito de vinho tranquilo –, refletindo inequivocamente aquela que era a intenção do legislador europeu de apenas incluir naquele conceito bebidas cujo título alcoométrico adquirido fosse superior a 1,2% vol., e igual ou inferior a 10% vol. mas que não resultasse inteiramente do processo de fermentação. Concluindo que o CIEC reflete e transpõe com exatidão o conceito de vinho tranquilo previsto no n.º 1 do art.º 8.º da Diretiva 92/83/CEE, na al. b) do n.º 2 do art.º 66.º daquele diploma, pelo que a conjugação dos normativos permite confirmar que as bebidas “Sangria” se subsumem no conceito de vinho tranquilo.

            Ainda no quadro nacional, alega a Requerente que a AEC se socorre da classificação entre vinhos comuns e vinhos especiais, constante do Decreto-Lei n.º 35846/46, de 02.09.1946. O referido Decreto-Lei qualifica vinhos comuns como “vinhos maduros ou verdes que resultam da fermentação normal do mosto” incluindo nos vinhos especiais os “vinhos licorosos, os vinhos doces de mesa, os espumantes naturais e espumosos gaseificados”. Segundo a Requerente, os produtos designados comercialmente por sangria jamais poderão reconduzir-se ao conceito de vinhos especiais, na medida em que, tal como refere a AEC, estes produtos se caracterizam essencialmente por conterem “álcool ou aguardente adicionados, o que inibe a sua classificação enquanto vinhos para efeitos do CIEC”. O que não acontece com os produtos em apreço comercializados pela Requerente.

            Por todos estes argumentos sumariamente expostos, entende a Requerente que as bebidas alcoólicas designadas ... Sangria Branco, ... Sangria Tinto, e ... Frutos Vermelhos,

(i) se encontram abrangidas pela NC 2205 10 10,

(ii) têm uma graduação alcoólica de 8% vol. e foram

(iii) elaboradas exclusivamente a partir de vinho fermentado a baixas temperaturas e reforçado com essências naturais de frutas e especiarias.

Pelo que devem ser abrangidos pelo conceito de vinho quer pelas definições estipuladas no Regulamento (UE) n.º 251/2014, quer pelas previstas no Regulamento (UE) n.º 1308/2013.

 

 Posição da Requerida

 

            A Requerida apresenta uma posição fáctico-jurídica distinta da Requerente e, na sua douta resposta defende-se por exceção e por impugnação.

            Em matéria de exceção, a Requerida invoca a incompetência material do tribunal arbitral para apreciar a decisão de indeferimento do pedido de reembolso. Fundamenta, sumariamente, a sua posição alegando que a Requerente não impugna os atos de liquidação de IABA e não reagiu administrativamente dos atos de liquidação pois não apresentou reclamação graciosa, nem efetuou pedido de revisão oficiosa de quaisquer atos de liquidação efetuados entre 01.07.2018 e 31.12.2020 e não configura, segundo a sua posição, o pedido de reembolso efetuado ao abrigo dos artigos 15.º e 16.º do CIEC uma impugnação administrativa dos atos de liquidação, nem a decisão, que recaiu sobre o mesmo pedido, se reconduz a uma decisão sobre a legalidade dos atos de liquidação, antes se tratando, atentos os seus contornos, de um ato administrativo em matéria tributária.

            Concluindo a Requerida que o que está em causa é a discussão de uma questão atinente à classificação de produtos para efeitos de enquadramento legal dos mesmos nos diferentes tipos de produtos sujeitos a IABA e determinação da taxa aplicável, a Requerente não apresentou qualquer reclamação graciosa das liquidações ou pedido de revisão oficiosa, que seriam, face aos artigos 68.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 78.º da Lei Geral Tributária, os meios próprios para reagir, em sede administrativa, dos atos de liquidação. Acrescendo que, conforme se retira do teor do pedido de reembolso apresentado junto da Alfândega de ..., a questão submetida à apreciação daquele serviço incide exclusiva e diretamente sobre a natureza dos produtos alcoólicos em causa e sua classificação para efeitos de tributação em sede de IABA. O que, pelos argumentos sumariamente expostos, entende a Requerida que, tais pedidos extravasam a competência do presente Tribunal, desde logo circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

            Inova ainda, também em matéria de exceção, que o tribunal arbitral seria incompetente em razão da matéria uma vez que a Requerente pretende a anulação do despacho que indeferiu o seu pedido de reembolso com fundamento de que as bebidas alcoólicas que comercializa sob a designação de “sangria” devem ser classificadas como “vinho tranquilo” mas, segundo o seu entendimento, sem invocar qualquer ilegalidade que resulte da não aplicação da lei em vigor, visando, outrossim, com tal pedido a não aplicação da taxa prevista na lei para aquelas bebidas e, consequentemente, a aplicação da taxa 0 (zero) prevista no n.º 2 do artigo 72.º do CIEC para o vinho.

            Segundo a Requerida, tal pretensão, e independentemente, de se saber se as bebidas da A..., para efeitos de classificação fiscal, devem ser classificadas, ou não, como “vinho tranquilo”, consubstancia, por parte da Requerente, uma exigência para que a administração tributária adote uma nova atuação em sede de liquidação do imposto, procedendo à realização de novas liquidações, que não as resultantes da lei em vigor, que aplicou, que foram realizadas de acordo com os elementos declarados, pela Requerente, nas Declarações de Introdução no Consumo (e-DIC) que processou quanto às introduções no consumo efetuadas relativamente às bebidas em questão. Nesta medida, pugnando a Requerente pela realização de novas DIC e emissão de novos DUC, que viriam substituir os anteriores, visa, concomitantemente, que a Requerida adote um comportamento consistente na realização de novos atos de liquidação o que resultaria na pretensão da Requerente de que, por conta da diferente classificação das bebidas, viessem a ser processadas/apresentadas outras DIC e DUC, e efetuadas outras liquidações, em sua substituição dos precedentes. Nesta medida, o meio processual próprio, perante tal pretensão seria o “Reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”, em conformidade com o previsto no artigo 145.º do CPPT, uma vez que não está em causa a “intimação para um comportamento” de um direito ou interesse legítimo lesado ou violado, que resulta diretamente da lei. 31. Ora, tal atribuição também não cabe no elenco das competências do tribunal arbitral, descrito no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, o qual se restringe, como se referiu, à declaração de ilegalidade de atos de liquidação previstos nas alíneas a) e b), isto é, à mera apreciação de legalidade.

            Para além disso, invoca ainda a Requerida que sempre teria caducado o direito de ação por intempestividade do pedido arbitral uma vez que, o objeto da presente ação arbitral seria constituído por atos de liquidação de IABA referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020 - período compreendido entre 01.07.2018 e 31.12.2020 - o que, como se disse, não resulta do PPA, nem sequer implicitamente, importa referir que o artigo 10.º do RJAT estabelece, quanto a atos de liquidação, que o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral é de 90 (noventa) dias, remetendo, quanto ao momento do início de contagem, para aquilo que se mostra preceituado no artigo 102.º, nºs 1 e 2 do CPPT. 38. Desse normativo, e com relevância para o caso dos autos, retira-se que o estipulado prazo de 90 dias é contado a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da prestação tributária, mesmo quando não dê origem a qualquer liquidação. 39. E, atendendo a que os pretensos atos de liquidação terão sido efetuados nos anos de 2018, 2019, e até 31.12.2020, e que o pedido tendente à constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 10.11.2021, isto é, depois de decorrido, quase um ano quanto as liquidações de 2020, e três ou dois anos, relativamente às liquidações de 2018 e 2019, depois da data das liquidações, o mesmo pedido mostra-se intempestivo.

            Por outro lado, a Requerida defende-se ainda por impugnação. Neste âmbito invoca, sumariamente, o seguinte:

            Entende a AT, que o entendimento da Requerente carece de sustentação legal, quer a nível nacional, quer ao nível da legislação da União Europeia. Inova que, para efeitos fiscais, a distinção e classificação das bebidas alcoólicas que vieram a ser adotadas pelo CIEC, decorrentes da transposição da Diretiva 92/83/CEE, para ser aplicada uniformemente por todos os Estados-membros, não é inteiramente coincidente com as designações constantes, no direito nacional, da legislação específica do sector vitivinícola, regulado pelos organismos de intervenção, como é o caso do vinho tranquilo (conceito fiscal), comummente designado como vinho ou vinho de mesa. A epígrafe do artigo 72.º “Vinho” vai buscar às designações do sector vitivinícola, adotada igualmente por outras disposições do CIEC, tal como é designado no artigo 40.º da Diretiva 2008/118/CE, e pelos setores de intervenção, designadamente o Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), tutelado pelo Ministério da Agricultura. Mesmo na legislação comunitária, conforme se extrai do artigo 2.º da Diretiva 92/84/CEE, do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à aproximação das taxas do imposto especial sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas, o vocábulo/termo “vinho” é utilizado com referência ao produto vinho de mesa/vinho tranquilo, distinguindo-se os tipos de bebidas quando se indicam as diferentes taxas (mínimas) aplicáveis (artigos 3.º, n.º 1, 4.º, 5.º e 6.º), técnica adotada também no CIEC.

            Constatando-se, segundo a Requerida, que ao nível do direito da União Europeia, com vista à delimitação de conceitos e interpretação das normas do CIEC em causa, pode relevar, para este efeito, a legislação dos sectores agrícola e vitivinícola, abrangidas pelas organizações comuns dos mercados (OCM).

            Ainda no que concerne à delimitação do conceito de “vinho tranquilo”, o Regulamento (CE) n.º 491/2009, do Conselho, suprarreferido, no âmbito da OCM, no seu anexo III, referente às diferentes categorias de produtos vitivinícolas define “vinho”, como sendo um produto obtido exclusivamente por fermentação alcoólica, total ou parcial, de uvas frescas, esmagadas ou não, ou de mostos de uvas. Resultando, deste modo e segundo a Requerida que, da legislação supracitada, nacional e comunitária, quer ao nível do setor vitivinícola, quer no âmbito da legislação fiscal, que a definição de “vinho” ou de “vinho tranquilo” se restringe ao produto inteiramente obtido mediante um processo, exclusivo, de fermentação de uvas frescas ou do mosto de uvas, sem adição de quaisquer outros produtos, alcoólicos ou não alcoólicos, cujo teor alcoométrico resulta inteiramente da fermentação.

            A Requerida alega que as bebidas em causa não reúnem os requisitos, exigidos pelas normas supracitadas para serem classificadas como “vinho tranquilo”, não lhes podendo, consequentemente, ser aplicada a taxa de imposto prevista para o “vinho tranquilo” prevista no n.º 2 do artigo 72.º do CIEC. Acrescentando que o facto de os produtos em causa serem classificados pela Nomenclatura Combinada com o código pautal 2205, não determina, em exclusivo, a classificação fiscal das bebidas, porquanto este não constitui elemento único, nem determinante, para a classificação das bebidas pois que, neste código pautal se incluem igualmente outros vinhos aromatizados. Invoca que a Requerente não juntou nota técnica/certificado do produto e que as bebidas da Requerente se encontram expressamente caracterizadas como sangria, contendo todas as características previstas no direito da União mormente no Regulamento n.º 251/2014, o qual é diretamente aplicável no direito interno, sendo obrigatório em todos os seus elementos, afastando quaisquer normas nacionais que se revelem incompatíveis com as suas disposições, visando-se, assim, garantir a aplicação uniforme do direito da União em todos os Estados-Membros. Mas, e dado que os produtos vitivinícolas aromatizados, abrangidos pelo código pautal 2205 são suscetíveis de ser enquadrados em diferentes categorias fiscais de bebidas alcoólicas (vinhos, outras bebidas fermentadas e produtos intermédios) a “Sangria” constitui uma categoria de bebida alcoólica para efeitos de classificação fiscal, mas uma bebida aromatizada, produzida a partir do vinho, contendo outros ingredientes. Sendo inequívoco, segundo a Requerida, que nenhuma das classificações de produtos vitivinícolas, nos planos nacional ou comunitário, reconhece como “vinho”, para efeitos de classificação fiscal, os produtos vitivinícolas aromatizados previstos no Regulamento (UE) n.º 251/2014, de 26 de fevereiro.

            Acrescenta ainda que a Diretiva 92/83/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas, prevê, para efeitos da sua aplicação, o que se deve entender por “vinho tranquilo”, por “outras bebidas, tranquilas e espumantes, fermentadas, com exceção do vinho ou da cerveja”, e por “produtos intermédios”, nos termos, respetivamente, dos artigos 8.º, 12.º e 17º. Admitindo esta Diretiva que os produtos abrangidos pelo código NC 2205 possam ser classificados como “vinho”, “outras bebidas fermentadas” ou “produtos intermédios”, constata-se que não resulta das indicadas normas que os produtos em causa devam ser classificados como vinhos tranquilos já que o preceituado na Diretiva n.º 92/83/CEE quanto à incidência objetiva do imposto foi transposto para o artigo 66.º do CIEC de forma praticamente coincidente com o vertido nos citados artigos e com os conceitos definidos nos vários diplomas que regulamentam esta matéria. E para uma correta interpretação do n.º 2 deste artigo, e porque estão previstas diferentes taxas de imposto a aplicar a cada uma das categorias aí definidas, deve ter-se em conta todo o ordenamento jurídico que regula esta matéria (legislação europeia e nacional) e, dessa forma, o n.º 2 do artigo 66.º do CIEC estabelece o que se deve entender, para efeitos de incidência objetiva, além de outras bebidas alcoólicas, por “Vinho tranquilo”, “Outras bebidas tranquilas fermentadas”, “Outras bebidas espumantes fermentadas” e “Produtos intermédios”. Sendo que, na classificação de “produtos intermédios”, vulgarmente designados por vinhos generosos, enriquecidos pela adição de álcool, se incluem, designadamente, os vermutes, o vinho do Porto, o vinho da Madeira e o vinho Moscatel. Todavia, tendo em consideração que, no caso concreto, as bebidas em causa não reúnem os requisitos legalmente exigidos para poderem ser fiscalmente classificadas como “vinho tranquilo”, não podem, consequentemente, ser enquadradas na alínea b) do n.º 2 do artigo 66.º do CIEC.

            Tendo em conta a interpretação legal que propugna e, nomeadamente, jurisprudência comunitária (Processo C-150/08 (Siedbrand)) a AT conclui que, no caso concreto, atendendo aos elementos determinantes, incluindo o título alcoométrico, e restantes características, não se tratando de vinho tranquilo e porque a bebida é subsumível às categorias de “outras bebidas tranquilas fermentadas” no caso das sangrias branco e tinto, e de “outras bebidas espumantes fermentadas”, quanto à sangria de frutos vermelhos, que apresenta um nível de gaseificação semelhante ao de um frisante, fica afastada a sua inclusão nos produtos intermédios, porquanto nesta classificação só se incluem as bebidas que não se integrem nas alíneas anteriores do n.º 2 do artigo 66.º do CIEC.

            A AT suscita, por outro lado, o reenvio a título prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia.

 

Posição da Requerente quanto à matéria de exceção

 

Tendo em conta a defesa por exceção da Requerida, bem como o pedido de reenvio a título prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, para garantir o cabal exercício do direito ao contraditório, a Requerente apresentou a sua posição quanto àquela matéria a 21 de março de 2022 invocando sumariamente o seguinte:

Quanto às exceções de incompetência do tribunal arbitral a Requerente alega, por um lado que, o objeto do presente pedido de pronúncia arbitral são efetivamente os atos de liquidação de IABA, o que também não invalida que constitua também objeto do pedido arbitral a decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de anulação e de reembolso daquele imposto, proferida por Despacho de 03/09/2020 do Sr. Diretor da Alfândega de ... . Sendo que, de qualquer forma, o pedido de reembolso do imposto por erro na liquidação, constitui uma forma de impugnação administrativa do ato tributário, encontrando-se igualmente contemplada a possibilidade, de, em caso de erro na liquidação, a revisão do ato tributário poder ser realizada por iniciativa da Administração. Ou seja, estamos perante um mecanismo semelhante ao previsto no art.º 98.º n.º 2 do Código do IVA e de revisão oficiosa, previsto no art.º 78.º da Lei Geral Tributária (LGT). Concluindo que, neste sentido, caracterizando-se a decisão de indeferimento do reembolso como um ato tributário de segundo grau, pode ser objeto de pedido arbitral, conjuntamente com o pedido de declaração de ilegalidade dos próprios atos tributários de liquidação, na medida em que comportam a apreciação da legalidade dos atos de liquidação.

Por outro lado, quanto à intempestividade do pedido, alega a Requerente que o presente pedido foi apresentado na sequência da decisão proferida pela AT – que indeferiu implicitamente a anulação dos montantes de imposto e a devolução dos mesmos – no prazo legalmente estabelecido no art.º 10.º do RJAT. 28. De facto, e como se referiu, também constitui objeto do pedido a decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de anulação e de reembolso daquele imposto, proferida por Despacho do Sr. Diretor da Alfândega de ..., notificada a 17/09/2021. Sendo que vem expressamente referido na notificação que acompanhou o aludido despacho de indeferimento, segundo a Requerente, que o mesmo poderia ser objeto de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, bem como de pedido de pronúncia arbitral. Pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT, o pedido de constituição do tribunal arbitral pode ser apresentado no prazo de 90 dias contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma, e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal da decisão do recurso hierárquico.

A Requerente termina pugnando pela improcedência das exceções invocadas pela AT.

Quanto ao pedido de reenvio a título prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia entende a Requerida que não se justifica, uma vez que não há divergência de entendimento quanto à interpretação das disposições de direito europeu.

 

Face às posições das partes e à prova documental apresentada, o Tribunal dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a produção de prova testemunhal, tendo concedido prazo para a apresentação de alegações escritas e, ainda, fixado o dia 15 de julho de 2022 como data para a prolação da decisão arbitral; posteriormente, o Tribunal prorrogou por 2 (dois) meses, a partir do seu termo, o prazo para a prolação da decisão arbitral.

 

Das alegações escritas das partes resulta a reafirmação das posições anteriormente assumidas.

 

Por despachos de 14-7-2022 e 16-9-2022, foi prorrogado pelo Tribunal no uso da faculdade prevista no artigo 21º-2, do RJAT, o prazo para prolação e notificação da decisão arbitral final.

 

II.        Saneamento

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e o processo não enferma de nulidades.

 

A Requerida invocou exceções, bem como a suspensão para reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, pelo que o Tribunal, antes de se pronunciar sobre o mérito da causa, deve conhecer daquela matéria:

 

            Da incompetência material absoluta do tribunal arbitral

 

            Em relação a esta exceção suscitada pela AT da incompetência do tribunal arbitral para apreciar a decisão de indeferimento do pedido de reembolso apresentado ao abrigo do artigo 16.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, considerando que, como sumariamente já teve oportunidade de se expor supra, este pedido não consubstancia, na ótica da Requerida, uma impugnação administrativa dos atos de liquidação sub judice, nem da decisão de indeferimento que sobre ele recaiu se reconduz a uma decisão sobre a legalidade dos atos de liquidação, pelo que o tribunal arbitral seria incompetente para apreciar do PPA, cumpre decidir.

            O Requerente fixa a sua pretensão nos atos de liquidação de IABA, objeto da mesma, e na decisão de indeferimento do pedido de reembolso do imposto pago, objeto mediato do PPA.

            Conforme resulta da decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 746/2020-T, a cuja fundamentação se adere, “[o] pedido de reembolso foi formulado nos termos dos artigos 15.º e 16.º do Código dos IEC. Essa primeira disposição prevê especificamente que constitui fundamento para o reembolso do imposto pago o erro na liquidação (n.º 1), permitindo que o reembolso possa ser solicitado pelos sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto (n.º 2). O artigo 16.º acrescenta que o reembolso por erro na liquidação “inclui o erro material e a errónea qualificação ou quantificação dos factos tributários” (n.º 1) e pode ainda ser efectuado, no mesmo prazo, por iniciativa da estância aduaneira competente (n.º 2).”

            Também, tal qual resulta desta decisão, também nos presentes autos, “[…] o pedido de reembolso do imposto por erro na liquidação, a que se referem especialmente os artigos 15.º e 16.º do Código dos IEC, constitui uma forma de impugnação administrativa do acto tributário, encontrando-se igualmente contemplada a possibilidade de, em caso de erro na liquidação, a revisão do acto tributário poder ser realizada por iniciativa da Administração. O que significa que estamos perante um mecanismo de impugnação administrativa por via do pedido do reembolso do imposto semelhante ao previsto no artigo 98.º, n.º 2, do Código do IVA, e de revisão oficiosa equivalente ao previsto nessa disposição e, em geral, no artigo 78.º, n.º 1, da LGT.”

            Pelo que não haverá motivo para considerar que o pedido de reembolso formulado por iniciativa do contribuinte, tal como preveem essas disposições, não seja uma forma de impugnação autónoma do ato de liquidação a que se refere o artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT. “E, nesse sentido, a decisão de indeferimento do pedido de reembolso, caracterizando-se como um acto tributário de segundo grau, pode ser objecto de pedido arbitral, conjuntamente com o pedido de declaração de ilegalidade dos próprios actos tributários de liquidação, na medida em que comportem a apreciação da legalidade dos actos de liquidação (cfr. Serena Cabrita Neto/Carla Trindade, Contencioso Tributário, I vol., Coimbra, 2017, págs. 535-536, e, na jurisprudência, o acórdão do STA de 18 de maio de 2011, Processo n.º 1056/11).”

Acrescentando-se que, na senda daquela decisão, não se compreenderia “[…] que o tribunal arbitral pudesse declarar a ilegalidade dos actos de liquidação, mas não pudesse já estender esse julgamento ao acto de segundo grau que os confirmou, a ponto de se tornar inconsequente a anulação contenciosa do primeiro acto, por via   da manutenção na ordem jurídica de um acto tributário que indeferiu a impugnação administrativa contra ele deduzido.

            Pelos motivos expostos se entende que a decisão de indeferimento do pedido de reembolso, enquanto ato tributário de segundo grau, se enquadra no âmbito da competência dos tribunais arbitrais, à luz do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, quando o objeto imediato do processo seja o pedido de declaração de ilegalidade de um ato de liquidação de tributos, improcedendo, desta forma, a exceção invocada pela Requerida.

            Da intempestividade do pedido arbitral

            Invoca a Requerida, pelos motivos já expostos supra, que sempre haveria que considerar a caducidade do direito de ação por intempestividade do pedido arbitral, uma vez que, os atos de liquidação foram efetuados nos anos de 2018, 2019 e 2020, e tendo o pedido tendente à constituição do tribunal arbitral sido apresentado em 10.11.2021, já terá decorrido quase um ano quanto as liquidações de 2020 e três ou dois anos, relativamente às liquidações de 2018 e 2019, depois da data das liquidações, o mesmo pedido é intempestivo, não podendo o tribunal dele conhecer.

            Cumpre apreciar.

            Tendo em conta a decisão quanto à matéria de exceção, a arguição da Requerida não é procedente.

            A decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de anulação e de reembolso daquele imposto foi notificada a 17/09/2021 e o PPA foi apresentado a 10/11/2021 sendo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT, o pedido de constituição do tribunal arbitral pode ser apresentado no prazo de 90 dias contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 102.º do CPPT, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma, e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal da decisão do recurso hierárquico. O referido art.º 102.º do CPPT, para que remete essa disposição no n.º 1 alínea e), determina que a impugnação seja apresentada no prazo de três meses contados a partir, entre outros factos, da “notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma”. Os atos suscetíveis de impugnação autónoma contam-se, nos termos do disposto no art.º 97.º n.º 1 alínea c) do CPPT, “os atos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação de legalidade do ato de liquidação.”

            Face ao exposto encontra-se cumprido o prazo definido na al. a) do n.º 1 do art. 10.º do TJAT, pelo que o pedido arbitral é tempestivo.

 

            Da suspensão para reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia

 

            A Requerida suscitou o reenvio prejudicial para o TJUE caso se considere a existência de dúvidas sobre a interpretação das nomas de direito europeu.

            No caso em apreço não se suscitou aquela dúvida, mormente quanto aos conceitos de “vinho tranquilo” e “outras bebidas tranquilas fermentadas” pelo que, quanto aos mais em apreço nos presentes autos, só ao tribunal nacional cabe decidir não se justificando, portanto, o requerido reenvio prejudicial.

 

 

            III.      Fundamentação

 

            III. I. Matéria de facto

 

  1. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

  1. A Requerente é um operador na área dos Impostos Especiais de Consumo (IEC), sendo titular do estatuto de depositário autorizado concedido nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), o que lhe permite, de acordo com o tipo de Entreposto Fiscal (EF) que detém, que, no caso, é de armazenagem, entre outras operações, receber e efetuar expedições de produtos sujeitos a IEC, em suspensão de imposto, para outros Estados-membros.
  2. A Requerente, com o NIEC PT..., é titular de um entreposto fiscal de armazenagem situado na área de jurisdição da Alfândega de ..., encontrando-se, por isso, sujeito ao controlo desta estância aduaneira.
  3. A Requerente, enquanto depositário autorizado, opera no sector do Álcool e das Bebidas Alcoólicas estando sujeito às obrigações inerentes ao estatuto de que beneficia, decorrentes do CIEC.
  4. Em 21.06.2021, a Requerente apresentou junto da Alfândega de ... um pedido de reembolso de Imposto sobre o Álcool, as Bebidas Alcoólicas e as Bebidas Adicionadas de Açúcar ou outros Edulcorantes (IABA), ao abrigo do artigo 16.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, que permite o reembolso por erro na liquidação e na qualificação ou quantificação dos factos tributários.
  5. Na sequência do pedido de reembolso, foi solicitado parecer à Direção de Serviços dos Impostos Especiais de Consumo e do Imposto sobre Veículos – Divisão do Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (DSIECIV-DIABA).
  6. A DIABA pronunciou-se sobre o pedido da Requerente nos termos do vertido na informação da mesma Divisão de 05.07.2021, a qual foi remetida para a Alfândega de ... .
  7. A pretensão da Requerente foi inicialmente analisada na Informação da alfândega n.º .../.../CF/202, de 14.07.2021, tendo sido proposto o indeferimento do pedido da A... e sua notificação para exercício do direito de audição prévia nos termos do disposto no artigo 60.º da LGT.
  8. Na sequência do despacho de 14.07.2021, que recaiu sobre a identificada informação, a Requerente foi notificada em 19.07.2021, pelo ofício n.º ..., de 15.07.2021, da intenção de indeferimento do pedido, e para exercer o direito de audição prévia ao abrigo do referido artigo 60.º da LGT.
  9. A Requerente não exerceu o direito de audição prévia.
  10. Sobre aquela Informação recaiu o despacho de indeferimento, de 14.09.2021, do diretor da Alfândega de ..., de indeferimento do pedido de reembolso no montante solicitado.
  11. A decisão de indeferimento do pedido de reembolso foi notificada à Requerente pelo ofício n.º... da Alfândega de ..., de 10.09.2021, o qual foi rececionado em 17.09.2021.
  12. A Requerente apresentou o presente pedido arbitral a 10.11.2021.
  13. As bebidas alcoólicas em apreço nos autos são:
  1. ... Sangria Branco;
  2. ... Sangria Tinto e
  3. ... Frutos Vermelhos.
  1. Até 31.12.2016, as bebidas alcoólicas referidas no ponto anterior, com graduação alcoólica de 8% vol., elaboradas a partir de vinho fermentado a baixas temperaturas e reforçado com essências naturais de frutas e especiarias, encontravam-se sujeitas a IABA à taxa de €0.
  2. A partir de 01.01.2017, e decorrente de uma alteração introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2017, as taxas de imposto aplicáveis aos vinhos tranquilos e espumantes passaram a ser distintas das taxas aplicáveis às outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes.
  3. Manteve-se a taxa de imposto aplicável aos vinhos tranquilos e espumantes, ou seja, a taxa de €0, e passou a estipular-se que “a taxa do imposto aplicável às outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes é de €10,30/hl.”, tendo sido, entretanto, aumentada para €10,44/hl a partir de 01.01.2018.
  4. O título alcoométrico adquirido pelas sangrias referidas no ponto 13. resulta inteiramente de fermentação.

 

  1. Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido considerados provados.

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados e nos documentos juntos pelas Partes, mormente o processo administrativo.

Em relação ao facto dado como provado no ponto 17., o tribunal formou a sua convicção tendo em conta os documentos juntos pela Requerente – em particular os documentos n.ºs 6, 7 e 8 – bem como as explicações técnicas apresentadas pela Requerente no seu articulado em relação ao processo de fermentação e do teor alcoólico obtidos por este processo. O processo de produção descrito nos documentos de forma clara e permite concluir, para qualquer uma das bebidas, que permite concluir, de onde resulta exclusivamente o título alcoométrico, ainda que não se tratem de fichas técnicas, o que, não se tratando de matéria em que se encontre estabelecida certo meio probatório o tribunal formou a sua convicção não tendo dúvidas em relação à prova produzida com aqueles documentos.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

 

            III.II. Matéria de Direito

 

            Tendo em conta a posição assumidas pelas partes e vertidas nas suas doutas peças processuais a questão a apreciar nos presentes autos é o enquadramento fiscal da “Sangria” comercializada pela Requerente para efeitos de IABA.

            Importa apreciar se a sangria se reconduz ao conceito de “vinho tranquilo” ou se é qualificada como outra bebida fermentada o que é relevante para efeitos de taxa a aplicar.

           

            Nos termos do preceituado no art. 66.º do Código dos IEC, quanto à incidência objetiva,

1 - O imposto incide sobre a cerveja, os vinhos, outras bebidas fermentadas, os produtos intermédios e as bebidas espirituosas, genericamente designadas por bebidas alcoólicas, e sobre o álcool etílico, genericamente designado por álcool.

 2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por:

[…]

              b) «Vinho tranquilo» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205, com excepção do vinho espumante, cujo título alcoométrico adquirido resultante inteiramente de fermentação seja superior a 1,2 % vol. e igual ou inferior a 18 % vol.;
[…]

              d) «Outras bebidas tranquilas fermentadas» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206, com excepção dos vinhos, da cerveja e das outras bebidas espumantes fermentadas, cujo título alcoométrico adquirido seja superior a 1,2 % vol. e igual ou inferior a 10 % vol., e ainda os de título alcoométrico superior a 10 % vol., mas não a 15 % vol., desde que, neste último caso, o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação;
              e) «Outras bebidas espumantes fermentadas» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2206 00 31 e 2206 00 39, bem como os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 10, 2204 21 10, 2204 29 10 e 2205, com excepção dos vinhos, cujo título alcoométrico adquirido seja superior a 1,2 % vol. e igual ou inferior a 13 % vol. e ainda os que, tendo um título alcoométrico superior a 13 % vol. mas inferior a 15 % vol., resultem inteiramente de fermentação, que estejam contidos em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo, fixadas por arames ou grampos, ou com uma sobrepressão derivada do anidrido carbónico em solução de, pelo menos, 3 bar;

 

            Neste âmbito, resulta do artigo 72.º do mesmo diploma que a unidade tributável do vinho é constituída pelo número de hectolitros de produtos acabado de vinho tranquilo e espumante sendo que, neste caso, a taxa do imposto aplicável é de €0.

            Sendo que, por sua vez, nos termos do art. 73.º, em relação a outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes:

1 - A unidade tributável das outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes é constituída pelo número de hectolitros de produto acabado.

2 - A taxa do imposto aplicável às outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes é de 10,54 (euro)/hl.

3 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, a taxa do imposto aplicável às outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes, produzidas pelos pequenos produtores e nas pequenas sidrarias, identificados no n.º 2 do artigo 81.º, é a prevista no n.º 2 do artigo anterior.

 

            Cumpre apreciar,

            Na senda decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 361/2019-T

Atendendo à noção de “vinho tranquilo”, acima descrita, relevante para a determinação da incidência objetiva do IABA, podemos distinguir os seguintes requisitos:

(1)          O produto tem de se encontrar abrangido pelos códigos NC 2204 e 2205;

(2)          O título alcoométrico adquirido deve resultar inteiramente de fermentação;

(3)          O título alcoométrico deve ser superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 18% vol..

22.          Da noção de “Outras bebidas tranquilas fermentadas”, resultam os seguintes elementos:

(1)          O produto tem de se encontrar abrangido pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206;

(2)          A bebida não se pode qualificar como vinho, cerveja ou outra bebida espumante fermentada;

(3)          O título alcoométrico deve ser superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 10% vol.; ou

(4)          Se o título alcoométrico for superior a 10% vol., mas não a 15% vol., o álcool contido no produto deve resultar inteiramente de fermentação.

Comparando as duas noções é possível identificar casos em que a qualificação enquanto vinho tranquilo ou enquanto outra bebida tranquila fermentada resulta de forma clara da diferença dos elementos decorrentes das noções acima referidas, mas também encontramos situações de aparente sobreposição que exigem um maior esforço interpretativo.

 

Tal como se extrai da decisão, cuja fundamentação este tribunal perfilha,

“(1) Nos casos em que o produto se encontra abrangido pelo código NC 2206 a qualificação como vinho não se afigura possível. Em todo o caso, o código NC 2206 não se refere, pelo menos de forma direta, a sangria;

(2) Se o título alcoométrico adquirido for superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 10% vol. e o álcool contido no produto não resultar inteiramente de fermentação a qualificação como vinho não é, igualmente, possível.

25.          Desta feita, potencialmente, existe uma área de potencial sobreposição entre as duas qualificações e que se refere às situações:

(1) Abrangidas pelos códigos NC 2204 e 2205;

(2) Em que o título alcoométrico seja superior a 1,2% vol. e não superior a 15% vol.; e

(3) Em que o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação”.

 

Também na opinião deste tribunal “[…] a lei fornece um critério para determinar a qualificação da bebida nos casos de aparente sobreposição identificados. Com efeito, a lei estabelece no artigo 66.º, n.º 1, alínea d) do Código dos IEC que se a bebida se qualificar como “vinho”, não se pode qualificar como outra bebida tranquila fermentada (“Outras bebidas tranquilas fermentadas» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206, com exceção dos vinhos”).

Entende-se que o Código dos IEC, ao excecionar o “vinho”, não remete para uma noção comum desta bebida, nem para outra definição resultante de um instrumento jurídico diferente (e.g., o Regulamento (EU) n.º 251/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26/02/2014). Isto porque o Código dos IEC fornece a sua própria noção de “vinho tranquilo” e “vinho espumante”.

“[O] Código dos IEC estabeleceu as características de cada bebida para efeitos de determinação da incidência objetiva. As definições acima (constantes do Código dos IEC) relevam – com efeito – para efeitos da determinação da incidência objetiva do imposto. Ou seja, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), ambos da Constituição da República Portuguesa o conceito de cada uma das bebidas encontra-se abrangido pela reserva relativa de competência legislativa.”[A]o excecionar os vinhos da noção de outras bebidas tranquilas fermentadas - elemento essencial da incidência do imposto - o legislador estabeleceu um critério interpretativo que deve ser determinável nos termos do mesmo instrumento legislativo (i.e., através da interpretação do Código dos IEC).

Ou seja, o Código dos IEC determina que as categorias “vinho tranquilo” e “vinho espumante” são consideradas categorias fundamentais. Por outras palavras, se a bebida puder ser qualificada com vinho já não será qualificada como “outra bebida tranquila fermentada.

O artigo 66.º, n.º 1, alínea d) do Código dos IEC resulta, aliás, da transposição do artigo 12.º, n.º 1, da Diretiva n.º 92/83/CEE, que determina que são “«Outras bebidas tranquilas fermentadas», os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205 mas não mencionados no artigo 8.º (…)”. Salienta-se, que o artigo 8.º descreve o que se entende por “vinho tranquilo” e “vinho espumante”.

A interpretação conforme à Diretiva clarifica que a exceção prevista no artigo 66.º, n.º 1, alínea d) do Código dos IEC para “vinhos”, na verdade se refere ao “vinho tranquilo” e ao “vinho espumante”. Ou seja, confirma-se que na determinação do que se encontra abrangido pelo conceito de “outras bebidas tranquilas fermentadas” não importa confirmar o que é “vinho”, mas “vinho tranquilo” e “vinho espumante”, i.e., conceitos definidos na Diretiva n.º 92/83/CEE e no Código dos IEC.

Na verdade, o Regulamento (EU) n.º 251/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26/02/2014 refere-se à definição, descrição, apresentação, rotulagem e proteção das indicações geográficas dos produtos vitivinícolas aromatizados, e não – como a Diretiva n.º 92/83/CEE, de 19/10 - à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas. Ou seja, entende este Tribunal que a definição da norma de incidência deverá decorrer inteiramente do Código dos IEC que transpôs a referida Diretiva”.

Tal como resulta naquele processo, também no caso em apreço nos presentes autos, esta interpretação é consistente com a apresentada pela TAXUD em carta assinada por B... de junho de 2017, de onde resulta, sumariamente, que o Regulamento referido não será aplicável relativamente à definição de bebidas alcoólicas sujeitas a impostos especiais de consumo aplicáveis a bebidas alcoólicas; e que a sangria se encontra incluída no Código CN 2205 e pelo CEEC que refere “[a]ccording to Point (3) Section B of Annex II to Regulation (EU) No 251/2014, Sangria is an aromatised winebased drink which is obtained from wine and which has an actual alcoholic strength by volume of no less than 4,5 % vol., and less than 12 % vol. To be noted that, Article 3(3)(g) of Regulation (EU) No 251/2014 indicates that no alcohol can be added in the production of aromatised wine-based drinks except where Annex II provides otherwise, and the definition of Sangria in the Annex does not authorize the addition of alcohol”. (cfr. Docs. N.ºs 9 e 10 juntos com o PPA).

 

Desta forma, importa agora subsumir as características confirmar das sangrias em análise no presente processo que poeriam impedir a sua qualificação como “vinho tranquilo”. Em particular, importa confirmar se o álcool contido no produto resulta inteiramente de fermentação, já que tanto a Requerente como a Requerida concordam que a bebida se encontra abrangida pelo Código NC 2205 (o que, em parte, reduz a importância do Acórdão C-150/08 - Siebrand BV).

Tendo em conta a prova documental junta aos autos (cfr. Docs. N.ºs 6, 7 e 8), bem como as explicações que resultam do articulado inicial da Requerente o tribunal conclui que o álcool contido no produto resulta inteiramente de fermentação.

Assim sendo, este Tribunal conclui que as sangrias em análise no presente processo se podem reconduzir à previsão do artigo 66.º, n.º 2, alínea b) (“Vinho tranquilo”), à qual é aplicada uma taxa de €0, nos termos do artigo 72.º do Código dos IEC.

Daí a total procedência do pedido.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 do CPC [ex vi 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT], será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. 

 

            IV. Decisão

 

Nestes termos, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar totalmente procedente o pedido de anulação do IABA em apreço nos autos no montante de € 145.542,83 e, consequentemente,
  2. Não manter na ordem jurídica o ato de indeferimento do pedido de reembolso proferido pelo Senhor Diretor da Alfândega de ..., por despacho proferido em 14.09.2021 e notificado à Requerente pelo citado Ofício n.º..., de 10.09.2021, sob a epígrafe “Pedido de Reembolso por Erro na Liquidação – Sangria”, com as demais consequências legais e
  3. Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

 

V.        Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de 145.542,83, indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida, correspondente à utilidade económica do pedido – Cfr. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

  1. Custas

           

            Custas no montante de € 3.060,00 a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 26 de setembro de 2022

 

Os árbitros,

 

Presidente

Juiz José Poças Falcão

 

 

Vogal

Dr. Amândio Silva

 

 

 

Vogal (Relatora)

Dra. Marisa Almeida Araújo