ACÓRDÃO ARBITRAL
Processo n.º 860/2021-T
SUMÁRIO:
A interposição artificiosa na contratação e realização de prestação de serviços de uma sociedade comercial, que é desprovida de substância económica ou de razões comerciais válidas e que serviu proeminentemente para a obtenção no período tributário de uma tributação mais favorável em sede de IRC em face daquela que resultaria da tributação dos mesmos rendimentos em sede de IRS, é subsumível à CGAA prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.
Os árbitros Carla Castelo Trindade (árbitro-presidente), Tomás Cantista Tavares e João Menezes Leitão (árbitros-vogais), que constituem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. Relatório
1. A... e B..., respectivamente contribuintes n.ºs ... e ..., residentes na …, n.º …, …, … ... (a seguir, os Requerentes), ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.01, com as alterações posteriores (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a seguir RJAT), apresentaram em 29.12.2021 pedido de pronúncia arbitral, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT), no qual peticionaram a anulação dos actos tributários de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa apresentada em 19.07.2021, de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.ºs 2021 ... e 2021 ... e de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2021 ..., 2021 ... e 2021 ..., e de acerto de contas n.ºs 2021 ... e 2021 ..., referentes aos exercícios de 2016 e 2017, dos quais resultou um valor a pagar respectivamente de € 2.299.281,40 e de € 2.193.212,80, no total de € 4.492.494,20, bem como a restituição das quantias referentes aos indicados actos de liquidação acrescidas dos correspondentes juros à taxa legal em vigor.
2. No pedido de pronúncia arbitral, em conformidade com o previsto nos artigos 5.º, n.º 3, al. b), 6.º, n.º 2, al. b), 10.º, n.º 2, al. g) e 11.º, n.º 2 do RJAT, os Requerentes designaram como árbitro Tomás Cantista Tavares.
Nos termos do n.º 3 do artigo 11.º do mesmo RJAT, a Requerida indicou como árbitro João Menezes Leitão.
A solicitação dos árbitros designados pelas partes, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, al. b) do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou Carla Castelo Trindade como Árbitro-Presidente.
As partes foram devidamente notificadas destas designações, às quais não se opuseram nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
3. Nos termos do n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, e conforme comunicação do Senhor Presidente do CAAD, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 29.03.2022.
4. No pedido de pronúncia arbitral (a seguir, petição inicial ou PI), os Requerentes invocam que a mobilização pela AT da denominada Cláusula Geral Anti Abuso (CGAA) consagrada no n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária para “promover uma liquidação na esfera pessoal do (...) Requerente A... com base na ideia de que as prestações de serviço pagas pela C... (doravante, C... ou C...) à sociedade de que é sócio maioritário – a D... Lda. (D...) – se devem considerar como prestadas directa e pessoalmente pelo próprio Requerente, pelo que é em sede de IRS, e não do IRC da sociedade, que a tributação deve ocorrer” (art. 1.º da PI) carece de fundamento, é errada quanto aos seus pressupostos e sem qualquer arrimo na CGAA, pelo que “a liquidação em que redundou a correcção proposta pela AT é incontornavelmente ilegal” (art. 2.º da PI).
4.1. Em sustentação da ilegalidade por impossibilidade de subsunção da situação em apreço à CGAA que assim é invocada, os Requerentes alegam, nomeadamente, o seguinte:
i) “a 23 de Setembro de 2014 o Requerente foi anunciado como novo responsável pelos serviços técnicos de supervisão e coordenação de todas as selecções nacionais da C..., bem como pela orientação e preparação da Selecção Nacional ... (em linguagem corrente, como seleccionador de Portugal) com vista à qualificação para a fase final do Campeonato da Europa de 2016 e, sendo bem sucedida essa qualificação, na orientação e preparação da selecção nessa fase final” e foi, assim, entre a D... e a C... “celebrado o contrato que assegurou a prestação. E foi assim porque a própria C... o propôs em função das preocupações que então manifestou de não querer assumir a contratação dos demais elementos da equipa técnica, seja porque não pretendia mais que um interlocutor, seja porque uma eventual cessação do contrato seria mais simples (sendo de sublinhar que esta não era, no contexto, uma preocupação despicienda atendendo às circunstâncias do próprio A..., que havia sido suspenso por oito partidas oficiais, e em caso de não redução dessa suspensão, a cessação do contrato era mesmo o desfecho provável)” e “em função dessa preocupação da C..., não era manifestamente adequado e convencional que semelhante obrigação fosse assegurada pessoalmente. O comum é justamente fazê-lo através de uma sociedade, que tem uma estrutura adequada, que contrata os serviços e as pessoas que tiver a contratar, e que logra cumprir, depois, com o seu «cliente»”, pelo que coube, pois, à D... “nos termos dos aludidos contratos com a C..., assegurar a prestação de serviços de todos os elementos que haveriam de integrar a equipa técnica responsável pela completa prestação de serviços em causa, o que cumpriu integralmente” (arts. 30 a 33.º da PI);
ii) “O actual presidente da C..., o Dr. E... quando, em 17 de Dezembro de 2011, tomou posse enfrentou um quadro muito específico no que às selecções e ao tema do seleccionador nacional e respectiva equipa técnica diz respeito” – “em Dezembro de 2011, era responsável técnico da Selecção Nacional ..., F... que, por sua vez, na sequência da participação da Selecção Nacional na fase final do campeonato do mundo de 2010, na África do Sul, havia sucedido a G...”; “Se F... – que se manteve em funções no novo mandato presidencial – se dedicava à qualificação e preparação da fase final do Campeonato da Europa de 2012 a ter lugar na Polónia e Ucrânia, G... mantinha com a C... um litígio decorrente da sua saída logo após a eliminação da Selecção Nacional na fase final do Campeonato do Mundo de 2010”, “processo esse que só se veio a resolver por via de um acordo extrajudicial celebrado em 16 de Setembro de 2012”; na sequência da primeira partida da fase de qualificação para a fase final do Campeonato da Europa de 2016, “a Direcção da C... decidiu pôr termo à relação contratual com o seleccionador F... e respectivos elementos da equipa técnica”, decisão que “correspondia, no fundo, a várias decisões – tantas quantos os elementos que compunham a equipa técnica de F... e que, naturalmente, também deixariam de prestar serviços à C...”, pelo que “[h]ouve, portanto, que encetar vários e diferentes processos de negociação (com incidências e desfechos diferentes) para que se lograsse os acordos necessários à concretização da decisão de mudar o responsável pela equipa técnica que liderava as selecções nacionais (e todos os demais elementos que, naturalmente, são sempre da confiança do principal responsável)” (arts. 42.º a 50.º da PI).
iii) Estes processos de termo da relação contratual com os anteriores seleccionadores F... e G... e respectivos elementos das equipas técnicas “deixaram a firme convicção na C... de que o modelo de contratação até então seguido não era o mais conveniente aos interesses da própria C...”; “Seja pelos termos de um eventual acordo de rescisão, seja sobretudo pela «proliferação» de interlocutores com que havia que lidar, seja também pela indefinição e incerteza que gerava em prejuízo da margem de decisão da Direcção, a C... percebeu que no futuro o modelo a seguir haveria de ser outro” (arts. 51.º a 53.º da PI).
iv) Foi nestas circunstâncias que surgiu “a hipótese e o interesse de a C... assegurar, junto da D..., os serviços de A..., cuja estrutura estaria disponível”, no que não esteve em causa “a modalidade de prestação de serviços – já tinha sido essa a opção nos contratos com o F...”, mas o que “foi diferente – intencionalmente diferente – foi a opção por a C... ter uma só contraparte e não quatro ou cinco contrapartes, consoante o número de adjuntos, e por essa razão o contrato se celebrou com a D... e não com cada um dos elementos da equipa técnica enquanto pessoas individuais”, pois que “o objectivo não era apenas o de assegurar que seria A... o novo responsável pelos serviços técnicos de supervisão e coordenação de todas as selecções nacionais da C..., bem como, pela orientação e preparação da Selecção Nacional ... com vista à qualificação para a fase final do Campeonato da Europa de 2016 e, depois, na orientação e preparação da selecção nessa fase final; A ideia que a C... impôs foi a de que caberia à contraparte (e não à C...) a contratação de todos os elementos que viessem a integrar a equipa técnica, obedecendo a uma lógica de que à C... interessava um serviço único, mesmo sabendo que haveria de se cumprir com mais recursos e elementos”, “E, portanto, estava em causa, assegurar que a C... teria apenas uma contraparte no que à equipa técnica dizia respeito e, do mesmo modo, pagaria uma contrapartida única, cabendo a A..., através da sua sociedade, a formação, contratação e fixação das condições contratuais relativas à equipa que lideraria, que, aliás, nem sequer são conhecidas pela C...” (arts. 54.º a 60.º da PI).
v) “a preocupação por uma contraparte única como cautela num cenário de cessação do contrato, estava especialmente presente atenta a especificidade que envolvia a pessoa de A..., e que resultara das circunstâncias em que terminou a participação da ... (e a sua, enquanto responsável técnico daquela selecção) no Mundial de 2014 no Brasil”, dado que “foi expulso e subsequentemente sancionado pela FIFA com a pena de suspensão por oito partidas oficiais”, pelo que para a C... “esta limitação de que padecia A... na assunção, em pleno, da função de responsável pela selecção portuguesa – porque representaria forçosamente a ausência do banco em todas as partidas que a selecção portuguesa tinha de disputar na fase de qualificação para o Campeonato da Europa de 2016 e, inclusivamente, na primeira partida da fase final – podia ser impeditiva de um acordo ou, pelo menos, da prossecução da relação contratual com a D... se, porventura, essa sanção não fosse relevantemente reduzida” e, assim, foi “introduzida também nas negociações esta preocupação, que, na hora da formalização, mereceu menção expressa no contrato que veio a ser celebrado” (arts. 61.º a 64.º da PI).
vi) “Do ponto de vista de A..., aquilo que lhe pediam apenas poderia funcionar bem no quadro de uma sociedade. Do ponto de vista da C..., uma sociedade era mais conveniente e, por isso, propôs essa solução. No fundo, as vantagens que se procuravam eram simplesmente de natureza operacional e de responsabilidades jurídicas” – “O que de facto a C... não queria era correr o risco de, terminado o contrato antes do seu termo previsto, ter de negociar indemnizações com os diferentes elementos da equipa técnica que nem sequer escolhera, nem com eles negociara a respectiva remuneração” (arts. 65.º e 66.º da PI).
vii) “Não era uma ideia original, sofisticada ou complexa. Afigurava-se, sim, como mais própria atendendo àquele propósito de lhe caber a contratação dos serviços dos demais elementos que viessem a integrar a equipa técnica”; “A essa proposta não se opunha qualquer obstáculo de natureza regulamentar, uma vez que não havia (nem há) qualquer disposição regulamentar em matéria desportiva (nacional e internacional) que impedisse a contratação de um responsável técnico pelas selecções através de uma sociedade”; “Também não se opunha qualquer razão de ineficiência – operacional, legal, fiscal ou outra. Bem pelo contrário.”; “Aliás, a solução aqui adoptada não é em nada distinta de outras tão comuns no tráfego jurídico e nas relações comerciais entre prestadores de serviços e os seus clientes”; “Tanto se pode dar o exemplo dos médicos, dos economistas, dos contabilistas, quando organizados em sociedades, como dos engenheiros ou arquitectos ou quaisquer outros profissionais” (arts. 67.º a 71.º da PI).
viii) “Por sugestão da C..., tendo em conta a sua conveniência, e existindo já a D... (sociedade já constituída anteriormente e em cujo capital participava) o Requerente achou natural que devia ser ela a assumir a prestação pretendida pela primeira”; “À D... coube, depois, e por sua vez, assegurar a prestação de serviços dos demais elementos que vieram a compor a equipa técnica. E para isso celebrou os contratos devidos e suportou os respectivos encargos” (arts. 76.º e 77.º da PI).
ix) “Por vontade do aqui Requerente foram, aliás, expressamente mencionados no contrato todos os elementos que vieram a integrar a equipa técnica que assegurou os serviços contratados pela C.... Essa menção, contudo, não representou – no espírito do contrato celebrado entre a D... e a C... e, portanto, na formação e na declaração de vontade que cada um expressou – qualquer escolha, imposição ou condição por parte da C...”, pois “À D... assistiu toda a margem para escolher, contratar, fixar os prazos, as condições remuneratórias, manter ou alterar, relativamente a cada um dos elementos que assegurou os serviços à C... e que A... liderou (aliás, a C... não conhece sequer as condições contratuais que, depois, a D... veio a fixar com os diferentes elementos cujos serviços contratou)” (arts. 79.º e 80.º da PI).
x) “De acordo com doutrina corrente – e de acordo, também, com a prática recorrente da AT –, o n.º 2 do artigo 38.º exige a verificação de quatro elementos essenciais”: “O primeiro é o elemento «meio»: trata-se da via concretamente escolhida pelo sujeito passivo – actos ou negócios jurídicos com uma determinada configuração e sequência – para alcançar um objectivo económico identificável. O segundo é o elemento «resultado»: afigura-se como indispensável que a celebração daqueles actos ou negócios se venha a traduzir na obtenção de uma vantagem fiscal — isto é, na eliminação, redução ou diferimento temporal dos impostos. O terceiro pressuposto da norma em análise é constituído pelo elemento «intelectual»: a motivação fiscal deve apresentar-se como o propósito único, essencial ou principal do sujeito passivo para celebrar ou praticar aqueles negócios ou actos daquela específica forma ou com aquela particular sequência. Finalmente, encontramos o elemento «normativo», o qual exige que a actuação do contribuinte mereça uma reprovação normativo-sistemática, por se ter traduzido num abuso de formas jurídicas, isto é, na utilização de meios jurídicos que tipicamente – ou segundo os dados da experiência - não são utilizados para a prossecução dos objectivos económicos realmente pretendidos”; “Verificados todos os pressupostos elencados, pode então a AT, em cumprimento do elemento «sancionatório» da CGAA, determinar a ineficácia, no campo tributário, dos actos ou negócios efectivamente verificados, fazendo aplicar ao caso concreto as consequências próprias dos tipos que normalmente seriam realizados em função dos referidos objectivos económicos substanciais” (arts. 100.º a 105.º da PI).
xi) Assim, “a fundamentação da AT precisava de provar: i) que o contrato celebrado entre a C... e a D... em si mesmo constitui um abuso de formas jurídicas, na medida em que essa via concretamente utilizada não constitui o meio normal ou adequado para se alcançar o verdadeiro objectivo económico almejado pelas partes, ii) que essa desadequação entre meio e fim, à luz das regras da experiência, só pode ser explicada por se encontrar ao serviço de um propósito eminentemente fiscal, pela intenção de lograr uma vantagem que os meios normais ou típicos não assegurariam; iii) que o carácter inusitado ou incomum da via prosseguida pelo contribuinte merece uma censura do ponto de vista do espírito do sistema fiscal, ao ponto de lhe serem recusadas as consequências tributárias decorrentes da aplicação literal das normas, que devem ser substituídas pelas que corresponderiam a um comportamento normal, eliminando-se assim a vantagem fiscal concretamente obtida” (art. 106.º da PI).
xii) “O primeiro problema da fundamentação da AT é que, bem entendida a CGAA (...), os factos de que aqui se cuida não cabem, de todo, na sua letra e no seu escopo: não foi para casos deste tipo que ela foi pensada, pelo que, mais do que um erro de percepção da situação de facto concreta, estamos perante um erro grosseiro de interpretação e de aplicação da norma — da sua função e do seu conteúdo (a AT entende que na CGAA se enquadram situações que, de todo, não fazem parte do seu campo de aplicação)” (art. 107.º da PI).
xiii) “Muito diversamente do que vem plasmado no RIT, não se verifica no caso presente qualquer actuação abusiva imputável ao Requerente quanto à escolha de uma sociedade – a D... – para através dela prestar à C... os serviços por esta pretendidos” – “Não há nada de mais comum, normal, natural até, do que prestar serviços (e não há, no caso, qualquer dissenso sobre a natureza da prestação de serviços) através de uma sociedade!”, “Pois do que se trata é da opção do Requerente em organizar a actividade empresarial e multifacetada a que se dedica através de uma sociedade apta para o efeito, à semelhança de qualquer outra sociedade, com o objecto social de prestação de serviços”; “A D..., de que o Requerente é o principal sócio, é uma sociedade constituída com o propósito de concentrar investimentos (como em participações sociais noutras sociedades ou imóveis) e de prestar serviços em eventuais relações comerciais” (arts. 108.º a 112.º da PI).
xiv) “Em abstracto, como facilmente se percebe, A... poderia prestar os seus serviços individualmente ou através de uma sociedade, sendo que – como acontece com a generalidade dos profissionais –, a sua escolha é eminentemente livre e insindicável, à luz do direito de iniciativa privada e da liberdade de conformação dos negócios ou actividades profissionais”, mas “No caso concreto, contudo, essa liberdade de escolha do meio resultou fortemente limitada pelas pretensões e exigências da C...: a prestação de serviços a título individual, por parte de A..., não seria minimamente adequada para dar cumprimento aos objectivos visados pela contraparte”, pois “quando surgiu o desafio por parte da C..., esta tratou de exigir que só ao responsável máximo competiria a contratação de todos os elementos que viessem a integrar a equipa técnica: a C... pretendia uma prestação de serviços composta, que implicava o contributo de várias pessoas, mas apenas queria vincular-se a uma parte, e não também a cada um dos elementos da equipa técnica, porque justamente receava a repetição dos litígios ou pré-litígios e negociações relativos às equipas de F... e G..., no momento futuro e eventual em que quisesse proceder à sua desvinculação” “E, no caso específico, ambas as partes sabiam que essa desvinculação poderia mesmo ocorrer se a suspensão que pendia sobre A... não fosse reduzida relevantemente”; “A... poderia, é certo, proceder ele próprio à contratação de uma equipa técnica, assegurando-se de que nenhum deles pudesse algum dia vir a invocar uma relação profissional com a C..., tal como esta expressamente impunha”, “Essa via, contudo, mostrava-se desnecessariamente complexa, do ponto de vista jurídico, e não eliminava em absoluto os riscos que o cliente (C...) não queria de todo correr”; “A ideia de encarregar a D... de assegurar a prestação de serviços dos demais elementos que vieram a compor a equipa técnica, celebrando os contratos com esses intervenientes necessários e gerindo essas relações, suportando todos os encargos com a prestação de serviços, e, em suma, mantendo-se como a única entidade vinculada junto da C..., mostrou-se como a solução mais óbvia e mais adequada” (arts. 112.º a 118.º da PI).
xv) Era “uma opção perfeitamente legítima e racional do ponto de vista económico e da gestão dos interesses das partes envolvidas” em que estamos “perante uma sociedade com uma organização de meios capaz de cumprir as suas obrigações contratuais e que permitia conciliar os interesses dos intervenientes relevantes: por um lado, o Requerente, enquanto sócio e gerente da D..., garantia a sua intervenção enquanto a pessoa eleita pela C... para treinar a Selecção Nacional ...; por outro lado, a C... não teria de se vincular contratualmente com a restante equipa técnica, e obtinha a prestação de serviços global que pretendia e sob a coordenação de quem pretendia” – “O desenvolvimento da actividade de prestação de serviços pela D... assentava, assim, em razões económicas válidas; melhor se dirá, até, que ela se afigurou como a única forma capaz de lograr satisfazer os requisitos do cliente C..., uma vez que todas as alternativas se revelavam complexas ou mesmo arriscadas” e “À semelhança do que sucede com diversos profissionais, a opção por centralizar as actividades de prestação de serviços numa sociedade vocacionada para esse fim está a coberto de razões económicas válidas e é pacificamente aceite como uma forma legítima de organizar qualquer actividade profissional” (arts. 119.º a 123.º da PI);
xvi) “no ordenamento jurídico português, vigora o princípio da liberdade de prestação de serviços (que encontra também arrimo no direito comunitário)” que está consagrado no Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de Julho, o qual transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro, relativa aos serviços no mercado interno” e o que a AT pretende “é impedir o Requerente de prestar serviços através de uma sociedade, como se esta concreta prestação apenas fosse admissível a título individual, só porque os organismos internacionais que regulamentam o futebol exigem «alegadamente» um tipo de certificação individualizada” e “pretende-o apesar de saber que não existe qualquer disposição legal ou regulamentar que imponha essa prestação segundo uma determinada forma, uma vez que naturalmente não a invoca nem lhe faz alusão” (arts. 127.º a 134.º da PI).
xvii) “não é possível sustentar que nos encontramos perante «meios artificiosos ou fraudulentos» ou «abuso das formas jurídicas» em casos como o dos autos: o Requerente poderia sempre escolher, dentro da lei, a forma que preferisse para executar a prestação que dele se pretendia obter; e, na sua circunstância concreta, as exigências colocadas pelo seu cliente tornavam mesmo difícil ou desadequado optar por outro meio que não fosse a forma societária”; “Não foram, pois, artificiosos ou fraudulentos e realizados com abuso de formas jurídicas os actos do Requerente: todos eles tiveram subjacentes razões economicamente válidas e correspondem às práticas normalmente adoptadas por inúmeras actividades profissionais, não representando, desse modo, a violação do programa normativo de qualquer norma ou sistema de normas fiscais” (arts. 136.º a 142.º da PI);
xviii) “no plano do chamado elemento normativo – a factualidade dos autos configura um caso típico de situações que se encontram fora do perímetro de aplicação da CGAA, não podendo através dela ser censurada”; “Antes de mais, estão-lhe subjacentes operações com objectivos empresariais e fundamentos económicos genuínos e lícitos”; “Na situação em causa de prestação de serviços, as formas jurídicas utilizadas visaram o fim de cumprirem a sua vocação habitual e os seus efeitos típicos, no contexto da sua natural «funcionalização», e revestiram uma substância legítima e real. A opção entre a convencional forma societária e a igualmente convencional via pessoal, cumprem (ambas!), sem artifícios e sem caminhos inusitados, a vocação habitual de prestação de serviços”, “Pois, ao invés, as situações que cabem no âmbito da CGAA são aquelas em que são utilizadas formas jurídicas insólitas, absolutamente impróprias, em que há uma total ausência de finalidades económicas inteligíveis, ou, pelo menos, uma total divergência entre o fim económico logrado e o fim para o qual o negócio e/ou a norma mobilizados foram pensados pelo legislador” e “Não se pode, através da CGAA, proibir a realização de um qualquer fim, nem prescrever a adopção de certas formas jurídicas para a realização de determinados fins como o pretende fazer a AT na situação vertente” (arts. 145.º a 149.º da PI);
xix) “aos actos ou negócios jurídicos praticados pelo Requerente não estiveram subjacentes razões de natureza fiscal: eles não foram essencial ou principalmente dirigidos à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios” (art. 153.º da PI);
xx) “A taxa efectiva de imposto da D... em IRC foi (...) de 24% (23,99% em 2016 e 23,94% em 2017) considerando o lucro tributável apurado, a colecta total e a derrama municipal suportada”; “A D... suportou ainda tributação autónoma no valor de € 4.783,17 e de € 11.414,27 em 2016 e 2017 (...)”; “Em 2016 a D... apurou o resultado líquido do exercício de € 2.836.678,26, e em 2017 de € 2.615.983,98, resultados esses que não foram distribuídos aos sócios, mas que serão certamente distribuíveis no futuro, quando os sócios entenderem ser conveniente, de acordo com os seus projectos e a boa gestão da sociedade” – “Nesse momento (ie., aquando da distribuição de dividendos, porque é esse o meio próprio para fazer chegar à esfera das pessoas singulares o resultado da sociedade), os sócios (os Requerentes) serão tributados em IRS à taxa de 28% sobre a totalidade dos dividendos distribuídos ou, optando pelo englobamento, serão tributados em metade do seu valor de acordo com as taxas gerais e progressivas previstas no artigo 68.º do CIRS, o que resultará numa taxa efectiva de imposto de 26,5% (cfr. artigos 40.º A e 72.º do CIRS). Acrescerá ainda a taxa adicional de solidariedade nos termos do artigo 68.º A do CIRS: acima de € 80.000 e até € 250.000 a taxa é de 2,5%, e acima de € 250.000 é de 5%”; “Neste quadro, quando forem tais resultados distribuídos, serão os Requerentes tributados em IRS de acordo com estas regras e, em termos globais ou integrados (IRS e IRC), o resultado da D... mostrar-se-á tributado a uma taxa efectiva de imposto de 55% ainda que os Requerentes venham a optar pelo englobamento dos rendimentos em IRS, conforme se demonstra no quadro seguinte:
cálculos estes que “são eloquentemente aptos a demonstrar que não existem vantagens fiscais efectivas quando analisada no seu conjunto a tributação em IRC e IRS, e que o alegado diferimento da tributação que a AT entendeu ter sido o fim visado no presente caso não acarreta uma vantagem fiscal real e significativa” (arts. 158.º a 163.º da PI).
xxi) “Por opção do legislador – por definição, se se quiser –, a escolha da forma societária, em si mesma, jamais poderá ser considerada um abuso, para os efeitos do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, já que ela nem sequer é apta a produzir uma vantagem fiscal palpável”; “É por isso que, admitindo-se que, por exemplo, os resultados realizados venham a ser distribuídos daqui a, digamos, 5 anos, a eventual vantagem resultante daquilo a que a AT chama «diferimento» não será outra que não uma vantagem exclusivamente financeira, medida pela simples aplicação de uma taxa de desconto (ou de juro)”; “Além do mais, como não se pode ignorar, mesmo colocando-nos na perspectiva da AT, o facto de a actividade ser desenvolvida por uma sociedade traz, em si, uma desvantagem para o Requerente, que praticamente anula a que possa resultar do citado «diferimento»: não sendo distribuído o resultado, também ele arca forçosamente com a privação dessa liquidez na sua esfera pessoal”; “Tal significa que dificilmente se concederá que se tenha promovido uma actividade de prestação de serviços através de uma sociedade tendo em vista o suposto «diferimento da tributação», porque bem se sabe que isso significa fatalmente a privação de liquidez, a qual, em vez de estar nas mãos do Requerente, estará antes na esfera da sociedade”; “Aliás, por outro lado, se a vantagem fiscal é constituída pelo diferimento – recte, pela possibilidade de deixar para mais tarde o pagamento de uma segunda fracção de imposto correspondente aos lucros retidos e não distribuídos –, então essa vantagem existe sempre para qualquer tipo de sociedade comercial!”, pelo que “a seguir a lógica da AT, todas as sociedades comerciais existentes em Portugal estariam expostas, só por isso, à aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso: é que as respectivas actividades também poderiam ser exercidas, em regra, a título individual; todas seriam passíveis de tributação na categoria B do IRS; todas, enfim, representam, na óptica da AT, um «diferimento» ilegítimo da tributação dos lucros retidos e não distribuídos” (arts. 166.º a 173.º da PI).
xxii) Muito embora a “a AT não te[nha] qualquer legitimidade – tê-lo-ia o Instituto da Segurança Social – para vir insinuar que determinado ato ou negócio jurídico de um contribuinte teve em vista diminuir as contribuições obrigatórias para a Segurança Social”, “[t]endo em consideração os valores suportados a título de contribuições para a Segurança Social pela D... e aquelas que seriam devidas à luz do regime contributivo aplicável aos trabalhadores independentes, a conclusão a que se chega é a de que nesta última situação seria suportada uma carga contributiva inferior à que efectivamente foi suportada pela D...:
pelo que “não é verdade que a «interposição da D...» tenha originado uma poupança contributiva à D... ou ao Requerente” (arts. 190.º a 204.º da PI).
xxiii) Como, em suma: “a) Os «actos ou negócios» jurídicos que a AT questiona não sugerem qualquer concatenação entre si (muito menos qualquer concatenação artificial), não se achando unidos pelo «denominador comum» invocado pela AT: o «parqueamento de rendimentos» para com isso obter uma vantagem fiscal traduzida no diferimento da tributação dos rendimentos em IRS; b) As operações jurídicas que a AT coloca em crise têm um substrato não fiscal perfeitamente identificável, tendo sido realizadas por razões economicamente válidas (...); c) Ao contrário do que defende a AT, «a interposição da D...» não constitui nenhuma forma anómala, inusual ou artificiosa, mas tão só um meio totalmente lícito e comum de organização de uma actividade económica com vista aos fins já amplamente enunciados; d) Não foi para obter uma vantagem fiscal comparativa que a D... celebrou o contrato de prestação de serviços com a C... mas visou-se tão só garantir uma organização de meios e recursos conciliadora dos interesses de todas as partes; e) Não se verificando a fattispecies do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, não pode também ter lugar a consequência aí prevista («São ineficazes no âmbito tributário (…) efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas»)” e, consequentemente, as “liquidações objecto da presente Pedido de Pronúncia Arbitral e, bem assim, o indeferimento tácito da Reclamação Graciosa que visava esses actos de liquidação, são ilegais, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 38.º da LGT e no artigo 63.º do CPPT” (arts. 205.º e 206.º da PI).
4.2. A título subsidiário, para o caso de os fundamentos anteriormente expostos não serem procedentes, invocam os Requerentes, nos arts. 208.º a 218.º da PI, que “pelo menos, devem as liquidações adicionais do IRS de 2016 e 2017 ser totalmente anuladas desconsiderando-se do valor do IRS a pagar o imposto suportado pela D... em sede do IRC, o que se imporia apurar”, porquanto:
i) a D... suportou IRC, derrama estadual, derrama municipal e tributações autónomas, sendo que “as liquidações do IRS dirigidas aos Requerentes não tomaram em consideração o IRC suportado pela D... por referência aos mesmos rendimentos (e despesas para efeitos de tributação autónoma), motivo pelo qual estão também feridas de clamorosa e incompreensível ilegalidade o que, portanto, as inquina na sua totalidade”;
ii) “há uma parte de imposto (o IRC suportado pela D...) que não seria suportado se ab initio os rendimentos fossem auferidos pelo Requerente enquanto rendimento empresarial e profissional (Categoria B) do IRS”;
iii) “Ao não considerar o IRC já suportado pela D... relativamente aos rendimentos de que aqui se trata, a AT não está a actuar de acordo com o comando previsto no n.º 2 do artigo 38º: não está verdadeiramente a eliminar a vantagem que erradamente julga ter fundamentado no RIT; está a impor ao binómio A.../D... uma tributação global largamente superior à que o primeiro teria de suportar se tivesse recebido directamente os citados rendimentos”, sendo que “de nada vale lembrar que a D... disporá de meios processuais para que lhe seja restituído o IRC efectivamente pago: o n.º 2 do artigo 38.º da LGT apenas autoriza a AT a proceder à eliminação da vantagem que detectou, o que sempre implica o apuramento da diferença entre o imposto que deveria ser pago e aquele que efectivamente foi entregue nos cofres do Estado; é à AT que incumbe apurar apenas uma diferença, e não ao contribuinte ressarcir-se mais tarde por eventuais excessos”;
iv) “deverão as liquidações adicionais do IRS ser anuladas – e, na mesma medida, o indeferimento tácito da Reclamação Graciosa que as impugnou – por forma a que seja descontado o IRC (IRC, derrama estadual, derrama municipal e tributação autónoma) suportado pela D... relativamente aos rendimentos e despesas que estão a ser considerados na matéria colectável do Requerente em IRS, com todas as consequências legais, inclusivamente o recálculo dos juros compensatórios em virtude de a colecta do IRS diminuir em conformidade, o que se requer subsidiariamente”.
4.3. No que concerne especificamente às liquidações de juros compensatórios, para além de peticionarem a sua anulação consequencial à anulação das liquidações adicionais de imposto impugnadas, invocam os Requerentes que tal liquidação de juros compensatórios é ilegal por violação do disposto no n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRS, pois como a sua posição é sustentada em divergências, válidas e fundamentadas, quer de facto, quer de direito, relativamente à análise empreendida pela AT, não pode ser formulado qualquer juízo de censurabilidade a título de dolo ou negligência contra si, assim como é ilegal por erro quanto ao pressuposto do artigo 35.º da LGT, pois, como está em causa uma intervenção da AT no uso da Cláusula Geral Anti-Abuso, isso implica admitir, à luz das normas de incidência de imposto, por um lado, e que fixam as denominadas obrigações declarativas, por outro, que não houve qualquer ilegalidade, e que não há qualquer conduta censurável, seja a que título for, já que “sem a intervenção da AT não havia meio ou suporte para promover a liquidação aqui reivindicada, até porque esta não corresponde à aplicação dos tipos normalmente aplicáveis nem aos negócios legal e formalmente realizados de forma válida” e “A..., aqui Requerente, não poderia simplesmente declarar em sede de IRS o que não recebeu; e a D... não podia deixar de declarar o resultado que efectivamente apurou” e, assim, a “obrigação, para o contribuinte atingido, nasce simplesmente com a mobilização da CGAA, não se podendo dizer que legalmente estava obrigado a outro comportamento em face dos factos” (arts. 219.º a 235.º da PI).
4.4. Para prova da factualidade alegada, os Requerentes arrolaram como testemunhas, a apresentar, E... e H..., ambos com domicílio profissional na …, …, … – ….
5. A AT apresentou, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, resposta (a seguir abreviadamente R) em que se defendeu por impugnação, designadamente mediante a convocação do Relatório de Inspecção Tributária (a seguir RIT), dado, aliás, como integralmente reproduzido (vd., v.g., arts. 3.º, 65.º, 67.º, 68.º, 69.º, 99.º e 165.º da R), e peticionou a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado, dado os actos de liquidação impugnados estarem legalmente legitimados, e a sua consequente absolvição dos pedidos formulados.
5.1. Em especial, alegou a Requerida o seguinte:
i) “Os contratos celebrados entre a D... e a C... dispõem que as prestações de serviços deveriam ser realizadas através das pessoas neles designadas e não por qualquer outro profissional escolhido pela sociedade contratada, o que determinaria que os técnicos nomeados pela C... não poderiam ser substituídos por outros no desempenho das suas funções (sem o consentimento prévio, por escrito, da C...)”; “Ao abrigo dos referidos contratos com a C..., a D... recebeu, em 2016 e 2017, descontado dos montantes transferidos para as sociedades detidas pelos restantes elementos da equipa técnica, um total de € 7,624,322.33 (€10.146.614,32- € 2.522.291,99)”; “O modelo contratual utilizado, consubstanciado na substituição da contraparte no contrato celebrado com a C..., do Requerente pela D..., possibilitou que os rendimentos atribuídos pela C... fossem sujeitos a uma taxa de tributação inferior à que resultaria da tributação em IRS dos mesmos rendimentos, enquadrados na categoria B (artigo 3.º do CIRS) e, como tal sujeitos a englobamento, com a aplicação das taxas progressivas, e, em simultâneo, permitiu a ambas as partes, a diminuição do nível das contribuições para a segurança social”; “Outro benefício associado à opção por esta solução contratual traduziu-se, na aplicação do regime de dedutibilidade de gastos consagrado no CIRC que, relativamente a certos tipos de despesas, é mais amplo do que o previsto no quadro do IRS para os rendimentos da categoria B, em particular no tocante os encargos referidos no n.º 1 do artigo 33.º do CIRS”; “Do acima aduzido resultou a obtenção pelo Requerente de uma vantagem fiscal, nos anos de 2016 e 2017, no montante total de €2.045.355,51 (€1.033.676,46+€1.011.679,05), originada pelo modelo contratual utilizado, benefício que manifestamente sobrelevou quaisquer outros que eventualmente possam ter sido considerados pelas partes, o que permitiu concluir com propriedade que o principal objectivo se reconduziu às vantagens fiscais e contributivas proporcionadas pelo mesmo, estando, deste modo, preenchidos os pressupostos que legitimaram a aplicação da cláusula geral anti-abuso (doravante, CGAA)” (arts. 28.º a 38.º da R).
ii) A “prova dos factos não se faz pela insistência nem tão pouco com meras alegações e suposições, antes pela sua demonstração, que deve assentar antes de mais na realidade”, pelo que, “a mero título de exemplo, deverão ter-se como não provadas as seguintes asserções feitas no ppa: a. (30.º) «Entretanto, a 23 de Setembro de 2014 o Requerente foi anunciado como novo responsável pelos serviços técnicos de supervisão e coordenação de todas as selecções nacionais da C..., bem como pela orientação e preparação da Selecção Nacional ... (em linguagem corrente, como seleccionador de Portugal) com vista à qualificação para a fase final do Campeonato da Europa de 2016 e, sendo bem sucedida essa qualificação, na orientação e preparação da selecção nessa fase final.» - Todas as notícias da altura dão conta do anúncio de A... como “seleccionador nacional” e não, como o ppa afirma, «responsável pelos serviços técnicos de supervisão e coordenação de todas as selecções nacionais da C...»; b. (65.º) «Do ponto de vista de A..., aquilo que lhe pediam apenas poderia funcionar bem no quadro de uma sociedade. Do ponto de vista da C..., uma sociedade era mais conveniente e, por isso, propôs essa solução. No fundo, as vantagens que se procuravam eram simplesmente de natureza operacional e de responsabilidades jurídicas.» - Não se poderá dar como provado, primeiro, que a interposição de uma sociedade fosse mais conveniente para C..., desde logo porque em momento algum tal é explicado, designadamente, de que forma contratar com uma sociedade era mais vantajoso para a C... do que a celebração de um contrato (com o mesmíssimo clausulado) mas com a pessoa do Requerente A.... Não se poderá outrossim considerar provado que as únicas vantagens procuradas pelas partes fossem de “natureza operacional e de responsabilidade jurídicas” porque (...) tal não sobrevive a um elementar teste de razoabilidade – mas adiante-se desde já que estas asserções dos Requerentes se esteiam apenas em declarações dos próprios (sempre com intermédio de mandatários) e de representantes da C..., i.e. por declarações de partes interessadas no desfecho deste litígio, o que não poderá deixar de ser considerado pelo Tribunal Arbitral aquando da apreciação da prova. c. (121.º) «O desenvolvimento da actividade de prestação de serviços pela D... assentava, assim, em razões económicas válidas; melhor se dirá, até, que ela se afigurou como a única forma capaz de lograr satisfazer os requisitos do cliente C..., uma vez que todas as alternativas se revelavam complexas ou mesmo arriscadas.» - (...) não se verifica a existência de razões económicas válidas para interpor a D... no negócio, desde logo porque os serviços contemplados no contrato com a C... tinham natureza pessoal, i.e. esgotavam-se nos conhecimentos e atributos profissionais do Requerente A..., sendo indissociáveis da pessoa dos prestador (já as condições materiais eram disponibilizas pela C...).” (arts. 55.º e 56.º da R).
iii) Os “actos ou negócios levados a cabo pelo Requerente A..., no âmbito do relacionamento contratual com a C... podem considerar-se abusivos, em resultados dos elementos meio, intelectual e resultado se encontrarem preenchidos” – “os contratos entre a C... e a D... mais não são do que contratos que vinculam o Requerente A... perante a C..., mediante uma retribuição, tratando-se, por isso, de contratos de prestação de serviços em que o prestador é uma e única pessoa singular”; “A factualidade reunida no RIT permitiu assim confirmar que a interposição da sociedade D..., como parte nos contratos celebrados com a C..., em lugar do Requerente A..., constituiu um mero instrumento para, em abuso da forma jurídica adoptada, alcançar um resultado fiscal mais favorável, legitimando a aplicação da CGAA, prevista no n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária (LGT)” (arts. 63.º a 69.º da R).
iv) “A trave mestra da argumentação dos Requerentes contra a aplicação, em abstracto, da CGAA a casos como o presente, parece estribar-se no entendimento de que aos contribuintes, na prossecução de actividades profissionais, será sempre legítimo obter resultados fiscais mais favoráveis através da interposição de sociedades, ainda que estas não tenham qualquer participação activa no negócio em causa, por ausência de estrutura material e humana adequada para o efeito e por se constatar, em concreto, a não intervenção real da sociedade no serviço prestado” – “se a interposição de sociedade por pessoa singular desprovidas de qualquer substância económica num contrato estivesse arredada do âmbito da CGAA, ficaria sufragada a existência de uma profunda desigualdade tributária, proibida pela Constituição, na medida em que abriria a porta a que livremente fosse contornado o sistema de tributação progressiva consagrado no CIRS”, “No limite, estaríamos perante uma hecatombe orçamental, porque então ninguém em Portugal pagaria IRS através da tabela geral do CIRS e a tributação progressiva não passaria de uma miragem”, “Bastaria interpor uma sociedade comercial em qualquer relação contratual pessoal, cumprindo tal sociedade uma função meramente formal” (arts. 72.º a 76.º da R).
v) “ao contrário do que os Requerentes repetem no seu argumentário, com a aplicação aqui da CGAA não se trata de impedir que os Requerentes prestem serviços através de uma sociedade comercial ou, tão-pouco, que optem por concentrar o seu património e investimentos numa sociedade comercial” – “O que CGAA permitiu, no caso vertente, foi a reconstituição da tributação em conformidade com a situação real dos factos, afastando a tributação resultante da situação aparente criada pela celebração dos contratos entre a C... e a D..., mediante a imputação ao Requerente A..., com efeitos exclusivamente fiscais, dos rendimentos que este obteve na sua relação contratual com a C..., nos anos de 2016 e 2017, na qual interpôs a sua sociedade D..., a qual não desempenhou no negócio qualquer função real, que não a de contornar a aplicação das regras fiscais da tributação do rendimento das pessoas singulares e contribuições para a Segurança Social, com evidente prejuízo para o erário público” e “neste caso, é bastante visível e encontra-se cabalmente demonstrado no RIT, porquanto a intervenção da sociedade D... no contrato com a C... se mostrou desprovida de substância económica real, sendo meramente formal e, por conseguinte, artificiosa” (arts. 77.º a 79.º da R.).
vi) os casos de levantamento do véu da pessoa jurídica por abuso da forma societária no âmbito do Direito das Sociedades, são um caso paradigmático de uma limitação legítima à liberdade de iniciativa privada”; “E o caso vertente da aplicação da CGAA não deixa de ser também ele um exemplo de levantamento de personalidade jurídica, embora com efeitos meramente fiscais e ao abrigo de um específico procedimento legal”; “É justamente por se tratar de um caso de abuso de personalidade jurídica, que não é defensável, em casos como este, a tese de que o contribuinte é colocado perante duas vias que lhe são propostas pelo legislador e que, nessa medida, não pode ser obrigado a escolher a que lhe for fiscalmente mais penalizadora”; “É que o abuso da utilização de pessoa colectiva fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência (neste caso, tendo como única intervenção real figurar nos contratos com a C..., funcionando, portanto, como mero centro de imputação de obrigações fiscais e emissor/receptor de facturas) - é censurado pelo legislador e, nessa medida, nunca se apresentará como uma via legitimamente à disposição dos contribuintes”; “a interposição de sociedades é justamente um dos exemplos clássicos de aplicação de normas anti-abuso, entre eles estando as sociedades de sócio único ou que o gerente/administrador coincide com o sócio”; “A utilização das chamadas “sociedades de apartado postal” (ou “letterbox companies”, “shell companies”, etc), podendo ser legítima na estruturação societária, é objecto de censura no domínio tributário quando tem um demonstrado intuito elisivo e, não por acaso, objecto da aplicação de normas anti-abuso” (arts. 84.º a 94.º da R).
vii) Caso de “aplicação de normas antiabuso por interposição de sociedades, é exactamente o abuso de personalidade jurídica por recurso a uma sociedade que não apresenta, no negócio, substância económica (“creation of wholly artificial arrangements which do not reflect economic reality”)”; “Nestes casos, o critério determinante é que a sociedade interposta exerça uma “genuína actividade económica”, sendo que, na sua ausência, a interposição da sociedade é considerada um “wholly artificial arrangement”, legitimando a desconsideração da personalidade jurídica para efeitos fiscais”, “E assim é quando a intervenção da sociedade no negócio é de todo artificial e tem um evidente intuito elisivo” – “A esta luz, o caso em apreço nos presentes autos poderia ser um exemplo académico de utilização abusiva de sociedade comercial, cuja intervenção meramente formal e sem substância económica, possibilitou a obtenção de vantagens fiscais com prejuízo para o erário público e para o sistema da segurança social e frustrando o princípio constitucional da tributação progressiva do rendimento pessoal, contemplada no n.º 1 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa” (arts. 95.º a 98.º da R).
viii) O [RIT] é exaustivo na enunciação dos factos que, no seu conjunto, sustentam peremptoriamente a conclusão de que a interposição da D... no contrato entre o Requerente A... e a C... não teve substância económica real, nomeadamente: a sociedade D... tem como sócios a pessoa que presta os serviços objecto do contrato com a C... e pessoas pertencente ao seu núcleo familiar; os serviços profissionais objectivo do contrato foram desempenhados exclusivamente por um sócio – à data da celebração do primeiro contrato, sócio-único; a sociedade não dispunha de estrutura material e humana adequada para o desempenho dos serviços prestados; resulta provado no RIT que a C... suportava a maioria dos custos com os estágios e deslocações da SN ..., incluindo os da equipa técnica; cerca de 90% dos gastos da D... resultam das transferências para os restantes elementos da equipa técnica, no âmbito do contrato com a C...; os restantes gastos não apresentam relação aparente com a prestação de serviços objecto do contrato com a C...; a D... apresenta características de uma sociedade familiar, que tem como único propósito concentrar património e investimentos dos Requerentes e familiares, não apresentado uma estrutura que a habilite a prosseguir uma actividade económica real como a natureza da que é contratualizada com a C...; a D... não prossegue uma actividade económica que não a da fruição de participações sociais e de direitos de imagem, como se constata dos rendimentos apresentados na sua contabilidade nos anos de 2016 e 2017; a sede da D... coincide com o domicílio fiscal dos Requerentes; os funcionários da D... trabalhavam, na verdade, pessoalmente para os Requerentes e não estão afectos a qualquer actividade económica real alegadamente prosseguida pela sociedade pois o quadro pessoal da D... era, na verdade, constituído pelo motorista e empregada doméstica da família, entretanto contratados pela empresa, pelo marido da empregada doméstica da família que se encontrava em situação de desemprego e foi contratado para exercer funções de “motorista e estafeta” e “ainda pequenas reparações e trabalhos de manutenção” e por um funcionário que trabalhava numa empresa participada da D..., a I..., e que alegou desconhecer actividade da D...; que a D... teve um papel exclusivamente formal neste negócio, constata-se também do conteúdo das prestações materiais previstas nos contratos com a C... - que não as que regem as relações formais entre as sociedades e os “Auxiliares”, pois nenhuma diferença material haveria entre os contratos efectivamente celebrados com a D... e contratos que fossem realizados directamente com os elementos da equipa técnica, as cláusulas seriam as mesmas, mudaria a designação dos intervenientes, pelo que a única diferença resultaria da interposição formal de sociedades; há uma dependência total entre os contratos base celebrados pela D... com a C... e os contratos celebrados por aquela com as empresas detidas pelos elementos da restante equipa técnica - quer quanto à sua vigência e risco contratual, quer quanto ao conteúdo das prestações e até às pessoas que as poderiam desempenhar de tal maneira que o papel da D... nessas relações contratuais é de mero intermediário, sem que haja qualquer evidência do valor acrescentado aportado por aquela, tão-pouco quaisquer compensações ou riscos associados; a intervenção da D... no contrato circunscreveu-se (ou foi-o predominantemente) a um centro emissor de facturação à C... e receptor de facturação de terceiros, designadamente das sociedades controladas pela restante equipa técnica da SN-... (arts. 99.º a 132.º da R).
ix) “Ao celebrar um contrato com a sociedade (unipessoal, à data do primeiro contrato com a C...) sem observar a forma escrita, o Requerente A... violou o artigo 270.º-F, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), que implica a nulidade dos negócios jurídicos celebrados e responsabiliza ilimitadamente o sócio (n.º 4 do art. 270.º-F do CSC)”, pois “o negócio do sócio único com a sociedade que não obedeça aos requisitos de transparência previstos no CSC (como foi o caso), configura um caso típico na legislação de desconsideração da personalidade jurídica por mistura ou confusão de patrimónios – o que se verificou no presente caso” - ou seja, nem formalmente o esquema utilizado pelos Requerentes se mostraria viável e “produzindo a declaração de nulidade de um contrato efeitos ex nunc e sendo esta de conhecimento oficioso, podendo ser invocada a todo o tempo, juridicamente (inclusive, fiscalmente) teria sempre de se desconsiderar a interposição da D... no contrato de 2014 e concluir que os serviços de Seleccionador nacional foram prestados directamente à C...” (arts. 134.º a 137.º da R).
x) “Também no que concerne à cedência dos direitos de imagem, a confusão das esferas pessoais e empresarial indicia a utilização meramente formal e sem substância económica da D... na relação contratual com a C...”; “Mais uma vez, não existe um contrato escrito de cedência de imagem entre o Requerente A... e a D..., nem foram encontradas evidências de que aquele tenha auferido rendimentos resultantes dessa cedência de imagem”; “Isto embora (...), não obstante o contrato com a C... indicar referir-se a todos os elementos da equipa técnica, na realidade os direitos de imagem subjacentes são referentes exclusivamente a A..., o que é evidenciado quer na inexistência de facturação desses direitos, por parte das sociedades detidas pelos outros elementos da equipa técnica à D..., quer nos esclarecimentos do ponto 10 do termo de declarações da C... de 27-10-2020” (arts. 138.º a 140.º da R).
xi) “Na mesma situação está o “prémio de assinatura” pago pela C... à D..., pois, este tipo de prémios é normalmente atribuído pelas sociedades anónimas desportivas (SAD) aos seus jogadores, ou seja, ao agente desportivo e não a empresas”, “E não obstante a C..., em declarações, ter dito que o prémio de assinatura foi «atribuído à empresa que os distribui aos seus adjuntos conforme a D... entender», o que se constatou foi que, na realidade, esse prémio foi atribuído à D..., visto que não houve facturação posterior das empresas detidas pelos outros elementos da equipa técnica desse tipo de verbas, nem tal estava contemplado nos "subcontratos" com essas entidades” – “esse prémio de assinatura referia-se, na realidade, à contratação do Seleccionador Nacional, o Requerente A...” (arts. 141.º a 143.º da R).
xii) “o carácter artificial da intervenção da D... no contrato com a C... é desvendado também pela natureza pessoal dos serviços prestados pelo Requerente A... enquanto Seleccionador Nacional”: os “serviços profissionais prestados apresentam uma natureza marcadamente pessoal, i.e., a contratação dos serviços à sociedade está intrinsecamente associada às especiais qualificações ou habilitações profissionais do sócio único da D..., em Setembro de 2014”; “nos termos da Lei nº 40/2012, de 28 de Agosto, exige-se, para o exercício da actividade de treinador de desporto em território nacional, um título profissional, não se prevendo a sua atribuição a uma pessoa colectiva” pelo que “a relação jurídica expectável a adoptar seria um contrato entre a C... e o seu treinador”, “Isto porque se trata de uma relação intuitu personae, ou seja, um contrato celebrado em razão da pessoa, neste caso, da pessoa do treinador A..., pois a natureza das funções é indissociável de quem as pratica, inserindo-se em contratos de prestação de serviços pessoais e intransmissíveis”, “A necessidade de credenciação para a execução dos serviços contemplados no contrato da D... com a C... é, assim, reveladora da sua natureza pessoal, ficando assim demonstrado que estava em causa a prestação de uma actividade profissional”; “tratando-se de rendimentos profissionais, a interposição meramente formal (não real) e artificiosa de uma sociedade defrauda as regras de tributação dos rendimentos de pessoas singulares”; “Ao que acresce que os contratos celebrados entre a D... e a C... prevêem um carácter de exclusividade na prestação de serviços”, “O que inculca a ausência de substância económica da interposição da D... na relação da C... com os elementos da [equipa] técnica da SN ...; “relativamente aos direitos de imagem objecto também de contrato entre D… e C..., trata-se de rendimentos que, de igual modo, são impossíveis de dissociar da pessoa a que pertencem”, “os rendimentos inerentes a esses direitos de imagem são pessoais e foram cedidos directamente à C..., desde logo por reportar a direitos de imagem apenas do Requerente A..., sem que a D... tivesse título jurídico para cedê-los, devendo por isso ser tributáveis em sede de IRS” (arts. 144.º a 164.º da R).
xiii) “as alegadas vantagens de conveniência contratual que a C... alegou que obteria com a contratação da equipa técnica através de uma só entidade, terão de ser comparadas com que o que a C... deixaria de pagar em contribuições sociais e as com as vantagens fiscais e contributivas percepcionadas também pela equipa técnica da SN ... através deste esquema”: “a utilização deste modelo contratual permitiu que a C... não pagasse contribuições à Segurança Social, ao contrário do que sucedera com as equipas técnicas anteriores”; “na esfera das sociedades detidas pelos elementos da equipa técnica, (...) a vantagem fiscal obtida em virtude da interposição de uma estrutura societária, nas circunstâncias descritas, consubstancia-se, imediatamente, no diferimento da tributação, em sede de IRS, dos rendimentos derivados do exercício da actividade profissional e que são tributados em IRC, na esfera societária, a taxas mais reduzidas, ficando na disponibilidade dos sócios a determinação do momento e da forma sob a qual lhes serão efectivamente atribuídos, além, da dispensa de retenção na fonte (art.º 97.º, n.º 1, alínea d), CIRC), bem como na possibilidade mais ampla de dedução de despesas”; “A acrescer às vantagens fiscais, a utilização dessas sociedades permitiu, também, uma diminuição significativa das contribuições para a Segurança Social, que incidiu somente sobre os referidos vencimentos enquanto gerentes das empresas, ao invés de incidir sobre a totalidade das verbas recebidas da C...”; “Não será coincidência que toda a restante equipa técnica tenha também optado por auferir os rendimentos resultantes da sua actividade junto da C... através de sociedades comerciais – sendo que, nesses casos, não será aplicável o argumento da conveniência contratual que os Requerentes aqui utilizam”; “o Requerente A... auferia anualmente uma fracção diminuta dos montantes recebidos pela D... (cerca de 1.8%), não se conhecendo ao certo se tal remuneração correspondia aos serviços prestados no âmbito do contrato com a C..., ou se era devida na qualidade de sócio-gerente” e, por outro lado, “a sociedade D... nunca distribuiu lucros” – “é bom de ver que a conveniência contratual de concentrar a contratação da equipa técnica numa só entidade empalidece quando comparada com os ganhos fiscais e contributivos possibilitados com a utilização de tal esquema” (arts. 172.º a 180.º da R).
xiv) “demonstrado o papel artificioso da interposição da D... neste negócio, com evidente abuso de personalidade jurídica e com o intuito predominante de obter vantagens fiscais e contributivas, defraudando as regras de tributação de rendimentos de pessoas singulares, mostra-se legítima e acertada a aplicação da CGAA ao caso em apreço” (art. 187.º da R).
5.2. Na sua R (arts. 196.º a 206.º), a Requerida suscita, ainda, como questão autónoma, que a “interpretação veiculada pelos Requerentes se mostra contrária à Constituição da República Portuguesa (“CRP”), na medida em que viola o princípio constitucional da tributação progressiva do imposto sobre o rendimento pessoal, contemplado no n.º 1 do art.º 104.º da CRP”, alegando que: “se numa situação, como a dos autos, em que houve prestação de serviços no âmbito de uma actividade profissional, fosse autorizado ao contribuinte, com o único ou predominante intuito de contornar a aplicação dessas regras fiscais, interpor sociedade sem que esta tenha uma participação activa e com substância económica no exercício do actividade contratualizada com a C..., então a tributação progressiva dos rendimentos pessoais estaria irremediavelmente posta em causa”; “A tese dos Requerentes ignora, porém, toda doutrina e jurisprudência sobre o abuso de personalidade jurídica, quando admite como legítima a utilização da personalidade colectiva cuja única intervenção num negócio é figurar num contrato e servir como centro de emissão e recepção de facturas, com o único intuito de obter vantagens em prejuízo de terceiros”, “Mas, principalmente, a tese dos Requerentes ignora o comando constitucional de tributação progressiva do imposto sobre o rendimento pessoal, que teria uma aplicação subordinada à livre discricionariedade dos contribuintes associada à escolha de formas legais no exercício de actividades profissionais”, “Razão por que se deverá considerar violadora do disposto no n.º 1 do artigo 104.º da CRP a interpretação que os Requerentes fazem do n.º 2 do artigo 38.º da LGT e, nessa medida, desconforme à Constituição”.
5.3. No que concerne à ilegalidade invocada quanto à liquidação dos juros compensatórios, a Requerida, na sua R (arts. 209.º e 210.º), sustenta que: “o retardamento da liquidação do imposto em falta teve origem no incorrecto enquadramento legal dos rendimentos obtidos pelos ora Requerentes, pelo que não se verifica qualquer ilegalidade na liquidação de juros compensatórios”.
A Requerida pronuncia-se ainda sobre o direito a juros indemnizatórios (art. 211.º da R), para invocar que, como resulta do artigo 43.º da LGT que “são devidos juros indemnizatórios, quando se determine, (…) que houve erro imputável aos serviços”, isso “neste caso não se verifica, dado que as correcções, efectuadas pelos SIT, dos valores declarados, resultou de um incorrecto enquadramento legal dos rendimentos obtidos e da quantificação dos mesmos, originando pagamento de imposto inferior ao devido, concluindo-se que não se mostram preenchidos os pressupostos legais que conferem, aos Requerentes, o direito ao recebimento de juros indemnizatórios”.
5.4. Para prova da factualidade alegada, a Requerida arrolou como testemunhas J..., Inspectora Tributária e Aduaneira, K..., Inspectora Tributária e Aduaneira, L…, Inspector Tributário e Aduaneiro (posteriormente prescindido por requerimento de 31.5.2022), M..., com funções de “Director” na sociedade D..., LDA, N..., com funções de “Apoio Administrativo” na D..., LDA, E..., com domicílio profissional na …, e H..., com domicílio profissional na …, as três primeiras a apresentar e as restantes a notificar pelo Tribunal.
5.5. A AT juntou ainda aos autos o procedimento administrativo (a seguir PA) consubstanciado nos ficheiros em formato pdf constantes do sistema de gestão processual do CAAD com as seguintes designações OI2020..._OI2020....pdf, OI2020..._OI2020....pdf, OI2020..._OI2020....pdf, OI2020..._OI2020....pdf, OI2020..._OI2020....pdf e OI2020..._OI2020....pdf (estes ficheiros e respectivas designações serão seguidamente tidos em conta para efeitos da indicação dos elementos relevantes e das páginas pertinentes do PA sempre que necessário).
6. Por despacho de 24.5.2022 da Presidente do Tribunal Arbitral, procedeu-se ao agendamento da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, com vista à inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, tendo sido determinado, ao abrigo do princípio da cooperação, previsto no artigo 16.º, alínea f), do RJAT e do princípio da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, previsto no artigo 19.º, n.º 2, do RJAT, a notificação via postal pelo CAAD das testemunhas M... e N... para comparecerem na diligência.
No mesmo despacho, foi ainda decidido o seguinte: “Tendo em conta o objecto do processo e a factualidade que lhe está inerente, poderá revelar-se pertinente a prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa por parte dos Requerentes A... e B.... Nestes termos, ao abrigo do disposto no artigo 452.º do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, determina-se a notificação dos Requerentes para comparecerem na reunião agendada no ponto 1 deste despacho de modo a que prestem os depoimentos que o Tribunal Arbitral venha eventualmente a entender como relevantes para a descoberta da verdade material”.
Requerentes e Requerida, por requerimentos apresentados respectivamente em 31.5.2022 e 6.6.2022, para além de não terem suscitado quaisquer objecções ou questões ao assim determinado, indicaram, como solicitado pelo Tribunal Arbitral no mesmo despacho, de modo individualizado os factos objecto da prova testemunhal arrolada.
7. Na sequência do indicado despacho de 24.5.2022 da Presidente do Tribunal Arbitral, no dia 20.06.2022 foi realizada presencialmente, em audiência pública (em conformidade com o despacho da Presidente do Tribunal de 15.6.2022), a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, na qual se procedeu à prestação de depoimento pelo Requerente A... e à inquirição da testemunha arrolada pelo Requerente, E..., Presidente da C..., cujos depoimentos foram objecto de gravação áudio, tudo como consta da correspondente acta.
Relativamente às inquirições da Requerente B... e das demais testemunhas arroladas pelos Requerentes e pela Requerida, verificou-se que:
- a Requerente B... não pôde comparecer por se encontrar com Covid 19, conforme informação prestada pelos seus Ilustres Mandatários (subsequentemente confirmada pela apresentação em 21.06.2022 do teste positivo Covid 19), tendo sido, na sequência de requerimento dos Requerentes a que a Requerida não se opôs, dispensada a sua inquirição;
- as testemunhas M... e N..., arroladas pela Requerida, segundo informação prestada pelos Ilustres Mandatários dos Requerentes, dado terem efectuado nesse dia testes Covid 19 (subsequentemente confirmada pela apresentação em 21.06.2022 dos testes positivos Covid 19), não seria possível a sua comparência, tendo igualmente a sua inquirição sido dispensada na sequência de pedido dos Requerentes com que a Requerida, no final da reunião, concordou;
- a testemunha H..., advogado, arrolada por ambas as partes, segundo informação dos Ilustres Mandatários dos Requerentes não conseguiu obter em tempo útil a autorização da Ordem dos Advogados que o próprio considerou necessária para poder depor no Tribunal Arbitral, tendo as partes acordado, no final da reunião, na dispensa da sua inquirição;
- a Requerida prescindiu da inquirição das testemunhas por si arroladas J... e K....
No âmbito da reunião, os Ilustres Mandatários dos Requerentes solicitaram a junção aos autos de documentação relativa à sociedade I..., SA e à celebração em 5.4.2022 de acordo de alienação de participação social nesta detida pela sociedade D..., Lda (ficheiro pdf constante do sistema de gestão processual do CAAD designado como “P860_2021-T documentos para juntar à Ata” constituído por 247 páginas), que tinha sido objecto de referência no depoimento do Requerente, o que a Presidente do Tribunal Arbitral admitiu, tendo concedido o prazo de vista de 10 dias à Requerida para se pronunciar, querendo, sobre os referidos documentos, o que não ocorreu.
8. Ao abrigo do n.º 2 do artigo 18.º e do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, foi designado, na referida reunião de 20.6.2022, o dia 29.09.2022 para a prolação da decisão final (prazo este que, pelos motivos indicados no despacho da Presidente do Tribunal Arbitral de 29.09.2022, foi prorrogado para o dia 03.10.2022).
9. As partes apresentaram em 15.7.2022 alegações escritas em que se pronunciaram sobre a prova testemunhal produzida e sobre o depoimento do Requerente e reiteraram as posições expressas nos seus articulados anteriores, acima expostas nos n.ºs 4 e 5.
10. Os Recorrentes suscitaram, porém, nas suas alegações (n.ºs 21 e segs.), uma matéria nova, não colocada na petição inicial, nos seguintes termos:
- “o nosso sistema fiscal prevê directamente, através de mais do que um instituto, a desconsideração, para efeitos fiscais, da personalidade societária, através da imputação aos respectivos sócios do resultado por aquela obtido, e sujeitando-o, assim, a IRS: atente-se especialmente no regime da transparência fiscal, previsto no artigo 6.º do Código do IRC, onde se tipificam as situações em que determinada actividade, apesar de realizada através de uma sociedade, não deve merecer um tratamento fiscal diferente do que corresponderia aos respectivos sócios, se agissem a título individual (ou por causa da natureza específica dessa actividade, ou por causa de características pessoais dos sócios).
O legislador reconhece, pois, que o recurso a uma forma societária pode representar aquilo a que a doutrina designa de «incorporação abusiva»: em virtude do seu objecto particular, ou por causa das qualidades dos respectivos sócios, recusa conceder o regime de tributação das pessoas jurídicas a certas sociedades, fundamentalmente em nome de uma ideia de neutralidade ou de justiça fiscal (combate à evasão). Contudo, em lugar de ter optado pela formulação de um princípio, ou de uma cláusula geral, preferiu estabelecer um elenco taxativo ou exaustivo das situações que reclamam a solução em referência.
É, aliás, curioso que a AT não se tenha referido à transparência fiscal – nem sequer de fugida –, uma vez que ela constitui, entre nós, o verdadeiro instrumento de prevenção da «interposição abusiva» de sociedades (no fundo, uma verdadeira «cláusula especial anti abuso»), regulado através da técnica da «enumeração extensiva». É curioso, de facto, mas não é estranho: a AT sabe bem que nem a D... nem os respectivos sócios preenchem qualquer das hipóteses previstas no artigo 6.º do CIRC”.
11. A Requerida, com as suas alegações, juntou um documento constituído por cópias de requerimento da C... para o pagamento com sub-rogação das liquidações sindicadas nestes autos, da autorização dos Requerentes para o efeito e do despacho de deferimento do Chefe do Serviço de Finanças de …-….
Os Requerentes, perante a junção do aludido documento, invocando o princípio do contraditório previsto na al. a) do art. 16.º do RJAT, apresentaram resposta, requerendo “a censura que se impõe sobre a AT e os seus responsáveis em face das alegações apresentadas no passado dia 15 de Julho de 2022, seja quanto à junção do documento n.º 1 que nesse contexto juntou, seja quanto às referências que, em consequência, ensaiou a respeito do Requerente, da C..., mas também dos advogados aqui signatários” e porque “semelhante actuação releva, manifestamente, de má-fé processual e se funda, em boa verdade, em clamorosa violação dos deveres de cooperação e lealdade processual, com o fim de obter um objectivo ilegal, e emana, ainda, de declarada violação do segredo fiscal que assiste a todos os contribuintes, devem a AT e os seus responsáveis ser condenados nos termos do artigo 542.º, n.º 1 e n.º 2 (alíneas c) e d)) do Código de Processo Civil – ex vi artigo 29.º (alínea e)) do RJAT – em multa e indemnização”.
Segundo o referido requerimento, a AT teria praticado um “artifício” que consistiria no seguinte: utilizou ao seu serviço um órgão de comunicação social, a quem revelou o elemento sujeito a sigilo fiscal do pagamento da dívida resultante para os Requerentes das liquidações sindicadas realizado com sub-rogação em 29.6.2021 pela C..., para depois utilizar essa notícia, publicada em 1.7.2022, como “novidade” nas suas alegações finais, de modo a impressionar o Tribunal já depois do período de contraditório.
A Requerida, por requerimento de 6.9.2022 – para além de consignar que das indicadas alegações dos Requerentes “ressaltam imputações que, a terem confirmação, configurariam ilícitos de âmbito disciplinar e criminal” pelo que a Directora-Geral da AT promoveu os competentes procedimentos – refutou a alegação de violação do dever de sigilo fiscal na menção ao pagamento do imposto e suas circunstâncias “porque tal pagamento respeita ao imposto impugnado nestes autos e não a qualquer outro facto tributário alheio à questão em juízo” e “porque tal pagamento, as circunstâncias em que ocorreu e quem o realizou, são contributos para uma melhor percepção global sobre a matéria a decidir e para a análise da prova testemunhal”, assim como rejeitou a imputação de litigância de má fé, invocando que a “relevância do facto e do documento ficou reforçada depois de a testemunha ter afirmado não ter interesse directo na causa, quando impendia sobre si a obrigação de revelar aos autos a sub-rogação”, a que “acresce que deveriam ter sido os Requerentes – processualmente obrigados a isso – a dar conhecimento deste facto aos autos”.
12. Exercido que está, pelo indicado requerimento dos Requerentes, o contraditório relativamente ao documento junto pela AT com as suas alegações, que era inclusive do conhecimento de ambas as partes, deu-se integral cumprimento aos princípios do contraditório e da igualdade de partes previstos, respectivamente, nos artigos 16.º, alíneas a) e b), ambos do RJAT. Assim sendo, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, previsto nos artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT, este Tribunal admite a sua junção aos autos em face da sua manifesta relevância para a correcta decisão da causa, dado que, como consta do petitório final da PI, os Requerentes peticionam a seu favor a “restituição das quantias referentes aos actos de liquidação ora impugnados, acrescidos dos correspondentes juros à taxa legal em vigor”.
Por outro lado, este Tribunal não considera necessário, conforme requerido pela AT nas suas alegações, promover a junção aos autos do invocado Relatório de Inspecção Tributária que terá incidido sobre a actividade de O..., por não ser imprescindível à verificação e demonstração dos factos discutidos no âmbito do presente processo.
II. Saneamento
13. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3).
14. No requerimento dos Requerentes acima aludido no ponto n.º 11 é formulado pedido de condenação da AT nos termos do artigo 542.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil – ex vi artigo 29.º, alínea e) do RJAT – em multa e indemnização, o que constitui questão incidental que se entende apreciar imediatamente.
Preliminarmente, cabe notar que, nos termos da alínea a), do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, os tribunais arbitrais apenas têm competência para a apreciação de pretensões referentes à “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e, bem assim, para a apreciação de pretensões relativas à “declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”, tal como previsto na alínea b) daquele mesmo artigo. Quer isto dizer que o pedido de condenação em multa e indemnização formulado pelos Requerentes se encontra fora do escopo de competências do Tribunal Arbitral, o que obsta por si só ao seu conhecimento.
Acresce que os motivos que os Requerentes alegam para justificar a pretensão de condenação da Requerida, que não vêm demonstrados ou sujeitos a produção de prova, reportam-se, não estritamente a actuações processuais, mas a elementos extra‑processuais, alheios aos presentes autos, o que exclui tal matéria da previsão do art. 542.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil. Em qualquer caso, não tem cabimento, perante este Tribunal Arbitral, a quem compete resolver o litígio mediante o apuramento da verdade material, invocar o sigilo fiscal relativamente ao pagamento do montante das liquidações cuja restituição é expressamente peticionada (cfr. art. 64.º, n.º 2, al. b) da LGT).
Depois, há que referir que a legislação relevante em sede de processo tributário parece só admitir a condenação da AT como litigante de má fé nos termos das situações e com os efeitos previstos no art. 104.º, n.º 1 da LGT (“a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas”) a que não se reconduzem os motivos apresentados pelos Requerentes (vd. supra n.º 11).
Nestes termos, por falta de fundamento legal, é de indeferir o requerimento de condenação da AT por litigância de má-fé.
15. Para além do acima resolvido, não foram suscitadas questões prévias ou incidentais nem invocadas excepções que impeçam o conhecimento da lide e não se detectam nulidades.
Cabe, em consequência, proferir decisão sobre o mérito da causa.
III. Thema decidendum
16. O thema decidendum prende-se com a legalidade das indicadas liquidações de IRS relativas aos anos de 2016 e de 2017 efectuadas aos Requerentes com fundamento na aplicação da denominada cláusula geral anti abuso (CGAA) consagrada no n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária, na redacção aplicável ratione temporis, bem como das correspondentes liquidações de juros compensatórios.
17. Especificamente, a questão fulcral sujeita à cognição deste Tribunal Arbitral consiste na apreciação, em função dos pressupostos legais aplicativos da CGAA e da sua concretização no caso, da conformidade normativa da correcção, em atenção à fundamentação que a determinou, pela qual é na esfera pessoal, em sede de IRS, do Requerente A... que deve ter lugar a tributação dos montantes pagos pela C... (C...) em conexão com as prestações de serviço facturadas pela sociedade D..., Lda, pessoa colectiva n.º …, de que o Requerente era sócio maioritário nos anos de 2016 e de 2017.
No âmbito desta apreciação, caberá considerar a questão subsidiária suscitada quanto à ilegalidade das liquidações adicionais de IRS em atenção à pretendida necessidade de desconsiderar, no valor do IRS a pagar, o imposto suportado pela D..., Lda em sede do IRC.
IV. Matéria de facto
1. Factos provados
18. Examinada a prova documental produzida, quer a que foi apresentada ou invocada com a PI, quer a que resulta do procedimento administrativo (PA) junto aos autos, constituído, designadamente, pelo Relatório de Inspecção Tributária (RIT) e respectivos anexos, e apreciados os depoimentos do Requerente A... e da testemunha E..., Presidente da C..., prestados na audiência de 20.06.2022, o Tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos (materiais e procedimentais):
I. O Requerente A..., com a formação académica de engenheiro, exerce habitualmente as actividades de seleccionador nacional e de responsável técnico de equipas profissionais de futebol, quer clubes/sociedades desportivas quer selecções nacionais (factualidade consignada no art. 11.º da PI e reconhecida no depoimento do Requerente na audiência de 20.06.2022).
II. O Requerente assumiu em Julho de 2010 a condição de seleccionador da ... (responsável máximo pela equipa técnica da selecção U…) ao serviço da qual se manteve até ao final da respectiva participação na fase final do campeonato mundial de 2014, no Brasil, em cujo jogo de acesso aos quartos de final foi expulso e subsequentemente sancionado pela FIFA com a pena de suspensão por oito partidas oficiais, sanção que veio a ser reduzida posteriormente por decisão do Tribunal Arbitral do Desporto (factualidade não controvertida consignada nos arts. 12.º e 13.º da PI, também objecto do depoimento do Requerente).
III. Em 23 de Setembro de 2014 o Requerente foi anunciado como novo seleccionador nacional, responsável pelos serviços técnicos de supervisão e coordenação de todas as selecções nacionais da C..., bem como pela orientação e preparação da Selecção Nacional ... com vista à qualificação para a fase final do Campeonato da Europa de 2016 e, sendo bem sucedida essa qualificação, na orientação e preparação da selecção nessa fase final (factualidade reconhecida no art. 30 da PI conjugada com as declarações do Requerente na audiência de 20.06.2022 e com a impressão retirada do sítio electrónico da C... sobre a “Selecção ... – Equipa Técnica” constante do Anexo 1 ao RIT, a pp. 144 e segs. do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf; cfr. também infra facto provado n.º VIII).
IV. Nos anos de 2016 e de 2017, o Requerente A... exerceu as funções de seleccionador nacional de Portugal (facto reconhecido nos arts. 16.º e 30.º da PI e objecto das declarações do Requerente na audiência de 20.06.2022; vd. também factos provados n.ºs III e VIII).
V. A C... (C...), pessoa colectiva n.º ..., enquadrada no CAE 093191-ORGANISMOS REGULADORES DAS ACTIVIDADES DESPORTIVAS, com o tipo de sujeito passivo "OUTRAS PESSOAS COLECT.DIREITO PUBLICO", é regulada pelos Estatutos, publicados no respectivo sítio electrónico (www.C....pt/pt/Institucional/Estatutos-e-Regulamentos), cujo art. 1.º determina no n.º 1 que “[a] C... (...) é uma pessoa colectiva sem fins lucrativos, de utilidade pública, constituída sob a forma de associação de direito privado, que engloba vinte e duas associações distritais ou regionais, uma liga profissional de clubes, associações de agentes desportivos, clubes ou sociedades desportivas, jogadores, treinadores e árbitros, inscritos ou filiados nos termos dos estatutos, e demais agentes desportivos nela compreendidos”, no n.º 3 que “[a] C... é Membro da FIFA e da UEFA” e no n.º 7 que “[a] C... é titular do estatuto de utilidade pública desportiva, nos termos do despacho n.º 5331/2013, de 22 de Abril” (conforme RIT, pp. 13 a 15 e verificação das disposições dos Estatutos por consulta do indicado sítio electrónico).
VI. No art. 20.º dos referidos Estatutos são discriminados como órgãos sociais da C...: a) A Assembleia Geral; b) O Presidente; c) A Direcção; d) O Conselho Fiscal; e) O Conselho de Disciplina; f) O Conselho de Justiça; g) O Conselho de Arbitragem, cujas composição e competência constam dos artigos 35.º a 63.º (capítulo IV dos Estatutos), sendo o Presidente da C... E..., que foi eleito a 10.12.2011 e tomou posse a 17.12.2011, e a Direcção composta por 12 membros, o Presidente da C..., três Vice-Presidentes - um deles, por inerência, o Presidente da P… - e 8 directores, obrigando-se a C..., nos termos do art. 8.º dos mesmos Estatutos, “mediante a assinatura do seu Presidente ou do seu substituto nos termos estatutários, em conjunto com a de outro membro da Direcção” (conforme RIT, pp. 13 a 15 e consulta dos Estatutos no indicado sítio electrónico).
VII. O Presidente da C..., nos termos do art. 48.º dos referidos Estatutos, “representa e assegura o regular funcionamento da C...” (n.º 1) e “é responsável por:” “Contratar e gerir o pessoal ao serviço da C...” (al. h) do n.º 2); “Negociar contratos, de qualquer natureza, nos termos da lei, dos Estatutos e dos regulamentos da C...” (al. l) do n.º 2) e a Direcção da C..., nos termos do art. 51.º dos referidos Estatutos, “é o órgão executivo da C... e coadjuva o Presidente que a ela preside” (n.º 1), a quem compete (al. g) do n.º 2): “Contratar e exonerar, sob proposta do Presidente: i. O Secretário-geral; ii. Os Seleccionadores Nacionais e equipas técnicas; iii. O Director Técnico Nacional” (consulta dos Estatutos no indicado sítio electrónico).
VIII. A C... indica, no seu sítio electrónico (www.C....pt/pt/Seleções/Futebol-Masculino/Seleção-A/Equipa-técnica), como composição da “equipa técnica” da selecção ... de Futebol masculino: A..., “Função: Seleccionador Nacional”, aí se referenciando: “Tornou-se Seleccionador Nacional em Setembro de 2014”; O..., “Função: Treinador Nacional”, aí se referenciando: “Em 2011, levou a Selecção Nacional à final do Mundial de sub-20 da Colômbia. Assumiu depois funções de coordenador técnico da formação da C..., até voltar a juntar-se a A... na equipa técnica nacional”; Q..., “Função: Treinador Assistente”, aí se referenciando: “juntou-se a A..., aquando da sua segunda passagem pelo R..., e desde então nunca mais deixou de acompanhar o Seleccionador Nacional como treinador assistente: um ano no R…, outro no S..., três no T... e quatro na Selecção U…, antes do ingresso na C...”; V…, “Função: Treinador Assistente”; “W..., “Função: Treinador Assistente”, aí se referenciando: “Quando A... aceitou ser Seleccionador Nacional, acompanhou-o para a C...”; X..., “Função: Treinador Nacional de Guarda-Redes”, aí se referenciando: “Três anos depois, em 2006/07, voltou a juntar-se ao Seleccionador Nacional, no S..., cumprindo desde então todas as etapas do percurso da equipa técnica – T… e seleção U…, antes de o acompanhar na chegada à Selecção Nacional portuguesa” (print constante do Anexo 1 ao RIT, a pp. 144 e segs. do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf, e verificação por consulta do indicado sítio electrónico).
IX. A sociedade “D..., LDA”, pessoa colectiva n.º ... (a seguir D...) foi constituída em 14.01.2014 como sociedade por quotas unipessoal, com o capital social de € 100,00, que foi objecto de aumento de capital para € 500.000,00 em 27.1.2014, tendo como sócio único o Requerente A... (a seguir, também A...), e passou a sociedade por quotas plural em 02.12.2014 com a entrada no capital, que passou a ser de € 680.000,00, da Requerente B… (a seguir, também B...), cônjuge do Requerente, sendo actualmente detida pelos sócios com as percentagens de capital seguintes, os quais possuem entre si relações de família, tudo como se indica no quadro abaixo (cfr. certidão comercial constante do anexo 2 ao RIT, actas da assembleia geral da D... n.º 1 de 27.1.2014, n.º 3 de 26.11.2014, n.º 11, de 14.5.2018, que constam do anexo 3 ao RIT, bem como RIT, p. 18):
X. A sociedade D..., nos anos de 2016 e de 2017, tinha a sua sede social na …, …, …, … …, que constituiu igualmente o domicílio fiscal e a residência dos Requerentes (facto aceite por ambas as partes nos seus articulados, como resulta do intróito da PI e do art. 7.º da R; cfr. também a certidão comercial constante do Anexo 2 ao RIT, os artigos 1.º, n.º 3 e 9.º, n.º 1 do contrato de sociedade igualmente constante do referido Anexo 2, e o RIT, p. 16).
XI. A sociedade D... tinha originariamente, nos termos do art. 2.º, n.º 1 dos seus estatutos sociais, como objecto social “Apoio técnico e consultoria à criação, desenvolvimento, expansão e modernização de empresas industriais comerciais e de serviços no âmbito nacional e internacional; logística, auditoria, actividade de promoção, marketing e prospecção de mercados; comércio por grosso ou a retalho; importação e exportação de mercadorias; prestação de serviços de natureza contabilística e económica; formação profissional; promoção, organização e exploração comercial de espectáculos de qualquer natureza; construção civil e obras públicas; transportes; gestão da sua carteira de títulos; aquisição, venda, administração e qualquer outra forma de exploração de bens imóveis; aquisição, venda e qualquer outra forma de exploração de marcas registadas, patentes e direitos de autor; podendo ainda dedicar-se a qualquer outra actividade, ramo do comércio, indústria ou prestação de serviços que os sócios acordem e seja permitido por Lei”, o qual passou a ser, por alteração ao contrato de sociedade de 15.05.2017, “Apoio técnico e consultoria à criação, desenvolvimento, expansão e modernização de empresas industriais, comerciais e de serviços no âmbito nacional e internacional; logística, auditoria, actividade de promoção, marketing e prospecção de mercados; comércio por grosso ou a retalho; importação e exportação de mercadorias; prestação de serviços de natureza contabilística e económica; formação profissional; promoção, organização e exploração comercial de espectáculos de qualquer natureza; construção civil e obras públicas; transportes; gestão da sua carteira de títulos; aquisição, venda, administração e qualquer outra forma de exploração de bens imóveis; aquisição, venda e qualquer outra forma de exploração de marcas registadas, patentes e direitos de autor; a gestão e exploração turística e hoteleira, hospedagem, alojamento local, alojamento mobilado para turistas, alojamento de curta duração, casas de campo, turismo no espaço rural, turismo de habitação, turismo de natureza, ecoturismo, enoturismo, turismo equestre, turismo religioso, turismo de saúde, arrendamento de imóveis; podendo ainda dedicar-se a qualquer outra actividade, ramo do comércio, indústria ou prestação de serviços que os sócios acordem e seja permitido por Lei” (conforme certidão permanente e cópia do contrato de sociedade que constam no Anexo 2 ao RIT e acta n.º 7 de 24.4.2017 que consta no Anexo 3 ao RIT) e encontra-se inscrita fiscalmente para o exercício das actividades “Outras actividades consultoria para os negócios e a gestão” (CAE 70220) e “Arrendamento de bens imobiliários” (CAE 68200) (RIT, p. 19).
XII. Entre a C..., representada por E... e DD..., na qualidade de Presidente e Director-Geral, respectivamente, e a D..., Unipessoal, Lda, representada pelo sócio gerente A..., foi celebrado em 23.09.2014 o “contrato de prestação de serviços” que se mostra junto no Anexo 7 ao RIT, a pp. 285 a 290 do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, destacando-se do respectivo texto as seguintes cláusulas:
i) Cláusula 1.ª (Objeto):
“1. Pelo presente instrumento a Segunda Outorgante obriga-se a prestar serviços técnicos de supervisão e coordenação de todas as Selecções Nacionais da C..., bem como, quanto à Selecção Nacional "…", de orientação e preparação com vista à qualificação da SN-... para a fase final do Campeonato da Europa de 2016 e, alcançando este resultado, de orientação e preparação da referida Selecção durante a mencionada fase final do Campeonato.
2. Na prestação dos serviços objecto deste contrato, a Segunda Outorgante compromete-se a socorrerse de uma equipa técnica composta pelas seguintes pessoas (doravante "Auxiliares"), garantindo a respectiva disponibilidade para o efeito durante o prazo contratual:
• A... (doravante "Auxiliar Seleccionador"), (...), quanto aos serviços de Seleccionador Nacional;
• Q..., (...)
• W...,
• X..., (...)
3. A utilização dos "Auxiliares" acima identificados tem carácter infungível, pelo que em caso algum a Segunda Contraente poderá executar os serviços contratados por intermédio de quaisquer outras pessoas, salvo com o consentimento prévio por escrito da C..., que poderá concedê-lo ou recusá-lo segundo o seu critério livre e insindicável.
4. A Segunda Outorgante garante que os "Auxiliares", durante a vigência deste contrato, não prestarão serviços a qualquer clube, sociedade desportiva, associação ou C... de quaisquer modalidades, salvo se prévia e expressamente autorizados por escrito pela C..., que poderá concedê-lo ou recusá-lo segundo o seu critério livre e insindicável”.
ii) Cláusula 2.ª (Qualificação): “As partes acordam expressamente que o presente contrato é de prestação de serviços, tendo esta qualificação sido determinante no acordo das partes relativo ao montante máximo a pagar, pela C... à Segunda Outorgante, ao abrigo da cláusula quarta”.
iii) Cláusula 3ª (Deveres relacionados com a SN-...):
“1. Enquanto o presente contrato vigorar a Segunda Outorgante compromete-se a fazer com que cada um dos "Auxiliares" adopte os seguintes comportamentos:
a. Comparecer no Departamento de Futebol da C..., com a assiduidade exigível para o desempenho das tarefas que se revelem necessárias à boa execução e preparação dos serviços a prestar;
b. Durante todas as acções relacionadas com a SN-..., trajar e utilizar o vestuário e equipamentos, incluindo bonés, indicados ou fornecidos pela C... e/ou pelos patrocinadores da SN-..., e não publicitar quaisquer marcas salvo as expressamente consentidas pela C....
c. Prestar ao Presidente da C..., regularmente e sempre que lhe sejam solicitadas, todas as informações respeitantes aos sectores da sua responsabilidade
d. Estar disponível, sempre que possível, em acções promocionais que sejam levadas a efeito pela C... ou pelos patrocinadores da SN-...;
e. Não publicitar em qualquer evento ou situação marcas concorrentes com as dos patrocinadores da SN-...;
f. Não prestar serviços de ligação ou, colaboração para negociação ou mediação de jogadores;
g. Não prestar serviços de ligação ou colaboração com outra C..., Associação Distrital ou Regional Desportiva, Clube ou SAD ou com dirigentes de qualquer uma destas instituições;
h. Cumprir exemplarmente os regulamentos da C..., UEFA e FIFA, nomeadamente referentes à disciplina, ética desportiva, antidopagem, directivas de média e marketing do Campeonato da Europa de 2016 e bem assim a legislação nacional relacionada com a sua actividade;
i. Tratar com urbanidade, lealdade e correcção os demais sempre que se encontre a prestar os seus serviços ou por sua ocasião;
j. Contribuir para o cumprimento dos princípios da não discriminação e defesa dos valores da ética e do fairplay,
k. Contribuir para o bom nome da C..., das Selecções Nacionais e em especial da SN-...;
l. Manter um bom relacionamento com todos os Clubes, Instituições e Comunicação Social;
m. Integrar-se na política comum de comunicação da C... dando nomeadamente conhecimento prévio ao Presidente da C..., do teor ou conteúdo das suas declarações, sempre que estejam em causa assuntos relacionados com a SN-... e/ou C....
2. Enquanto o presente contrato vigorar a Segunda Outorgante compromete-se ainda a fazer com que o "Auxiliar Seleccionador" adopte adicionalmente os seguintes comportamentos:
a. Planear e coordenar todos os trabalhos de preparação e actividade das Selecções de Futebol e em particular da Selecção Nacional “...”, determinando, nomeadamente, os programas de estágios e observações, que por si deverão ser, previamente, dados a conhecer ao Presidente da C...;
b. Prestar ao Presidente da C..., regularmente e sempre que lhe sejam solicitadas, todas as informações respeitantes à sua actividade;
c. Realizar conferências de imprensa para anúncio dos jogadores convocados, bem como no dia anterior à realização dos jogos e após a realização de cada jogo, e entrevistas rápidas (flash interviews) em locais devidamente preparados para o efeito pela C... ou pelos patrocinadores da SN-....
d. Elaborar as convocatórias da Selecção ... e visar as convocatórias das restantes Selecções Nacionais de Futebol de onze;
e. Durante a vigência e/ou após a cessação do presente contrato, a Segunda Outorgante compromete-se a guardar e garantir rigoroso sigilo sobre todas as informações, documentos, fotografias, imagens ou quaisquer outros elementos ou acontecimentos de que venha a tomar conhecimento em virtude do acesso privilegiado à C... ou à actividade da SN-..., e a assegurar a adopção do mesmo comportamento por parte dos Auxiliares”.
iv) Cláusula 4.ª (Avença):
1. Enquanto o presente contrato estiver em vigor, a C... compromete-se a pagar à Segunda Outorgante o montante global ilíquido de 70.000 euros (setenta mil euros) por cada mês de duração do contrato.
1.1. No mês de celebração deste contrato de prestação de serviços, bem como no último mês de vigência do mesmo, será apenas devido o pagamento proporcional correspondente ao número de dias de serviços prestados.
2. Ao valor mensal referido no n.º 1 desta cláusula poderá ainda acrescer:
a) Por cada vitória em jogos da SN-... na fase de apuramento para o Campeonato da Europa de 2016 a Segunda Outorgante terá direito a uma importância igual a 5 (cinco) vezes o prémio de vitória que for atribuído aos jogadores;
b) Se em virtude dos serviços prestados pela Segunda Outorgante a SN-... assegurar a qualificação para participar na fase final do Campeonato da Europa de 2016, a C... compromete-se a pagar à Segunda Outorgante, a título de prémio pela qualificação, o valor ilíquido de 500.000 € (quinhentos mil euros) acrescido de uma importância igual a 3 (três) vezes o prémio de qualificação atribuído aos jogadores;
3. Se em virtude dos serviços prestados pela Segunda Outorgante a SN-... assegurar a qualificação para participar na fase final do Campeonato da Europa de 2016, a C... compromete-se igualmente a aumentar, a partir desse momento, o montante mensal ilíquido referido no n.º 1, que se vença posteriormente, para o valor mensal global de € 110.000 (cento e dez mil euros).
4. Durante a fase final do Campeonato da Europa de 2016 a Segunda Outorgante terá direito, para além da remuneração referida anteriormente, a título de prémio, a uma importância igual a 5 (cinco) vezes o valor dos prémios a atribuir aos jogadores;
5. Às importâncias referidas nesta cláusula acresce IVA, à taxa aplicável.
6. A Segunda Outorgante é a exclusiva responsável pelo pagamento dos impostos devidos à Fazenda Pública em virtude de qualquer um dos valores referidos nesta cláusula.
v) Cláusula 5.ª (Seguros), n.º 1: “1. A Segunda Outorgante obriga-se a prestar os serviços ora contratados por conta própria e assegura à C... que será contratado e mantido em vigor, por todo o tempo de duração do presente contrato, o seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores independentes por valor que assegure o seu completo ressarcimento, bem como o dos Auxiliares, em consequência de eventuais danos e/ou lesões sofridas quando esteja a prestar os serviços ora contratados.”;
vi) Cláusula 7.ª (Cláusula Especial de Resolução pela C...):
“1. As partes acordam que assiste à C... o direito de resolver unilateralmente o presente contrato:
a. Caso a SN-... não seja qualificada para participar na fase final do Campeonato da Europa de 2016;
b. Caso, até 13/10/2014 a decisão sancionatória do Comité Disciplinar da FIFA tomada em Julho último relativa ao "Auxiliar Seleccionador'' não seja objecto de revogação ou de suspensão de eficácia;
c. Caso a decisão referida em b), após esgotados todos os meios de reacção previstos nos regulamentos da FIFA, incluindo o recurso para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAS), subsista por maneira que o "Auxiliar Seleccionador" se encontre impossibilitado de orientar a Selecção Nacional “...” em 4 ou mais jogos oficiais;
d. Caso, em 31 de Dezembro de 2014, a decisão referida em b) não tenha ainda transitado sem que a respectiva eficácia tenha sido suspensa nem a sanção reduzida a menos do que 4 jogos oficiais.
2. A resolução do contrato aludida no n.º 1 pode ocorrer nos quinze dias seguintes à verificação do fundamento respectivo e produz efeitos no terceiro dia seguinte ao do registo da comunicação enviada pela C... para a morada mencionada na identificação da Segunda Outorgante.
3. A resolução, por ocorrência de qualquer dos factos previstos no n.º 1, não confere à Segunda Outorgante direito a indemnização, compensação ou pagamento, nomeadamente, das prestações que seriam devidas se o contrato se mantivesse em vigor até ao dia da final do Campeonato da Europa de 2016, comprometendo-se a Segunda Outorgante a não reclamar da C... qualquer quantia além das que proporcionalmente correspondam ao período decorrido entre a data deste contrato e a data da resolução.”.
XIII. Entre a C..., representada por E... e DD..., na qualidade de Presidente e Director-Geral, respectivamente, e a “D..., Unipessoal, Lda” (sic), representada pelo sócio‑gerente A..., foi celebrado em 21.07.2016 “acordo de cedência de direitos de imagem”, que consta no Anexo 7 ao RIT, a pp. 299-300 do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf e a p. 1 do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf, de que se destacam os seguintes considerandos e cláusulas:
i) “Considerando que:
a) A Primeira e Segunda Outorgante celebraram um contrato de prestação de serviços com início no dia 11 de Julho de 2016 e término no dia seguinte ao último jogo da participação da SN-... na fase de apuramento para o Campeonato da Europa de 2020 ou, em caso de apuramento, no dia seguinte ao último jogo da SN-... na fase final do Campeonato da Europa de 2020.
b) A Segunda Outorgante obrigou-se por contrato de prestação de serviços a prestar à Primeira Outorgante serviços técnicos de supervisão e coordenação de todas as Selecções Nacionais da C..., bem como, quanto à Selecção Nacional “...”, de orientação e preparação com vista à qualificação da SN-... para a fase final do Campeonato do Mundo de 2018 e, alcançando este resultado, de orientação e preparação da referida Selecção durante a mencionada fase final deste Campeonato do Mundo;
c) A Segunda Outorgante mais se obrigou pelo mesmo contrato de prestação de serviços a prestar à Primeira Outorgante serviços técnicos de supervisão e coordenação de todas as Selecções Nacionais da C..., bem como, quanto à Selecção Nacional “…”, de orientação e preparação com vista à qualificação da SN-... para a fase final do Campeonato da Europa de 2020 e, alcançando este resultado, de orientação e preparação da referida Selecção durante a mencionada fase final deste Campeonato da Europa.
d) Para a prossecução dos serviços supra descritos, a Segunda Outorgante comprometeu-se a socorrer-se, pelo prazo contratual referido no Considerando a), de uma equipa técnica, doravante designada por "Equipa Técnica SN-..." e composta por:
• Seleccionador Nacional A... (...)
• Auxiliar Q... (...)
• Auxiliar W... (...)
• Auxiliar X..., (...)
• Auxiliar V..., (...).
ii) Cláusula 1.ª (Âmbito):
1. Pelo presente contrato a Segunda Outorgante cede exclusivamente à Primeira Outorgante os direitos de imagem, retrato, som e voz de todos os elementos da Equipa Técnica de que a Segunda Outorgante se socorrerá para prestar os serviços descritos no Considerando b) e c).
2. Ficam expressamente abrangidos pela cedência de direitos de imagem objecto deste contrato todos os elementos da "Equipa Técnica SN-...".
iii) Cláusula (Objecto):
1. A Segunda Outorgante compromete-se a ceder, incondicionalmente, os direitos de utilização da imagem, retrato, som e voz captada por qualquer meio, dos elementos da equipa técnica identificados no Considerando d).
2. A Segunda Outorgante expressamente autoriza a C... a ceder a terceiros, onerosa ou gratuitamente, para os efeitos que tiver por convenientes, os direitos de imagem de cada um dos membros da "Equipa Técnica SN-...":
iv) Cláusula 3.ª (Contrapartida Financeira), n.º 1: “pela cedência de direitos de imagem prevista neste contrato, a Primeira Outorgante pagará à Segunda o montante global ilíquido de € 4.000.000,00 (...)”.
XIV. Entre a C..., representada por E... e DD..., na qualidade de Presidente e Director-Geral, respectivamente, e a “D..., Unipessoal, Lda” (sic), representada pelo sócio‑gerente A..., foi celebrado em 21.07.2016 o “contrato de prestação de serviços” que se mostra junto no Anexo 7 ao RIT, a pp. 291 a 298 do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf e que aqui se dá por integralmente reproduzido, destacando-se do respectivo texto as seguintes cláusulas:
i) Cláusula 1.ª (Objecto):
“1. Pelo presente instrumento a Segunda Outorgante obriga-se a prestar serviços técnicos de supervisão e coordenação de todas as Selecções Nacionais da C..., bem como, quanto à Selecção Nacional “...”, de orientação e preparação com vista à qualificação da SN-... para a fase final do Campeonato do Mundo de 2018 e, alcançando este resultado, de orientação e preparação da referida Selecção durante a mencionada fase final do Campeonato.
2. Mais se obriga a Segunda Outorgante a prestar serviços técnicos de supervisão e coordenação de todas as Selecções Nacionais da C..., bem como, quanto à Selecção Nacional “...”, de orientação e preparação com vista à qualificação da SN-... para a fase final do Campeonato da Europa de 2020 e, alcançando este resultado, de orientação e preparação da referida Selecção durante a mencionada fase final do Campeonato.
3. Na prestação dos serviços objecto deste contrato, a Segunda Outorgante compromete-se a socorrer-se de uma equipa técnica composta pelas seguintes pessoas (doravante "Auxiliares"), garantindo a respectiva disponibilidade para o efeito durante o prazo contratual:
• A... (doravante "Auxiliar Seleccionador"), (...), quanto aos serviços de Seleccionador Nacional;
• Q..., (...)
• W... (...)
• X... (...)
• Auxiliar V... (...).
3. (sic) A utilização dos "Auxiliares" acima identificados tem carácter infungível, pelo que em caso algum a Segunda Contraente poderá executar os serviços contratados por intermédio de quaisquer outras pessoas, salvo com o consentimento prévio por escrito da C..., que poderá concedê-lo ou recusá-lo segundo o seu critério livre e insindicável.
4. (sic) A Segunda Outorgante garante que os "Auxiliares", durante a vigência deste contrato, não prestarão serviços a qualquer clube, sociedade desportiva, associação ou C... de quaisquer modalidades, salvo se prévia e expressamente autorizados por escrito pela C..., que poderá concedê-lo ou recusá-lo segundo o seu critério livre e insindicável”.
ii) Cláusula 2.ª (Qualificação): “As partes acordam expressamente que o presente contrato é de prestação de serviços, apenas interessando os resultados obtidos e não a actividade em si mesma considerada, tendo esta qualificação sido determinante no acordo das partes relativo ao montante máximo a pagar, pela C... à Segunda Outorgante, ao abrigo da cláusula quinta”.
iii) Cláusula 3ª (Deveres relacionados com a SN-...):
“1. Enquanto o presente contrato vigorar a Segunda Outorgante compromete-se a fazer com que cada um dos "Auxiliares" adopte os seguintes comportamentos:
a. Comparecer no Departamento de Futebol da C..., com a assiduidade exigível para o desempenho das tarefas que se revelem necessárias à boa execução e preparação dos serviços a prestar;
b. Durante todas as acções relacionadas com a SN-..., trajar e utilizar o vestuário e equipamentos, incluindo bonés, indicados ou fornecidos pela C... e/ou pelos patrocinadores da SN-..., e não publicitar quaisquer marcas salvo as expressamente consentidas pela C....
c. Prestar ao Presidente da C..., regularmente e sempre que lhe sejam solicitadas, todas as informações respeitantes aos sectores da sua responsabilidade
d. Estar disponível, sempre que possível, em acções promocionais que sejam levadas a efeito pela C... ou pelos patrocinadores da SN-...;
e. Não publicitar em qualquer evento ou situação marcas concorrentes com as dos patrocinadores da SN-...;
f. Não prestar serviços de ligação ou, colaboração para negociação ou mediação de jogadores;
g. Não prestar serviços de ligação ou colaboração com outra C..., Associação Distrital ou Regional Desportiva, Clube ou SAD ou com dirigentes de qualquer uma destas instituições;
h. Cumprir exemplarmente os regulamentos da C..., UEFA e FIFA, nomeadamente referentes à disciplina, ética desportiva, antidopagem, directivas de média e marketing do Campeonato da Europa de 2016 e bem assim a legislação nacional relacionada com a sua actividade;
i. Tratar com urbanidade, lealdade e correcção os demais sempre que se encontre a prestar os seus serviços ou por sua ocasião;
j. Contribuir para o cumprimento dos princípios da não discriminação e defesa dos valores da ética e do fairplay;
k. Contribuir para o bom nome da C..., das Selecções Nacionais e em especial da SN-...;
l. Manter um bom relacionamento com todos os Clubes, Instituições e Comunicação Social;
m. Integrar-se na política comum de comunicação da C... dando nomeadamente conhecimento prévio ao Presidente da C..., do teor ou conteúdo das suas declarações, sempre que estejam em causa assuntos relacionados com a SN-... e/ou C....
2. Enquanto o presente contrato vigorar a Segunda Outorgante compromete-se ainda a fazer com que o "Auxiliar Seleccionador" adopte adicionalmente os seguintes comportamentos:
a. Planear e coordenar todos os trabalhos de preparação e actividade das Selecções de Futebol e em particular da Selecção Nacional "…", determinando, nomeadamente, os programas de estágios e observações, que por si deverão ser, previamente, dados a conhecer ao Presidente da C...;
b. Prestar ao Presidente da C..., regularmente e sempre que lhe sejam solicitadas, todas as informações respeitantes à sua actividade;
c. Realizar conferências de imprensa para anúncio dos jogadores convocados, bem como no dia anterior à realização dos jogos e após a realização de cada jogo, e entrevistas rápidas (flash interviews) em locais devidamente preparados para o efeito pela C... ou pelos patrocinadores da SN-....
d. Elaborar as convocatórias da Selecção ... e visar as convocatórias das restantes Selecções Nacionais de Futebol de onze;
e. Durante a vigência e/ou após a cessação do presente contrato, a Segunda Outorgante compromete-se a guardar e garantir rigoroso sigilo sobre todas as informações, documentos, fotografias, imagens ou quaisquer outros elementos ou acontecimentos de que venha a tomar conhecimento em virtude do acesso privilegiado à C... ou à actividade da SN-..., e a assegurar a adopção do mesmo comportamento por parte dos Auxiliares.
3. Enquanto o presente contrato vigorar a Segunda Outorgante compromete-se ainda a fazer com que cada um dos "Auxiliares" cumpra escrupulosamente a Política de Comunicação da Primeira Outorgante (nomeadamente em matéria de intervenções; públicas) a qual se encontra na directa dependência do CEO da C...”.
iv) Cláusula 4.ª (Prémio de Assinatura):
“1. Decorrente da assinatura do presente contrato a Primeira Outorgante compromete-se a pagar à Segunda Outorgante o montante global de € 3.000.000(00 (três milhões de Euros) a ser liquidado da seguinte forma:
a) O montante de € 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros) a ser pago até ao dia 31 de Julho de 2016;
b) O montante de € 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros) a ser pago até ao dia 31 de Julho de 2017;
c) O montante de € 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros) a ser pago até ao dia 31 de Julho de 2018 e, finalmente
d) O montante de € 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros) a ser pago até ao dia 1 de Julho de 2020.
2. Às importâncias referidas nesta cláusula acresce IVA, à taxa aplicável”.
v) Cláusula 5.ª (Avença):
1. Nas duas primeiras épocas de vigência deste contrato (especificadamente na época 2016/2017 e 2017/2018), a C... compromete-se a pagar à Segunda Outorgante o montante global ilíquido de € 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros) por época desportiva, montante este pago em doze prestações mensais, iguais e sucessivas.
2. No decurso das épocas desportivas de 2018/2019 e 201-9/2020, a C... compromete-se a pagar à Segunda Outorgante o montante global ilíquido de € 3.000.000 (três milhões de euros) por época desportiva, montante este a ser igualmente pago em doze prestações mensais, iguais e sucessivas.
i) No mês de celebração deste contrato de prestação de serviços, bem como no último mês de vigência do mesmo, será apenas devido o pagamento proporcional correspondente ao número de dias de serviços prestados.
3. Ao valor anual referido no n.º 1 e 2 desta cláusula poderá ainda acrescer:
3.1. Relativamente à Competição Campeonato do Mundo de 2018:
a) Por cada vitória em jogos da SN-... na fase de apuramento para o Campeonato do Mundo de 2018 a Segunda Outorgante terá direito a uma importância igual a 6 (seis) vezes o prémio de vitória que for atribuído aos jogadores;
b) Se em virtude dos serviços prestados pela segunda Outorgante a SN-... assegurar a qualificação para participar na fase final do Campeonato do Mundo de 2018, a C... compromete-se a pagar à Segunda Outorgante, a título de prémio, o valor ilíquido de 500.000,00 € (quinhentos mil euros) acrescido de uma importância igual a 4 (quatro) vezes o prémio atribuído aos jogadores;
c) Durante a fase final do Campeonato do Mundo de 2018 a Segunda Outorgante terá direito, a título de prémio, a uma importância igual a 6 (seis vezes o valor dos prémios a atribuir aos jogadores;
3.2. Relativamente à Competição Campeonato da Europa de 2020:
a) Por cada vitória em jogos da SN-... na fase de apuramento, para o Campeonato da Europa de 2020 a Segunda Outorgante terá direito a uma importância igual a 6 (seis) vezes o prémio de vitória que for atribuído aos jogadores;
b) Se em virtude dos serviços prestados pela Segunda Outorgante a SN-... assegurar a qualificação para participar na fase final do Campeonato da Europa de 2020, a C... compromete-se a pagar à Segunda Outorgante a título de prémio, o valor ilíquido de 500.000,00 € (quinhentos mil euros) acrescido de uma importância igual a 4 (quatro) vezes o prémio atribuído aos jogadores;
c) Durante a fase final do Campeonato da Europa 2020, a Segunda Outorgante terá direito, a título de prémio, a uma importância igual a 6 (seis) vezes o valor dos prémios a atribuir aos jogadores;
3. (sic) Às importâncias referidas nesta cláusula acresce IVA, à taxa aplicável.
4. (sic) A Segunda Outorgante é a exclusiva responsável pelo pagamento dos impostos devidos à Fazenda Pública em virtude de qualquer um dos valores referidos nesta cláusula
vi) Cláusula 6.ª (Seguros), n.º 1: “A Segunda Outorgante obriga-se a prestar os serviços ora contratados por conta própria, mantendo em vigor, por todo o tempo de duração do presente contrato, o seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores independentes por valor que assegure o seu completo ressarcimento, bem como o dos Auxiliares, em consequência de eventuais danos e/ou lesões sofridas quando esteja a prestar os serviços ora contratados”;
vii) Cláusula 7.ª (Vigência):
“1. O presente contrato tem o seu início no dia 11 de Julho de 2016 e o seu termo no dia seguinte ao último jogo da participação da SN-... na fase de apuramento para o Campeonato da Europa de 2020 ou, em caso de apuramento, no dia seguinte ao último Jogo da SN-... na fase final do Campeonato da Europa de 2020.
2. A cessação do presente contrato em data anterior à referida no número anterior só poderá ocorrer mediante acordo entre as partes Contratantes.
3. Se a Primeira Outorgante fizer cessar o presente contrato em momento anterior ao prazo estabelecido no n.º 1 desta Cláusula 7.ª, fica obrigada ao pagamento integral de todas as prestações que seriam devidas caso o contrato se mantivesse em vigor até ao final do seu termo, de acordo com montantes estipulados nos n.ºs 1 e 2 da cláusula 5.ª.”.
XV. Foram gerentes da sociedade D... inicialmente o Requerente A... e, a partir de 27.01.2014, também a Requerente B..., tendo em 18.12.2018 o Requerente A... renunciado ao seu cargo, passando a ser gerentes a Requerente B... e BB..., genro dos Requerentes (conforme certidão permanente no anexo 2 ao RIT).
XVI. Nos anos de 2016 e de 2017 a gerência de facto da D... foi exercida exclusivamente pelo Requerente A... (vd. a resposta escrita de prestação de esclarecimentos apresentada em nome da Requerente B..., pela respectiva mandatária, em 02.11.2020, constante do Anexo 5 ao RIT, a pp. 242 e segs. do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf, designadamente a referência no respectivo ponto n.º 6 a que: “Nos exercícios de 2016 e 2017 a gerência de facto da D... era exercida pelo Exmo. Senhor Eng. A...”).
XVII. A D... tinha ao seu serviço quatro trabalhadores em 2016 e seis trabalhadores em 2017, conforme tabela seguinte (p. 31 do RIT):
XVIII. N..., contribuinte n.º ... e M..., contribuinte n.º ..., ambos trabalhadores da D... em 2016 e 2017, casados entre si, foram contratados nos seguintes termos: M... foi trabalhadora dependente da Requerente B... de 2011 a 2014, tendo passado a trabalhar para a D... em Janeiro de 2015, no exercício de funções descritas como prestação de serviços administrativos e de secretariado e outras funções afins ou funcionalmente ligadas, sendo o motivo da sua selecção o facto de ter exercido funções como empregada de serviço doméstico a tempo parcial de A... há alguns anos, geradora de relação de confiança; N... foi contratado em Abril de 2014 por A..., quando se encontrava desempregado, em atenção à relação já existente entre a sua mulher e A..., para o exercício de funções de prestação de serviços administrativos e outras funções afins ou funcionalmente ligadas, bem como funções como motorista e estafeta, realizando também pequenas reparações e trabalhos de manutenção nos imóveis de que a sociedade é proprietária (respostas escritas de prestação de esclarecimentos apresentadas em nome de M...e N..., pela respectiva mandatária, em 17.12.20220 e 18.12.2020, constantes do Anexo 6 ao RIT, a pp. 269 e segs. do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf, que se dão aqui por reproduzidas).
XIX. FF..., contribuinte n.º ..., que constou do quadro de pessoal da D... entre 29.05.2017 e 14.07.2017, “estava envolvido no negócio de brindes da I... quando trabalhava na D...”, desconhecendo a “actividade da D... e o seu objecto social e se estaria ou não ligada também a esse negócio, mas que sabia que a D... detinha parte do capital da I...” e EE…, contribuinte n.º ..., trabalhador da D... desde 2015, desempenhava funções de motorista, tendo anteriormente sido trabalhador dependente da Requerente B... de 2005 a 2014 (termo de declarações de FF... constantes do Anexo 6 ao RIT, a pp. 281-282 do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf e alegação constante do RIT, p. 37, não contraditada na PI).
XX. Os funcionários da D... acima designados em XVIII e XIX não desenvolveram quaisquer actividades relativamente ao objecto dos contratos celebrados entre a D... e a C... descritos em XII, XIII e XIV(reconhecimento efectuado pelo Requerente no seu depoimento em audiência; vd. ainda respostas escritas de prestação de esclarecimentos apresentadas em nome de M...e N..., pela respectiva mandatária, em 17.12.20220 e 18.12.2020, e termo de declarações de FF... constantes do Anexo 6 ao RIT, a pp. 269 e segs. e a pp. 281-282 do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf).
XXI. O Requerente A... procedeu à realização de prestações suplementares de capital na sociedade no montante de € 600.000,00 em 30.5.2014 e no montante de € 220.000,00 em 26.11.2014, tendo-se verificado o reembolso de prestações suplementares no montante de € 40.000, conforme deliberação de 31.3.2017, e de € 750.000,00, conforme deliberação de 21.4.2017 (cfr. actas da assembleia geral da D... n.º 2 de 30.5.2014, n.º 3 de 26.11.2014, n.º 6 de 31.3.2017, e n.º 7 de 24.4.2017, que constam do anexo 3 ao RIT).
XXII. A sociedade D... em 2016 teve o resultado antes de impostos de € 3.643.208,24, o que gerou um imposto sobre o rendimento do período de € 864.928,29, e em 2017 teve o resultado antes de impostos de € 3.461.673,71, o que gerou um imposto sobre o rendimento do período de €834.275,46, não tendo procedido à distribuição dos respectivos resultados líquidos do exercício de € 2.836.678,26 em 2016 e de € 2.615.983,98 em 2017, sendo que nunca ocorreu qualquer distribuição de lucros aos sócios desde a constituição da sociedade (cfr. as diversas actas da assembleia geral juntas no anexo 3 ao RIT, bem como RIT, p. 25 e reconhecimento constante do art. 40.º da PI).
XXIII. É no imóvel sito na …, …, … …, que corresponde à habitação dos Requerentes e à sede da D..., que esta tem o seu escritório, se encontram arquivados os documentos contabilísticos, administrativos e societários referentes à sua actividade, e se realizam algumas reuniões com fornecedores, colaboradores e outras entidades com as quais a D... se relaciona (facto reportado nas respostas escritas de prestação de esclarecimentos apresentadas em nome do Requerente A... e da Requerente B..., pelos respectivos mandatários, em 02.11.2020, constantes do Anexo 5 ao RIT, a pp. 231 e segs. do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf e nas respostas escritas de prestação de esclarecimentos apresentadas em nome de M...e N..., pela respectiva mandatária, em 17.12.20220 e 18.12.2020, constantes do Anexo 6 ao RIT, a pp. 269 e segs. do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf).
XXIV. A D... em Março de 2014 investiu: na sociedade I... S.A., que desenvolve e distribui brindes promocionais a profissionais, mediante subscrição de uma participação de 15% que foi reforçada para 31,13% em 2018; em Maio de 2017 na sociedade GG..., Lda., Lda., que se dedica à exploração de um «boutique hotel», mediante aquisição de participação de 40%; detendo ainda participações sociais de 3,75% na sociedade HH... – Companhia de Seguros, S.A. e de 4,75% na II... – Sociedade de Capital de Risco, S.A. (cfr. factos não controvertidos constantes dos arts. 24.º, 25.º e 26.º da PI e RIT, p. 23, e declarações do Requerente na audiência de de 20.06.2022, bem como, no que concerne à I... S.A., os documentos constantes do ficheiro “P860_2021-T documentos para juntar à Acta” apresentados pelos Requerentes na referida audiência de 20.06.2022).
XXV. A C... suporta os custos com os estágios e deslocações da Selecção Nacional ..., incluindo os da equipa técnica, compreendendo o Requerente e todos os seus membros (depoimento do Requerente; declarações da testemunha E... na audiência de 20.6.2022; termo de declarações do Assessor da Presidência da C..., constante do Anexo 11 ao RIT, a pp. 225 e segs. do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf, em cujo ponto 12 se lê: “[e]m relação aos encargos com deslocações (ex.º passagens aéreas, transfers, etc.), alojamento (ex.º hotéis, etc.), campos de treino, equipamentos e outra logística associada, referentes à equipa técnica da Selecção Nacional ..., identificou a entidade responsável pela organização dessa logística e pelo pagamento dos encargos inerentes, como sendo a C..., porque os mesmos vão ao seu serviço. Os encargos são pagos directamente aos fornecedores/prestadores dos serviços, em relação aos atletas e aos membros da equipa técnica das deslocações necessárias”; reconhecimento constante do ponto n.º 6.n. das alegações dos Requerentes).
XXVI. Nos anos em causa de 2016 e de 2017 não foi celebrada qualquer cedência onerosa dos direitos de imagem do Requerente A... para a sociedade D..., relativamente aos direitos de imagem objecto do contrato celebrado em 21.07.2016 entre a C... e a D... acima referido em XIII (facto reconhecido pelo Requerente A... na audiência de 20.6.2022).
XXVII. O..., Treinador Nacional da C..., fazia parte da equipa técnica da Selecção de Futebol … e detinha contrato desportivo directamente com a C... (depoimento do Requerente na audiência de 20.6.2022; declarações da testemunha E... na mesma audiência; RIT, p. 64; impressão retirada do sítio electrónico da C... sobre a “Selecção ... – Equipa Técnica” constante do Anexo 1 ao RIT; cfr. ainda facto provado n.º VIII).
XXVIII. Com base nos contratos acima descritos nos pontos n.ºs XII, XIII e XIV foi emitida facturação da D... à C... nos anos de 2016 e de 2017, conforme facturas constantes do Anexo 8 ao RIT, a fls. 5 e segs. do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf, que aqui se dão por reproduzidas, nos termos das descrições e montantes que resultam do quadro seguinte (factualidade aceite conforme RIT, p. 42 e art. 35.º da PI):
XXIX. A D... celebrou contratos com sociedades detidas por outros elementos da equipa técnica da Selecção Nacional ... de futebol, conforme quadro seguinte (RIT, p. 46 e contratos juntos no anexo 9 ao RIT a fls. 47 e segs. do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf):
XXX. Com base nos contratos celebrados pela D... com JJ...‑CONSULTORIA LDA (NIF ...), relacionada com Q... (NIF ...), Treinador Assistente, KK...-CONSULTORIA LDA (NIF ...), relacionada com X... (NIF ...), Treinador Nacional de Guarda-redes, LL... CONSULTORES LDA (NIF ...), relacionada com W... (NIF ...), Treinador Assistente e MM...-CONSULTORIA LDA (NIF ...) relacionada com V... (NIF ...), Observador, que se encontram juntos no anexo 9 ao RIT a fls. 47 e segs. do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, foram facturados à D... nos anos de 2016 e de 2017, conforme facturas constantes do anexo 10 ao RIT a a fls. 93 e segs. do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf, gastos com subcontratos nos montantes de € 1.489.310,02, no exercício de 2016, e de € 1.032.900,00 no exercício de 2017 (factualidade igualmente aceite conforme RIT, p. 52 e art. 36.º da PI).
XXXI. Nas declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS dos Requerentes (A... – sujeito passivo A e B... – sujeito passivo B) relativas aos anos de 2016 e de 2017 foram declarados: rendimentos do trabalho dependentecategoria A, para o sujeito passivo A e rendimentos de pensões-categoria H, para o sujeito passivo B, nos exercícios de 2016 e 2017; rendimentos prediais‑categoria F, para ambos os sujeitos passivos A e B, nos exercícios de 2016 e 2017; rendimentos de incrementos patrimoniais-categoria G, para ambos os sujeitos passivos A e B, nos exercícios de 2016 e 2017, que inclui ainda rendimentos obtidos no estrangeiro dessa categoria, para o sujeito passivo A, nos exercícios de 2016 e 2017; e rendimentos de capitais-categoria E, para o sujeito passivo A, no exercício de 2016, referente a rendimentos obtidos no estrangeiro, sendo que, no anexo A das declarações Modelo 3 de IRS, dos exercícios de 2016 e 2017, foram declarados os rendimentos pagos pela D... a A..., com retenções e contribuições inerentes, bem como quotizações, nos seguintes termos (ponto II.3.1, pp. 8 a 12 do RIT em que se descrevem as declarações de rendimentos):
(em €)
Ano
|
Rendimentos
|
Retenções
|
Contribuições
|
Retenção Sobretaxa
|
Quotizações
Sindicais
|
Quotizações
Ordens profissionais
|
2016
|
70.000,00
|
23.450,00
|
7.700,00
|
938,00
|
127,20
|
20,00
|
2017
|
70.000,00
|
23.450,00
|
7.700,00
|
792,00
|
|
|
Total
|
140.000,00
|
46.900,00
|
15.400,00
|
1.730,00
|
127,20
|
20,00
|
XXXII. Nos períodos de tributação de 2016 e de 2017 não foi declarada qualquer actividade geradora de rendimentos empresariais ou profissionais (categoria B) em sede de IRS, por qualquer um dos sujeitos passivos aqui Requerentes (ponto II.3.1, pp. 8 a 12 do RIT).
XXXIII. Relativamente aos anos de 2016 e de 2017, verifica-se, em relação às declarações de rendimentos dos Requerentes, que:
• A 2017-05-24, foi entregue a declaração de rendimentos modelo 3 de IRS n.º … - 2016 - … - … para o ano de 2016 e a AT procedeu à emissão da liquidação n.º 2017 … em 2017‑07‑05, da qual resultou o valor a pagar no montante de € 3.484,09;
• A 2018-05-21, foi entregue a declaração de rendimentos modelo 3 de IRS n.º … - 2017 - … - …, para o ano de 2017 e a AT procedeu à emissão da liquidação n.º 2018 … em 2018-05-23, da qual resultou o valor a pagar no montante de € 3.813,09 (facto não controvertido objecto do art. 43.º da R e Anexo 13 ao RIT a fls. 33 e segs. do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf).
XXXIV. A celebração dos contratos acima descritos com a C... pela D... assegurou em 2016 e 2017 que os valores com base neles atribuídos pela C..., deduzidos dos gastos inerentes, incluídos no lucro tributável da D... fossem sujeitos à taxa de tributação em IRC inferior à que resultaria da tributação dos Requerentes em IRS dos mesmos rendimentos, enquadrados na categoria B e sujeitos a englobamento, com aplicação das taxas progressivas, bem como assegurou a aplicação do regime de dedutibilidade de gastos consagrado no CIRC (factualidade resultante da conjugação dos factos n.ºs XII, XIII e XIV, XXII, XXVIII, XXXI, XXXII e XXXIII).
XXXV. Com base nas ordens de serviço n.ºs OI2020... e OI2020…, foi realizado procedimento de inspecção tributária aos Requerentes dirigido à comprovação e verificação do cumprimento das obrigações tributárias relativas ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) dos anos de 2016 e 2017, de que resultou o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, notificado pelo Ofício DFL n.º …, de 29.01.2021 (cfr. doc. n.º 8 à PI e no PA fls. 223 e segs. do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf e fls. 1 e segs. do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf) relativamente ao qual não foi exercido o direito de audição prévia, e, subsequentemente, o Relatório de Inspecção Tributária (RIT), notificado pelo Ofício DFLisboa n.º …, de 12.03.21 (cfr. doc. n.º 9 à PI e fls. 57 e segs. do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf do PA).
XXXVI. No referido RIT (cfr. doc. n.º 9 à PI e fls. 59 e segs. do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf do PA) foi exarado despacho de autorização da Directora-Geral da AT datado de 12.03.2021 nos termos e com os fundamentos propostos em despacho do Director de Finanças de 05.03.2021 com o seguinte teor:
“Concordo com os pareceres e com o Relatório da acção inspectiva, em anexo.
O relato da situação tributária observada justifica e fundamenta a correção proposta em sede de IRS - correcções à matéria tributável, conforme mapa resumo.
A fundamentação assenta na previsão/estatuição das normas técnicas contidas no Código do IRS (CIRS), na redacção vigente à data da prática dos factos, pelo que se consideram reunidos os pressupostos de direito e de facto, para se proceder à sujeição a tributação dos rendimentos de prestações de serviços, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º, e artigo 57.º, ambos do CIRS, em obediência à aplicação do disposto no número 2 do artigo 38.º da LGT, conjugado com o artigo 63.º do CPPT”.
XXXVII. O RIT promoveu correcções em sede de IRS aos exercícios de 2016 e de 2017 nos seguintes termos (p. 6 do RIT):
XXXVIII. Estas correcções fundamentaram-se no RIT que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. doc. n.º 9 à PI e fls. 57 e segs. do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf constitutivo do PA), relevando destacar as seguintes considerações do RIT que se transcrevem (pp. 7 e seguintes do RIT; suprimiram-se as notas de rodapé e corrigiram-se lapsos de escrita):
- “As acções inspectivas externas referidas incidiram sobre os exercícios de 2016 e 2017, de âmbito parcial em IRS, tendo sido determinadas em função da constatação que, nomeadamente, o Seleccionador Nacional de Futebol, A..., não tem qualquer contrato de trabalho ou de prestação de serviços com a C..., dado os serviços prestados terem sido contratados por sociedade detida pelo próprio técnico, tendo-se aberto os presentes procedimentos inspectivos para verificar a situação tributária do sujeito passivo singular, A...” [ponto II.2, p. 7 do RIT];
- “Relativamente ao sujeito passivo A, A..., consta do site da C... (C...), nota biográfica, acerca do seu percurso profissional, destacando-se o facto de ser Seleccionador Nacional, desde Setembro de 2014 (vide anexo 1).
Em relação à credenciação exigível, a título individual, para o cargo técnico de A..., enquanto "seleccionador nacional" da C..., a nível nacional e a nível internacional, e quanto à entidade que atribui essa credenciação, na prestação de esclarecimentos por escrito, efectuada em nome de A... (Vide anexo 5), na sequência da n/ notificação de 19/10/2020, no ponto 10, afirmou que em relação ao tipo de credenciação exigível, a nível individual, para o referido cargo técnico, que não teria conhecimento de ser exigida qualquer credenciação para o cargo de Seleccionador Nacional (da C...), que existe credenciação específica - UEFA Pro Licence - exigida apenas a treinadores e que este exerce as funções de seleccionador nacional, que engloba cargos funcionalmente diversos, que excedem as funções de definição das opções tácticas e supervisão do treino físico, por definição atribuídas a um treinador.
Contudo, conforme declarações obtidas em 27/10/2020, junto da própria C... (C...) (Vide anexo 11-ponto 3), no que respeita ao tipo de credenciação que exigem para esse cargo de Seleccionador Nacional da C..., foi declarado ser a nível nacional o título de treinador de desporto, concedido pelo IPDJ (Instituto Português do Desporto e Juventude) e a nível internacional o UEFA Pro, que é o nível mais alto concedido pela UEFA. De salientar ainda que, nas comunicações oficiais à FIFA, que são remetidas pela C... antes dos jogos, em 2016 e em 2017, A... consta como "coach", que traduzido para português significa "treinador", enquanto que O... consta como "assistant coach", que traduzido para português significa "treinador adjunto" (Vide anexo 11, comunicações apresentadas pela C... a título exemplificativo). (...)
(...) A... é membro do Conselho de Administração da I... SA, desde 19/03/2014 e foi gerente da Sociedade Imobiliária da NN…, Lda, entre 13/04/2012 e 02/10/2019.
A... é sócio maioritário da sociedade D..., desde a sua constituição em 14/01/2014 e a sede desta sociedade corresponde à morada do seu domicílio fiscal. Desde 20/12/2018, que este não exerce o cargo de gerente da D..., visto que esse cargo passou a ser desempenhado pelo seu genro, BB...- NIF ..., juntamente com a sua esposa, B..., que havia sido designada gerente em 2014. De realçar que, nos anos de 2016 e 2017, o gerente de facto era somente A..., atendendo aos esclarecimentos prestados por B... (vide anexo 5) (...).
Por análise destas declarações, verifica-se que foram declarados rendimentos do trabalho dependentecategoria A, para o sujeito passivo A e rendimentos de pensões-categoria H, para o sujeito passivo B, nos exercícios de 2016 e 2017; rendimentos prediais-categoria F, para ambos os sujeitos passivos A e B, nos exercícios de 2016 e 2017; rendimentos de incrementos patrimoniais-categoria G, para ambos os sujeitos passivos A e B, nos exercícios de 2016 e 2017, que inclui ainda rendimentos obtidos no estrangeiro dessa categoria, para sujeito passivo A, nos exercícios de 2016 e 2017; e rendimentos de capitais-categoria E, para sujeito passivo A, no exercício de 2016, referente a rendimentos obtidos no estrangeiro.
Salienta-se que, no anexo A das declarações Modelo 3 de IRS, dos exercícios de 2016 e 2017, foram declarados rendimentos pagos pela sociedade D... a A..., com retenções, e contribuições inerentes, bem como quotizações:
(em €)
Ano
|
Rendimentos
|
Retenções
|
Contribuições
|
Retenção Sobretaxa
|
Quotizações Sindicais
|
Quotizações
Ordens profissionais
|
2016
|
70.000,00
|
23.450,00
|
7.700,00
|
938,00
|
127,20
|
20,00
|
2017
|
70.000,00
|
23.450,00
|
7.700,00
|
792,00
|
|
|
Total
|
140.000,00
|
46.900,00
|
15.400,00
|
1.730,00
|
127,20
|
20,00
|
De realçar que, nos períodos de tributação objecto de inspecção (2016 e 2017) não foi declarada qualquer actividade geradora de rendimentos empresariais ou profissionais (categoria B) em sede de IRS, por qualquer um dos sujeitos passivos (A e B).” [ponto II.3, pp. 8 a 12 do RIT].
- “Foi questionado o sujeito passivo A, A..., por intermédio de uma das suas mandatárias (...) para o esclarecimento de algumas questões relacionadas com a D..., designadamente sobre o motivo da constituição da D... e da posterior alteração do objecto social desta (...).
Na resposta a esta questão afirmou que, "[o] Exponente pretendia, com a D..., iniciar uma actividade empresarial onde pudesse rentabilizar, de forma autónoma e com responsabilidade limitada, uma parte das poupanças e o vasto know-how e experiência por si adquiridos ao longo da sua vida profissional, quer como Engenheiro, quer como profissional na área do Desporto e do Futebol em particular''. Afirma que a D... investiu numa sociedade denominada I..., S.A., NIF … ("I..."), tendo sido esse investimento concretizado em Março de 2014, data em que a D... adquiriu uma participação no capital social da sociedade I..., por via de um aumento de capital desta. Acrescenta que o Exponente (referindo-se a A...) é membro do Conselho de Administração da I... desde Março de 2014, data em que a D... adquiriu a participação social.
Em relação à alteração do objecto social, declarou que "[e]m Maio de 2017, a D... alterou o objecto social de forma a abranger igualmente actividades relacionadas a exploração turística – o aditamento ao objecto social inclui: "a gestão de exploração turística e hoteleira, hospedagem, alojamento local, alojamento mobilado para turistas, alojamento de curta duração, casas de campo, turismo no espaço rural, turismo de habitação, turismo de natureza, ecoturismo, enoturismo, turismo equestre, turismo religioso, turismo de saúde, arrendamento de imóveis" - porque investiu na área do turismo, tendo procedido à aquisição de uma participação social na sociedade "GG..., Lda., Lda”, NIF …. Esta sociedade tem como actividade a exploração de um "boutique hotel" denominado "OO…", localizado no … - … - …, e de uma Guest House sita em …, sendo este último imóvel propriedade da D...."
Afirma que a D... foi inicialmente constituída com o objectivo de iniciar uma actividade económica através da aquisição de participações noutra sociedade (a I...), no entanto, esse aditamento ao objecto social somente passou a constar da certidão do registo comercial da D..., a partir de Maio de 2017, não obstante estar inicialmente previsto, por motivo que alega desconhecer.
Tem especial relevância na actividade da D... a prestação de serviços à C... (C...), através de 3 contratos de prestação de serviços (vide anexo 7), celebrados em 2014 e 2016, que representam a sua principal fonte de rendimento e garantem a sua viabilidade económica (...).
[ponto II.3.2, pp. 19 e 20 do RIT].
- “ • Rendimentos
Da análise à informação disponível no sistema e-factura, nomeadamente no que respeita às facturas comunicadas pela D... à AT, na qualidade de emitente, foram apurados os seguintes valores tributáveis de facturação, contabilizados na D... na conta 721- Prestações Serviços- Continente (vide anexo 4):
Conforme informação constante no quadro anterior, a C... é o principal cliente da D..., representando cerca de 98% do valor total das facturas emitidas por essa sociedade, nos anos de 2016 a 2017, ou seja, os rendimentos inerentes aos três contratos com a C..., referentes à prestação de serviços da equipa técnica da Selecção Nacional "…" e aos direitos de imagem (...) representam a sua principal fonte de rendimento.
Verifica-se, assim, a quase total dependência da D... em relação à C..., consubstanciado nos referidos três contratos com a C..., com o risco inerente para a actividade da D....
• Gastos
No cômputo dos gastos evidenciados na demonstração de resultados (...), apresentam maior relevo os fornecimentos e serviços externos e os gastos com pessoal.
A decomposição da rubrica de fornecimentos e serviços externos, está expressa no quadro 061-A do anexo A, da IES, dos exercícios de 2016 e 2017, encontrando-se resumida no quadro seguinte:
Da análise dos extractos contabilísticos, documentos de suporte destas rubricas, dos balancetes analíticos a 31/12 (vide anexo 4) e da obtenção de esclarecimentos adicionais junto da mandatária da D... (vide anexo 5), recolhidos no âmbito do despacho emitido em nome da D... (DI2020...), relativo ao período de tributação de 2016 e 2017, concluiu-se o exposto nos parágrafos seguintes.
Nos gastos relativos a FSE, destacam-se os subcontratos- conta 621 (vide anexo 4), que representam, em 2016, 93, 23% e em 2017, 87,01%, dos FSE. Estes estão inequivocamente relacionados com os valores facturados à D..., pelas sociedades detidas pelos outros elementos da equipa técnica da Selecção Nacional "…" (vide anexo 1), no âmbito de contratos de prestações de serviços celebrados com essas entidades (vide anexo 9): JJ... - CONSULTORIA LDA- NIF ..., relacionada com Q...- NIF ..., Treinador Assistente, KK... - CONSULTORIA LDA- NIF ..., relacionada com X...- NIF ..., Treinador Nacional de Guarda-redes, LL... CONSULTORES LDA- NIF ..., relacionada com W...- NIF ..., Treinador Assistente e MM... - CONSULTORIA LDA- NIF ..., relacionada com V...NIF..., Observador.
As facturas relativas a esses subcontratos foram comunicadas pelas referidas sociedades, constando do sistema e-factura, com os seguintes valores tributáveis globais:
”.
- “Da consulta às Declarações Mensais de Remunerações (DMR's) entregues pela D... nos anos de 2016 e 2017, verificou-se que esta declarou o pagamento de remunerações a quatro trabalhadores em 2016 e a seis trabalhadores em 2017.
Na tabela apresentada em seguida, estão expressos os valores dos rendimentos anuais declarados como sujeitos a tributação em IRS, na esfera dos beneficiários, nas DMRs apresentadas pela D..., bem como a categoria profissional dos trabalhadores evidenciada nos recibos de vencimentos e/ou declarações de remunerações da segurança social:
NIF dotitular
|
Nome do Titular
|
2016
|
2017
|
Categoria
|
...
|
A...
|
70.000,00
|
70.000,00
|
SócioGerente
|
...
|
N...
|
7.420,00
|
7.798,00
|
Apoio
administrativo
|
...
|
M…
|
7.420,00
|
7.798,00
|
Director
|
...
|
EE…
|
7.420,00
|
7.798,00
|
Motorista
|
...
|
BB...
|
|
39.500,01
|
Director
|
FF...
|
FF…
|
|
4.028,82
|
lnt. Sales Vice Director
|
Total Geral
|
92.260,00
|
136.922,83
|
|
(...)
Foram solicitados esclarecimentos, em relação a três trabalhadores da D... (N..., M... e FF...), com domicílio fiscal no distrito de Lisboa, tendo sido descrito as ·suas funções na empresa, razão da sua selecção, local de trabalho, entre outras questões.
Com base na informação disponível no cadastro fiscal da AT, bem como, em relação a três trabalhadores, às declarações prestadas por estes (Vide anexo 6), é de salientar o seguinte:
- Os contribuintes N..., NIF ... e M…, NIF ..., são casados e de acordo com a informação do sistema informático da AT, M... foi trabalhadora dependente de B... (esposa de A...), de 2011 a 2014, tendo passado a trabalhar para a D... em 2015. Em relação a N..., desconhecese qualquer outro rendimento auferido pelo mesmo, para além dos rendimentos pagos pela D..., a partir de 2014.
Na prestação de esclarecimentos, em relação a N..., acerca das funções exercidas, foi declarado genericamente no ponto 1 que, as funções exercidas "... desde a sua contratação e à data de 2016 e 2017 eram abrangentes, compreendendo a prestação de serviços administrativos e outras funções afins ou funcionalmente ligadas, bem como funções como motorista e estafeta. O Exponente procedia ainda a pequenas reparações e trabalhos de manutenção nos imóveis de que a sociedade é proprietária (nomeadamente na sede e no imóvel sito em …)". Em relação a M…, foi declarado, em relação às funções exercidas genericamente no ponto 1, que "[a]s funções exercidas desde a sua contratação e à data de 2016 e 2017 compreendiam a prestação de serviços administrativos e de secretariado e outras funções afins ou funcionalmente ligadas’’. Acerca do motivo da sua contratação, em relação a N…, este afirmou que A..., à data gerente da D..., tomou conhecimento que este se encontrava em situação de desemprego e a D... necessitava de contratar uma pessoa para desempenhar funções de apoio administrativo na empresa, julgando ter sido seleccionado pela relação já existente entre a sua mulher e A...; em relação a M..., foi indicado que esta julga que o motivo da sua selecção se prende com o facto de ter exercido funções como empregada de serviço doméstico a tempo parcial de A... há alguns anos, tendo-se, por este motivo, estabelecido uma relação de confiança entre ambos e que em finais de 2014 foi abordada por este para o exercício de funções de apoio administrativo e de secretariado na D..., ao que esta acedeu, visto representar um aumento salarial e a possibilidade de evolução profissional.
- FF…, NIF ..., surge nas DMRs como trabalhador dependente da I..., após um período de cerca de 2 meses como trabalhador dependente da D.... Na prestação de esclarecimentos declarou, em relação às funções exercidas, no exercício de 2017, no ponto 4, que "... olhava para a melhor estratégia de abordagem de entrada ou de aumento das vendas dos brindes promocionais em determinados mercados internacionais, mas sempre na óptica da I.... Desconhece a actividade da D... e o seu objecto social e se estaria ou não ligada também a esse negócio, mas que sabia que a D... detinha parte do capital da I...." Mais declarou que "... trabalhava habitualmente a partir de casa, tendo se deslocado algumas vezes a ..., ao domicílio do Eng.° A... para reuniões ocasionais e à sede da I..., em …, para reuniões com o Sr. RR..." (ponto 6). Conforme ponto 2, do termo de declarações, afirmou que "... estava envolvido no negócio de brindes da I... quando trabalhava na D..., mas, formalmente, somente após sair da D... é que iniciou funções na I...'' e ainda, no ponto 3, que "... como parte do processo de selecção, ainda teve conversas com um dos responsáveis da I... acerca do negócio do brinde promocional" e que "[j]ulga que a sua entrada na D..., se teria tratado de um teste, para perceber se encaixava no perfil pretendido, para as funções a exercer nesse negócio" e que "... foi contratado pela D... e respondia perante essa entidade e quem lhe transmitia instruções era o Z… e ainda o RR.., este último da I..., nesse período em que era trabalhador dependente da D...".
- EE…, NIF ..., de 88 anos, residente em Pavia, Mora (segundo o Cadastro da AT), também é trabalhador dependente da D..., desde 2015, desempenhando, aparentemente, funções de motorista. Contudo, verificou-se que anteriormente também foi trabalhador dependente de B... (de 2005 a 2014).
- BB…, genro de A..., passou a ser trabalhador dependente da D... em 2017 e nos recibos de vencimento e declarações de remunerações da segurança social da D..., consta que tem a categoria de director. Este é sócio-gerente da D..., desde dezembro de 2018.
Da análise do cômputo dos rendimentos e gastos, verificou-se que:
- A principal fonte de rendimentos da D..., nos exercícios de 2016 e 2017, advém dos contratos de prestações de serviços com a C..., representando cerca de 98% do valor da facturação emitida pela sociedade nesses anos;
- Analisando a estrutura dos gastos, nos exercícios de 2016 e 2017, tem maior peso a rubrica de "Subcontratos", que está inequivocamente relacionada com os valores facturados à D..., pelas sociedades detidas pelos outros elementos da equipa técnica da Selecção Nacional “...”, no âmbito de contratos de prestações de serviços celebrados com essas entidades;
- A principal fonte de receita e de despesa da D... deriva dos contratos com a C..., sendo que a D... depende destes para a sua viabilidade económica.” (...)
“• Aplicação resultados
De salientar que, pela análise dos elementos contabilísticos e fiscais, designadamente actas de aprovação das contas e de aplicação de resultados dos exercícios de 2014 a 2017 (Vide anexo 3) e extractos da contabilidade dos exercícios de 2016 e 2017, a D... não procedeu à distribuição de lucros aos seus sócios, desde a sua constituição até ao exercício de 2017 inclusive. A aplicação dos resultados está evidenciada na tabela seguinte:
(em€)
|
RLE
|
Aplicação resultados
|
|
Res.Legais
|
Res.Livres
|
Res.Transitados
|
2014
|
53.865,05
|
5.000,00
|
48.865,05
|
|
Ata n.º 4
|
2015
|
409.781,96
|
131.000,00
|
278.781,96
|
|
Ata n.º5
|
2016
|
2.836.678,26
|
|
|
2.836.678,26
|
Ata n.º6
|
2017
|
2.615.983,98
|
|
|
2.615.983,98
|
Ata n.º12
|
• Prestações suplementares
No exercício de 2017, a D... procedeu à restituição de prestações suplementares no valor de €790.000,00 a A..., de um total de €1.420.000,00 da Conta 53.1.1 Prestações Suplementares- A…, que haviam sido constituídas no exercício de 2014.
Foram apresentadas actas referentes à deliberação de constituição dessas prestações suplementares (Vide actas 1, 2 e 3 no anexo 3), extracto contabilístico da conta 53.1 e documentos bancários, aquando da constituição de Prestações Suplementares, que perfazem o valor de €1.420.000,00, conforme tabela seguinte:
Data
|
Montante(em€)
|
Observ.
|
10/01/2014
|
250€
|
|
29/01/2014
|
99.750€
|
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29/01/2014
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500.000€
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29/05/2014
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600.000€
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30/06/2014
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150.000€
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30/06/2014
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70.000€
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(1)
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1.420.000,00€
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Observ.:
(1) Referem, por email de 16/12/2020 (vide anexo 5), que o valor total desta transferência totaliza o montante de €250.000, dado que:
- O montante de €70.000 foi destinado à realização de prestações suplementares por A..., tendo assim sido registado contabilisticamente como prestações suplementares em nome dele, conforme extracto da rubrica contabilística 53.1, que anexaram; e
- O montante de €180.000 foi destinado à realização de capital social pela sócia B....
Assim, este montante foi registado contabilisticamente em nome dela, para realização de aumento de capital e aquisição de participação social que veio a ocorrer posteriormente - conforme extracto da rubrica contabilística 26.2.1, que anexaram.” (...)
“• Suprimentos
A Conta 25.3.2.1.1-A... (Outros Participantes-Suprimentos), apresenta saldo inicial credor no exercício de 2016 no valor de €30.000,00, sendo que conforme email de …2020 (Vide anexo 5), remetido pela mandatária de A... e da D..., "o saldo em causa reporta-se ao pagamento de honorários a um fornecedor da D..., Lda. e que foi realizado directamente pelo Eng. A..., a 1 de Outubro de 2014. O fornecedor em causa é o advogado SS…, que acompanhou o processo judicial de contestação da decisão sancionatória aplicada pelo Comité Disciplinar da FIFA ao Exmo. Senhor Eng. A...". Face ao castigo aplicado "...o Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a D..., Lda. e a C... (“C...”) a 23 de Setembro de 2014 previa uma Cláusula Especial de Resolução pela C..., nos termos da qual a C... poderia resolver unilateralmente o contrato..." e "...na sequência da contestação judicial em causa, o Tribunal Arbitral do Desporto reduziu de oito para quatro jogos de suspensão a sanção aplicada ao Exmo. Senhor Eng. A... - que na prática representou apenas dois jogos, uma vez que dois jogos ficaram com pena suspensa durante seis meses, pelo que a D..., Lda. conseguiu, assim, manter o contrato de prestação de serviços em causa, obstando à possibilidade de resolução unilateral do contrato pela C....".
Esse montante de €30.000,00 foi objecto de devolução a A..., no decurso do exercício de 2017” [ponto II.3.2, pp. 26 a 36 do RIT].
- “II.3.3 Atos e negócios jurídicos realizados
A) Contratos celebrados entre a C... (C...) e a D... Lda
Foram celebrados três contratos entre a C... (C...) e a D... Lda (Anexo 7), cujo conteúdo será descrito e analisado neste ponto.
• Objecto e vigência dos contratos com C...
i. Contrato de prestação de serviços de 23/09/2014
O objecto deste contrato, conforme cláusula 1ª, compreende a prestação de serviços técnicos de supervisão e coordenação de todas as Selecções Nacionais da C..., bem como, quanto a Selecção Nacional "…", de orientação e preparação com vista à qualificação da SN-... para a fase final do Campeonato da Europa de 2016 e, alcançando este resultado, de orientação e preparação da referida Selecção durante a mencionada fase final do Campeonato. É expressamente referido que, na prestação dos serviços objecto deste contrato, a Segunda Outorgante (referindo-se à D...) compromete-se a socorrer-se de uma equipa técnica composta pelas pessoas mencionadas nesse contrato, garantindo a respectiva disponibilidade para o efeito durante o prazo contratual. Esse contrato teve vigência desde 23/09/2014 (data de celebração do contrato) a 10/07/2016 (data do último jogo realizado pela SN-... na fase final do Campeonato da Europa de 2016, na qual Portugal se sagrou Campeão Europeu), conforme decorre da cláusula 6ª;
Consta no preâmbulo desse contrato, que compete à C... assegurar a participação da Selecção Nacional Principal, designada por SN-..., no Campeonato da Europa de 2016 e para tal efeito, a C... pretende contar com os serviços da Segunda Outorgante (referindo-se à D...), que manifestou vontade em prestá-los. Deste modo, a génese da celebração deste contrato terá sido essa.
ii. Contrato de prestação de serviços de 21/07/2016
O objecto deste contrato, conforme cláusula 1ª, compreende a prestação de serviços técnicos de supervisão e coordenação de todas as Selecções Nacionais da C..., bem como, quanto a Selecção Nacional "…", de orientação e preparação com vista a qualificação da SN-... para as fases finais do Campeonato do Mundo de 2018 e Campeonato da Europa de 2020; e alcançados esses resultados, de orientação e preparação da referida Selecção durante as mencionadas fases finais desses campeonatos. É expressamente referido que, na prestação dos serviços objecto deste contrato, que a D... compromete-se a socorrer-se de uma equipa técnica composta pelas pessoas mencionadas nesse contrato, garantindo a respectiva disponibilidade para o efeito durante o prazo contratual. Esse contrato teve vigência desde 11/07/2016 até ao dia seguinte ao último jogo da participação da SN-... na fase de apuramento para o Campeonato da Europa de 2020 ou, em caso de apuramento, no dia seguinte ao último jogo da SN-... na fase final do Campeonato da Europa de 2020, conforme cláusula 7ª.
Consta no preâmbulo desse contrato que compete à C... assegurar a participação da Seleção Nacional Principal, designada por SN-..., no Campeonato do Mundo de 2018 e no Campeonato da Europa de 2020 e, para tal efeito, a C... pretende contar com os serviços da Segunda Outorgante (referindo-se à D...), que manifestou vontade em prestá-los. Deste modo, a génese da celebração deste contrato terá sido essa.
Os referidos contratos, de 23/09/2014 e de 21/07/2016, garantem a prestação de serviços necessária e exclusivamente por A... (Seleccionador Nacional), e pelos restantes membros da equipa técnica, nominados para o efeito pela C..., na cláusula 1ª, no n.º 2, do contrato de 23/09/2014, sendo estes: A... (NIF ...), estando especificado que é quanto aos serviços de Seleccionador Nacional, Q... (NIF ...), W... (NIF ...) e X... (NIF ...). No contrato entre a D... e a C..., celebrado em 21/07/2016, para além destes indivíduos, está nominado V.... Nesses contratos encontra-se expressamente acordado que a D... se compromete a constituir a equipa técnica com as pessoas designadas, tendo a utilização das mesmas carácter infungível, pelo que em caso algum poderá a D... executar os serviços contratados por intermédio de quaisquer outras pessoas sem o consentimento prévio escrito pela C..., conforme n.º 3 da cláusula 1ª. Está ainda estipulado que, durante a vigência dos referidos contratos, os referidos indivíduos não prestarão serviços a qualquer clube, sociedade desportiva, associação ou C... de quaisquer modalidades, salvo se prévia e expressamente autorizados por escrito pela C..., conforme n.º 4 da cláusula 1ª.
iii. Acordo de cedência de direitos de imagem de 21/07/2016
O objecto deste contrato é a cedência, incondicional, dos direitos de utilização da imagem, retrato, som e voz captada por qualquer meio, dos elementos da equipa técnica identificados no contrato (referindo-se a todos os elementos da equipa técnica). Acrescenta ainda que a Segunda Outorgante (D...) expressamente autoriza a C... a ceder a terceiros, onerosa ou gratuitamente, para os efeitos que tiver por convenientes, os direitos de imagem de cada um dos membros da "Equipa Técnica SN-...". (Cláusula 2ª) Este contrato teve vigência desde 01/07/2016 até ao dia seguinte ao último jogo da participação da SN-... na fase de apuramento para o Campeonato da Europa de 2020 ou, em caso de apuramento, no dia seguinte ao último jogo da SN-... na fase final do Campeonato da Europa de 2020, conforme cláusula 4ª.
Quanto ao contrato de 21/07/2016, intitulado acordo de cedência de direitos de imagem, não obstante indicar referir-se a todos os elementos da equipa técnica, na realidade os direitos de imagem subjacentes são referentes exclusivamente a A..., o que é evidenciado quer na inexistência de facturação desses direitos, por parte das sociedades detidas pelos outros elementos da equipa técnica à D..., quer nos esclarecimentos do ponto 10 do termo de declarações da C... de 27/10/2020, no qual declaram, acerca de quem é/ são o(s) beneficiário(s) dos direitos de imagem referentes à Selecção Nacional “...”, no seio da equipa técnica, que "... só o Eng. A... usufrui de direito de imagem, sendo os mesmos pagos à sua empresa. A C... é que decide os eventos a que o Eng. A... tem de comparecer, para evitar conflitos com os restantes patrocinadores da selecção". (Vide anexo 11)
• Avença, prémio de assinatura e contrapartidas financeiras dos contratos com C...
Nos contratos celebrados entre a D... e a C... está previsto o pagamento das verbas indicadas em seguida:
i. No Contrato de prestação de serviços celebrado em 23-09-2014, a C... acordou pagar pela prestação de serviços o valor mensal ilíquido de € 70.000,00, por cada mês de duração do contrato, sendo que no mês de celebração e no último mês de vigência (que terá ocorrido a 10/07/2016) seria apenas devido o pagamento proporcional ao número de dias de serviços prestados. Estava ainda previsto que, caso fosse assegurada a qualificação para participar na fase final do Campeonato da Europa (o que ocorreu), o valor mensal ilíquido a pagar, seria aumentado para o montante de € 110.000,00, a partir do momento dessa qualificação. (Cláusula 4ª n.º 1 e 3)
A esse valor mensal poderiam acrescer prémios de vitória em jogos da SN-... (por cada vitória na fase de apuramento no Campeonato da Europa de 2016), numa importância igual a cinco vezes o prémio de vitória atribuído aos jogadores; prémios inerentes à qualificação para participar na fase final do Campeonato da Europa de 2016, no valor ilíquido de €500.000,00 acrescido de uma importância igual a três vezes o prémio de qualificação atribuído aos jogadores; e prémios na fase final do Campeonato da Europa de 2016, numa importância igual a cinco vezes o prémio atribuído aos jogadores. (Cláusula 4ª n.º 2 e 4)
ii. No Contrato de prestação de serviços celebrado em 21-07-2016, com vigência a partir de 11-07-2016, a C... acordou pagar pela prestação de serviços o valor anual ilíquido de € 2.500.000,00 para as épocas de 2016/2017 e 2017/201812 e de € 3.000.000,00 para as épocas de 2018/2019 e 2019/2020, mediante 12 fracções mensais iguais e sucessivas, sendo que no mês de celebração (que teve início a 11/07/2016) e no último mês de vigência seria apenas devido o pagamento proporcional ao número de dias de serviços prestados. (Cláusula 5ª n.º 1 e 2)
A esses valores, poderiam ainda acrescer prémios relativos à Competição do Campeonato do Mundo de 2018, inerentes à vitória em jogos da SN-... (por cada vitória na fase de apuramento no Campeonato do Mundo de 2018), numa importância igual a seis vezes o prémio de vitória atribuído aos jogadores; prémios inerentes à qualificação para participar na fase final do Campeonato do Mundo de 2018, no valor ilíquido de €500.000,00 acrescido de uma importância igual a quatro vezes o prémio atribuído aos jogadores; e prémios na fase final do Campeonato do Mundo de 2018, numa importância igual a seis vezes o prémio atribuído aos jogadores. (Cláusula 5ª n.º 3.1)
Para além disso, poderiam ainda acrescer prémios relativos à Competição do Campeonato da Europa de 2020, inerentes à vitória em jogos da SN-... (por cada vitória na fase de apuramento no Campeonato da Europa de 2020), numa importância igual a seis vezes o prémio de vitória atribuído aos jogadores; prémios inerentes à qualificação para participar na fase final do Campeonato da Europa de 2020, no valor ilíquido de €500.000,00 acrescido de uma importância igual a quatro vezes o prémio atribuído aos jogadores; e prémios na fase final do Campeonato da Europa de 2020, numa importância igual a seis vezes o prémio atribuído aos jogadores. (Cláusula 5ª n.º 3.2)
Nesse contrato, a C... acordou pagar, ainda, o montante global de €3.000.000,00, a título de prémio de assinatura, a ser liquidado em quatro prestações anuais e iguais no montante de €750.000,00, a serem pagas até ao dia 31/07 dos anos de 2016, 2017, 2018 e 2020. (Cláusula 4ª)
iii. No Acordo de cedência dos direitos de imagem celebrado em 21-07-2016, pela cedência dos direitos de imagem está previsto o pagamento do montante global ilíquido de €4.000.000,00, para 4 épocas (de 2016/2017, 2017/2018, 2018/2019 e 2019/2020), num montante de €1.000.000,00 por ano, a ser liquidado em 12 prestações mensais e sucessivas de igual montante. (Cláusula 3ª)
• Deveres (adicionais) relacionados com a SN-... do "Auxiliar Selecionador"
No contrato de prestação de serviços celebrado em 23-09-2014, bem como no contrato de prestação de serviços celebrado em 21-07-2016, estão descritos no n.º 2 da cláusula 3ª os "comportamentos" adicionais que o "Auxiliar Seleccionador", referindo-se conforme n.º 2 da cláusula 1ª, a A..., deverá adoptar, a saber:
"a. Planear e coordenar todos os trabalhos" de preparação e actividade das Selecções de Futebol e em particular da Selecção Nacional "…", determinando, nomeadamente, os programas de estágios e observações, que por si deverão ser, previamente, dados a conhecer ao Presidente da C...;
b. Prestar ao Presidente da C..., regularmente e sempre que lhe sejam solicitadas, todas as informações respeitantes à sua actividade;
c. Realizar conferências de imprensa para anúncio dos jogadores convocados, bem como no dia anterior à realização dos jogos e após a realização de cada jogo, e entrevistas rápidas (flash interviews) em locais devidamente preparados para o efeito pela C... ou pelos patrocinadores da SN-...;
d. Elaborar as convocatórias da Selecção ... e visar as convocatórias das restantes Selecções Nacionais de Futebol de onze.
- Durante a vigência e/ou após a cessação do presente contrato, a Segunda Outorgante compromete-se a guardar e garantir rigoroso sigilo sobre todas as informações, documentos, fotografias, imagens ou quaisquer outros elementos ou acontecimentos de que venha a tomar conhecimento em virtude do acesso privilegiado à C... ou à actividade da SN-..., e a assegurar a adoção do mesmo comportamento por parte dos Auxiliares."
• Resolução dos contratos
i. Contrato de prestação de serviços de 23/09/2014
Este contrato contempla "Cláusula Especial de Resolução pela C..." (Cláusula 7ª), na qual no n.º 1 estão definidas as circunstâncias que possibilitam o direito de resolução unilateral do contrato, pelas partes, decorrentes da não qualificação da SN-... para participar na fase final do Campeonato da Europa de 2016 (alínea a)) e outras subjacentes à decisão sancionatória do Comité Disciplinar da FIFA tomada em Julho desse ano relativa ao "Auxiliar Seleccionador" (alíneas b. a d.). No n.º 3 desta cláusula está previsto que "[a] resolução, por ocorrência de qualquer dos factos previstos no n.º 1, não confere à Segunda Outorgante direito a indemnização, compensação ou pagamento, nomeadamente, das prestações que seriam devidas se o contrato se mantivesse em vigor até ao dia da final do Campeonato da Europa de 2016, comprometendo-se a Segunda Outorgante a não reclamar da C... qualquer quantia além das que proporcionalmente correspondam ao período decorrido entre a data deste contrato e a data da resolução".
ii. Contrato de prestação de serviços de 21/07/2016
Este contrato celebrado em 41/07/2016 já não contempla qualquer cláusula de resolução, ao contrário do contrato celebrado em 23/09/2014, e na cláusula 7ª -Vigência, no n.º 2 refere que a cessação do presente contrato em data anterior à referida no número anterior (ou seja em data anterior à de vigência prevista) só poderá ocorrer mediante acordo entre as partes Contratantes; e no n.º 3 dessa cláusula, indica que se a Primeira Outorgante (referindo-se à C...) fizer cessar o presente contrato em momento anterior ao prazo estabelecido no n.º 1 dessa cláusula, fica obrigada ao pagamento integral de todas as prestações que seriam devidas caso o contrato se mantivesse em vigor até ao final do seu termo, de acordo com montantes estipulados nos n.ºs 1 e 2 da cláusula 5ª (referindo-se aos montantes das avenças mensais).
iii. Acordo de cedência de direitos de imagem de 21/07/2016
Este acordo é omisso quanto à possibilidade da sua resolução antecipada, não contempla qualquer renúncia expressa a direito a indemnização, nomeadamente ao pagamento de prestações não vencidas.
• Facturação emitida pela D..., no âmbito dos contratos com C...
Tendo por base os contratos descritos anteriormente, foi emitida facturação da D... à C..., designadamente nos anos de 2016 e 2017. Essas facturas foram recolhidas (Vide anexo 8), no âmbito do despacho inspectivo externo efectuado à D... (DI2020...) e da sua análise constatou-se que estas contêm as seguintes descrições e montantes:
As verbas indicadas na tabela anterior foram contabilizadas na conta 72.1 Prestações de Serviços, na D... Lda (Vide anexo 4).
Nos extractos bancários da D... Lda estão evidenciados os pagamentos da C... à D... Lda, de todas as facturas emitidas (vide anexo 8), para os exercícios de 2016 e 2017 (vide anexo 12).
Da análise efectuada às facturas emitidas pela D..., verificou-se que os valores mensais pagos pela C... pela prestação de serviços efectuada pelo Selecionador Nacional e pela restante equipa técnica são descritos como "Avença" e foram facturados da seguinte forma:
Período
|
Valor AvençaMensal*
|
Valor Total por Período
|
01-01-2016 a 10-07-2016
|
110.000,00
|
700.333,33
|
11-07-2016 a 31-12-2016
|
208.333,33
|
1.173.611,05
|
2016
|
|
1.873.944,38
|
01-01-2017 a 31-12-2017
|
208.333,33
|
2.499.999,96
|
2017
|
|
|
2.499.999,96
|
Observações:
* Conforme clausulado dos referidos contratos, no mês de celebração e no último mês de vigência seria apenas devido o pagamento proporcional ao número de dias de serviços prestados.
Para além da avença mensal, a partir de Julho de 2016, a D... passou a facturar, também, à C..., o valor mensal de €83.333,33, a título do "Acordo Cedência Direitos de Imagem":
Ano
|
Valor mensal (€)
|
N.º Prestações
|
Valor Total por Período(€)
|
2016
|
83.333,33
|
6
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499.999,98
|
2017
|
83.333,33
|
12
|
1.000.000,00
|
As restantes facturas emitidas pela D... em nome da C... são relativas a prémios de assinatura, pagos anualmente, em Julho, no valor de € 750.000,00/ano, e outros prémios, designadamente, relacionados com o Campeonato da Europa de 2016 (de qualificação e de campeão) e da Taça das Confederações e prémios de jogos (Andorra, Hungria, Ilhas Faroé, Letónia e Suíça). Para além disso, foram também identificadas facturas relativas ao valor das diárias do Euro 2016 e ao valor das diárias da Taça das Confederações.
• Prestação de esclarecimentos acerca do formato contratual por A... e C...
Foi questionado o sujeito passivo A..., por intermédio de mandatária, conforme ponto 1 da n/notificação pessoal de 19/10/2020, acerca do(s) motivo(s) pelo qual(is) os contratos de prestação de serviços, celebrados com a C... (C...), para o exercício do cargo de "auxiliar seleccionador'', da equipa técnica da Selecção Nacional da C..., de 23/09/2014 e de 21/07/2016, bem como o referente à cedência de direitos de imagem, de 21/07/2016, terem sido celebrados com a D... Lda-NIF ..., ao invés de directamente com o próprio A...- NIF .... (Vide anexo 5)
Na resposta por escrito aos esclarecimentos solicitados, entregue em 02/11/2020, afirmou resumidamente que os contratos de prestação de serviços e de cedência de direitos de imagem foram celebrados com a D... porque assim foi proposto pela C..., que apresentou o formato relativo aos diversos serviços em causa, bem como as minutas dos contratos que vieram a ser celebrados.
Afirmou ainda que existiu a contratação pela C... de uma empresa - a D... - para a prestação de serviços técnicos de supervisão e coordenação de todas as selecções nacionais da C... e que entre esses serviços encontram-se a orientação e preparação da Selecção Nacional ... com vista à respectiva qualificação para a fase final do Campeonato da Europa de 2016, a fase final do Campeonato do Mundo de 2018 e para a fase final do Campeonato da Europa de 2020 e, alcançando estes resultados, de orientação e preparação da referida Selecção durante a referida fase final deste Campeonato do Mundo de 2018 e do Campeonato da Europa de 2020. E que, não existe nem existiu qualquer contratação para o exercício de cargo "auxiliar seleccionador" ou de "auxiliares" ou qualquer outro cargo, afirmando que "... a utilização da designação "Auxiliares" e ''Auxiliar Seleccionador" que consta dos contratos de prestação de serviço celebrados entre a D... e a C... não corresponde a quaisquer cargos ou funções oficiais específicas, mas é apenas uma técnica contratual utilizada habitualmente por Advogados para identificar abreviadamente uma ou mais pessoas num determinado contrato".
De referir que apesar desta afirmação, o que resulta dos contratos referenciados é a contratação de uma equipa técnica composta pelas pessoas nestes nominadas, os quais são designados por "auxiliares" e concretamente designado por "auxiliar seleccionador" o A....
Mais adiante, diz que "[a] D... era (e é) (... ) a entidade legítima para celebrar o contrato com C..., visto que detinha (e detém) os meios, os activos e o know-how para a prestação dos serviços em causa, sendo este tipo de serviços uma das áreas mais relevantes da actividade da sociedade e sendo o Exponente um activo relevantíssimo dessa actividade, mas não o único." E que "[o] Exponente tem todo o direito de desenvolver a sua actividade profissional como profissional liberal, como trabalhador por conta de outrem ou trabalhando no âmbito de uma estrutura empresarial que lhe permita optimizar a sua actividade e os seus vários focos de interesse profissional (que incluem mas, de longe, não se esgotam na actividade desportiva)".
Dado que foi indicado ter sido iniciativa da C..., a celebração desses contratos por intermédio da D... e atendendo que, foi igualmente ouvida a C... em 27/10/2020 e lavrado termo de declarações, importa descrever resumidamente as declarações proferidas por esse organismo, nos pontos 1 e 2 desse termo, acerca desta matéria e da sua motivação:
- a contratação dos anteriores seleccionadores e respectivos membros da equipa técnica, da Selecção Nacional “...” da C... (C...), era por norma efectuada por contratos de prestação de serviços directamente com os próprios técnicos, sem revestir a forma de trabalho dependente (contrato de trabalho); e que a razão de alteração do procedimento na forma de contratação da equipa técnica da Selecção Nacional “...” da C..., como se veio a verificar na celebração dos contratos de 23/09/2014 e de 21/07/2016, deveu-se a uma iniciativa da C... (C...), para evitar situações ocorridas no passado, no pagamento de indemnizações aos restantes membros da equipa técnica aquando da rescisão do contrato com seleccionador nacional. Afirmou ter-se verificado em relação por exemplo a dois ex-seleccionadores, que após ter sido negociada a sua saída, a C... teve que pagar os contratos dos restantes técnicos até ao seu termo, ou teve que renegociar a saída imediata com indemnização;
- "... foi a C... que sugeriu ao Eng.º A... que o contrato fosse efectuado através de uma empresa, tendo este informado que já tinha uma sociedade, ao que a C... solicitou que o mesmo verificasse se o objecto desta sociedade previa essa prestação de serviços" e que "... é o seleccionador nacional que escolhe os restantes membros da equipa técnica, fazendo sentido que contratação destes fosse efectuada por intermédio deste. A C... pretendia contratar uma entidade para coordenar a equipa técnica, que por sua vez contratava as pessoas da equipa técnica para essa sociedade como entendessem, passando assim a responsabilidade da equipa técnica a ser dos seleccionadores e não da C..." e "... foi da responsabilidade da C... a mudança no procedimento da contratação do seleccionador nacional, ou seja de a mesma ser efectuada através da empresa, porque senão a C... teria que fazer contratos individuais com cada um dos restantes membros da equipa técnica, com a questão inerente do pagamento das indemnizações, no caso de uma eventual rescisão". (...)
B) Contratos celebrados entre a D... Lda e outras sociedades dos outros membros da equipa técnica
A D..., LDA, NIF ..., maioritariamente detida pelo Seleccionador Nacional …, com a qual a C... (C...), NIF ..., celebrou contratos de prestações de serviços (para épocas compreendidas entre 2014 e 2016 e para épocas compreendidas entre 2016 e 2020), assegurou a contratação expressa dos restantes elementos da equipa técnica, através de contratos de prestação de serviços, celebrados entre a mesma e cada uma das sociedades detidas pelos referidos técnicos, conforme sintetizado no quadro seguinte:
Essas sociedades prestadoras de serviços à D... foram constituídas por ocasião da celebração dos referidos contratos, prestando todas elas, de forma exclusiva ou predominante, serviços no âmbito dos mesmos. (...)
• Objecto e vigência dos contratos
- Contratos de prestação de serviços celebrados em outubro de 2014 (JJ..., KK...) e em 12/01/2015 (LL...)
O objecto deste(s) contrato(s), conforme n.º 1 da cláusula 1ª, compreende a prestação de serviços de assessoria à D... na supervisão e coordenação de todas as Selecções Nacionais da C..., bem como, quanto a Selecção Nacional “...”, de orientação e preparação com vista à qualificação da SN-... para a fase final do Campeonato da Europa de 2016; e, alcançando este resultado, de orientação e preparação da referida Selecção durante a mencionada fase final do Campeonato. É expressamente referido, no n.º 2 da cláusula 1ª, para cada um desses contratos, a identificação do elemento da equipa técnica, por intermédio de quem esses serviços serão prestados, sendo nesta situação, no contrato com a JJ..., Q..., no contrato com a KK..., X... e no contrato com a LL..., W.... Referem que os respectivos contratos têm início "na presente data", ou seja na data em que os mesmos são celebrados (na JJ... e KK...) e no caso da LL... não refere início (cláusula 4ª n.º 1 prevê o pagamento a 31/01/2015, de serviços prestados); o seu termo ocorreria a 10/07/2016 (data do último jogo realizado pela SN-... na fase final do Campeonato da Europa de 2016, na qual Portugal se sagrou Campeão Europeu), conforme decorre da cláusula 6ª;
- Contratos de prestação de serviços celebrados em 27/07/2016 (JJ..., KK..., LL... e MM...)
O objecto deste(s) contrato(s), conforme n.º 1 da cláusula 1ª, compreende a prestação de serviços de assessoria à D..., na supervisão e coordenação de todas as Selecções Nacionais da C..., bem como, quanto a Selecção Nacional “...”, de orientação e preparação com vista a qualificação da SN-... para as fases finais do Campeonato do Mundo de 2018 e do Campeonato da Europa de 2020 e, alcançados esses resultados, de orientação e preparação da referida Selecção durante as mencionadas fases finais dos Campeonatos. É expressamente referido, no n.º 2 da cláusula 1ª, para cada um desses contratos, a identificação do elemento da equipa técnica, por intermédio de quem esses serviços serão prestados, sendo nesta situação, no contrato com a JJ..., Q..., no contrato com a KK..., X..., no contrato com a LL..., W..., e no contrato com a MM..., V.... Esses contratos teriam vigência desde 11/07/2016 até ao dia seguinte ao último jogo da participação da SN-... na fase de apuramento para o Campeonato da Europa de 2020 ou, em caso de apuramento, no dia seguinte ao último jogo da SN-... na fase final do Campeonato da Europa de 2020, conforme decorre das cláusulas 6ª e 4ª n.º 1;
• Avença dos contratos (Cláusula 4ª)
Nos contratos celebrados entre a D... e as sociedades detidas pelos outros elementos da equipa técnica, está previsto o pagamento das verbas indicadas em seguida:
- Contratos de prestação de serviços celebrados em outubro de 2014 (JJ..., KK...) e em 12/01/2015 (LL...)
A D... acordou pagar pela prestação de serviços, a cada uma das entidades, o valor mensal ilíquido de € 10.000,00, por cada mês de duração do contrato, sendo que no mês de celebração e no último mês de vigência (que terá ocorrido a 10/07/2016) seria apenas devido o pagamento proporcional ao número de dias de serviços prestados. (Cláusula 4ª n.º 1, nos contratos com a JJ... e KK... e n.º 2 no contrato com LL...).
A esse valor mensal poderiam acrescer prémios de vitória em jogos da SN-... (na fase de apuramento no Campeonato da Europa de 2016), numa importância igual a uma vez o prémio de vitória atribuído pela C... aos jogadores; prémios inerentes à qualificação para participar na fase final do Campeonato da Europa de 2016, numa importância igual a uma vez o prémio de qualificação atribuído pela C... aos jogadores; e prémios na fase final do Campeonato da Europa de 2016, numa importância igual a uma vez o prémio atribuído pela C... aos jogadores. (Cláusula 4ª n.º 2 e 3 nos contratos com a JJ... e KK... e n.º 3 e 4 no contrato com LL...)
No caso concreto do contrato com a LL..., que recorde-se somente foi celebrado em 12-01-2015, está ainda contemplado que, com a assinatura do contrato esta sociedade receberia €50.666,67, referentes a serviços já prestados. (Cláusula 4ª, no n.º 1, no contrato com a LL...)
- Contratos de prestação de serviços celebrados em 27/07/2016 (JJ..., KK..., LL... e MM...)
Estes contratos tiveram vigência a partir de 11/07/2016, tendo a D... acordado pagar o montante global ilíquido de 12.500 euros (doze mil e quinhentos euros) por cada mês de duração do contrato, relativamente à JJ..., KK..., LL...; e o montante global ilíquido de 10.000 euros (dez mil euros) por cada mês de duração do contrato, relativamente à MM...; sendo que relativamente a essas 4 sociedades, no primeiro e último mês de vigência desse contrato, seria apenas devido o pagamento proporcional ao número de dias de serviços prestados. (Cláusula 4ª n.º 1)
A esse valor, poderiam acrescer prémios inerentes à vitória em jogos da SN-... no Campeonato do Mundo de 2018 e no Campeonato da Europa de 2020, numa importância igual a uma vez o prémio de vitória atribuído pela C... aos jogadores; prémios inerentes à qualificação para participar nas fases finais do Campeonato do Mundo de 2018 e do Campeonato da Europa de 2020, numa importância igual a uma vez o prémio atribuído aos jogadores; e prémios nas fases finais do Campeonato do Mundo de 2018 e do Campeonato da Europa de 2020, numa importância igual a uma vez o prémio a atribuir pela C... aos jogadores. (Cláusula 4ª n.º 2 e 3).
• Resolução dos contratos
- Contratos de prestação de serviços celebrados em Outubro de 2014 (JJ..., KK...) e em 12/01/2015 (LL...)
Estes contratos, nos quais a D... é a primeira outorgante e a sociedade do respectivo técnico ("auxiliar") a segunda outorgante, contemplam "Cláusula Especial de Resolução" (Cláusula 7ª), na qual conforme o n.º 1, assiste à 1ª outorgante o direito de resolver unilateralmente o contrato em caso de cessação, por qualquer motivo, do Contrato Base, nomeadamente caso a C... resolva o Contrato Base, pela não qualificação da SN-... para participar na fase final do Campeonato da Europa de 2016 (alínea a.) e outras subjacentes à decisão sancionatória do Comité Disciplinar da FIFA tomada em Julho desse ano relativa ao "Auxiliar Seleccionador'' (alíneas b. a d.). No n.º 3 desta cláusula está previsto que, "[a] resolução, por ocorrência de qualquer dos factos previstos no n.º 1, não confere à Segunda Outorgante direito a indemnização, compensação ou pagamento, nomeadamente, das prestações que seriam devidas se o contrato se mantivesse em vigor até ao dia da final do Campeonato da Europa de 2016, comprometendose a Segunda Outorgante a não reclamar da Primeira Outorgante qualquer quantia além das que proporcionalmente correspondam ao período decorrido entre a data deste contrato e a data da resolução''.
- Contratos de prestação de serviços celebrados em 27/07/2016 (JJ..., KK..., LL... e MM...)
Estes contratos, nos quais a D... é a primeira outorgante e a sociedade do respetivo técnico ("auxiliar") a segunda outorgante contemplam "Cláusula Especial de Resolução" (Cláusula 7ª), sendo que no n.º 1 é referido que "[a]s partes acordam que assiste à Primeira Outorgante o direito de resolver unilateralmente o presente contrato em caso de cessação, por qualquer motivo, do Contrato Base, nomeadamente, caso a C... resolva o Contrato Base caso a SN-... não seja qualificada para participar nas fases finais do Campeonato do Mundo de 2018 e/ou do Campeonato da Europa de 2020. No n.º 3 desta cláusula está previsto que, “[a] resolução do presente contrato, em caso de cessação do Contrato Base por qualquer motivo, não confere à Segunda Outorgante direito a qualquer indemnização, compensação ou pagamento, nomeadamente, das prestações que seriam devidas se o contrato se mantivesse em vigor até ao dia da final do Campeonato da Europa de 2020, comprometendo-se a Segunda Outorgante a não reclamar da Primeira Outorgante qualquer quantia além das que proporcionalmente correspondam ao período decorrido entre a data deste contrato e a data da resolução".
• Outras particularidades dos contratos
Cada um destes contratos (que contêm clausulados similares), entre a D... (1ª outorgante) e a sociedade detida por outro técnico (2ª outorgante), incluem normativos que os tornam dependentes dos outros contratos entre a D... e a C... (designados "Contrato Base"), nomeadamente:
- No seu preâmbulo é feita referência ao contrato entre a D... e a C..., ao objeto deste último e à circunstância da D... se ter comprometido socorrer de uma equipa técnica composta por um determinado grupo de pessoas (já anteriormente citado), designadas de "auxiliares", garantindo a sua disponibilidade durante o prazo contratual, sendo nesse contexto que a contratação com a 2ª outorgante ocorre; constando, por sua vez, no n.º 2 da cláusula 1ª; que os serviços de assessoria seriam prestados por intermédio de um determinado "auxiliar";
- Os pagamentos neles previstos "ficam subordinados à condição suspensiva" de a D... "receber as quantias por si facturadas à C... nos termos do Contrato Base”; (Cláusula 4ª n.º 6)
- A D... reserva o direito de resolução unilateral desses contratos "em caso de cessação, por qualquer motivo, do Contrato Base", não dando uma tal resolução unilateral direito a qualquer indemnização, compensação ou pagamento, nomeadamente de prestações contratuais que seriam devidas se o contrato se mantivesse em vigor até ao final. (Cláusula 7ª)
• Facturação emitida pelas sociedades. detidas pelos outros elementos da equipa técnica, no âmbito dos contratos com a D...
As sociedades JJ..., KK..., LL... e MM... prestam os seus serviços à D..., efetuando a correspondente faturação, conforme esquema seguinte:
Os descritivos da facturação inerente (Vide anexo 10) encontram-se expressos na tabela seguinte:
Os valores totais facturados pelas sociedades detidas pelos outros elementos da equipa técnica são os expressos na tabela seguinte, por ano:
(em €)
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Total
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2016
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2017
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Descrição da factura
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Valor Tributável
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Valor Tributável
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Avença
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328.166,68
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420.000,00
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Prestação de serviços/serviços consultoria
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183.583,34
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212.350,00
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Prémio de Campeão daEuropa de 2016
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750.000,00
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150.000,00
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Prémio de qualificaçãoCampeonato da\\Europa de2016
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80.000,00
|
0,00
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Valor das diárias do Euro2016
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79.060,00
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17.500,00
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Prémio Jogo
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36.000,00
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132.000,00
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Prémio da TaçaConfederações
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0,00
|
67.500,00
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Valor Diárias TacaConfederações
|
0,00
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22.050,00
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Estadias
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20.000,00
|
0,00
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Prémio de apuramentoMundial 2018
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0,00
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24.000,00
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Total
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1.476.810,02
|
1.045.400,00
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Na conta 6212 - Subcontratos consta o valor tributável das facturas emitidas à D... por essas sociedades, sendo que conforme referido anteriormente, no exercício de 2016 foi contabilizada pela D... a factura n.º 1/56, de 05/01/2017, da LL..., no valor base de €12.500,00 (emitida em 2017) e em relação ao valor base de €10.000,00, referente a fatura/recibo n.º 1/3, de 30/09/2016, da MM..., a factura correspondente, arquivada na contabilidade da D..., evidencia esse valor base. Deste modo, o valor contabilizado pela D..., por esses subcontratos, totalizou os seguintes montantes:
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2016
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2017
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Gastos com Subcontratos
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LL.../W...
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363.583,34
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391.350,00
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KK.../X...
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518.283,34
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223.850,00
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JJ.../Q...
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515.443,34
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223.850,00
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MM.../V…
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92.000,00
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193.850,00
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Total
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1.489.310,02
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1.032.900,00
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Nos extractos bancários da D... Lda estão evidenciados os pagamentos da D... Lda às empresas constituídas pelos outros elementos da equipa técnica; bem como fotocópia de cheques e outras transferências bancárias de pagamentos às referidas empresas, nos exercícios de 2016 e 2017 (vide anexo 12); referentes à totalidade das facturas emitidas (vide anexo 10).
Da análise efectuada às facturas emitidas em nome da D... por aquelas sociedades, no período de 2016 a 2017, verificou-se que, de acordo com os contratos celebrados, as mesmas procederam à emissão de facturas mensalmente com a descrição de "Avença" ou "Prestação de serviços de consultoria", com o valor tributável de €10.000,00/mês, de 01/01/2016 até 10/07/2016 e de €12.500,00/mês, a partir de 11/07/2016, em relação à JJ..., KK... e LL.... Em relação à MM..., cujo 1º contrato de prestação de serviços foi celebrado em 27/07/2016, o valor da "Avença" facturado foi de €10.000/mês.
Nas restantes facturas emitidas por aquelas sociedades à D... identificaram-se prémios, relacionados com o Campeonato da Europa de 2016 (de qualificação e de campeão) e da Taça das Confederações e prémios de jogos (Andorra, Hungria, Ilhas Faroé, Letónia e Suíça). Para além disso, foram também identificadas facturas relativas ao valor das diárias do Euro 2016 e ao valor das diárias da Taça das Confederações. Relativamente à LL..., face aos valores facturados de "Prestação de Serviços de Consultoria" ou de "Prestação de Serviços", parte das facturas com esse descritivo deverá ainda contemplar prémios e/ ou outras verbas anteriormente descritas, previstas no seu contrato e não devidamente discriminadas na facturação emitida.
• Prestação de esclarecimentos acerca do formato contratual por A... e C...
Foi questionado o sujeito passivo A..., por intermédio de mandatária, conforme ponto 2 da n/notificação pessoal de 19/10/2020, acerca do(s) motivo(s) pelo qual(is) os contratos referentes às prestações de serviços, dos restantes membros da equipa técnica da Selecção Nacional da C..., terem sido efectuados com intermediação da D..., ao invés de directamente entre a C... e os próprios técnicos/sociedades destes e, no ponto 3, que justificassem o(s) motivo(s) pelo qual(is) os contratos referentes às prestações de serviços, dos restantes membros da equipa técnica da Selecção Nacional da C..., terem sido, por sua vez, efectuados entre a D... e sociedades constituídas por esses técnicos ao invés de directamente com os próprios técnicos. No ponto 4, da referida notificação, foi ainda solicitado que indicasse quem aconselhou ou exigiu, se aplicável, que a celebração desses contratos fosse efectuada dessa forma, ou seja, no caso dos contratos entre a D... e os restantes membros da equipa técnica, com a intermediação de sociedades destes ao invés de directamente com os próprios técnicos.
Em relação a estas questões foi declarado, no ponto 2, que "... o modelo contratual foi proposto pela C... que pretendia contratar com uma única entidade o serviço de supervisão e coordenação das suas equipas, o que implicava por parte da D... a contratação de terceiros para poder prestar esse serviço" e mais adiante que a D... ficaria responsável perante a C... que cada um dos membros dessa equipa técnica adoptasse determinados comportamentos e em conjunto fossem atingidos determinados objetivos.
Considera que a contratação de serviços de terceiros para o cumprimento de contratos é uma forma comum de exercício de actividade económica e consubstanciou, no presente caso, uma operação normal de aquisição dos meios necessários à prestação de serviços com que se tinha comprometido perante a C....
No ponto 3 afirma que "[a] D..., no cumprimento das suas responsabilidades contratuais propostas pela C..., e aceites e vertidas nos contratos por aquela celebrados com esta entidade, contratou terceiros para lhe disponibilizarem os serviços e meios que tinham sido acordados com a C...".
Foi igualmente questionada a C..., acerca desta matéria, tendo esta declarado que essa forma de contratação, dos restantes membros da equipa técnica da Selecção Nacional “...” da C...,"... deveu-se a uma salvaguarda da C..., para evitar pagamento de indemnizações, porque se seleccionador se fosse embora tinham que negociar indemnizações com os restantes. Afirmou que é o seleccionador nacional que escolhe os restantes membros da equipa técnica, fazendo sentido que contratação destes fosse efectuada por intermédio deste. A C... pretendia contratar uma entidade para coordenar a equipa técnica, que por sua vez contratava as pessoas da equipa técnica para essa sociedade como entendessem, passando assim a responsabilidade da equipa técnica a ser dos seleccionadores e não da C.... São alheios ao facto de os restantes membros da equipa técnica, por sua vez terem constituído empresas para prestação dos seus serviços". (...)
[ponto II.3.3, pp. 37 a 54 do RIT].
- “Fundamentação da aplicação da CGAA
(...)
Entende-se que o conjunto de actos e negócios jurídicos anteriormente analisados, foi essencial ou principalmente dirigido, por meios artificiosos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos sem a utilização desses meios, constituindo fundamento para proceder à aplicação da norma legal anti-abuso (Cláusula Geral Antiabuso - CGAA) prevista no n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária (LGT), conforme será demonstrado em seguida.
No n.º 3 do artigo 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redacção à data dos factos, estão plasmados os requisitos procedimentais para aplicação da CGAA, no que concerne à fundamentação do projecto e da decisão de aplicação da disposição antiabuso referida no n.º 1 (...).
Atendendo ao exposto, seguidamente procede-se à descrição e análise dos actos e negócios jurídicos realizados e daqueles que se pretendiam evitar, com consequentes implicações fiscais, atendendo aos normativos referentes à aplicação da CGAA.
A) Descrição do negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado
No ponto II.3.3 deste relatório, estão descritos mais detalhadamente os atos e negócios jurídicos realizados, consubstanciados através dos contratos celebrados entre a C... (C...) e a D... Lda e através dos contratos entre esta última e as outras sociedades detidas pelos restantes elementos da equipa técnica.
Em resumo, a C... contratou em 23/09/2014, para épocas de 2014 a 2016, e em 21/07/2016, para épocas de 2016 a 2020, através de contratos de idêntica natureza, prestações de serviços a realizar, necessária e exclusivamente por A... (Seleccionador Nacional), por Q... (Treinador Assistente), X... (Treinador Nacional de GuardaRedes), W... (Treinador Assistente) e V... (Observador, nomeado somente a partir de Julho de 2016), com a sociedade D... Unipessoal, Lda (de acordo com designação desta, à data de celebração dos contratos). Esta sociedade havia sido constituída em Janeiro de 2014 e, entre 2014 e 2017, tinha capital social de €680.000,00, totalmente detido por A... e mulher. Em 2016 e 2017, o cliente notoriamente mais relevante foi a C..., representando cerca de 98% do valor da facturação nesses anos. Está previsto nestes contratos o pagamento de "avença" mensal para supervisão e coordenação de todas as selecções nacionais da C... e para orientação e preparação da Selecção Nacional-… com vista à sua qualificação para a fase final do Campeonato da Europa de 2016, para a fase final do Campeonato do Mundo de 2018 e do Europeu de 2020, incluindo as fases finais destes campeonatos, caso se obtivesse a qualificação pretendida; a C... deveria ainda pagar à D... Unipessoal, Lda., prémio de assinatura, previsto no contrato de 2016, bem como eventuais prémios em função do desempenho da Selecção Nacional-…; e, ainda em 21 de Julho de 2016, a D... Unipessoal, Lda. cedeu à C... os direitos de imagem de toda a antes identificada Equipa Técnica. O sócio-gerente, A..., por sua vez, auferia na D... um vencimento mensal de €5.000,00.
Por seu turno, a D... Unipessoal Lda contratou, garantindo as obrigações necessárias ao cumprimento daqueles contratos que ela própria celebrou com a C... e com expressa menção de que se tratam de "contratos de prestação de serviços", em Outubro de 2014 e em 12/01/2015, relativamente às épocas de 2014 e 2016; e em 27/07/2016, relativamente às épocas de 2016 a 2020:
a) Prestações de serviços, a realizar necessária e exclusivamente por Q... (Treinador Assistente), com a sociedade JJ... Consultaria, Lda. - constituída em Outubro de 2014, cujo capital social é totalmente detido por Q... e mulher e que tem como único cliente em 2016 e 2017 a D.... Prevê uma "avença" mensal ilíquida no 1º contrato de €10.000,00 e no 2º contrato de € 12.500,00, para além de eventuais prémios em função do desempenho da Selecção Nacional-..., para assessoria na supervisão e coordenação de todas as selecções nacionais da C... e para orientação e preparação da Selecção Nacional-… com vista à sua qualificação para a fase final do Campeonato da Europa de 2016, para o Campeonato do Mundo de 2018 e do Europeu de 2020, incluindo as fases finais destes campeonatos caso se obtivesse a qualificação pretendida; sendo que o sócio-gerente, Q..., aufere como tal um vencimento mensal substancialmente menor do que a avença mensal paga à sociedade;
b) Prestações de serviços, a realizar necessária e exclusivamente por X... (Treinador Nacional de Guarda-Redes), com a sociedade KK... Consultaria, Lda. - constituída em Outubro de 2014, cujo capital social é totalmente detido por X... e mulher e que teve como cliente, único em 2016 e maioritariamente em 2017, a D.... Prevê uma "avença" mensal ilíquida no 1º contrato de €10.000,00 e no 2º contrato de €12.500,00, para além de eventuais prémios em função do desempenho da Selecção Nacional-..., para assessoria na supervisão e coordenação de todas as selecções nacionais da C... e para orientação e preparação da Selecção Nacional-... com vista à sua qualificação para a fase final do Campeonato da Europa de 2016, para o Campeonato do Mundo de 2018 e do Europeu de 2020, incluindo as fases finais destes campeonatos caso se obtivesse a qualificação pretendida; sendo que o sócio-gerente, X..., aufere como tal um vencimento mensal substancialmente menor do que a avença mensal paga à sociedade;
c) Prestações de serviços, a realizar necessária e exclusivamente por W... (Treinador Assistente), com a sociedade LL... Consultores, Lda. - constituída em Dezembro de 2014, cujo capital social é totalmente detido por W... e mulher e que teve como cliente mais relevante, em 2016 e 2017, a D.... Prevê uma "avença" mensal ilíquida no 1º contrato de €10.000,00 e no 2º contrato de € 12.500,00, para além de eventuais prémios em função do desempenho da Selecção Nacional-..., para assessoria na supervisão e coordenação de todas as selecções nacionais da C... e para orientação e preparação da Selecção Nacional-... com vista à sua qualificação para a fase final do Campeonato da Europa de 2016, para o Campeonato do Mundo de 2018 e do Europeu de 2020, incluindo as fases finais destes campeonatos caso se obtivesse a qualificação pretendida; sendo que o sócio-gerente, W..., aufere como tal um vencimento mensal substancialmente menor do que a avença mensal paga à sociedade;
d) Prestação de serviços, a realizar necessária e exclusivamente por V... (Observador), com a sociedade MM... Consultaria, Lda. - constituída em Julho de 2016, cujo capital social é totalmente detido por V... e mulher e que teve como cliente, maioritariamente em 2016 e único em 2017, a D.... Prevê uma "avença" mensal ilíquida de € 10.000,00, para além de eventuais prémios em função do desempenho da Selecção Nacional-..., para assessoria na supervisão e coordenação de todas as seleções nacionais da C... e para orientação e preparação da Selecção Nacional-... com vista à sua qualificação para a fase final do Campeonato do Mundo de 2018 e do Europeu de 2020, incluindo as fases finais destes campeonatos caso obtivesse a qualificação pretendida; sendo que o sócio-gerente, V..., aufere como tal um vencimento mensal substancialmente menor do que a avença mensal paga à sociedade.
Essa rubrica de subcontratos da D... corresponde, em relação aos gastos contabilizados; a 85,68% (€1.489.310,02/ €1.738.270,78) dos gastos em 2016 e a 70,91% (€1.032.900,00/ €1.456.628,51) dos gastos em 2017.
Assim, a C... por intermédio da D... Lda contratou não só os serviços do Seleccionador Nacional, como também os serviços dos restantes membros da equipa técnica da SN-..., mediante a celebração de contratos de prestações de serviços, para as épocas de 2014 a 2020. Nesses contratos encontra-se expressamente acordado que a D... se compromete a constituir uma equipa técnica composta pelas pessoas nominadas para o efeito, tendo a utilização das mesmas carácter infungível, pelo que em caso algum poderia a D... executar os serviços contratados por intermédio de quaisquer outras pessoas, tornando claro que os serviços prestados pelos técnicos são pessoais e indissociáveis dos mesmos. Por sua vez, a D..., tendo por base aqueles contratos, celebrou contratos de prestação de serviços com cada uma das sociedades detidas pelos restantes membros da equipa técnica.
Relativamente ao acordo de cedência de direitos de imagem, não obstante indicar no seu objecto (cláusula 2ª), que refere-se a todos os elementos da equipa técnica, na realidade, os direitos de imagem subjacentes referem-se exclusivamente a A..., o que é evidenciado quer na inexistência de facturação desses direitos, por parte das sociedades detidas pelos outros elementos da equipa técnica à D..., quer na inexistência de clausulado inerente a esses direitos nos contratos celebrados entre a D... e as outras sociedades detidas pelos outros elementos da equipa técnica, quer ainda pelos esclarecimentos do ponto 10 do termo de declarações da C... de 27/10/2020, no qual declaram, acerca de quem é/são o(s) beneficiário(s) dos direitos de imagem referentes à Selecção Nacional “...”, no seio da equipa técnica, que "... só o Eng. A... usufrui de direito de imagem, sendo os mesmos pagos à sua empresa. A C... é que decide os eventos a que o Eng. A... tem de comparecer, para evitar conflitos com os restantes patrocinadores da seleção". (Vide anexo 11)
B) Descrição dos negócios ou atos de idêntico fim económico
Tivessem os actos e negócios jurídicos realizados, consubstanciados através dos contratos celebrados entre a C... (C...) e a D... Lda e através dos contratos entre esta última e as outras sociedades dos restantes elementos da equipa técnica, sido realizados directamente entre a C... e os próprios elementos da equipa técnica, pela natureza das funções contratadas, indissociáveis de quem as pratica, os rendimentos auferidos pelos prestadores haveriam de ser tributados em sede de IRS, como Categoria B-Rendimentos Empresariais e Profissionais, tal como previstos no art.º 3º do CIRS.
Em relação à situação concreta do Seleccionador Nacional, objecto dos presentes procedimentos inspectivos, não será admissível que a prestação de serviços deste, que actua como representante da própria Selecção Portuguesa de Futebol, seja contratada a uma empresa e não directamente à pessoa singular que desempenha esse cargo. Trata-se de uma função que carece de inscrição pessoal na UEFA, centrada numa figura individualizada, reconhecida a nível nacional e internacional pela pessoa que desempenha esse cargo, que neste caso é A.... É este que detém individualmente a credenciação necessária ao exercício das suas funções e aquando da comunicação da equipa técnica é o seu nome que consta na ficha técnica (Vide exemplos de comunicação efectuada à FIFA, nos anos de 2016 e 2017, bem como ponto 3 do termo de declarações da C..., acerca da credenciação exigível, no anexo 11).
Em relação aos direitos de imagem, rendimentos que, de igual modo, são impossíveis de dissociar do indivíduo a que pertencem, foi solicitado esclarecimento, acerca da existência de cedência onerosa dos direitos de imagem de A... para a sociedade D..., relativamente aos direitos de imagem objecto de contrato em 21/07/2016 entre a C... (C...) e a sociedade D..., e em caso afirmativo que fosse disponibilizado documento(s) comprovativo(s), conforme ponto 7, do nosso email de 15/12/2020, tendo sido concedido um prazo de resposta até dia 22/12, que posteriormente foi prorrogado até 29/12 (Vide anexo 5). Em relação ao solicitado, por email de 22/12, respondeu que "[n]ão foi possível por agora validar os termos do contrato de cedência de direitos de imagem em causa". Por email de 23/12/2020, a mandatária dos sujeitos passivos afirmou ainda, em relação aos elementos e esclarecimentos em falta, que "na sequência dos contactos mantidos informamos que o sujeito passivo não pretende nem pode nesta fase fornecer mais informação do que a remetida" (Vide anexo 5). De realçar que, em sede de IRS, na esfera do sujeito passivo A..., não foi identificada a obtenção de rendimentos desta natureza, nos exercícios de 2016 e 2017, pagos pela D....
Ainda relativamente aos direitos de imagem, constitui mais uma evidência de que os rendimentos inerentes a esses direitos são pessoais e por isso tributáveis em sede de IRS, pelo facto de ser apenas o A... a recebê-los, dada a sua importância no seio da equipa técnica e ser a figura mais reconhecida.
A natureza das funções contratadas, indissociáveis de quem as pratica, inserem-se em contratos de prestação de serviços pessoais e intransmissíveis, logo susceptíveis de serem tributados na esfera pessoal dos seus prestadores, em sede de IRS - Categoria B (Rendimentos Empresariais e Profissionais) nos termos que serão descritos nos pontos seguintes.
Verificou-se que a interposição das sociedades, nas relações entre a C... e os membros da equipa técnica da SN-..., possibilitou, no caso de A..., uma sujeição dos rendimentos atribuídos pela C..., depois de deduzido o valor da sua retribuição de sócio-gerente e dos demais pagamentos das prestações de serviços das restantes entidades detidas pelos outros elementos da equipa técnica (JJ..., KK..., LL... e MM...), a uma taxa de IRC, para este nível de rendimentos, por norma muito inferior às taxas que resultariam do englobamento do rendimento líquido da categoria B (obrigatório, nos termos do art. 22º do CIRS), com os rendimentos líquidos das outras categorias, que seriam sujeitos às taxas progressivas e por escalões, tal como previstas no artigo 68.º do CIRS (...). A acrescer às vantagens fiscais, a utilização dessas sociedades permitiu, também, uma diminuição significativa das contribuições para a Segurança Social, que incidiu somente sobre os referidos vencimentos enquanto gerentes das empresas, ao invés de incidir sobre a totalidade das verbas recebidas da C....
Acresce referir que, a contratação dos anteriores seleccionadores nacionais e restantes membros da equipa técnica, foi efectuada, por norma, por contrato de prestação de serviços directamente com os próprios técnicos, enquadrável na categoria B de IRS, conforme ponto 1 do termo de declarações da C... (anexo 11).
C) Indicação das normas de incidência que se lhes aplicam
Atendendo à desconsideração, para efeitos fiscais, da personalidade colectiva das sociedades outorgantes dos contratos de prestação de serviços em apreço e a consideração que os mesmos deveriam ser estabelecidos directamente entre a C... e o seleccionador nacional e igualmente, entre a C... e os restantes membros da equipa técnica, implicará a consideração dos rendimentos obtidos por intermédio da C..., como rendimentos da categoria B, em sede de IRS, na esfera de cada um destes sujeitos passivos.
A C... e a Equipa Técnica da Selecção Nacional-... de Futebol qualificaram como de "prestação de serviços" o complexo das relações jurídicas entre ambas, tanto nos contratos celebrados entre a D... Unipessoal Lda e a C..., como nos contratos entre a D... e as sociedades detidas pelos restantes elementos da equipa técnica. Todos os rendimentos inerentes aos referidos contratos, entre a D... e a C..., foram igualmente classificados na esfera da D... como Prestações de Serviços, atendendo à contabilização nessa conta (72.1- vide anexo 4), nos anos de 2016 e 2017.
Em relação à situação concreta do Selecionador Nacional, A..., se os actos e negócios jurídicos fossem efectuados directamente entre a C... e este, pelo exercício das suas funções, enquanto seleccionador na C..., a exemplo do que vinha a suceder com os anteriores elementos das equipas técnicas da Selecção Nacional “...”, os rendimentos obtidos teriam enquadramento na categoria B, enquanto Rendimentos Empresariais e Profissionais, atendendo que, nos termos do art.º 3° do CIRS, conforme redacção à data dos factos, consideram-se rendimentos empresariais e profissionais, designadamente, os referidos no n.º 1, na alínea b) "[o]s auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com actividades mencionadas na alínea anterior".
Em sede de IRS, o seu enquadramento na categoria B, será no regime de contabilidade organizada por imposição legal, considerando o volume de negócios subjacente à facturação emitida pela D... à C..., deduzido dos rendimentos pagos aos restantes membros da equipa técnica, conforme expresso no quadro seguinte:
(...)
Conforme resulta do n.º 10 do art.º 28º do CIRS, conjugado com o n.º 2 desse artigo, face ao valor de rendimentos imputáveis a A..., pelos serviços prestados na C..., calculados na tabela anterior, a determinação dos rendimentos deverá ser efectuada com base na contabilidade. A reconstituição tributária, operada através da aplicação da CGAA, implicou que se efectuasse o enquadramento com base no valor anual de rendimentos atribuído a este, ao invés do valor anual de rendimentos estimado, no exercício do início de actividade. Contudo, face aos montantes em causa, sempre seriam excedidos os limites para inclusão no regime simplificado, previstos no citado normativo.
Por remissão prevista no artigo 32.º do CIRS e art.º 3° n.º 6 do CIRS, na determinação dos rendimentos empresariais e profissionais não abrangidos pelo regime simplificado, aplicam-se as regras estabelecidas no Código do IRC, com excepção do previsto nos artigos 51.º, 51.º-A, 51.º-B, 51.º-C e 54.º-A, com as adaptações resultantes do CIRS. No art.º 33° do CIRS estão definidos os encargos não dedutíveis para efeitos fiscais, quanto a esse tipo de rendimentos.
D) Demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do acto jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou acto com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais
• Motivação para celebração do negócio jurídico ou prática do acto jurídico
A D... foi constituída por A..., em 2014, tendo sido aquando do início das suas funções como Seleccionador Nacional, no âmbito do 1º contrato celebrado entre a D... e a C... em 23/09/2014, que a sociedade emitiu a sua primeira factura. Conforme decorre da análise efectuada no ponto II.3.2 B) (...), na actividade da empresa, tinha maior relevância a actividade desportiva resultante dos contratos com a C..., quer a nível dos rendimentos obtidos, quer a nível dos gastos relacionados directa e inequivocamente com esta.
As outras sociedades, detidas pelos outros elementos da equipa técnica e familiares destes, foram, por sua vez, constituídas por ocasião da celebração dos referidos contratos, prestando todas elas, de forma exclusiva ou predominante, serviços no âmbito dos mesmos.
Na prestação de esclarecimentos de A..., entregue em 02/11/2020, afirmou que "existiu a contratação pela C... de uma empresa - a D... - para a prestação de serviços técnicos de supervisão e coordenação de todas as selecções nacionais da C...” e que entre esses serviços encontramse a orientação e preparação da Selecção Nacional ..., que "não existe nem existiu qualquer contratação para o exercício de cargo "auxiliar seleccionador" ou de "auxiliares" ou qualquer outro cargo", afirmando que "... a utilização da designação ''Auxiliares" e ''Auxiliar Seleccionador" que consta dos contratos de prestação de serviço celebrados entre a D... e a C... não corresponde a quaisquer cargos ou funções oficiais específicas, mas é apenas uma técnica contratual..." e ainda que "[a] D... era (e é) (...) a entidade legítima para celebrar o contrato com C..., visto que detinha (e detém) os meios, os activos e o know-how para a prestação dos serviços em causa..." (ponto 1, em anexo 5).
Não obstante as referidas declarações prestadas em nome de A..., conforme contratos de 23/09/2014 e de 21/07/2016, entre a C... e a D..., designados de contratos de prestação de serviços, no n.º 2 da cláusula 1ª e n.º 3 da cláusula 1ª respectivamente, foi salvaguardado que, na prestação dos serviços objecto destes, a D... teria que socorrer-se de uma equipa técnica composta pelas pessoas nestes nominadas, devendo ser ainda garantida a respectiva disponibilidade para o efeito durante o prazo contratual. A equipa técnica nomeada para o efeito devia ser constituída por A..., Q..., W..., X... e V... (este último após contrato de 21/07/2016), conforme expressamente referido nesses contratos, sendo estes designados por "auxiliares" e concretamente designado por "auxiliar seleccionador" o A.... Foi ainda estabelecido no n.º 3 da cláusula 1ª que a utilização desses "auxiliares" tem carácter infungível, sendo que em caso algum poderia executar os serviços contratados por intermédio de quaisquer outras pessoas, salvo por consentimento prévio por escrito da C..., que poderia concedê-lo ou recusá-lo segundo o seu critério livre e insindicável. Foi ainda garantido que esses "auxiliares", durante a vigência dos respectivos contratos, não prestariam serviços a qualquer clube, sociedade desportiva, associação ou C... de quaisquer modalidades, salvo se expressamente autorizado por escrito pela C..., que poderia concedê-lo ou recusá-lo segundo o seu critério livre e insindicável, garantindo a sua exclusividade, conforme n.º 4 da cláusula 1ª.
Por sua vez, nos contratos celebrados entre a D... e as sociedades detidas pelos outros elementos da equipa técnica, estava igualmente previsto que os serviços de assessoria contratados seriam prestados por intermédio de um determinado "auxiliar'', tendo sido nomeado em cada um destes "subcontratos" o elemento da equipa técnica detentor da respectiva empresa contratada.
A C... declarou que "é o seleccionador nacional que escolhe os restantes membros da equipa técnica, fazendo sentido que contratação destes fosse efectuada por intermédio deste. A C... pretendia contratar uma entidade para coordenar a equipa técnica, que por sua vez contratava as pessoas da equipa técnica para essa sociedade como entendessem, passando assim a responsabilidade da equipa técnica a ser dos seleccionadores e não da C...” (ponto 2 do termo de declarações da C... apresentado no anexo 11), e ainda que "[a] justificação do caracter infungível (não substituível) dos membros da actual equipa técnica, ou seja o facto de terem de ser aqueles indivíduos em concreto e não poderem ser outros, neste caso em concreto deveu-se ao facto de no momento da assinatura do contrato já os mesmos serem conhecidos, mas poderiam ser indicados outros, pelo Eng.º A..., como foi o caso de V..." (ponto 8 do termo de declarações da C... apresentado no anexo 11). Contudo, conforme referido anteriormente estava expressamente definido nesses contratos, no n.º 3 da cláusula 1ª, quais os elementos que deveriam constituir a equipa técnica e que "em caso algum poderia executar os serviços contratados por intermédio de quaisquer outras pessoas, salvo por consentimento prévio por escrito da C..., que poderia concedê-lo ou recusá-lo segundo o seu critério livre e insindicável”.
De salientar que, conforme já referido anteriormente, quem detém a credenciação necessária ao exercício das suas funções é o agente desportivo e é o seu nome que consta na ficha técnica, aquando das comunicações efectuadas antes dos jogos e não o das referidas empresas (Vide exemplos de comunicação efectuada à FIFA, nos anos de 2016 e 2017, bem como pontos 3 a 5 do termo de declarações da C..., acerca da credenciação exigível, no anexo 11). Na situação em apreço, a função de "Seleccionador Nacional" carece de inscrição pessoal na UEFA, centrada numa figura individualizada, reconhecida a nível nacional e internacional pela pessoa que desempenha esse cargo.
Para além disso, o risco associado a essas contratações era nulo da parte da D..., visto que os pagamentos previstos aos outros elementos da equipa técnica, a efectuar pela D..., "ficam subordinados à condição suspensiva" de a D... "receber as quantias por si facturadas à C... nos termos do Contrato Base" (Cláusula 4ª n.º 6 ou n.º 7- LL... no contrato de 12/01/2015) e a D... reservava-se o direito de resolução unilateral desses contratos "em caso de cessação, por qualquer motivo, do Contrato Base", não dando uma tal resolução unilateral direito a qualquer indemnização, compensação ou pagamento, nomeadamente de prestações contratuais que seriam devidas se o contrato se mantivesse em vigor até ao final (Cláusula 7ª). Ainda, conforme exemplos de gastos com deslocações, estadias e transportes apresentados, de todos os elementos da equipa técnica, da Selecção Nacional ... de Futebol, em funções nos anos de 2016 e 2017; e ponto 12 do termo de declarações da C... (anexo 11), "[e]m relação aos encargos com deslocações (ex.º passagens aéreas, transfers, etc.), alojamento (ex. hotéis, etc.), campos de treino, equipamentos e outra logística associada, referentes à equipa técnica da Selecção Nacional ..., identificou a entidade responsável pela organização dessa logística e pelo pagamento dos encargos inerentes, como sendo a C..., porque os mesmos vão ao seu serviço. Os encargos são pagos directamente aos fornecedores/prestadores dos serviços..."; sendo que a C... suporta as mais diversas despesas relacionadas com os diversos técnicos integrados na equipa técnica, independentemente do tipo de relação contratual estabelecida com estes ou da inexistência de qualquer relação contratual directa, seja para a observação de jogos/jogadores, para concentração da respectiva selecção ou outras situações, não sendo essas despesas debitadas pela C... às empresas contratadas, a quem competira assumir o encargo/risco inerente ao exercício de uma actividade ao abrigo de um contrato de prestação de serviços.
Em relação ao prémio de assinatura, conforme ponto 7 do termo de declarações da C..., terá sido "...atribuído à empresa que os distribui aos seus adjuntos conforme a D... entender'', no entanto, na prática apenas foi atribuído esse prémio à D..., visto que não houve facturação posterior das empresas detidas pelos outros elementos da equipa técnica desse tipo de verbas, nem tal estava contemplado nos "subcontratos" com essas entidades. De referir que esse tipo de prémios são normalmente atribuídos pelas sociedades anónimas desportivas (SAD) aos seus jogadores, ou seja, ao agente desportivo e não a empresas. Assim, na realidade esse prémio de assinatura referia-se à contratação do Seleccionador Nacional, A.... Situação idêntica sucede com os direitos de imagem, que na prática referem-se a A..., dado que não houve facturação posterior das empresas detidas pelos outros elementos da equipa técnica desse tipo de verbas, nem tal estava contemplado nos "subcontratos" com essas entidades, tendo sido confirmado que os direitos de imagem referem-se a A..., no ponto 10, do termo de declarações da C..., apresentado no anexo 11.
Não obstante ter sido indicado na prestação de esclarecimentos de A... (ponto 1 e 2, anexo 5) e no termo de declarações da C... (ponto 2, anexo 11), que a iniciativa da celebração destes contratos ter sido efectuada por intermédio de uma empresa foi da C..., o que sucede é que ambas teriam vantagem na adopção deste esquema de contratação:
-Da parte de A... possibilitou-lhe significativas vantagens fiscais, conforme será demonstrado neste ponto;
-Da parte da C..., verifica-se ao nível das contribuições para a segurança social um dispêndio inferior, pelos rendimentos pagos aos referidos elementos da equipa técnica, tal como sucedia com O..., Treinador Nacional da C..., antes de adopção de esquema semelhante de contratação em 01/10/2016, por intermédio de empresa constituída por este, que anteriormente detinha contrato desportivo directamente com a C.... De referir ainda que, foi focada pela C... a questão do pagamento de indemnizações, como motivação para alteração do procedimento na forma de contratação da equipa técnica, da Selecção Nacional “...” da C..., já que declararam que foi "para evitar situações ocorridas no passado, no pagamento de indemnizações aos restantes membros da equipa técnica aquando da rescisão do contrato com seleccionador nacional, o que se verificou por exemplo com o G... e com o F..., que após ter sido negociada à sua saída, a C... teve que pagar os contratos dos restantes técnicos até ao seu termo, ou teve que renegociar a saída imediata com indemnização" e "[e]m relação aos contratos de prestações de serviços, dos restantes membros da equipa técnica da Selecção Nacional “...” da C..., o(s) motivo(s) pelo qual(is) estes foram efectuados com intermediação da D..., ao invés de directamente entre a C... e os próprios técnicos/sociedades destes, de acordo com declarado, deveu-se a uma salvaguarda da C..., para evitar pagamento de indemnizações, porque se o seleccionador se fosse embora tinham que negociar indemnizações com os restantes" (ponto 2 do termo de declarações da C... apresentado no anexo 11). Não obstante o declarado, na análise dos três contratos entre a C... e a D..., verificou-se o seguinte:
i) No contrato celebrado entre a C... e a D... de 23/09/2014 (...) essa questão foi salvaguardada no nº 3 da cláusula 7ª (cláusula especial de resolução), (cláusula 7ª), que prevê que "[a] resolução, por ocorrência de qualquer dos factos previstos no n.º 1, não confere à Segunda Outorgante direito a indemnização, compensação ou pagamento, nomeadamente, das prestações que seriam devidas se o contrato se mantivesse em vigor até ao dia da final do Campeonato da Europa de 2016, comprometendo-se a Segunda Outorgante a não reclamar da C... qualquer quantia além das que proporcionalmente correspondam ao período decorrido entre a data deste contrato e a data da resolução";
ii) No entanto, tanto no contrato de prestação de serviços de 21/07/2016, como no acordo de cedência de direitos de imagem de 21/07/2016, já não contemplam qualquer renúncia expressa a direito a indemnização.
De referir ainda que o contrato de prestação de serviços celebrado em 21/07/2016 estipula no n.º 3 da cláusula 7ª, que se a Primeira Outorgante (referindo-se à C...) fizer cessar o presente contrato em momento anterior ao prazo estabelecido no n.º 1 dessa cláusula, fica obrigada ao pagamento integral de todas as prestações que seriam devidas caso o contrato se mantivesse em vigor até ao final do seu termo, de acordo com montantes estipulados nos n.ºs 1 e 2 da cláusula 5ª (referindo-se aos montantes das avenças mensais) e o acordo de cedência de direitos de imagem de 21/07/2016 é omisso quanto à possibilidade da sua resolução antecipada e quanto ao pagamento de prestações não vencidas. Assim, nestes 2 contratos, a C... não efectuou qualquer salvaguarda quanto ao pagamento de indemnizações e em caso de resolução antecipada, no contrato de prestação de serviços celebrado em 21/07/2016, ficaria obrigada ao pagamento integral de todas as prestações que seriam devidas caso o contrato se mantivesse em vigor até ao final do seu termo, de acordo com montantes estipulados nos n.ºs 1 e 2 da cláusula 5ª (referindo-se aos montantes das avenças mensais), que recorde-se refere-se à tarefa global contratada à D..., como tal respeitante a toda a equipa técnica e não somente à parte do "Seleccionador Nacional".
A constituição ou utilização das sociedades detidas pelos elementos da equipa técnica, foi pois essencial ou principalmente dirigida ao artificioso parqueamento nelas dos rendimentos substancialmente resultantes das prestações individuais de serviços dos membros da Equipa Técnica da Selecção Nacional-... de Futebol, nelas retendo, sob a forma de lucros não distribuídos, aqueles rendimentos por elas recebidos, extravasando o sentido finalístico próprio das mesmas.
A interposição da sociedade D... e das sociedades constituídas pelos restantes membros da equipa técnica, possibilitou a tributação dos rendimentos auferidos por intermédio da C..., deduzidos dos gastos inerentes, a uma tributação em sede de IRC, para este nível de rendimentos, a uma taxa muito inferior às taxas de IRS previstas no artigo 68.º do CIRS.
Ainda no que respeita aos gastos susceptíveis de dedução, enquanto sociedade sujeita a IRC, a interposição da D... possibilitou que certos gastos contabilizados com pessoal fossem dedutíveis para efeitos fiscais. Se a contratação dos serviços de seleccionador nacional e restante equipa técnica tivesse ocorrido directamente entre estes e a C..., através de contratos de prestação de serviços, perfeitamente explicados pela natureza pessoal e infungível da função que lhes está subjacente, e cujo enquadramento fiscal teria cabimento na Categoria B do IRS, certo tipo de gastos com pessoal, tais como remunerações, ajudas de custo, utilização de viatura própria ao serviço da actividade, e outras prestações de natureza remuneratória pagas a A..., não seriam dedutíveis, ao abrigo do n.º 1 do artigo 33.º do CIRS.
Aqueles rendimentos recebidos pelas respectivas sociedades e não empregues nas retribuições dos sóciosgerentes, dado que conforme já referido as remunerações destes enquanto sócio-gerentes são substancialmente inferiores ao valor das referidas prestações de serviços, permitem diferir temporalmente, para o momento em que os lucros acumulados venham a ser distribuídos, a tributação que logo ocorreria caso os mesmos rendimentos fossem tributados na categoria B do IRS. Acresce referir que, a D... não distribuiu, até pelo menos ao ano de 2017, quaisquer dividendos (...), verificando-se a realização de alguns investimentos com os rendimentos auferidos, no caso da D.... Os rendimentos auferidos enquanto sócios gerentes puderam ser definidos pelos mesmos, enquanto sócios gerentes das respectivas sociedades, por valores substancialmente inferiores ao valor das prestações de serviços facturadas pelas empresas detidas por estes à D..., ou pela D... à C.... Para além disso, ou seja, das vantagens fiscais em sede de IRS, tanto o seleccionador nacional, como os restantes membros da equipa técnica, tiveram uma diminuição significativa das contribuições para a Segurança Social.
De relembrar que, relativamente a A..., conforme descrito no ponto II.3.1 A.2 (Enquadramento tributário e actividade declarada dos sujeitos passivos) deste relatório, os rendimentos pagos pela sociedade D... a este, sujeitos a tributação em sede de IRS, bem como sujeitos às contribuições da segurança social, nos exercícios de 2016 e 2017, foram os seguintes:
(em €)
Ano
|
Rendimentos
|
2016
|
70.000,00
|
2017
|
70.000,00
|
Total
|
140.000,00
|
Nota: Os rendimentos, relativos ao sujeito passivo A, A..., pagos pela D..., deverão ser desconsiderados da categoria A-Trabalho dependente, e considerados na categoria B como integrantes dos rendimentos imputáveis a A..., auferidos pelos serviços prestados à C..., anulando assim a dupla tributação dos mesmos.
• Determinação da vantagem fiscal obtida por A...
i) Diferenciais de colecta total apurada em sede de IRS
Os diferenciais de colecta total apurada em sede de IRS, respeitantes às declarações de rendimentos modelo 3 de IRS apresentadas pelo sujeito passivo e nas simulações de IRS com base nas correcções propostas pela Inspecção Tributária (com englobamento dos referidos rendimentos líquidos empresarias e profissionais e desconsideração dos rendimentos de trabalho dependente auferidos por A... da D...- Vide anexo 13), ascendem nos dois períodos de tributação a:
(em €)
Ano
|
Colecta total apurada
|
Diferencial (coleta)*
|
Declarada*
|
Corrigida**
|
2016
|
29.396,70
|
1.924.316,35
|
1.894.919,65
|
2017
|
22.627,74
|
1.882.785,24
|
1.860.157,50
|
Total
|
52.024,44
|
3.807.101,59
|
3.755.077, 15
|
Observ.:
* Colecta total apurada declarada- Vide em anexo 13, Liquidação declarado SPs;
** Colecta total apurada corrigida- Vide em anexo 13, Simulação IRS com base nas correcções da IT. Aos valores apresentados irá acrescer sobretaxa extraordinária, nos termos do art.º 72-A do CIRS.
ii) Montante de colecta, derrama e tributações autónomas, em sede de IRC
Em sede de IRC, em relação aos mesmos rendimentos e gastos considerados em rendimentos empresariais e profissionais (categoria B), bem como os que seriam susceptíveis de dedução em sede de IRC referentes a A... (rendimentos do trabalho dependente e ajudas de custo e deslocações em viatura do próprio (parte não sujeita) da conta 62.514 Desp.Kms), a colecta, bem como a derrama (estadual e municipal) e as tributações autónomas, foram apuradas nas tabelas apresentadas em seguida.
ii.1 Determinação da tributação autónoma em sede de IRC (inerente aos gastos imputados à categoria B, de A...)
Efectuou-se a decomposição da tributação autónoma calculada pela D..., nas respectivas declarações de rendimentos modelo 22, dos exercícios de 2016 e 2017, com o ajustamento do valor da tributação autónoma das despesas de ajudas de custo de FF..., cujos serviços estavam afectos à prestação de serviços da D... à I.... De salientar ainda que na tributação autónoma dos encargos com viaturas ligeiras de passageiros e de mercadorias, o valor de aquisição limite para efeitos da aplicação da taxa de 10% é de €25.000,00, nos termos da alínea a) do n.º 3 do art.º 88º do CIRC, sendo que, conforme mapa de reintegrações e amortizações de 2016 e 2017, as viaturas têm o seguinte valor de aquisição (Vide anexo 14):
iii) Quantificação da vantagem fiscal obtida por A...
Deste modo, face aos montantes apurados nas tabelas anteriores, com o referido esquema elisivo, foi obtida a vantagem fiscal, em 2016 e 2017, pelo sujeito passivo A, A..., expressa na tabela seguinte:
(em €)
Ano
|
Imposto apurado
|
Diferencial (vantagem fiscal de A...
)
|
Total de imposto
em IRC (de mat. Colet. lmp. à cat. B)
|
Diferencial colecta total em IRS*
|
2016
|
861.243,19
|
1.894.919,65
|
1.033.676,46
|
2017
|
848.478,45
|
1.860.157,50
|
1.011.679,05
|
Total
|
1.709.721,64
|
3.755.077,15
|
2.045.355,51
|
*Obs.: Aos valores apresentados irá acrescer sobretaxa extraordinária (art.º 72º-A do CIRS).
As circunstâncias contratuais descritas neste relatório fundamentam a existência de um esquema de planeamento fiscal utilizado por A..., baseado na interposição de uma sociedade na contratação dos serviços do Seleccionador Nacional, com principal propósito de obtenção de vantagens fiscais e contributivas, estando reunidos os pressupostos para a aplicação da norma geral antiabuso prevista no n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária.
III.2 Requalificação dos actos e negócios jurídicos celebrados
A aplicação da CGAA (cláusula geral antiabuso) traduz-se na reconstituição da situação tributária, devendo para isso desconsiderar-se, para efeitos fiscais, as personalidades colectivas outorgantes, como prestadoras de serviços e considerar-se as prestações de serviços entre a C... e cada um dos membros da Equipa Técnica da Selecção Nacional-... de Futebol, designadamente na situação em apreço, entre a C... e o seleccionador Nacional-.......
A natureza das funções contratadas, indissociáveis de quem as pratica, inserem-se em contratos de prestação de serviços pessoais e intransmissíveis, susceptíveis de serem tributados na esfera pessoal do seu prestador, A..., em sede de IRS - Categoria B.
Nos contratos analisados, as partes acordam expressamente que estes contratos são de prestações de serviços. Está prevista essa qualificação na cláusula 2ª, tanto nos contratos celebrados entre a D... Unipessoal Lda e a C..., como nos contratos entre a D... e as sociedades detidas pelos restantes elementos da equipa técnica. Todos os rendimentos inerentes aos referidos contratos, entre a D... e a C... foram contabilizados na D... como Prestações de Serviços (subconta 72.1), nos anos de 2016 e 2017.
Em relação ao acordo de cedência de direitos de imagem, esses rendimentos foram igualmente contabilizados na D..., como Prestações de Serviços (subconta 72.1), nos anos de 2016 e 2017. Conforme já referido e justificado anteriormente neste relatório, não obstante o objeto deste acordo indicar que se refere a todos os elementos da equipa técnica, na realidade, respeita aos direitos de imagem do seleccionador nacional, A.... Este acordo, no seu preâmbulo, faz referência ao contrato de prestação de serviços entre a D... e a C..., e decorreu praticamente em simultâneo com o contrato de prestação de serviços de 21/07/2016, referente às épocas entre 2016 a 2020. Considerando essa interdependência, bem como a qualificação dos mesmos efectuada pela D..., os rendimentos procedentes da exploração dos direitos de imagem de A..., enquanto titular do direito de imagem, são enquadráveis na categoria B de rendimentos empresariais e profissionais, em sede de IRS, por serem indissociáveis da personalidade do detentor desses direitos. Por outro lado, não houve cedência onerosa desses direitos de imagem à D....
Conforme referido no ponto III.1 C) deste relatório, em sede de IRS, a tributação dos rendimentos da categoria B é feita no regime de contabilidade organizada por imposição legal, considerando o volume de negócios subjacente à facturação emitida pela D... à C..., deduzido dos rendimentos pagos aos restantes membros da equipa técnica, conforme resulta do n.º 10 do art.º 28° do CIRS, conjugado com o n.º 2 desse artigo.
Por remissão prevista no artigo 32.º do CIRS e art.º 3° n.º 6 do CIRS, na determinação dos rendimentos empresariais e profissionais não abrangidos pelo regime simplificado, aplicam-se as regras estabelecidas no Código do IRC, com excepção do previsto nos artigos 51.º, 51.º-A, 51.º-B, 51.º-C e 54.º-A, com as adaptações resultantes do CIRS. No art.º 33° do CIRS estão definidos os encargos não dedutíveis para efeitos fiscais, quanto a esse tipo de rendimentos.
i) Determinação das prestações de serviços e outros rendimentos (Categoria B)
A requalificação dos actos e negócios jurídicos celebrados implica a tributação, na esfera de A..., dos rendimentos recebidos da C... deduzidos dos rendimentos pagos aos restantes membros da equipa técnica de acordo com o seguinte quadro:
(em €)
|
2016
|
2017
|
Total de Rendimentos pagospela C... à D... (1)
|
5.286.014,36
|
4.860.599,96
|
Gastos com Subcontratos (Conta 621) (2)
|
1.489.310,02
|
1.032.900,00
|
LL.../W...
|
363.583,34
|
391.350,00
|
KK.../X...
|
518.283,34
|
223.850,00
|
JJ.../Q...
|
515.443,34
|
223.850,00
|
MM.../V...
|
92.000,00
|
193.850,00
|
Prestações de serviços eoutros rendimentos, na esfera de A... (Cat. 8) (1)-(2)
|
3.796.704,34
|
3.827.699,96
|
Nota: Detectou-se diferença entre a contabilização efectuada pela D... na conta 621 e o total geral das facturas comunicadas a essa sociedade, pelos referidos prestadores, conforme referido no ponto 11.3.2 B) (...), em gastos, tendo-se mantido na tabela anterior os valores contabilizados.
ii) Determinação dos gastos inerentes (Categoria B)
Relativamente aos gastos imputáveis à actividade exercida de categoria B, consideraram-se os gastos contabilizados na esfera da D..., com excepção dos seguintes:
- outros gastos inequivocamente referentes a outras actividades da empresa, avença mensal da contabilidade, estimativa impostos e donativos.
- encargos não dedutíveis para efeitos fiscais nos termos do art.º 33° do CIRS, que serão acrescidos para efeitos de apuramento da matéria tributável.
ii-1 Outros gastos inequivocamente referentes a outras actividades/rendimentos da D..., avença mensal da contabilidade, insuficiente estimativa de IRC e donativos
ii.2 Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais nos termos do art.º 33° do CIRS
Nos termos do n.º 1 do art.º 33° do CIRS, "[a]s remunerações dos titulares de rendimentos da categoria B, assim como outras prestações a título de ajudas de custo, utilização de viatura própria ao serviço da actividade, subsídios de refeição e outras prestações de natureza remuneratória, não são dedutíveis para efeitos de determinação do rendimento da referida categoria.".
Relativamente a A..., da análise efetuada às DMR's entregues pela D..., bem como os gastos inerentes contabilizados em 631- Remunerações dos Órgãos Sociais, verificou-se que nos anos de 2016 e 2017 o mesmo auferiu rendimentos de trabalho dependente (categoria A), com o valor mensal de € 5.000,00, bem como ajudas de custo, com os seguintes valores anuais (Vide anexo 14):
(em €)
Tipo de Rendimentos
|
2016
|
2017
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Rendimentos de trabalhodependente sujeitos (excepto os referidos com os códigos A2 a A5):conta 6311
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60.000,00
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60.000,00
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Rendimentos do trabalho dependente- Subsídio de Natal:conta 6313
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5.000,00
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5.000,00
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Rendimentos do trabalho dependente- Subsídio de férias:conta 6312
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5.000,00
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5.000,00
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Ajudas de custo e deslocações emviatura do próprio (parte não sujeita):conta 62.514 Desp.Kms
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16.640,64
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14.589,72
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Total Geral
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86.640,64
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84.589,72
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Nota: Os rendimentos sujeitos a IRS (contas 6311, 6312 e 6313), relativos ao sujeito passivo A, A..., pagos pela D..., serão desconsiderados da categoria A-Trabalho dependente e considerados na categoria B como integrantes dos rendimentos imputáveis a A..., auferidos pelos serviços prestados à C..., anulando assim a dupla tributação dos mesmos.
iii) Apuramento da matéria colectável (Categoria B)
Atendendo aos rendimentos e gastos apurados de acordo com alíneas anteriores, bem como às correcções referentes aos gastos não aceites fiscalmente, foi efetuado o apuramento da matéria colectável:
(em €)
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2016
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2017
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Vendas e Serviços Prestados
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3.796.704,34
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3.827.699,96
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Total dos Rendimentos
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3.796.704,34
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3.827.699,96
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Fornecimentos e ServiçosExternos (excepto subcontratos)*
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108.225,52
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154.199,61
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-9.017,50
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-5.641,13
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Gastos com pessoal
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117.715,67
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180.254,54
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0,00
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-5.143,86
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Gastos/reversõesdepreciação e
amortização
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8.647,60
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9.216,42
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-1.878,43
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-1.878,43
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Outros gastos e perdas
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14.371,97
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80.057,94
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Total dos Gastos
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-13.875,00
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-79.355,93
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224.189,83
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331.709,16
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RAI
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3.572.514,51
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3.495.990,80
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Encargos não dedutíveis(art.º 33º)
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86.640,64
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84.589,72
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Matéria colectável/tributável
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3.659.155,15,
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3.580.580,52
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*Obs.:
• 2016: €1.597.535,54 (total conta 62) - €1.489.310,02 (subconta 6212);
• 2017: €1.187.099,61 (total conta 62) - €1.032.900,00 (subconta 6212).
De referir que, não obstante o sujeito passivo A... estar inscrito no regime dos residentes não habituais para o período de 2015 a 2024, não tem registo do exercício de qualquer actividade de elevado valor acrescentado. Em relação às suas funções de "Seleccionador Nacional", estas também não se encontram previstas na Portaria n.º 12/2010 de 7 de Janeiro, como actividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico para efeitos do disposto no n.º 6 do artigo 72.º e no n.º 4 do artigo 81.º do Código do IRS. Deste modo, também não usufruiria do benefício, enquanto residente não habitual, da tributação à taxa fixa de 20% sobre os rendimentos líquidos das Categorias A e B, nos exercícios de 2016 e 2017, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 72º do CIRS, na redacção em vigor à data dos factos.
Deste modo, o rendimento líquido desta categoria, englobado com os rendimentos líquidos das outras categorias, será sujeito às taxas progressivas e por escalões, tal como previstas no artigo 68.º do CIRS.
iv) Cálculo da tributação autónoma dos gastos imputados à Categoria B
Nos termos do art.º 73° do CIRS, conforme redacção à data dos factos, estão previstas as seguintes taxas de tributação autónoma, na contabilidade organizada, com relevância para os gastos suportados pelo sujeito passivo, conforme determinado nas alíneas anteriores, no âmbito do exercício de actividades empresariais ou profissionais (categoria B), excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica: (...)
Assim, resulta:
(...)”. [ponto III, pp. 54 a 75 do RIT].
- VIII-Outros elementos relevantes
No âmbito das presentes acções inspectivas foi elaborado BAO (boletim de alterações oficioso), para efectuar o início de actividade do sujeito passivo A, A..., NIF ..., na categoria B-rendimentos empresariais ou profissionais, nos termos do n.º 1 do art.º 3° do CIRS, com efeitos a partir de 01/01/2016 até 31/12/2017, visto se ter efectuado a requalificação dos rendimentos obtidos da C... imputáveis a este, conforme exposto neste relatório. Atendendo ao montante apurado destas prestações de serviços, o mesmo ficará enquadrado em IRS no regime de contabilidade organizada, visto ultrapassar o limite de €200.000,00, atendendo ao exposto art.º 28° n.º 2 conjugado com o n.º 10 do CIRS.
Na tabela referenciada no artigo 151.º do CIRS, a actividade exercida pelo sujeito passivo A, em IRS, poderá ser classificada com o código 1323, como Desportista.
Em sede de IVA, o sujeito passivo A, A..., seria enquadrado no regime normal, de periodicidade mensal, nos termos da alínea a) do n.º 1 e n.º 6 do art. 41º do CIVA, nos exercícios de 2016 e 2017. Todavia e porque do esquema de planeamento fiscal resultou vantagem apenas em sede de IRS, a CGAA cingiu-se ao apuramento de vantagem fiscal em sede de IRS, sem apuramento de IVA em falta, concretizando-se tal opção, em sede de IVA, com o enquadramento do sujeito passivo em regime de isenção, para o período de 2016 e 2017.
No que respeita à correcção, em sede de IRC, na sociedade D..., nos anos de 2016 e 2017, quando a presente correcção se consolidar na ordem jurídica, será a sociedade notificada para, querendo, solicitar a revisão oficiosa da liquidação de IRC, nos termos legais em vigor”.
[ponto VIII, p. 76 do RIT].
XXXIX. Na sequência das “correcções resultantes da aplicação da cláusula geral antiabuso prevista no n.º 2 do artigo 38.º da LGT e artigo 63.º do CPPT” promovidas pelo RIT, os Requerentes foram notificados das liquidações de IRS n.ºs 2021 ... e 2021 ..., referentes aos anos de 2016 e 2017, e das correspondentes liquidações de juros compensatórios n.ºs 2021 ..., 2021 ... e 2021 ..., e de acerto de contas n.ºs 2021 ... e 2021 ..., dos quais resultou um valor a pagar de € 2.299.281,40 no ano de 2016 e de € 2.193.212,80, no ano de 2017, no montante total de € 4.492.494,20, com data limite de pagamento em 18.5.2021 (conforme docs. n.ºs 2, 3, 4, 5, 6 e 7 juntos à PI).
XL. Nas indicadas liquidações de IRS n.ºs 2021 ... e 2021 ... consta como fundamentação o seguinte: “Apuramento proveniente de liquidação de IRS decorrente do procedimento de Inspecção credenciado pela ordem de serviço n.º OI2020... [ou 4], no âmbito do qual foi remetida a respectiva fundamentação, constante no relatório final de Inspecção Tributária” (cfr. docs. n.ºs 2 e 5 juntos à PI).
XLI. Os Requerentes apresentaram, em 19.7.2021, Reclamação Graciosa relativamente aos indicados actos de liquidação de IRS n.ºs 2021 ... e 2021 ..., de juros compensatórios n.ºs 2021 ..., 2021 ... e 2021 ..., e de acerto de contas n.ºs 2021 ... e 2021 ..., conforme doc. n.º 1 junto à PI que se dá por reproduzido, a qual não foi objecto de pronúncia pela AT no prazo de quatro meses (art. 7.º da PI não impugnado pela Requerida).
XLII. Por falta de pagamento oportuno das quantias em causa nas liquidações impugnadas foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2021..., com base nas certidões de dívida n.º 2021 … e n.º 2021 …, emitidas a 2021-06-03 (facto não controvertido indicado no art. 45.º da R e doc. n.º 1 junto às alegações da Requerida).
XLIII. O pagamento do montante de imposto e juros compensatórios resultante das indicadas liquidações incidentes sobre os Requerentes, bem como de juros de mora e das custas devidas no indicado processo de execução fiscal n.º ...2021..., no montante total de € 4.515.066,90, foi realizado em 29.06.2021 pela C... por sub-rogação, na sequência de petição apresentada no Serviço de Finanças de …-…, acompanhada de autorização dos Requerentes conforme declaração de 08.06.2021 em que se consignou ficar a C... sub-rogada “no direito de receber a quantia paga, acrescidas dos juros legais, em caso de anulação das liquidações em virtude do sucesso de qualquer meio de defesa de que lance mão e no qual se discuta a ilegalidade da supra referida divida tributária”, que foi deferida por despacho do Chefe de Finanças de 25.06.2021 (cfr. o requerimento, a declaração, o despacho e a certificação de pagamento constantes do doc. n.º 1 junto às alegações da Requerida).
2. Factos não provados
19. Ainda com relevo para a decisão da causa em face das alegações produzidas pelas partes nos seus articulados, o Tribunal julga como não provados os seguintes factos:
1) Foi a C... que propôs a celebração do contrato de prestação de serviços de seleccionador nacional entre a D... e a C... em função das preocupações que então manifestou de não querer assumir a contratação dos demais elementos da equipa técnica, seja porque não pretendia mais que um interlocutor, seja porque uma eventual cessação do contrato seria mais simples, cessação esta que não era preocupação despicienda em face das circunstâncias do próprio A... dada a possibilidade de não redução da suspensão por oito partidas oficiais (arts. 31.º, 61.º a 64.º da PI e n.º 6.a das alegações dos Requerentes);
2) A motivação da opção contratual estabelecida entre a D... e a C... foi a de relacionar-se com uma única entidade, à qual caberia, depois, por sua conta, agregar os recursos que entendesse convenientes para o cumprimento da prestação de serviços contratada (arts. 54.º, 57.º, 58.º, 59.º e 60.º da PI e n.º 6. b das alegações dos Requerentes);
3) Para o Requerente A... a opção por uma sociedade era a mais indicada porque tinha de fazer várias contratações, sobretudo os membros da sua equipa técnica, com tudo o que isso implicaria de responsabilidade, de gestão de facturas e pagamentos na ordem das largas centenas de milhares de euros (arts. 65.º, 76.º e 77.º da PI e 6.f das alegações dos Requerentes);
4) A D... “detinha (e detém) os meios, os activos e o know-how para a prestação dos serviços” de orientação e preparação da Selecção Nacional ... com vista à respectiva qualificação para a fase final do Campeonato da Europa de 2016, a fase final do Campeonato do Mundo de 2018 e para a fase final do Campeonato da Europa de 2020 e, alcançando estes resultados, de orientação e preparação da referida Selecção durante a referida fase final do Campeonato da Europa de 2016, do Campeonato do Mundo de 2018 e do Campeonato da Europa de 2020, “sendo este tipo de serviços uma das áreas mais relevantes da actividade da sociedade e sendo [o Requerente] um activo relevantíssimo desse actividade, mas não o único” (factualidade invocada nos exactos termos citados na resposta escrita de prestação de esclarecimentos apresentada em nome do Requerente A... (ponto n.º 1), pela respectiva mandatária, em 02.11.2020, constante do Anexo 5 ao RIT, a pp. 231 e segs. do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf bem como convocada nos arts. 110.º e 120.º da PI);
5) Não foi por qualquer das partes ponderada a conveniência ou inconveniência fiscal do modelo a adoptar nem tal matéria foi razão para a solução encontrada, seja da parte da C... seja da parte do Requerente A... (art. 153.º da PI e n.º 6.j das alegações dos Requerentes).
3. Motivação da decisão da matéria de facto
20. O Tribunal Arbitral não tem a obrigação de se pronunciar quanto a todos os factos alegados pelas partes nos respectivos articulados, mas sim o dever de seleccionar a matéria de facto essencial à decisão tendo em consideração o pedido e a causa de pedir conformados pelos Requerentes e, bem assim, o dever de decidir se julga aquela factualidade como provada ou não provada, conforme resulta dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Na selecção da matéria de facto essencial à decisão foram escolhidos os factos que, pela sua relevância jurídica, se consideraram pertinentes para a resolução da causa, considerando para o efeito as várias soluções plausíveis das questões objecto do litígio, em conformidade com o que resulta do disposto no artigo 596.º, n.º 1, do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados e não provados resultou do exame dos documentos carreados para os autos pelas partes, designadamente dos documentos juntos com a PI e dos documentos constantes do PA como anexos ao RIT, bem como da consulta e verificação dos documentos públicos disponibilizados em sítio electrónico que são referenciados pelas partes (como sucede com os Estatutos da C... facultados em www.C....pt que são invocados pelos Requerentes no art. 41.º da PI e pela AT no RIT), das informações oficiais exaradas no RIT não impugnadas ou confirmadas por outros elementos probatórios (cfr. art. 76.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e art. 115.º, n.º 2 do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT)), das prestações de esclarecimentos que, directamente ou por núncio, foram realizadas no âmbito do procedimento inspectivo, conforme autos constantes como anexos ao RIT, do reconhecimento de factos efectuados na PI e nas demais peças processuais, na análise crítica, com ponderação das regras da experiência e da sua corroboração por outros elementos probatórios, quer do depoimento do Requerente A... quer do depoimento da única testemunha que acabou por ser inquirida na audiência de 20.06.2022, o Presidente da C... E..., tudo como se encontra enunciado nos pontos acima elencados da matéria de facto provada, com as citações que se julgaram necessárias para a compreensão da fundamentação administrativa dos actos sindicados ou para a inteligibilidade do presente julgamento.
21. Importa, para além do que se vem de dizer e do que já se indica nos diversos pontos do probatório, elucidar, mais de pormenor, os elementos relevantes atinentes à apreciação dos meios probatórios postos à disposição do Tribunal pelas partes, de modo a expor os fundamentos decisivos para a formação da convicção fáctica, particularmente em relação aos factos não provados, tendo presente que, em conformidade com o princípio do processo arbitral da “livre apreciação dos factos e a livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros” consagrado na al. e) do art. 16.º do RJAT, o julgador “aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto” (art. 607.º, n.º 5 do CPC), apreciação que deve ser realizada em conformidade com critérios de valoração racional e lógica, com recurso às regras da experiência, em face do material probatório trazido ao processo e da conduta processual das partes.
Assinala-se, preliminarmente, que os únicos meios probatórios produzidos em relação a alegações de factos principais formuladas pelos Requerentes se limitaram ao depoimento da testemunha E... e ao depoimento do Requerente A..., este determinado pelo Tribunal ao abrigo dos arts. 452.º do CPC e 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT. Com efeito, não teve lugar qualquer outro depoimento testemunhal pelos motivos elencados acima no n.º 7.
A respeito destes meios probatórios, começa-se por apontar, em relação ao depoimento prestado pelo Requerente, que, como se trata, naturalmente, de “declaração interessada”, a sua valoração, na parte em que não corresponda a confissão (art. 352.º do Código Civil), tem que estar alicerçada na prudente verificação de um depoimento que se mostre rigoroso, em que a parte depoente narre os factos sobre os quais depõe com clareza, sem contradições, hesitações ou confusões, tanto quanto possível com uma descrição objectiva e precisa da realidade em consideração e susceptível de corroboração noutros elementos probatórios. Se as declarações da parte depoente se mostram pouco consistentes, com omissões e imprecisões, sem fluidez discursiva, evidentemente a sua credibilidade fica prejudicada.
No que concerne ao depoimento da testemunha E..., Presidente da C..., com as competências decisórias descritas nos pontos n.ºs VI e VII do probatório, a sua credibilidade foi também subordinada a um exame criterioso e crítico. Com efeito, não é possível a este Tribunal Arbitral ignorar o manifesto vínculo que se revela existir entre a C... e o Requerente A..., desde logo em atenção aos contratos que foram celebrados com a D... por força do clausulado acima descrito nos pontos n.ºs XII, XIII e XIV, mas igualmente no que concerne às posições patrimoniais da C... e dos Requerentes quanto aos próprios montantes das liquidações sindicadas. Conforme resulta do facto provado n.º XLIII, a C..., na base de autorização dos Requerentes, procedeu ao pagamento, com sub-rogação, dos montantes cobrados com base nas liquidações impugnadas (cfr. arts. 40.º e 41.º da LGT e 91.º e 92.º do CPPT). Como a sub-rogação, forma de transmissão do crédito caracterizada por resultar de um acto de cumprimento, implica, nos termos do art. 593.º, n.º 1 do Código Civil, que o “sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam”, daqui resulta que a C... passou a ser credora dos Requerentes, como tal interessada no destino do (seu) crédito e nas consequências da anulação das liquidações impugnadas como beneficiária de qualquer restituição que, em consequência, fosse determinada. Não se pode, aliás, deixar de dizer que se trata aqui de elemento que, em consonância com os princípios processuais estruturantes da cooperação e lealdade processuais (al. f) do art. 16.º do RJAT), deveria ter sido trazida aos autos previamente ou em conexão com a inquirição da referida testemunha, em ordem ao correcto exercício dos poderes de cognição do Tribunal, dado assumir influência na apreciação e fixação da matéria de facto.
Ainda em conexão com estes depoimentos, cabe também mencionar, no que concerne às declarações prestadas com incidência na matéria essencial à resolução do caso do conteúdo dos acordos de prestação de serviços e de cedência de direitos de imagem reportados nos factos provados n.ºs XII, XIII e XIV, que este Tribunal não pode desvalorizar o disposto no art. 394.º, n.º 1 do Código Civil (“É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores”).
Nesta sequência, justifica-se sinalizar já que o depoimento do Requerente na audiência de 20.06.2022, as declarações da testemunha E..., Presidente da C..., na mesma audiência, e as declarações do Assessor da Presidência da C... (cujo termo de declarações se encontra no Anexo 11 ao RIT, a pp. 225 a 230 do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf) não só contrariaram o teor do clausulado dos contratos de prestação de serviços acima referenciado nos n.ºs XII e XIV, como também não coincidiram entre si, o que põe em crise a credibilidade das afirmações produzidas. No ponto essencial da composição da equipa técnica para a prestação dos serviços à C... que é regulado pela cláusula 1.ª dos contratos citados nos pontos n.ºs XII e XIV do probatório, enquanto o Requerente declarou que “quem determina as pessoas que trabalham comigo sou eu”, já a testemunha E..., Presidente da C..., declarando que a escolha era do Eng. A..., disse que a “única coisa que nós salvaguardamos é o conhecimento dessas pessoas”, “não fosse aparecer um outro elemento que não fosse do agrado da C...”, “que levasse a não estar de acordo com essa indicação”, ao passo que o Assessor da Presidência da C..., como consta do indicado termo de declarações, afirmou que (n.º 2): “é o seleccionador nacional que escolhe os restantes membros da equipa técnica, fazendo sentido que [a] contratação destes fosse efectuada por intermédio [daquele]. A C... pretendia contratar uma entidade para coordenar a equipa técnica, que por sua vez contratava as pessoas da equipa técnica para essa sociedade como entendessem, passando assim a responsabilidade da equipa técnica a ser dos seleccionadores e não da C...” e que (n.º 8): “o facto de terem que ser aqueles indivíduos em concreto e não poderem ser outros, neste caso em concreto, deveu-se ao facto de no momento da assinatura do contrato já os mesmos serem conhecidos, mas poderiam ser indicados outros, pelo Eng.º A.... Como foi o caso de V.... Compete ao Eng.º A... a contratação e escolha dos restantes membros da equipa técnica”. Pois bem, de modo perfeitamente distinto com estas declarações – que, em si mesmas, nem são coincidentes –, o que ficou prescrito no n.º 3 da cláusula 1.ª dos contratos de prestação de serviços de 23.09.2014 e de 21.07.2016 (factos provados n.ºs XII e XIV), foi que: “A utilização dos "Auxiliares" acima identificados tem carácter infungível, pelo que em caso algum a Segunda Contraente poderá executar os serviços contratados por intermédio de quaisquer outras pessoas, salvo com o consentimento prévio por escrito da C..., que poderá concedê-lo ou recusá-lo segundo o seu critério livre e insindicável”. Como se vê, nos termos desta cláusula, a utilização de uma pessoa como membro da equipa técnica que não conste na lista indicada na cláusula 1.ª dos referidos contratos está sujeita a uma decisão prévia e vinculativa, por escrito, por parte da C..., que pode ser concedida ou recusada segundo o “critério livre e insindicável” da C.... Recorde-se ainda, neste âmbito, que o art. 51.º, n.º 2, al. g) dos Estatutos da C..., citados no n.º VII dos factos provados, prescreve como competência da Direcção da C..., contratar e exonerar, sob proposta do Presidente, os seleccionadores nacionais e equipas técnicas.
Isto que se vem de expor destina-se a enquadrar os motivos a seguir detalhados pelos quais este Tribunal não deu como provados os factos acima indicados nos n.ºs 1) a 5).
Diga-se, de qualquer modo, que os depoimentos do Requerente A... e da testemunha E... realizados na audiência de 20.06.2022 foram atendidos para demonstração de factos objecto de reconhecimento ou que se mostraram corroborados com outros meios probatórios, como elencado acima no probatório (vd. factos provados n.ºs I, II, III, IV, XX, XXIV, XXV, XXVI, XXVII).
22. Os enunciados fácticos dados como não provados nos n.ºs 1, 2 e 3 não foram considerados demonstrados, seja por ausência de prova seja por não terem confirmação, mas antes infirmação nos resultados apurados no exame dos meios de prova.
Antes de mais, esclarece-se que a especificação desses factos n.ºs 1, 2 e 3 procura corresponder às alegações produzidas nos indicados artigos da PI e números das alegações dos Requerentes (vd., designadamente, os pontos 6.a, 6.b e 6.f das alegações: “A relação entre a C... e o Eng. A... foi formalizada com uma sociedade – a D... – por proposta da C...”; “A motivação essencial da C... foi então a de pretender relacionar-se com uma única entidade à qual caberia, depois, e por sua conta, agregar os recursos que entendesse convenientes para o cumprimento da prestação de serviços contratada”; “Para o Eng. A... a opção por uma sociedade também acabava por ser a mais indicada, porque tinha de fazer várias contratações, sobretudo os membros da sua equipa técnica, com tudo o que isso implicaria de responsabilidade, de gestão de facturas e pagamentos na ordem das largas centenas de milhares de euros”).
Há, todavia, que assinalar que estas alegações surgem acompanhadas, nas peças processuais dos Requerentes, de outras proposições que envolvem um alcance algo diferente (vd. acima n.º 4.1).
Assim, no que concerne à matéria essencial de apurar a razão de a C... – ao pretender, como se alega, um único interlocutor para não ter que assumir a contratação dos demais elementos da equipa técnica e porque uma eventual cessação do contrato seria mais simples – propor a celebração dos contratos de prestação de serviços com uma sociedade e especificamente com a D... (ao invés de directa e pessoalmente com o Requerente A...), o que os Requerentes afirmam é que “não era manifestamente adequado e convencional que semelhante obrigação fosse assegurada pessoalmente”, pois o “comum é justamente fazê-lo através de uma sociedade, que tem uma estrutura adequada, que contrata os serviços e as pessoas que tiver a contratar, e que logra cumprir, depois, com o seu «cliente»” (vd. art. 32.º da PI), “a solução aqui adoptada não é em nada distinta de outras tão comuns no tráfego jurídico e nas relações comerciais entre prestadores de serviços e os seus clientes” (art. 70.º da PI), e a “ideia de encarregar a D... de assegurar a prestação de serviços dos demais elementos que vieram a compor a equipa técnica, celebrando os contratos com esses intervenientes necessários e gerindo essas relações, suportando todos os encargos com a prestação de serviços, e, em suma, mantendo-se como a única entidade vinculada junto da C..., mostrou-se como a solução mais óbvia e mais adequada” (art. 118.º da PI). Compete, porém, assinalar que não se podem considerar provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, que consistem, contudo, em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada (vd. as referências a: “manifestamente adequado e convencional”, “o comum”, “a solução mais óbvia e adequada”).
Pois bem, a este respeito, os elementos probatórios não revelam qualquer efectiva conexão fáctica entre a pretensão da C... de ter um único interlocutor e de esse único interlocutor ter de ser a sociedade D... ou de ser essa a opção mais indicada para o Requerente pelas contratações que tinha de fazer.
Há, aliás, que notar que as próprias alegações apresentadas pelos Requerentes nos seus articulados para justificação da “opção contratual” que presidiu ao encadeado contratual descrito nos factos provados n.ºs XII, XIII e XIV só atendem aos contratos de prestações de serviços, sem, pois, indicarem qualquer motivo específico para a celebração do “acordo de cedência de direitos de imagem” (cfr. facto provado n.º XIII) da C... com a D... (alude-se apenas no art. 34.º da PI a que: “Nesse contexto, também os direitos de imagem – ou os direitos de utilização da imagem da equipa técnica – foram cedidos à C...”), sendo que, não obstante tal acordo prever na cláusula 1.ª, n.º 1 e n.º 2 que a “Segunda Outorgante cede exclusivamente à Primeira Outorgante os direitos de imagem, retrato, som e voz de todos os elementos da Equipa Técnica” e que “Ficam expressamente abrangidos pela cedência de direitos de imagem objecto deste contrato todos os elementos da "Equipa Técnica SN-...", no termo de declarações do Assessor da Presidência da C... (constante do já indicado Anexo 11 ao RIT), foi afirmado (n.º 10) que “só o Eng. A... usufrui de direito de imagem, sendo os mesmos pagos à sua empresa. A C... é que decide os eventos a que o Eng. A... tem de comparecer, para evitar conflitos com os restantes patrocinadores da selecção”.
Deste modo, não foi indicada qualquer finalidade para a opção contratual estabelecida entre a D... e a C... quanto à cedência dos direitos de imagem, centrando-se fulcralmente as alegações dos Requerentes nos seus articulados no contrato de prestação de serviços de 23.09.2014 reportado no facto provado n.º XII.
23. Repare-se, então, quanto aos termos da celebração deste contrato, que no âmbito das declarações do Assessor da Presidência da C..., constante do Anexo 11 ao RIT, a pp. 225 e seguintes. do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf, se refere que: “foi a C... que sugeriu ao Eng.º A... que o contrato fosse efectuado através de uma empresa, tendo este informado que já tinha uma sociedade, ao que a C... solicitou que o mesmo verificasse se o objecto desta sociedade previa essa prestação de serviços”. Por outro lado, em declarações constantes do auto que constitui o anexo 5 ao RIT, também reproduzidas no art. 20.º da PI, refere-se que o Requerente A... pretendia, com a D..., “iniciar uma actividade empresarial onde pudesse rentabilizar, de forma autónoma e com responsabilidade limitada, uma parte das poupanças e o vasto know-how e experiência por si adquiridos ao longo da sua vida profissional, quer como Engenheiro, quer como profissional na área do Desporto e do Futebol em particular”.
Sucede que, quando se compulsa o objecto social, seja na sua versão original, seja na versão após a alteração promovida em 15.05.2017 – “assumidamente amplo”, como os próprios Requerentes o caracterizam (art. 21.º da PI) –, não consta qualquer mínima alusão a actividades na área do Desporto ou do Futebol em particular ou, para ser específico, à prestação de serviços técnicos de supervisão e coordenação de todas as Selecções Nacionais da C... e de orientação e preparação da Selecção Nacional ... (cfr. o facto provado n.º XI), sendo certo que também não se depara na matéria dos autos com qualquer deliberação social em que os sócios tenham acordado exercer essa actividade, ramo do comércio ou prestação de serviços (para citar a frase final da competente cláusula estatutária).
Por outro lado, a descrição dos termos da aceitação do contrato de prestação de serviços pela D... que foi realizada no depoimento do Requerente A... (que se reportou apenas ao primeiro contrato mencionado no ponto n.º XII do probatório) mostrou-se pouco precisa e segura. Primeiro, o depoente referiu que: após algumas conversas, numa segunda-feira, foi à C... e o Dr. E... propôs-lhe um contrato entre a C... e uma empresa, e “como não me iria propor nada que não fosse exactamente correcto e com todos os pontos e com toda a legalidade, a única coisa que disse foi OK”, desci, fui ter com os advogados, pedi-lhes para verem a minuta do contrato e disseram que estava tudo legal e os advogados disseram que não fazia sentido abrir uma nova empresa, visto que tinha uma empresa a funcionar, a partir daí voltei acima e disse que sim. Depois, inquirido sobre os termos dessa negociação que teria ocorrido apenas num dia, reconheceu que nesse primeiro dia apenas foi apresentada uma minuta a qual não continha quaisquer nomes e com espaços em branco, que foi posteriormente (no dia seguinte, segundo disse) concretizada.
Não é plausível ou convincente que contrato tão relevante para a vida profissional do Requerente e para a C... (vd. supra facto provado n.º VII, no qual se indica constituir competência específica da Direcção da C..., sob proposta do Presidente da C..., “Contratar e exonerar (...) Os Seleccionadores Nacionais e equipas técnicas”) tenha sido acordado e/ou negociado sem devido e cuidado acompanhamento jurídico pelos respectivos advogados; pelo contrário, esse acompanhamento mostra-se bem patente no teor detalhado e inusual do clausulado estabelecido quanto à identificação dos “Auxiliares” e do “Auxiliar Seleccionador” cuja utilização “tem carácter infungível, pelo que em caso algum a Segunda Contraente poderá executar os serviços contratados por intermédio de quaisquer outras pessoas, salvo com o consentimento prévio por escrito da C..., que poderá concedê-lo ou recusá-lo segundo o seu critério livre e insindicável” (cfr. factos provados n.º XII e XIV), sendo despida de consistência e, consequentemente, de crédito a declaração constante do ponto n.º 1 da resposta escrita de prestação de esclarecimentos apresentada em nome do Requerente A..., pelo respectivo mandatário, constante do Anexo 5 ao RIT, a pp. 231 e segs. do ficheiro OI2020..._OI2020....pdf, segundo a qual a utilização da designação “Auxiliares” e “Auxiliar Seleccionador” “é apenas uma técnica contratual utilizada habitualmente por Advogados para identificar abreviadamente uma ou mais pessoas num determinado contrato”.
De qualquer forma e de modo decisivo, no requerimento formulado em 29.7.2022 os Requerentes vieram reconhecer expressamente que a preparação do contrato com a D... por parte da C..., quanto à respectiva redacção, foi assegurada por advogados, e que “na negociação do citado contrato” também “a D... e o Eng. A... foram representados por outros advogados”, o que, aliás, foi igualmente assumido pela testemunha E..., Presidente da C..., que, mostrando não entender tecnicamente o teor do clausulado dos contratos em apreço (designadamente a cláusula atinente à infungibilidade dos “Auxiliares”), logo explicou que isso “foi acompanhado pelo departamento jurídico da C... em consonância e em interligação com o responsável jurídico que suportava ou acompanhava o Eng. A... e que dava apoio à D...”.
Em particular quanto ao teor dos contratos no que concerne à eleição dos restantes membros da equipa técnica inicial, como já acima antecipado, o Requerente referiu que “o que eu sei é que quem determina as pessoas que trabalham comigo sou eu, tanto mais que aconteceu assim em 2016”, tendo dito que não carecia do consentimento da C..., “porque isso é um acto de negociação e carece do meu consentimento porque eu é que sei quem é que quero que trabalhe comigo, a C... não me iria impor”. Isto não foi, porém, absolutamente confirmado pela testemunha E..., Presidente da C..., pois embora tenha dito que não escolhia as pessoas da equipa técnica, declarou que podia recusar uma pessoa que não achasse adequada.
Sucede que, como se viu, ambas estas afirmações contradizem o teor vinculativo e taxativo da cláusula 1.ª dos contratos reportados nos pontos n.ºs XII e XIV dos factos provados. Recorde-se que a imposição constante dessa cláusula, como já citado, implica que na “prestação dos serviços objecto deste contrato, a Segunda Outorgante compromete-se a socorrerse de uma equipa técnica composta pelas seguintes pessoas (doravante "Auxiliares"), garantindo a respectiva disponibilidade para o efeito durante o prazo contratual”, em que a “utilização dos "Auxiliares" acima identificados tem carácter infungível, pelo que em caso algum a Segunda Contraente poderá executar os serviços contratados por intermédio de quaisquer outras pessoas, salvo com o consentimento prévio por escrito da C..., que poderá concedê-lo ou recusá-lo segundo o seu critério livre e insindicável” e a “Segunda Outorgante garante que os "Auxiliares", durante a vigência deste contrato, não prestarão serviços a qualquer clube, sociedade desportiva, associação ou C... de quaisquer modalidades, salvo se prévia e expressamente autorizados por escrito pela C..., que poderá concedê-lo ou recusá-lo segundo o seu critério livre e insindicável”.
Não encontra, pois, qualquer apoio nos contratos celebrados, mas antes mostra-se desconforme com o clausulado transcrito, a alegação dos Requerentes de que a motivação da C... na opção contratual estabelecida com a D... foi a de relacionar-se com uma única entidade, cabendo a esta “por sua conta, agregar os recursos que entendesse convenientespara o cumprimento da prestação de serviços contratada” (vd. o facto não provado n.º 2)).
Cabe igualmente assinalar, neste âmbito, que o depoente A... declarou e reconheceu que “a C... tem uma pessoa que ficou alocada a este serviço que é o Professor O...”, o qual nada tem a ver a D..., pelo que não constitui esta sociedade a única entidade com que a C... se relaciona para os efeitos da concretização dos serviços atinentes à orientação e preparação da Selecção Nacional ..., o que foi igualmente confirmado pela testemunha E..., que invocou as características e a longa relação com a C... do Professor O... “que era um elemento complementar da equipa A...”.
Ora, o que importa aqui relevar é que ficou, assim, demonstrado que, diferentemente da justificação apresentada para a celebração do contrato com a D..., a C... não se relacionou com uma única entidade para o desempenho das tarefas de orientação e preparação das selecções nacionais de futebol, conforme factos provados n.ºs VIII e XXVII. Deste modo, ficaram infirmadas as alegações sobre a opção da C... por “ter uma só contraparte e não quatro ou cinco contrapartes, consoante o número de adjuntos, e por essa razão o contrato se celebrou com a D... e não com cada um dos elementos da equipa técnica enquanto pessoas individuais” (art. 57.º da PI) ou de que “a C... pretendia uma prestação de serviços composta, que implicava o contributo de várias pessoas, mas apenas queria vincular-se a uma parte, e não também a cada um dos elementos da equipa técnica” (art. 114.º da PI).
Em qualquer caso, a declaração do Requerente na audiência de 20.6.2022 de que não existe uma equipa técnica da selecção nacional – “não há equipas técnicas, há um seleccionador e há pessoas que acompanham o seleccionador no seu trabalho e que depois no dia do jogo se sentam no banco e eventualmente nos treinos, onde o seleccionador habitualmente não está, está na bancada a ver, a visualizar, a tomar notas, para poder compilar tudo” – torna ilógico e não persuasivo o referido quanto à justificação da “proliferação de interlocutores” (art. 52.º da PI) para a celebração pela C... do contrato de prestação de serviços com uma empresa, mas, seja como for, não coincide com o teor do clausulado nos contratos de prestação de serviços e no próprio acordo de cedência de direitos de imagem reportados nos factos provados n.ºs XII, XIII e XIV (vd. as referências a “uma equipa técnica, doravante designada por "Equipa Técnica SN-..."”).
Por outro lado, a ideia invocada de um “pacote único” para a C..., pelo qual a D... asseguraria uma “prestação de serviços composta” ou “prestação de serviços global” (arts. 114.º e 120.º da PI), é contrariada pelo facto de ser a C... que suporta os custos com os estágios e deslocações para jogos da Selecção Nacional ..., incluindo os da equipa técnica, compreendendo o Requerente e todos os seus membros (vd. facto provado n.º XXV). A explicação dada pela testemunha E... para não ser a D... a assumir esses custos foi a seguinte: “foi o valor que na altura fixámos tendo acordado na altura que a C... suportava essas viagens até porque no caso das viagens tem uma relação privilegiada com uma empresa Cosmos e portanto tem vantagens relativamente a essa prestação de serviços” e era mais conveniente para a C... centralizar a organização desse serviço – sucede que quando se confrontam os contratos descritos nos pontos XII e XIVdo probatório não se encontra qualquer indicação sobre esse acordo.
As declarações da testemunha E..., que indicou que as razões para a celebração do contrato com a D... foram as anteriores experiências negativas quanto às rescisões contratuais individualizadas com antecedentes membros da equipa técnica da selecção nacional, bem como a suspensão de oito jogos incidente sobre o Requerente A..., também não permitem conduzir à demonstração sobre a necessidade de intervenção de uma sociedade. Esta testemunha disse, aliás, que quando “iniciámos o processo negocial com o A... dissemos-lhe claramente que gostaríamos que a relação fosse unicamente com uma pessoa ou uma entidade”, “fazia todo o sentido que fosse com uma entidade e que essa entidade fosse responsável perante a própria C...” – não, pois, que tivesse que ser necessariamente uma sociedade, ainda que, depois, tenha dito que “foi sob nossa proposta que se sugeriu que a relação fosse estabelecida através desse veículo”. Esta testemunha, todavia, ao explicar a sugestão da C... para que fosse uma sociedade (e não a pessoa do Requerente) a estabelecer a relação de prestações de serviços de supervisão e coordenação de todas as Selecções Nacionais e de orientação e preparação da Selecção Nacional ... não invocou qualquer particular factor atinente especificamente à D... ou a uma sociedade, mas aludiu que, desde 2010, “quando queríamos quadros qualificados, (..) celebramos os contratos com as empresas, mas queremos aquelas pessoas”, e que isso é uma prática da C... que foi sendo seguida.
Por outro lado, não foi minimamente justificada ou explicada, designadamente em termos probatórios, em que medida a celebração de um contrato de prestação de serviços com a D..., diferentemente do que sucederia se o contrato de prestação de serviços fosse pessoalmente celebrado com o Requerente, poderia tornar “mais simples” a respectiva cessação contratual. Dado que o motivo invocado para essa cessação respeitava estritamente ao exercício pessoal pelo Requerente das funções de Seleccionador Nacional (vd. facto provado n.º II), a celebração do contrato de prestação de serviços com a D... só poderia constituir, isso sim, um motivo de complexidade, como o evidencia a “cláusula especial de resolução pela C...” que consta do contrato descrito no ponto n.º XII dos factos provados. A testemunha E..., questionado a este respeito, apenas referiu não se recordar por que é não se optou por contrato individual com o Eng. A..., mas insistiu que não queria ter vários contratos individuais com os outros membros da equipa técnica.
Acresce que a celebração do novo contrato de prestação de serviços entre a C... e a D... em 2016 (cfr. facto provado n.º XIV) coloca mais em crise esta alegação: a C..., ao invés de ficar salvaguardada quanto à possibilidade de resolução do contrato – que supostamente seria mais simples por apenas estar em causa a sociedade –, ficou mais adstringida à relação jurídica estabelecida com a D..., não se podendo desvincular livremente, dado o estabelecido na respectiva cláusula 7.ª, inteiramente distinto do teor da cláusula 7.ª do antecedente contrato (cfr. facto provado n.º XII).
Por estes motivos, o Tribunal não deu como provados os factos referidos nos n.ºs 1, 2 e 3.
24. No que concerne ao facto não provado n.º 4, não foi apresentada qualquer prova que permitisse formar uma convicção quanto a meios ou suporte organizacional da D... para a prestação dos serviços em causa.
No depoimento do Requerente foi dito que, no início, a sociedade tinha apoio administrativo e técnico de contas, e posteriormente rodeou-se de outros colaboradores. Especificamente quanto aos meios necessários para a actividade de seleccionador nacional foi referido pelo Requerente que o trabalho de seleccionador não tem nada a ver com o de treinador, “é tudo diferente”, é um trabalho completamente distinto “de orientação, planeamento e visualização”, “D... visualiza 50, 60, 70 jogos mês ao vivo e na televisão ou em vídeo para que possamos ir acompanhando os jogadores”, “D... precisa de ter relatórios permanentes da utilização dos jogadores, de tempo de utilização, para além de tudo o que é trabalho de planeamento, planeamento de estágios, de viagens, tudo passa pelo seleccionador nacional, tudo passa comigo, sozinho era impossível exercer bem”.
Ora, questionado posteriormente no seu depoimento sobre o que a D... especificamente fazia, reiterou apenas que é o trabalho de reporte ao Presidente da C..., as análises, o planeamento, “no fundo, sugere, penso que é essa a nossa função, é sugerir à estrutura da C...”, “vimos estes jogadores, vimos estes”. Questionado ainda especificamente sobre a elaboração de relatórios escritos preparados e apresentados com a indicação da D... neste âmbito, disse que sim. Impõe-se, porém, destacar que não foram juntos aos autos quaisquer documentos atinentes a tais relatórios.
Por seu lado, a testemunha E... declarou especificamente que “nós temos um único interlocutor que é o Eng. A... e consubstancia o que efectivamente se passa, porque o Eng. A... é que define o plano de trabalho de cada um dos seus adjuntos, e designa as visitas”.
Diferentemente do que consta do n.º 4 dos factos não provados, o que se deu como provado nos pontos n.ºs X,XVII, XVIII, XIX, XX e XXIII do probatório patenteia a inexistência de quaisquer meios ou activos da D... especificamente referidos à orientação e preparação da Selecção Nacional ... com vista à respectiva qualificação para a fase final do Campeonato da Europa de 2016, para a fase final do Campeonato do Mundo de 2018 e para a fase final do Campeonato da Europa de 2020, bem como durante estas fases finais.
25. Por fim, no que respeita ao facto não provado n.º 5, muito embora o Requerente e a testemunha E... tenham asseverado nunca ter existido qualquer ponderação atinente a aspectos fiscais no modelo contratual adoptado entre a C... e a D..., designadamente pelos advogados que acompanharam a negociação destes contratos, trata-se de declarações que, não só pelo exposto acima no n.º 21, mas igualmente pela presença de uma cláusula sobre “Qualificação” como a que consta dos contratos enunciados nos n.ºs XII (“As partes acordam expressamente que o presente contrato é de prestação de serviços, tendo esta qualificação sido determinante no acordo das partes relativo ao montante máximo a pagar, pela C... à Segunda Outorgante, ao abrigo da cláusula quarta”) e XIV (“As partes acordam expressamente que o presente contrato é de prestação de serviços, apenas interessando os resultados obtidos e não a actividade em si mesma considerada, tendo esta qualificação sido determinante no acordo das partes relativo ao montante máximo a pagar, pela C... à Segunda Outorgante, ao abrigo da cláusula quinta”) do probatório (sobre o sentido desta cláusula dos contratos, o Requerente declarou que por isso é que pede à sociedade de advogados para ler e dizer que está tudo bem e a testemunha E... também não conseguiu explicar cabalmente, reportando-se apenas aos resultados desportivos), bem como do disposto na cláusula 4.ª, n.º 6 e cláusula 5.ª, n.º 4, respectivamente, dos mesmos dois contratos (“A Segunda Outorgante é a exclusiva responsável pelo pagamento dos impostos devidos à Fazenda Pública em virtude de qualquer um dos valores referidos nesta cláusula”), não se afiguraram persuasivas nem convincentes, antes se revelando pouco lógicas e não coerentes com a importância e repercussão dos contratos celebrados e do respectivo conteúdo.
V. Matéria de Direito
1. Ordem de conhecimento dos vícios alegados
26. Tendo em conta as posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados e o thema decidendum dos presentes autos, são as seguintes as concretas questões jurídicas controvertidas que cumpre conhecer:
a) Apreciação da legalidade dos actos de liquidação contestados por violação do disposto no artigo 38.º, n.º 2, da LGT;
b) A título subsidiário face à questão anterior, apreciação da legalidade dos actos de liquidação contestados por não visarem apenas a alegada vantagem fiscal;
c) Apreciação da legalidade dos actos de liquidação de juros compensatórios por violação do disposto no artigo 91.º, n.º 1, do Código do IRS e do artigo 35.º da LGT;
d) Condenação da Requerida na restituição aos Requerentes das quantias pagas por referência aos actos de liquidação impugnados, acrescidos dos correspondentes juros à taxa legal em vigor.
27. No que respeita à apreciação da questão jurídica controvertida referida na alínea a) do parágrafo anterior cumpre precisar dois aspectos.
Um primeiro, relacionado com o facto de os Requerentes terem invocado na petição inicial um “vício de fundamentação da decisão de aplicação da CGAA” decorrente da “falta de demonstração de que a celebração ou prática dos negócios ou actos jurídicos constituem meios artificiosos ou fraudulentos com abuso de formas jurídicas – a ausência do elemento normativo” e, bem assim, uma “deficiente compreensão do que seja uma vantagem fiscal para os efeitos do nº 2 do artigo 38º da LGT – a ausência do elemento intelectual”. Sucede que o “vício de fundamentação” e a “deficiente compreensão”, tal como conformados pelos Requerentes, não correspondem, na sua essência, a vícios formais de falta ou insuficiente fundamentação, mas antes a vícios de natureza material, isto é, a vícios de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito. Por conseguinte, aquilo que cumpre a este Tribunal decidir é a legalidade material da fundamentação da AT subjacente à aplicação da CGAA.
Um segundo, deve-se à extensão ou âmbito de apreciação das ilegalidades invocadas pelos Requerentes a este respeito. Ainda que estes apenas tenham identificado como ilegalidades da aplicação da CGAA a ausência dos elementos “normativo” e “intelectual”, a verdade é que acabaram igualmente por sustentar na sua argumentação a ausência de preenchimento dos elementos “meio” e “resultado”, pelo que a apreciação da legalidade da actuação da AT deverá ser feita com base em toda esta extensão de argumentos. De resto, foi com base neste conjunto de “vícios” que a AT formulou a sua resposta.
28. Já no que respeita à ordem de conhecimento dos vícios cabe atender ao disposto no artigo 124.º, do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT. De acordo com a referida norma, deverá o Tribunal Arbitral apreciar os vícios invocados pelos Requerentes com base na seguinte ordem:
“1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;
b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”.
Não tendo sido invocados vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade dos actos de liquidação impugnados, caberá apreciar os vícios que conduzam à sua anulação com base na ordem referida no n.º 26 do presente acórdão, que reflecte a relação de subsidiariedade elencada pelos Requerentes nos respectivos articulados, sem prejuízo da sua apreciação vir a ser feita na mesma sede por implicar o mesmo método analítico e a apreciação do mesmo conjunto de princípios e regras jurídicas.
2. Legalidade dos actos de liquidação contestados por violação do disposto no artigo 38.º, n.º 2, da LGT
2.1. Concretização normativa da CGAA
29. Antes de se proceder à sindicância da legalidade das correcções efectuadas pela AT na esfera jurídica dos Requerentes ao abrigo da CGAA prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT considera-se necessário enquadrar sistematicamente a referida norma, concretizando o respectivo conteúdo com recurso ao desenvolvimento dogmático que a doutrina e a jurisprudência têm feito a seu respeito.
30. Enquanto ponto de partida cumpre ter presente que aos contribuintes assiste o direito ao livre desenvolvimento de uma actividade económica, que pode ser exercida através do modelo de organização empresarial que aqueles entendam ser mais adequado para o efeito, conforme decorre dos princípios da liberdade de iniciativa económica privada e da liberdade de iniciativa, organização e gestão empresarial previstos nos artigos 61.º, n.º 1, 80.º, alínea c) e 86.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Um corolário da tutela conferida por aqueles princípios é a liberdade de gestão fiscal, nos termos da qual se assegura aos contribuintes a necessária amplitude na planificação das actividades económico-empresariais e na escolha das opções que permitam uma maximização de receitas e uma optimização de custos com a consequente obtenção, dentro dos limites da lei, de todas as vantagens fiscais possíveis.
A este respeito salienta precisamente Nuno Sá Gomes, Direito Fiscal – Vol. II, Rei dos Livros, 2000, 9.ª ed., pp. 101 e seguintes que a “racionalidade da gestão das actividades económicas pressupõe que, em princípio, os agentes económicos devam optimizar os respectivos custos comerciais, industriais, financeiros e fiscais. Sendo assim, a boa gestão fiscal, supõe, obviamente, a minimização dos custos fiscais, que a doutrina designa por economia fiscal ou poupança fiscal, sem prejuízo do rigoroso cumprimento das leis tributárias pelos agentes económicos”. Em idêntico sentido refere Saldanha Sanches, Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2006, pp. 62 e seguintes que “o contribuinte – agindo como um “homo economicus” que procura maximizar os seus proveitos – vai estar permanentemente atento às consequências fiscais e económicas dos seus negócios e fazer as suas escolhas depois desta avaliação”.
31. Apesar de, em abstracto, não ser ilegal que os contribuintes optem no desenvolvimento de uma actividade económica pela via menos onerosa fiscalmente, a verdade é que o direito ao planeamento e gestão fiscal não é absoluto. No plano concreto, perante uma colisão de valores conflituantes, aquele direito poderá ser objecto de restrições em virtude da existência de outros princípios ou interesses prevalecentes, tais como a garantia da satisfação das necessidades financeiras do Estado e da repartição justa dos rendimentos e da riqueza de acordo com a capacidade contributiva de cada um (artigos 81.º, alíneas b) e f), 103.º, n.º 1 e 104.º, todos da CRP).
Compreende-se, portanto, que o planeamento fiscal levado a cabo pelos contribuintes nem sempre será legítimo e admissível, particularmente se se esgota em si mesmo por não envolver quaisquer operações ou actividades dotadas de substância económica ou assentes em válidas razões comerciais. Conforme refere Saldanha Sanches, Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2006, pp. 176, apesar de competir aos contribuintes “(…) a escolha dos meios específicos pelos quais realizarão os seus negócios: necessário é que exista, como motivo para a sua escolha, não uma certa via de obtenção de uma poupança fiscal contra a intenção expressa da lei, mas, sim, o que pode considerar-se como uma razão comercial legítima.”.
32. De modo a delimitar o planeamento fiscal admissível/legítimo do planeamento fiscal inadmissível/ilegítimo, a doutrina tende a distinguir entre três tipos de planeamento: intra ou secundum-legem, contra-legem e extra-legem (para maiores desenvolvimentos a este respeito veja-se António Carlos dos Santos, Planeamento Fiscal, evasão fiscal, elisão fiscal: o fiscalista no seu labirinto, in Revista Fiscalidade n.º 38 ISG Abril-Junho 2009; Saldanha Sanches, Abuso de Direito em matéria fiscal: natureza, alcance e fins, Centro de Estudos Fiscais, 2000 e do mesmo autor Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2006; Gustavo Courinha, A Cláusula Geral Anti‑Abuso no Direito Tributário – Contributos para a sua compreensão, Almedina, 2009; Marta Caldas, O Conceito de Planeamento Fiscal Agressivo: Novos Limites ao Planeamento Fiscal?, Cadernos IDEFF n.º 18, Almedina, 2015).
Em termos sintéticos, o planeamento intra ou secundum-legem é aquele em que o contribuinte pratica ou renuncia a um certo comportamento de modo a obter uma poupança ou ganho fiscal equacionado pelo legislador, conforme sucede com o aproveitamento de isenções, deduções ou outros benefícios fiscais. No planeamento contra-legem, também designado por evasão fiscal, o contribuinte procura obter uma vantagem fiscal com recurso a actos que violam directamente a lei e que são censurados por via da aplicação de sanções penais e contra‑ordenacionais, tal como sucede com as condutas que configurem a prática de um crime de fraude fiscal. Já no planeamento fiscal extra-legem, também designado por elisão fiscal, o contribuinte procura assegurar uma redução, diferimento ou supressão dos encargos fiscais através de actuações que, apesar de não violarem directamente a lei, são contrárias aos valores e ao espírito do ordenamento jurídico‑tributário, sendo por isso objecto de censura.
Para que melhor se compreenda a distinção entre evasão e elisão fiscal, vejam-se as considerações do Comité de Peritos em Cooperação Internacional em Matéria Fiscal, feitas no âmbito da sétima sessão da Revisão do Manual de Negociação de Tratados Bilaterais Fiscais, que decorreu entre 24 e 28 de Outubro de 2011, em Genebra: “Tax avoidance [elisão fiscal] is not tax evasion [evasão fiscal]. Tax avoidance, in contrast, involves the attempt to reduce the amount of taxes otherwise owed by employing legal means. Tax avoidance occurs when persons arrange their affairs in such a way as to take advantage of weaknesses or ambiguities in the tax law. Although the means employed are legal and not fraudulent, the results are considered improper or abusive. (…) The European Court of Justice (ECJ) defined tax avoidance as “artificial arrangements aimed at circumventing tax law”.
Neste sentido, serão casos de elisão fiscal aqueles em que os contribuintes utilizam expedientes anómalos, impróprios ou artificiais, que são desprovidos de racionalidade económica e comercial e cuja utilização se explica pelo intuito proeminente de contornar ou instrumentalizar as normas jurídico-tributárias tendo em vista a obtenção de uma poupança fiscal. Na medida em que são abusivos e contrários ao espírito e propósito do sistema jurídico‑tributário, estes mecanismos apenas se poderão considerar aparentemente legais, isto é, de um ponto de vista estritamente formal.
33. Ainda que o planeamento fiscal extra-legem seja ilegítimo, a AT não pode colocar em causa sem observância de todos os pressupostos e modos de actuação legalmente impostos e conformados os resultados fiscais obtidos pelos contribuintes. Convém sublinhar a este respeito que a AT, enquanto órgão da Administração Pública do Estado, deve observar na globalidade da sua actuação o princípio da legalidade consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT. De acordo com este princípio, que se encontra densificado no artigo 3.º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável ao procedimento tributário ex vi artigo 2.º da LGT, a AT deve “actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respectivos fins”.
Quer isto dizer que, ao ser o princípio da legalidade o fundamento, o critério e o limite da actuação administrativa, e ao ser o planeamento e a gestão fiscal direitos com cobertura constitucional, a AT apenas poderá colocar em causa as opções tomadas pelos contribuintes e corrigir os resultados fiscais alcançados na exacta medida em que a lei lhe confira poderes de actuação para o efeito e em ordem ao seu cumprimento.
34. Um dos mecanismos que permite sindicar a legalidade e colocar em crise o planeamento fiscal realizado pelos contribuintes é a CGAA, que foi precisamente aplicada pela AT aos ora Requerentes de forma a corrigir as respectivas situações jurídico-tributárias. A CGAA está prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT e, à data dos factos que cumpre apreciar nos presentes autos, tinha a seguinte redacção, que constitui, pois, o enunciado legal pertinente para a resolução do caso:
“Artigo 38.º
Ineficácia de actos e negócios jurídicos
(…)
2 – São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.”
Conforme se constata, a norma que prevê a CGAA foi redigida com recurso a conceitos vagos e indeterminados que carecem de uma inevitável concretização normativa – pelos contribuintes, pela AT e, em termos decisivos, pelos Tribunais – para que seja aferida a sua aplicabilidade ao caso concreto.
De facto, tal como se sublinhou no acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 162/2017-T, em 14 de Novembro de 2017, “[a] ambiguidade parece ser o principal objectivo deste tipo de técnica legislativa. Ao recortar a CGAA do artigo 38º n.º 2 da LGT, o legislador fiscal reconhece a necessidade de preservar a base tributária e habilitar a AT e os tribunais a proteger as finalidades substantivas do legislador fiscal. A incerteza deliberadamente gerada nos contribuintes leva-os a não se aproximarem muito da linha que demarca a fraude e elisão, permitindo, a um tempo, que a CGAA seja suficientemente flexível para acompanhar as novas transações geradas pela dinâmica e acelerada “indústria do planeamento fiscal agressivo” e que a AT e os tribunais preencham as lacunas do sistema fiscal em situações imprevistas e potenciadoras de abusos”.
Por via da aplicação da CGAA, os actos ou negócios jurídicos abusivos praticados pelos contribuintes com o intuito essencial ou principal de obtenção de uma vantagem fiscal são desconsiderados e requalificados quanto aos efeitos produzidos. Significa isto que, apesar de manterem validade e eficácia quanto aos efeitos civis, são anulados os efeitos tributários que tiverem sido produzidos, “requalificando-se” os actos ou negócios jurídicos de modo que a tributação se processe com base nas normas aplicáveis aos actos equivalentes que teriam sido praticados não fosse o propósito de alcançar a vantagem fiscal indevida.
A este respeito referiu-se no acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 415/2020, em 9 de Abril de 2021, que “[o] sentido geral da norma é, nestes termos, o de permitir a desqualificação para efeitos fiscais de um qualquer acto ou negócio jurídico praticado pelo contribuinte com o único, ou principal, objectivo de obtenção de uma vantagem fiscal, que possa consubstanciar uma fraude à lei fiscal. O efeito jurídico que resulta do funcionamento da cláusula anti‑abuso é o de considerar os actos como praticados de acordo com o padrão normal do comércio jurídico para obter o mesmo resultado económico, determinando-se a obrigação tributária em função dos actos equivalentes que pudessem ser praticados.”.
35. Aqui chegados, cumpre então efectuar a “concretização normativa” do artigo 38.º, n.º 2, da LGT, recorrendo para o efeito ao conjunto de critérios ou elementos que têm sido desenvolvidos pela doutrina, em atenção ao teor do mencionado enunciado normativo, para determinar se a CGAA é ou não aplicável a um certo caso concreto.
Segundo Sérgio Vasques, a aplicação da CGAA depende da verificação de três elementos cumulativos. Nas palavras do autor, em Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2018, pp. 375-376, “[e]m primeiro lugar, exige-se a prática de acto ou negócio artificioso ou fraudulento e que exprima abuso das formas jurídicas, no sentido de estarmos perante esquemas negociais que ocultem os seus verdadeiros propósitos e aos quais seja dada uma utilização manifestamente anómala face à prática jurídica comum. Em segundo lugar, exige-se o objectivo único ou principal de através desses esquemas negociais obter uma vantagem fiscal, qualquer que seja a sua natureza, com a marginalização evidente de objectivos económicos reais. Em terceiro lugar, exige-se que da lei resulte com clareza a intenção de tributar os bens em causa, nos mesmos termos em que estes seriam tributados tivesse o contribuinte recorrido às formas jurídicas e práticas negociais mais comuns”.
Na jurisprudência arbitral, esta concretização normativa foi seguida em diversos acórdãos arbitrais, de que são exemplo os proferidos no âmbito dos processos n.º 415/2020‑T, em 9 de Abril de 2021; n.º 142/2020-T, em 28 de Janeiro de 2021; n.º 258/2020-T, em 23 de Dezembro de 2020; n.º 788/2019-T, em 17 de Outubro de 2020; n.º 317/2019-T, em 15 de Janeiro de 2020; n.º 166/2019-T, em 26 de Novembro de 2019; n.º 357/2018-T, em 24 de Maio de 2019; n.º 166/2019, em 26 de Novembro de 2019 ou n.º 463/2018-T, em 23 de Abril de 2019.
Já para Gustavo Courinha, ob. cit., o esquema analítico de aplicação da CGAA passa pela verificação de cinco elementos, “correspondendo quatro deles aos requisitos de aplicação da CGAA e um à respectiva estatuição da norma” a saber, “a forma utilizada – elemento meio; a vantagem fiscal e a equivalência económica obtidas – elemento resultado; a motivação do contribuinte – elemento intelectual; a reprovação normativo‑sistemática da vantagem obtida – elemento normativo; a efectivação da Cláusula – elemento sancionatório”.
Quanto à concretização de cada um destes elementos, registou-se no sumário do primeiro acórdão que apreciou a aplicação pela AT da CGAA, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n.º 04255/10, em 15 de Fevereiro de 2011, o seguinte:
“1-O elemento meio - o qual tem a ver com a forma utilizada, portanto, com a prática de certos actos ou negócios dirigidos, essencial ou principalmente, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos;
2-O elemento resultado - o qual visa a vantagem fiscal como fim da actividade do contribuinte, portanto, a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos;
3-O elemento intelectual - o qual tem a ver com a motivação fiscal do contribuinte, portanto, com o facto dos actos ou negócios pelo mesmo praticados serem essencial ou principalmente dirigidos ao resultado que é a vantagem fiscal;
4-Elemento normativo - o qual tem a ver com a reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida, portanto, o contribuinte actua com manifesto abuso das formas jurídicas (cfr. art°. 63, n° 2, do C.P.P.Tributário).
Na estatuição da norma vamos encontrar o elemento sancionatório que se traduz na ineficácia, no âmbito tributário, dos actos ou negócios jurídicos em causa, os quais passam a ser inoponíveis à A. Fiscal (...). O elemento sancionatório corresponde, por isso, à estatuição da norma em apreciação, dependendo a sua aplicação da verificação cumulativa dos pressupostos consagrados na sua previsão”.
Na jurisprudência arbitral, esta concretização normativa também foi seguida em diversos acórdãos arbitrais, de que são exemplo os proferidos no âmbito dos processos n.º 141/2020-T, em 5 de Fevereiro de 2021; n.º 481/2019-T, em 11 de Maio de 2020; n.º 480/2019-T, em 25 de Maio de 2020; n.º 359/2019-T, em 31 de Janeiro de 2020; n.º 47/2019-T, em 18 de Novembro de 2019; n.º 441/2018-T, em 15 de Maio de 2019; n.º 126/2018-T, em 26 de Novembro de 2018; n.º 324/2017-T, de 5 de Agosto de 2018; n.º 219/2016-T, de 10 de Julho de 2017.
36. Independentemente da mais-valia dogmática de cada uma das concretizações normativas defendidas na doutrina e desenvolvidas pela jurisprudência, e tendo em conta que este também foi o método seguido pelas partes nos respectivos articulados, será adoptado no presente acórdão o método analítico que decompõe a aplicação da CGAA na apreciação dos elementos resultado, meio, intelectual, normativo e sancionatório.
Cada um dos referidos elementos será analisado de modo individualizado, contudo, é essencial ter presente que tal análise não poder ser feita de modo completamente estanque e segmentado. Ao estarem interligados entre si, impõe-se que a apreciação dos referidos elementos seja feita de modo articulado, encarando a operação a sindicar como um todo. Por conseguinte, e conforme sublinha Gustavo Courinha, ob. cit., p. 165, “os citados elementos, embora devam ser tratados autonomamente, pelo menos do ponto de vista doutrinal, não deixarão com frequência, e na falta de melhor expressão, de “auxiliar-se” mutuamente. A fixação de um elemento pode, na prática, depender [ou resultar da verificação, dizemos nós] de um outro elemento”.
Ainda antes de se proceder à análise de cada um dos elementos enunciados, cumpre ressalvar que a análise a efectuar tem subjacente uma inevitável apreciação casuística das concretas circunstâncias de facto inerentes ao caso sub judice. Tal como se referiu no acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 377/2014-T, em 22 de Maio de 2014, “(…) o funcionamento da cláusula geral anti-abuso, consagrada no n.º 2 do art. 38.º da LGT, pressupõe sempre uma tarefa de realização concreta do Direito em função das circunstâncias fácticas e dos contornos materiais da situação sub judice, não sendo viável, a seu propósito, sob pena de se desprotegerem as necessidades reais que presidiram à sua consagração, reduzir a sua aplicação à subsunção estrita e automática das realidades a categorias jurídicas abstractas.”.
Como tal, o centro de gravidade da matéria sujeita à apreciação deste Tribunal Arbitral é, fulcralmente, fáctico, assentando no circunstancialismo concreto das relações efectivamente desenvolvidas entre a C..., o Requerente A... e a sociedade D... com base na cadeia de contratos de prestação de serviços e de cedência de direitos de imagem que foram celebrados e na intervenção da sociedade D... nos serviços técnicos de supervisão e coordenação de todas as Selecções Nacionais da C..., bem como, quanto à Selecção Nacional “...”, de orientação e preparação da SN-... para a fase final do Campeonato da Europa de 2016, para a fase final do Campeonato do Mundo de 2018 e para a fase final do Campeonato da Europa de 2020 e, alcançando estes resultados, de orientação e preparação da referida Selecção durante as mencionadas fases finais. Nesta medida, a resolução jurídica ora em causa norteia-se casuisticamente pela valoração das circunstâncias fácticas acima apuradas em sede de decisão de facto no termo do exame crítico das provas produzidas.
Dado que a solução do caso se prende com a apreciação de factos e circunstâncias numa avaliação casuística respeitante a uma sociedade específica interveniente num conjunto de contratos particulares não possui cabimento desenvolver cogitações teóricas sobre o exercício da liberdade de prestação de serviços ou juízos abstractos sobre a genérica submissão da adopção da forma societária à aplicação da CGAA, não obstante a apresentação de argumentação desse teor pelas partes. Com efeito, o thema decidendum do presente processo não respeita ao genérico exercício empresarial de actividades profissionais mediante sociedades constituídas para o efeito, mas incide estritamente sobre operações concretas em que surgiu envolvida, nos contornos fácticos acima descritos, uma particular sociedade. De qualquer modo, não se deixe de dizer, atenta a argumentação que os Requerentes formulam quanto ao arrimo do princípio da liberdade de prestação de serviços no Direito Europeu, que o Tribunal de Justiça da União Europeia já assinalou devidamente que “o princípio geral da proibição de práticas abusivas deve ser oposto a uma pessoa quando esta invoca certas regras do direito da União que preveem uma vantagem de uma forma que não é coerente com os objetivos que essas regras visam” e que um “contribuinte não pode beneficiar de um direito ou de uma vantagem decorrente do direito da União caso a operação em causa seja puramente artificial no plano económico e vise eximir‑se à aplicação da legislação do Estado‑Membro em causa” (vd., por último, o acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 2019, processos apensos C‑115/16, C‑118/16, C‑119/16 e C‑299/16, N Luxembourg 1 e outros, n.ºs 102 e 109, onde se podem encontrar mais referências jurisprudenciais).
Tendo este enquadramento presente, cumpre então apreciar cada um dos elementos de que dependia a aplicação da CGAA aos Requerentes, tendo em atenção os fundamentos da actuação administrativa constantes do RIT que se encontram transcritos no ponto n.º XXXVIII dos factos provados, que constitui a fundamentação contextual integrante dos actos tributários sindicados.
2.2. Elemento resultado
37. Quanto a este elemento cumpre essencialmente aferir se a estrutura jurídica utilizada pelos Requerentes nos termos que resultam da factualidade dada como provada nos n.ºs III, IV, IX, X, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII, XXIII, XXV, XXVI, XXVIII, XXIX e XXX teve ou não como consequência a “redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios”.
Para o efeito, haverá que ter em consideração que uma vantagem fiscal corresponde a uma “qualquer situação pela qual, em virtude da prática de determinados actos, se obtém uma carga tributária mais favorável ao contribuinte do que aquela que resultaria da prática dos actos normais e de efeito económico equivalente, sujeitos a tributação. Assim estamos perante uma comparação entre os ónus fiscais normalmente suportados e os evitados com a actuação produzida. Se de tal análise resultar uma efectiva diferença, aritmética ou de outra natureza, que seja objectivamente vantajosa para o contribuinte, ter-se-á por verificado este requisito”, conforme sublinha Gustavo Courinha, ob. cit. p. 172.
Assim sendo, e tendo em conta que a Requerida identificou a prestação dos serviços e a cedência dos direitos de imagem directa e pessoalmente pelo Requerente A... como a operação de efeitos económicos sucedâneos, isto é, como sendo o negócio “normal” que teria sido praticado para assegurar o resultado não fiscal – a prestação dos serviços e cedência de direitos de imagem à C... –, não fosse o intuito de alcançar as alegadas vantagens fiscais (vd. o facto provado n.º XXXVIII e a transcrição aí efectuada dos fundamentos apresentados no RIT quanto “à natureza das funções contratadas, indissociáveis de quem as pratica”, que se “inserem em contratos de prestação de serviços pessoais e intransmissíveis, susceptíveis de serem tributados na esfera pessoal do seu prestador, A..., em sede de IRS - Categoria B” e aos “rendimentos procedentes da exploração dos direitos de imagem de A..., enquanto titular do direito de imagem, são enquadráveis na categoria B de rendimentos empresariais e profissionais, em sede de IRS, por serem indissociáveis da personalidade do detentor desses direitos”), é com esta operação que deve ser comparada a carga tributária que foi suportada na esfera da D.... Dito de outro modo, cabe comparar a tributação que ocorreu em sede de IRC na esfera da sociedade D... com aquela que seria devida em sede de IRS na esfera pessoal do Requerente A..., relativamente aos rendimentos pagos pela C....
38. Em termos genéricos, os serviços prestados na esfera da D... são rendimentos que concorreram para a formação do lucro tributável e, consequentemente, para o apuramento da matéria colectável, à qual foram aplicadas as taxas de imposto, as derramas e as tributações autónomas (artigos 15.º, 17.º, 23.º, 87.º, 87.º-A e 88.º, todos do Código do IRC).
Na decorrência do que resulta da matéria de facto dada como provada (vd. facto provado n.º XXII), a sociedade D... apurou, nos exercícios de 2016 e 2017, um lucro tributável de € 3.606.052,60 e de € 3.484.655,29, respectivamente, conforme evidenciado no seguinte quadro:
Quanto à taxa de IRC, foi aplicada aos primeiros € 15.000 de matéria colectável uma taxa de imposto de 17%, tendo sido aplicada à matéria colectável remanescente uma taxa de 21%. Quanto à derrama estadual, foi aplicada uma taxa de 3% quanto à parte do lucro tributável superior a € 1.500.000, sendo que em relação à derrama municipal foi aplicada ao lucro tributável uma taxa de 1,25%, sem contar com a aplicação das taxas de tributação autónoma. Esta informação encontra-se resumida no quadro 10 das declarações modelo 22 de IRC entregues pela D... nos exercícios de 2016 e de 2017, onde se apurou um total de imposto a pagar de € 869.711,56 e de € 845.689,73, respectivamente, tal como demonstrado no seguinte quadro:
39. Caso os rendimentos pagos pela C... à sociedade D... tivessem ingressado directamente na esfera do Requerente A..., a tributação já não seria feita em sede de IRC, mas sim em sede de IRS. Significa isto que, sucintamente, estariam em causa rendimentos de prestações de serviços enquadráveis na categoria B (artigos 1.º e 3.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código do IRS). Não obstante, em virtude do volume de negócios e da facturação inerente aos serviços em causa, estes rendimentos empresariais e profissionais não seriam determinados com base nas regras do regime simplificado, mas sim com base no regime de contabilidade organizada que, no essencial, remete para as regras de apuramento do IRC, com excepção dos encargos não dedutíveis para efeitos fiscais que se encontram previstos no Código do IRS (artigo 3.º, n.º 6, 28.º, n.ºs 2 e 10, 32.º e 33.º, todos do Código do IRS). Após o apuramento da matéria colectável, seriam aplicáveis as taxas progressivas previstas no artigo 68.º do Código do IRS, cujo valor nominal se situava em 37,613% para a matéria colectável compreendida entre € 40.200 até € 80.000 (em 2016) e entre € 40.522 até € 80.640 (em 2017), sendo aplicável a taxa de 48% à matéria colectável superior a € 80.000 (em 2016) e a € 80.640 (em 2018).
Para aplicar estas regras ao caso concreto, caberia antes de mais desconsiderar os rendimentos de trabalho dependente (categoria A) pagos nos exercícios de 2016 e 2017 pela D... ao Requerente A... que originaram uma colecta de IRS, respectivamente, de € 29.396,70 e de € 22.627,74. Prosseguindo, e tomando como ponto de partida os rendimentos pagos pela C... à sociedade D..., deduzidos dos rendimentos pagos aos restantes membros da equipa técnica, seriam tributáveis em sede de IRS na esfera do Requerente A... a título de rendimentos da categoria B os montantes de € 3.796.704,34 e de € 3.827.699,96 referentes, respectivamente, aos exercícios de 2016 e 2017, conforme descrito no seguinte quadro:
Após a aplicação das regras de apuramento do imposto acima sucintamente enunciadas, seria apurado uma matéria colectável de, respectivamente, € 3.659.155,15 e € 3.580.580,52, tal como abaixo se discrimina:
Neste sentido, seria devido pelo Requerente A... nos exercícios de 2016 e 2017, respectivamente, um montante de IRS a pagar de € 1.894.919,65 e de € 1.860.157,50, o que perfaz a quantia total de € 3.755.077,15, a que ainda acresceria a sobretaxa extraordinária então prevista no artigo 72.º-A do Código do IRS.
40. Para que melhor se compreenda a comparabilidade dos resultados da tributação dos serviços prestados à C... em sede de IRC e de IRS, veja-se que se apenas fosse considerada a matéria colectável apurada para a categoria B acima evidenciada – de € 3.659.155,15 e de € 3.580.580,52 –, o total de imposto a pagar em sede de IRC seria de € 861.243,19 e de € 848.478,45 e já não de € 869.711,56 e de € 845.689,73, tal como sintetizado no quadro seguinte:
41. Aqui chegados, conclui-se que a mesma prestação de serviços teria sido sujeita a uma carga tributária manifestamente mais elevada se o imposto, ao invés de ter sido apurado na esfera da D... com base nas regras do IRC, tivesse sido determinado directa e pessoalmente na esfera jurídica do Requerente A... com base nas regras do IRS.
Quanto ao ano de 2016, o imposto total em IRC (determinado com base na matéria colectável apurada para a categoria B) seria de € 861.243,19, quando a colecta de IRS seria de € 1.894.919,65, o que equivale a uma vantagem fiscal de € 1.033.676,46. Relativamente ao ano de 2017, a quantia equivalente por referência ao IRC seria de € 848.478,45, e por referência ao IRS seria de € 1.860.157,50, o que corresponde a uma vantagem fiscal de € 1.011.679,05.
Em suma, e tal como invocou a Requerida, através da intervenção da sociedade D... na prestação dos serviços à C... o Requerente A... obteve uma vantagem fiscal de € 2.045.355,51.
42. Ainda a respeito da verificação de uma vantagem fiscal, entende-se necessário examinar os argumentos constantes dos artigos 154.º a 178.º da petição inicial (vd. supra n.º 4.1), segundo os quais “não existem vantagens fiscais efectivas quando analisada no seu conjunto a tributação em IRC e IRS” porque “[o] sistema de tributação do rendimento em Portugal foi concebido de forma integrada: o IRC mais não representa do que um adiantamento sobre a tributação pessoal que haverá de ser apurada em IRS; e é por isso que a soma ponderada das taxas estatutárias dos dois impostos tende para a indiferença, para a neutralidade.”.
De acordo com os Requerentes, “[a] taxa efectiva de imposto da D... em IRC foi, portanto, de 24%”, sendo que “(…) aquando da distribuição de dividendos, porque é esse o meio próprio para fazer chegar à esfera das pessoas singulares o resultado da sociedade), os sócios (os Requerentes) serão tributados em IRS à taxa de 28% sobre a totalidade dos dividendos distribuídos ou, optando pelo englobamento, serão tributados em metade do seu valor de acordo com as taxas gerais e progressivas previstas no artigo 68.º do CIRS, o que resultará numa taxa efectiva de imposto de 26,5% (cfr. artigos 40.º-A e 72.º do CIRS). Acrescerá ainda a taxa adicional de solidariedade nos termos do artigo 68.º-A do CIRS: acima de € 80.000 e até € 250.000 a taxa é de 2,5%, e acima de € 250.000 é de 5%.”.
Tudo isto significaria, para os Requerentes, que não existiu qualquer vantagem fiscal efectiva com a intervenção da D... dado que “em termos globais ou integrados (IRS e IRC), o resultado da D... mostrar-se-á tributado a uma taxa efectiva de imposto de 55% ainda que os Requerentes venham a optar pelo englobamento dos rendimentos em IRS”.
Ora, apesar de sustentaram a sua argumentação na alegação de que os resultados da D... “serão certamente distribuíveis no futuro, quando os sócios entenderem ser conveniente, de acordo com os seus projectos e a boa gestão da sociedade”, a realidade efectivamente em presença é que, conforme os Requerentes reconheceram expressamente e resulta provado nos presentes autos no ponto n.º XXII, não se verificou nos anos em questão qualquer distribuição de resultados.
Em bom rigor, os resultados da D... poderão permanecer na esfera da sociedade sem nunca serem distribuídos aos sócios. Isto sem contar com o facto de que aqueles resultados poderão ser eventualmente aplicados noutros distintos desenvolvimentos societários sem gerarem um retorno futuro que permita a sua distribuição.
É, pois, manifesto que os rendimentos pagos pela C... em causa nos presentes autos poderão nunca ser distribuídos e tributados em sede de IRS, sem contar que a presença de mais sócios na D... irá implicar uma diluição no momento da sua distribuição e uma possível diminuição da taxa efectiva de imposto na esfera do Requerente A.... Por conseguinte, não assiste razão aos Requerentes quando procuram sustentar que em termos “globais ou integrados (IRS e IRC)” a taxa efectiva de imposto não seria mais benéfica do que a que resultaria da tributação directa dos rendimentos em questão na esfera pessoal do Requerente A....
A tudo isto acresce, de modo decisivo e definitivo, que a possibilidade de operar com uma eventual e futura distribuição de resultados em que sustentam os Requerentes a sua argumentação é, em si mesma, uma vantagem fiscal para efeitos de aplicação da CGAA, subsumível à referência legal constante do artigo 38.º, n.º 2 da LGT ao “diferimento temporal de impostos”, porquanto a tributação estaria a ser diferida para o momento em que os Requerentes, enquanto sócios maioritários, entendessem ser conveniente, designadamente em consideração do enquadramento fiscal então vigente, auferir os dividendos.
Na verdade, a relevância substantiva do diferimento fiscal e, logo, da sua pertinência em sede de concretização da CGAA não é susceptível de qualquer desconsideração ou apagamento. Veja-se, a este respeito, Tomás Cantista Tavares, IRC e contabilidade: da realização ao justo valor, Almedina, 2011, p. 58 em afirmações plenas de significação para o caso aqui em juízo:
- “A circunscrição temporal do imposto assume-se hoje como uma fulcral questão tributária – um dos temas mais relevantes, complexos e transcendentes do sistema fiscal. Projecta-se, directamente, na base da incidência e no ideal de justiça tributária”;
- “A questão temporal interfere duplamente no “sistema nervoso” da justiça fiscal: pela consciência do time value of money; e porque o diferimento pode desembocar, sem dificuldade, numa futura isenção ou exclusão de imposto (total ou parcial)”;
- “O diferimento tributário não é já uma questão de somenos. Corresponde à exclusão de tributação, nesse ano, de certos rendimentos. Há uma clara vantagem fiscal atribuída ao sujeito beneficiado. Mais ainda: dada a constância das necessidades financeiras do Estado, tem de se exigir uma tributação acrescida aos demais réditos já taxados. Nessa medida, o diferimento realiza uma injustiça comparativa”;
- “o diferimento fiscal termina, não poucas vezes, numa futura isenção ou exclusão de imposto, através do habilidoso, mas legal, manejo das regras fiscais aplicáveis – por acção ou inacção do sujeito”.
Desta forma, não procede a argumentação dos Requerentes de desvalorização do diferimento da tributação como “vantagem fiscal real e significativa” exposta nos artigos 158.º e seguintes da PI (vd. supra n.º 4.1), antes merecendo acolhimento o fundamento exposto no RIT de que a “interposição da sociedade D... (...) possibilitou a tributação dos rendimentos auferidos por intermédio da C..., deduzidos dos gastos inerentes, a uma tributação em sede de IRC, para este nível de rendimentos, a uma taxa muito inferior às taxas de IRS previstas no artigo 68.º do CIRS” dado o “parqueamento” e retenção, sob a forma de lucros não distribuídos, dos rendimentos recebidos pela prestação de serviços de “Seleccionador Nacional” (vd. supra as transcrições do RIT no facto provado n.º XXXVIII).
43. Nestes termos, conclui-se que foi obtida uma carga tributária objectivamente mais favorável com a prestação dos serviços e a cedência dos direitos de imagem através da D... por comparação com a tributação que seria devida com a prática dos actos ou negócios “normais e de efeito económico equivalente”, isto é, com a prestação dos serviços e a cedência dos direitos de imagem em questão directa e pessoalmente na esfera do Requerente A..., razão pela qual se considera verificado o elemento resultado.
2.3. Elemento meio
44. Pese embora se tenha concluído que a estrutura jurídica utilizada pelo Requerente A... para prestar serviços à C... resultou numa vantagem fiscal, não se pode por si só com esta base considerar aplicável a CGAA. Isto na medida em que o planeamento fiscal no desenvolvimento das actividades económicas é, nos termos já anteriormente evidenciados, um direito dos contribuintes com tutela constitucional. Para que a obtenção da referida vantagem seja censurável à luz da CGAA é necessário, como estabelece o artigo 38.º da LGT na redacção aplicável ao caso, que a mesma tenha sido alcançada por via da utilização de “meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas”.
Quer isto dizer que será necessário que se encontre verificado o elemento meio da CGAA, correspondente “à via escolhida pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal, i.e., o(s) acto(s) ou negócios jurídicos cuja estrutura se encontra determinada em função de um dado resultado fiscal”, conforme refere Gustavo Courinha, ob. cit. p. 165. De acordo com o citado autor, ob. cit. p. 166, o preenchimento deste elemento resultará “do nível de incoerência entre a forma ou estrutura escolhida e o propósito económico-prático final do contribuinte, entre o fim para que é empregue concretamente essa forma adoptada e a causa que lhe é própria”.
Ressalva-se que a anti-juridicidade ou censurabilidade jurídico-normativa dos meios utilizados tem de ser aferida em termos objectivos, tendo em conta a ausência de substância e/ou racionalidade económica na estrutura jurídica das operações realizadas. Esta ausência é, por seu turno, apurada com base nas circunstâncias e indícios evidenciados pela factualidade do caso em análise, avaliados segundo um padrão de razoabilidade económico‑empresarial.
Ressalva-se também, na sequência do já cima exposto, que só perante o caso concreto é que será possível determinar se os actos ou negócios jurídicos praticados pelos contribuintes têm substância e racionalidade económica ou se, pelo contrário, foram estruturados tendo em vista essencial ou principalmente a obtenção de uma vantagem fiscal. É que uma certa estruturação jurídica pode apresentar-se como abstracta e teoricamente válida e razoável de um ponto de vista económico‑empresarial e, ainda assim, perante os elementos e circunstâncias do caso concreto, revelar‑se pouco usual/ortodoxa, supérflua, anómala, desfuncionalizada, incoerente e/ou artificial para a prossecução dos fins visados pelos contribuintes.
45. No que em concreto respeita aos presentes autos, cabe essencialmente aferir se a prestação dos serviços de seleccionador nacional à C... através da D..., bem como a cedência de direitos de imagem, consistiu ou não na utilização de um meio artificioso e abusivo por parte do Requerente A....
No âmbito do procedimento tributário e na petição inicial invocaram, em grande medida, os Requerentes que a prestação dos serviços através da D... visou responder às exigências impostas pela C..., que pretendia assegurar uma prestação de serviços composta pelo contributo de diferentes pessoas e, simultaneamente, pretendia vincular-se apenas perante uma entidade, à qual caberia contratar a restante equipa técnica, de forma a mitigar o risco (da manutenção do vínculo) contratual e a prevenir futuros litígios. Tais exigências, de acordo com o invocado pelos Requerentes, tornavam difícil, desadequada e complexa a estruturação jurídica e a prestação dos serviços directa e pessoalmente pelo Requerente A..., de tal modo que o recurso à sociedade D..., que, segundo os Requerentes, detinha meios e objecto compatíveis com tal actividade, constituía “uma opção perfeitamente legítima e racional do ponto de vista económico e da gestão dos interesses das partes envolvidas”.
Ora, tal como ficou enunciado nos números 1), 2) e 3) da matéria de facto dada como não provada, e conforme melhor se destacará de seguida, não resultou demonstrado nos presentes autos que a prestação dos serviços e a cedência de direitos de imagem através da estrutura societária D... tenha resultado das exigências e imposições da C... que apenas queria vincular‑se com uma tal entidade a quem caberia a contratação da restante equipa técnica. Isto sendo certo que tal motivação, em si considerada, e tendo presente os elementos factuais subjacentes ao presente caso, não permite justificar, segundo um padrão de razoabilidade económico-comercial, o recurso necessário e indispensável à prestação dos serviços em questão através de um ente societário, como pretendem fazer crer os Requerentes nos seus articulados.
46. Nos n.ºs XII e XIV da matéria de facto dada como provada ficou assente que a sociedade D... celebrou com a C..., em 2014 e em 2016, contratos de prestação de serviços nos quais declarou obrigar-se a prestar serviços técnicos de supervisão e coordenação de todas as Selecções Nacionais da C... e, bem assim, de orientação e preparação da Selecção Nacional ... tendo em vista a qualificação para as fases finais do Campeonato da Europa de 2016, do Campeonato da Mundo de 2018 e do Campeonato da Europa de 2020 e, sendo bem sucedidas essas qualificações, na orientação e preparação da selecção nacional nessas fases finais.
Apesar de ter sido a D... a assumir aquela obrigação, esta comprometeu-se contratualmente a prestar os serviços em questão através de uma equipa técnica composta, no contrato celebrado em 2014, pelo Requerente A..., por Q..., por W... e por X..., sendo que no contrato celebrado em 2016 foi ainda incluído no elenco da equipa técnica V....
Em ambos os contratos o Requerente A... é identificado como “Auxiliar Seleccionador” com funções de “Seleccionador Nacional”, sendo os restantes elementos da equipa técnica identificados como “Auxiliares”. Estas “qualificações” são conformes às designações que constam no sítio online da C... e que se encontram devidamente identificadas no n.º VIII dos factos provados, onde se refere por diversas vezes que o Requerente A... exerce, desde 2014, funções de seleccionador nacional e que os restantes elementos da equipa técnica são os seus treinadores assistentes.
Nos dois contratos é determinado que a utilização de toda a equipa técnica tem carácter infungível e que a mesma fica sujeita a um regime de exclusividade. Determina-se também que a D... não poderá executar os serviços contratados por intermédio de outras pessoas que não as previstas no contrato salvo se a C... der o seu consentimento prévio por escrito para o efeito, ficando tal decisão ao critério livre e insindicável da C..., prevendo-se o mesmo clausulado quanto à possibilidade da equipa técnica prestar serviços a outros clubes, sociedades desportivas, associações ou federações de quaisquer modalidades.
Da estrutura jurídica acabada de enunciar resulta inquestionável o interesse da C... na escolha e designação dos prestadores dos serviços de supervisão, coordenação, orientação e preparação das Selecções Nacionais, que foram identificados de forma individualizada e perfeitamente delimitada nos contratos celebrados com a D.... Esse interesse assume, aliás, carácter estatutário, consubstanciando o exercício de competências próprias de órgãos da C..., que se pressupõem irrenunciáveis, pois, conforme indicado no n.º VII dos factos provados, o artigo 51.º, n.º 2, alínea g) dos Estatutos da C... prescreve como competência da Direcção da C..., contratar e exonerar, sob proposta do Presidente, os seleccionadores nacionais e equipas técnicas.
As cláusulas 1.ªs dos contratos de prestação de serviços celebrados, transcritas nos pontos n.ºs XII e XIV da matéria de facto dada como provada, ao determinarem que a utilização dos “Auxiliares” tem caracter infungível, manifestam claramente que a D... não possui intervenção na eleição das pessoas que procedem ao cumprimento da prestação contratada, sendo antes a C..., como credor, que determina os efectivos prestadores, os quais prestam directamente à C... os serviços em causa (cfr. as cláusulas 3.ªs dos mesmos contratos).
Não corresponde, portanto, à realidade, que a C... não pretendia ter intervenção no recrutamento e selecção da restante equipa técnica que acompanharia o Requerente A... e que caberia à D... a agregação, por sua conta, dos “recursos que entendesse convenientes para o cumprimento da prestação de serviços contratada”. Pelo contrário, a composição da equipa técnica ficou desde logo pré-determinada pela C... e sujeita a um regime de utilização vinculada e de exclusividade, apenas podendo a composição e prestação dos serviços contratados ser realizada noutros termos por outras pessoas se a C... concedesse autorização prévia para o efeito.
Assim, apesar de os referidos contratos terem sido celebrados, formalmente, com a D..., o que deles resulta, em substância, é a contratação de prestações de serviços pessoais e intransmissíveis. Independentemente da celebração do contrato com a D..., aquelas eram as pessoas que a C... queria que prestassem os serviços em causa, maxime, o Requerente A... e foram essas pessoas, designadamente o Requerente A..., que desenvolveram directamente com a C... – sem, pois, a interferência da D... – os serviços em questão, como resulta dos factos provados n.ºs I, III, IV, VIII e XX. Não se pode, aliás, deixar de notar que, como resulta dos indicados factos provados n.ºs III e VIII, nunca a D... encontra qualquer menção por parte da C... nas referências ao Seleccionador Nacional e à sua equipa técnica.
Ficou, pois, demonstrado que a celebração do contrato com a D... por parte da C... teve como principal efeito a contratação directa e pessoal do Requerente A... e a sua vinculação directa para com a C... na realização dos serviços técnicos de supervisão e coordenação de todas as Selecções Nacionais da C..., bem como, quanto à Selecção Nacional “...”, de orientação e preparação da SN-... para e durante as fase finais do Campeonato da Europa de 2016, do Campeonato do Mundo de 2018 e do Campeonato da Europa de 2020.
47. Esta natureza estritamente pessoal, sem mediação de qualquer organização empresarial, é ainda evidenciada pelo “acordo de cedência de direitos de imagem” celebrado entre a C... e a D..., em 2016, que se encontra mencionado no ponto n.º XIII da matéria de facto dada como provada. Por via do referido contrato foram cedidos pela D... à C..., de forma incondicional e com carácter de exclusividade, os direitos de imagem, retrato, som e voz de todos os elementos da equipa técnica.
Não obstante o assim estipulado, não foram facturadas à D... quaisquer verbas referentes à cedência onerosa dos direitos de imagem pelos demais elementos da equipa técnica nem por empresas por estes geridas. Em bom rigor, não existem sequer evidências de que tenham sido cedidos por qualquer título os direitos de imagem da restante equipa técnica à D....
E assim é porque o referido acordo visava apenas o Requerente A..., conforme confirmou o Assessor da Presidência da C... no termo de declarações que se encontra no Anexo 11 ao RIT, onde referiu que “só o Eng. A... usufrui de direito de imagem, sendo os mesmos pagos à sua empresa. A C... é que decide os eventos a que o Eng. A... tem de comparecer, para evitar conflitos com os restantes patrocinadores da selecção”.
Apesar de visar apenas o Requerente A..., os direitos de imagem foram pagos pela C... à D..., não existindo nos meios probatórios juntos aos autos evidências de aquele ter auferido rendimentos resultantes desse acordo. Na verdade, não foi celebrado nos anos em causa qualquer contrato de cedência dos direitos de imagem do Requerente A... para a D..., conforme consta do ponto XXVI da matéria de facto dada como provada, pelo que esta não tinha legitimidade para deles dispor.
O que sobressai do referido “acordo de cedência de direitos de imagem” é, uma vez mais, o carácter intuitu personae da relação contratual em causa, que apesar de ser formalmente conformada entre a C... e a D... é, na prática, e em substância, uma relação exclusivamente estabelecida entre a C... e o Requerente A....
48. De facto, o que a estrutura dos negócios jurídicos celebrados evidencia é uma nítida confusão e indissociação entre a esfera pessoal e societária, isto é, entre o prestador efectivo dos serviços – o Requerente A... – e o prestador cuja intervenção é meramente formal e desprovida de substância económica – a D.... Esta sociedade surge no esquema contratual como um “meio” de obter a vantagem fiscal anteriormente identificada e não como um “fim” em si mesmo de assegurar, por um lado, a prestação dos serviços contratados pela C... e, por outro lado, de garantir o alegado propósito de vinculação da C... com uma só entidade como forma de mitigação do risco de eventuais litígios resultantes da cessação antecipada dos contratos.
49. A constatação de que a interposição da D... não visou assegurar a prestação dos serviços contratados pela C... de supervisão e coordenação de todas as Selecções Nacionais da C..., bem como, quanto à Selecção Nacional “...”, de orientação e preparação da SN-... para e durante as fase finais do Campeonato da Europa de 2016, do Campeonato do Mundo de 2018 e do Campeonato da Europa de 2020 resulta, para além do referido supra, das características da estrutura da sociedade evidenciadas nos pontos n.ºs IX, X, XI, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX e XXIII da matéria de facto dada como provada nos presentes autos.
No que respeita à composição societária, a D... apresenta uma estrutura de “sociedade familiar”. Assim, foi constituída pelo Requerente A... como sociedade por quotas unipessoal, tendo posteriormente passado a sociedade por quotas plural com a entrada no capital de sócios que integram o núcleo familiar daquele. Apesar de nos anos de 2016 e de 2017 os Requerentes terem sido gerentes da sociedade em simultâneo, foi apenas o Requerente A... quem exerceu a gerência de facto.
Em relação à estrutura humana, a sociedade teve ao seu serviço quatro trabalhadores em 2016 e seis trabalhadores em 2017, que tinham na sua maioria relações pessoais (resultantes de anteriores relações laborais) ou familiares com os Requerentes. Um dos trabalhadores desconhecia, inclusive, o objecto social e a actividade da sociedade, o que se explica pelo facto de, na prática, não trabalhar para a D..., mas sim para uma sua participada. Apesar de estarem todos contratualmente vinculados à D..., nenhum deles teve qualquer tipo de intervenção ou participação nos serviços contratados pela C..., cuja prestação foi exclusivamente realizada pelo “trabalhador” A....
Quanto à estrutura material, sublinha-se apenas que a sociedade tinha a sua sede no domicílio e residência fiscal dos Requerentes, sem que tenha sido feita qualquer prova da utilização de meios materiais da D... na prestação dos serviços à C.... Por isso, não foi dado como provado, conforme acima indicado no n.º 4 da matéria não provada, que a D... detivesse “os meios, os activos e o know-how” para a prestação dos serviços de supervisão e coordenação das Selecções Nacionais da C... e de orientação e preparação da Selecção Nacional ... nas fases finais dos campeonatos ou que o “tipo de serviços em causa” constituísse uma das áreas mais relevantes da actividade societária, com outros activos para além do Requerente A....
Pelo contrário, o clausulado dos contratos de prestação de serviços revela que a realização das tarefas implicadas nos serviços de supervisão e coordenação das Selecções Nacionais da C... e de orientação e preparação da Selecção Nacional ... não ultrapassa qualquer âmbito conexo com a própria C... e o Seleccionador Nacional A..., sem que se verifique qualquer papel decisório ou função material da D... (cfr. factos provados n.ºs XII e XIV). Repare-se, por exemplo que, nos termos da cláusula 3.ª dos contratos de prestação de serviços, o que têm de fazer os “Auxiliares” individualmente seleccionados a que D... está vinculada a recorrer passa por: “Comparecer no Departamento de Futebol da C..., com a assiduidade exigível para o desempenho das tarefas que se revelem necessárias à boa execução e preparação dos serviços a prestar”, o que implica que não é na D... e na sua sede (cfr. facto provado n.º XXIII) que se desempenham quaisquer tarefas necessárias à boa execução e preparação dos serviços a prestar. Mas pode ainda aditar-se o que se refere na mesma cláusula quanto aos específicos comportamentos que têm de ser adoptados pessoalmente pelo “Auxiliar Seleccionador” de planeamento e coordenação de todos os trabalhos de preparação e actividade das Selecções de Futebol e em particular da Selecção Nacional “...”, determinando, nomeadamente, os programas de estágios e observações, que por si deverão ser, previamente, dados a conhecer ao Presidente da C..., de prestação ao Presidente da C..., regularmente e sempre que lhe sejam solicitadas, de todas as informações respeitantes à sua actividade, de realização de conferências de imprensa para anúncio dos jogadores convocados, bem como no dia anterior à realização dos jogos e após a realização de cada jogo, e entrevistas rápidas (flash interviews) em locais devidamente preparados para o efeito pela C... ou pelos patrocinadores da SN-....
Por fim, no que respeita à estrutura financeira, destaca-se que, como foi dado como provado no n.º XXV, foi a C... quem suportou os custos com os estágios, deslocações, alojamento, campos de treino, equipamentos e outra logística associada à prestação dos serviços pela equipa técnica. Esses encargos suportados pela C... não foram posteriormente debitados à D..., que era a entidade a quem competiria assumir o encargo/risco do exercício da actividade contratada.
Tendo presente esta caracterização, facilmente se compreende a razão pela qual não resultou provado, conforme indicado no n.º 4 da matéria não provada, que “a D... detinha os meios, os ativos e o know-how para a prestação dos serviços de orientação e preparação da Seleção Nacional”. Muito pelo contrário, o que resulta da factualidade acabada de enunciar é que, exceptuando as qualidades pessoais e individuais do Requerente A... relevantes para o efeito, a D... não tinha uma estrutura humana e material adequada para a prestação dos serviços contratados pela C..., sem contar que a sua estrutura financeira também não serviu para suportar o exercício de tal actividade.
50. A constatação de que a interposição de um ente societário não foi necessária e indispensável para mitigar o risco de futuros litígios resulta da conformação jurídica da operação globalmente considerada. Dos contratos celebrados entre a C... e a D..., e entre esta última e as várias sociedades detidas pelos restantes elementos da equipa técnica, referidos nos pontos n.ºs XII, XIV, XXIX e XXX da matéria de facto dada como provada, decorre a rejeição do argumento dos Requerentes de que seria difícil, desadequada e complexa a estruturação jurídica dos contratos, directa e pessoalmente, com os prestadores (efectivos) dos serviços.
No primeiro contrato celebrado entre a D... e a C..., em 23 de Setembro de 2014, salvaguardou-se na cláusula 7.ª o direito à resolução unilateral do contrato por parte da C.... Com excepção da não qualificação da selecção nacional para a fase final do referido campeonato, os fundamentos de resolução contratual estavam todos relacionados com a sanção imposta pela FIFA – referida no ponto II da matéria de facto dada como provada no presente processo –, em virtude da qual o Requerente A... foi suspenso por oito partidas oficiais quando ainda era seleccionador da ....
Determinou-se também que, na eventualidade de a C... resolver o contrato, a D... não só não teria direito a “indemnização, compensação ou pagamento nomeadamente, das prestações que seriam devidas se o contrato se mantivesse em vigor até ao dia da final do Campeonato da Europa de 2016”, como ainda se comprometia a “não reclamar da C... qualquer quantia além das que proporcionalmente correspondam ao período decorrido entre a data d[o] contrato e a data da resolução”.
No segundo contrato celebrado entre a D... e a C..., em 21 de Julho de 2016, não se previu qualquer cláusula especial que concedesse à C... o direito de resolução unilateral do contrato. Pelo contrário, determinou-se que a cessação do contrato em data anterior à prevista apenas podia ocorrer mediante acordo entre as partes, sendo certo que em caso de resolução antecipada a C... teria de pagar integralmente à D... todas as prestações que seriam devidas caso o contrato se mantivesse em vigor até ao seu termo final.
Já no que respeita aos contratos celebrados entre a D... e as sociedades controladas pelos restantes elementos da equipa técnica, foram previstas cláusulas de forma a tornar esses contratos dependentes do contrato celebrado entre a D... e a C..., ao qual foi atribuída a designação de “Contrato Base”. Em concreto, determinou-se a subordinação do pagamento dos serviços prestados por estas empresas à “condição suspensiva” de a D... receber as quantias facturadas à C..., tendo-se igualmente previsto que a vigência destes contratos estava subordinada à do Contrato Base, cuja cessação permitia a resolução unilateral pela D... sem que o exercício desse direito desse lugar ao pagamento de qualquer indemnização.
Através dos elementos contratuais acabados de enunciar é possível concluir que o propósito da C... em mitigar o risco da manutenção do vínculo contratual com o prestador dos serviços de forma a prevenir futuros litígios se verificou, tão só, no âmbito do primeiro contrato celebrado com a D.... No âmbito do segundo contrato, que esteve em vigor em três dos quatro semestres do período aqui em apreciação, o que se verificou foi um reforço da manutenção do vínculo contratual e não um propósito de mitigação do risco de uma eventual cessação antecipada da sua vigência conforme sustentaram os Requerentes.
Acresce que o negócio jurídico alternativo e com efeitos económicos sucedâneos, isto é, a contratação directa e pessoal do Requerente A... pela C..., teria logrado atingir exactamente na mesma medida o referido propósito de mitigação do risco. De facto, bastaria substituir a D... pelo Requerente A... nos contratos celebrados com a C... e com as sociedades dos demais elementos da equipa técnica, mantendo todo o clausulado e a dependência funcional acima evidenciada, para assegurar a vinculação da C... perante uma só entidade.
Uma vez mais se constata que a interposição da D... nos contratos de prestação de serviços celebrados com a C... não traduz um objectivo suficientemente definido e justificado de acordo com um critério de razoabilidade económico‑empresarial, nem encontra uma explicação bastante no alegado propósito de mitigação de risco invocado pelos Requerentes, já que esse desiderato sempre seria atingido sem que para isso fosse indispensável ou sequer necessária a intervenção daquela sociedade.
51. Aqui chegados, é por demais evidente que os serviços de seleccionador nacional foram exclusivamente prestados pelo Requerente A..., não tendo a D... desempenhado nos mesmos qualquer função real e efectiva.
De facto, não só a D... não revelava, ab initio, uma estrutura humana e material válida e apta para prestar os serviços em causa, como essa falta de substância económica ainda hoje se mantém, já que em momento algum se constatou uma adaptação, capacitação ou transição progressiva da prestação dos serviços da esfera pessoal do Requerente A... para a esfera da sociedade.
A única função tangível que aquela sociedade desempenhou foi a de permitir a imputação na sua esfera jurídica das obrigações jurídico-tributárias que seriam dirigidas ao Requerente A... se este tivesse assinado directa e pessoalmente os contratos com a C... e com a restante equipa técnica.
Não restam, portanto, dúvidas de que a intervenção da D... nos contratos com a C... é meramente formal e desprovida de substância económica, não se revelando a mesma coerente e racional segundo um padrão de razoabilidade económico‑comercial, mas antes como anómala, supérflua e artificial tendo em vista os serviços a prestar.
Note-se que não está em causa a artificialidade da D... como um todo, já que esta sociedade desenvolveu um outro conjunto de actividades com efectiva substância económica, designadamente quanto aos investimentos na sociedade I... S.A., na sociedade GG..., Lda., Lda., na sociedade HH... – Companhia de Seguros, S.A. ou na sociedade II... – Sociedade de Capital de Risco, S.A., tal como consta do facto provado n.º XXIV. E, na verdade, as correcções promovidas pela AT concernem exclusivamente à facturação de serviços realizada com base nos contratos enunciados nos factos provados n.ºs XII, XIII e XIV, e não a quaisquer outras distintas realidades e receitas. Em todo o caso, ainda que se reconheça como válida e efectiva a substância económica da D... genericamente considerada em relação a essas outras realidades, resulta nesta fase inequívoca a utilização artificiosa da personalidade jurídica da sociedade para a prestação dos serviços contratados pela C... e sua facturação e pagamento.
A este respeito, entende-se pertinente trazer à colação as considerações efectuadas no acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 131/2014-T, em 13 de Novembro de 2014, que apesar de versarem sobre factos e questões jurídicas diversas, são elucidativas quanto à artificialidade da interposição de um ente societário no presente caso. Refere-se, ao que aqui importa, no mencionado acórdão que:
“como é sabido, as sociedades, enquanto pessoas colectivas, são entendidas há largo tempo como “colectividades de pessoas ou complexos patrimoniais organizados em vista de um fim comum ou colectivo a que o ordenamento jurídico atribui a qualidade de sujeitos de direitos”, sendo especificamente entendidas como um “conjunto de pessoas – duas ou mais – que contribuem com bens ou serviços para o exercício de uma actividade económica dirigida à obtenção de lucros e à sua distribuição pelos sócios.”.
E como elucida o Prof. Carlos Alberto da Mota Pinto, “A existência de pessoas colectivas resulta da existência de interesses humanos duradouros e de carácter comum ou colectivo. A consecução destes interesses exige o concurso dos meios e das actividades de várias pessoas ou, pelo menos, nela estão interessadas várias pessoas”, concluindo que “A personalidade colectiva é, pois, um mecanismo técnico-jurídico justificado pela ideia de, com maior comodidade e eficiência, organizar a realização dos interesses colectivos e duradouros.”. Em suma, ainda no dizer do mesmo Professor, “A função económico‑social do instituto da personalidade colectiva liga-se à realização de interesses comuns ou colectivos, de carácter duradouro.”. Concluiu-se no referido aresto que “Tal organização mais não visa – é isso que decorre dos factos apurados – do que colocar ao serviço dos interesses pessoais do Requerente o mecanismo técnico-jurídico da personalidade colectiva, instrumentalizando-o, e contrariando, frontalmente, a própria função económico‑social do instituto da personalidade colectiva, ao direcionar-se, deliberadamente, para a exclusiva realização dos interesses individuais do Requerente.”.
Ora, no presente caso, verifica-se precisamente uma utilização abusiva e instrumentalizada da personalidade colectiva da D... que surge formalmente na prestação de serviços de Seleccionador Nacional à C... tendo em vista a realização de um interesse pessoal do Requerente A..., isto é, tendo em vista a obtenção da vantagem fiscal anteriormente evidenciada.
Na verdade, a intervenção da D... nos contratos celebrados com a C... não correspondeu a quaisquer razões económicas válidas, mas fundamentou-se decisivamente, conforme resulta do facto provado n.º XXXIV, em motivos fulcralmente fiscais, maxime um diferimento da tributação, assente no parqueamento de receitas na D.... É que em vez de o Requerente ser tributado de forma imediata à taxa que corresponderia ao montante dos rendimentos auferidos no ano em causa pela percepção directa das remunerações das actividades desenvolvidas, é a sociedade que recepciona os rendimentos à taxa do IRC correspondente, mais baixa do que a do IRS em face dos montantes (significativos) em causa (conforme descrito no facto provado n.ºs XXVIII).
52. Este recurso abusivo e artificioso a uma forma societária tendo em vista o aproveitamento da personalidade colectiva é censurável por via da aplicação da CGAA na medida em que estejam verificados cumulativamente os respectivos pressupostos/elementos, sendo para o efeito irrelevante a previsão no ordenamento jurídico do regime da transparência fiscal constante do artigo 6.º do Código do IRC.
A respeito desta norma refere Gustavo Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, Almedina, 2019, pp. 53-54, que “[o] regime da transparência fiscal parte da ideia de que certas pessoas coletivas – que se delimitam pelo seu tipo societário, objeto social ou estrutura de negócios – não devem ser tributadas, devendo antes a tributação incidir sobre os respetivos sócios.
Trata-se, com efeito, de um conjunto de casos em que a entidade coletiva – possuidora ou não de personalidade jurídica própria – não possui autonomia económica evidente face aos respetivos sócios. Em tais casos, e na ausência de uma solução fiscal especial, a personalidade fiscal implicaria a separação de esferas de tributação que, por um conjunto alargado de razões, se julga não ser de aceitar.
Tem lugar, deste modo, uma desconsideração da personalidade fiscal da sociedade transparente, por meio da imputação fiscal aos respetivos sócios dos lucros daquela.”.
Apesar de no artigo 6.º do Código do IRC se elencarem taxativamente os casos em que se ultrapassa a formal autonomia jurídica e patrimonial entre as esferas societária e pessoal dos sócios, o que implica que a tributação se processe na esfera jurídica destes últimos, e ainda que a D... não se subsuma a nenhum desses casos, a verdade é que da inaplicabilidade do regime da transparência fiscal não resulta que a “desconsideração da personalidade colectiva” não ocorra em resultado da aplicação da CGAA conforme vieram sustentar os Requerentes nas alegações finais.
Desde logo porque são regimes que não têm necessariamente a mesma ratio de aplicação. O regime da transparência fiscal poderá ser aplicado com o intuito de tutelar a neutralidade fiscal, a eliminação da dupla tributação económica, a coerência da personalidade jurídico-tributária ou a garantia de harmonização fiscal positiva a nível europeu, conforme regista Gustavo Courinha, ob. cit, 2019, pp. 54-56. Isto ainda que estejam em causa sociedades utilizadas por razões económicas válidas, sem que sejam empregues meios abusivos com o intuito essencial ou principal de obter uma vantagem fiscal. Já a razão de ser de aplicação da CGAA é de obstar à prática de situações de elisão fiscal, ou seja, no que aqui importa, de contrariar em termos fiscais a interposição de sociedades utilizadas sem substância e razões económicas válidas, em que são empregues meios abusivos com o intuito essencial ou principal de obter uma vantagem fiscal.
Mas ainda que se configure, como invocaram os Requerentes, que o regime da transparência fiscal pode funcionar como cláusula anti‑abuso específica/especial de “prevenção da «incorporação abusiva» de sociedades”, nem por isso ficará afastada a eventual aplicação da CGAA. Apesar de poder existir, em certa medida, e até certo ponto, um âmbito de actuação concorrencial entre a transparência fiscal e a CGAA, isto é, entre uma cláusula especial e a cláusula geral anti-abuso, esta última mantém-se plenamente vigente e eficaz (se não mesmo reforçada) no domínio em que a primeira já não seja aplicável. Quer isto dizer que, se existiu uma interposição abusiva de um ente societário que é subsumível à CGAA em virtude do preenchimento cumulativo dos seus requisitos, esta não deixa de ser aplicável simplesmente porque não se enquadra nos casos taxativamente previstos na cláusula especial anti‑abuso que prevê o regime da transparência fiscal.
Admitir o contrário seria aceitar, reductio ad absurdum, que, para além dos casos previstos no artigo 6.º do Código do IRC, não seriam censuráveis utilizações abusivas, artificiosas e instrumentalizadas da personalidade colectiva tendo em vista a obtenção de vantagens fiscais indevidas, já que apesar de poderem consubstanciar casos de elisão fiscal e de se subsumirem à CGAA, tais condutas estariam simultaneamente legitimadas e seriam fiscalmente aceites e tuteladas pelo ordenamento jurídico. Uma tal concepção, que implicaria defender como queridas pelo legislador as sociedades que consistam apenas em mecanismos de emissão e recepção de facturas e pagamentos sem qualquer materialidade, constituídas apenas para servir o interesse de desviar dos cofres públicos receitas tributárias, só seria imaginável num ordenamento caracterizado pela anomia e pela ausência de justiça fiscal.
Isto sem contar que os actos/negócios jurídicos praticados/celebrados pelos contribuintes podem ser objecto de apreciação ao abrigo da CGAA não obstante não reunirem, por si só, os pressupostos de aplicação deste regime, mas porque, quando globalmente considerados, eventualmente em conjunto com outros actos/negócios jurídicos – na lógica da step by step doctrine –, resultam na conclusão de que foram efectuados de modo a afastar a imputação pessoal de rendimentos que decorre do regime da transparência fiscal constituindo, nessa medida, um elemento essencial para que a construção ou série de construções deva ser considerada como não genuína e passível de censura por via da aplicação da CGAA.
53. Em face do exposto, conclui-se que a interposição da D... nos serviços prestados à C... consistiu na utilização de um expediente abusivo, razão pela qual se considera verificado o elemento meio.
2.4. Elemento intelectual
54. Apesar de ter ficado assente o preenchimento dos elementos resultado e meio, nem por isso se pode por si só concluir que estavam verificados os pressupostos para a aplicação da CGAA. Tal como sublinha Gustavo Courinha, ob. cit. p. 176, “não basta decorrer da análise dos actos ou negócios jurídicos em causa, a obtenção de um resultado fiscalmente vantajoso e um resultado não fiscal equivalente”, sendo ainda necessário que “as escolhas e as formas adoptadas pelo contribuinte sejam fiscalmente dirigidas (tax driven), e que aquele (resultado fiscal) prevaleça sobre este (resultado não fiscal)”. Acompanhando a redacção do artigo 38.º, n.º 2, da LGT, será necessário verificar se os actos ou negócios jurídicos praticados foram “essencial ou principalmente dirigidos, (…) à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos (…) ou à obtenção de vantagens fiscais”.
Ressalva-se, contudo, que “movendo-nos no terreno movediço das intenções, não se poderá acolher aqui um puro subjectivismo, reconduzível, em última instância, à demonstração do estado psicológico e emocional dos agentes no momento da prática do acto ou da celebração do negócio”, conforme se precisou no acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 257/2020-T, em 18 de Outubro de 2021.
Isto na medida em que “a prova desta opção subjectiva por certos actos ou operações constitui uma probatio diabólica, devido à quase impossibilidade de provar, para além de um juízo de probabilidade, a vontade do contribuinte, precisamente o que o contribuinte oculta ou dissimula, e que sem a qual o meio utilizado ou resultado obtido não são censurados.
Daí que, na impossibilidade de obter uma prova irrefutável – a confissão do próprio contribuinte –, a AT [e o Tribunal, dizemos nós] é obrigada a recorrer a elementos indiciários e presuntivos, num contexto de razoabilidade e normalidade, extraindo, com razoável segurança, a vontade do sujeito dos actos celebrados. Neste processo, a AT [e, necessariamente, o Tribunal] poderá ter em consideração qualquer elemento passível de indiciar a vontade do contribuinte e apoiar a sua conclusão.”, tal como sublinhou o acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 47/2013-T, em 20 de Dezembro de 2013.
Acresce que esta matéria foi recentemente apreciada no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) proferido em 12 de Janeiro de 2022, no âmbito do processo n.º 02507/15.6BEBRG, no qual se considerou, em termos perfeitamente transponíveis para o caso sub judice, que: “A prova exigida no âmbito da aplicação da CGAA não pode ser uma prova diabólica (...), ou seja, a AT não tem de provar uma intencionalidade “abusiva” do sujeito passivo. Quer isto dizer que não é exigível que a AT faça prova de que o sujeito passivo optou pela construção que conduz ao aforro fiscal (...) para, intencionalmente, evitar a solução que estaria sujeita a tributação (...). Basta que a AT faça prova de que a operação realizada não tem um propósito racional à luz do ordenamento jurídico mobilizado – basta, no caso, provar que a operação não se enquadra nas razões que o direito societário apresenta (...) – e que, por isso, o seu propósito se esgota no aforro fiscal a que conduz. Feita esta prova, os pressupostos do artigo 38.º, n.º 2 da LGT devem considerar-se preenchidos”.
Certo é que “a mera declaração ou construção de uma história, por si só, não é bastante para corroborar” que a principal motivação da operação não foi a obtenção de uma vantagem fiscal, sendo em todo o caso necessário que as finalidades indicadas pelo Requerente “pass[em] nas regras comuns da experiência e da normalidade dos actos societários”, como bem se referiu na declaração de voto constante no acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 180/2014-T, em 3 de Julho de 2015.
55. Tendo presentes estas considerações, cumpre começar por referir que de acordo com as regras da lógica e da experiência comum não se afigura verosímil que na estruturação jurídica da operação a C... e o Requerente A... não tenham ponderado nem pesado por qualquer forma a conveniência e favorabilidade fiscal resultante do modelo contratual adoptado (cfr. o facto não provado n.º 5)).
Veja-se que nos dois contratos celebrados com a C... existem cláusulas onde se refere que a qualificação dos contratos como prestação de serviços foi determinante no acordo das partes quanto ao montante máximo a pagar à D.... Ora, com base num juízo de razoabilidade e normalidade, o que daqui emerge é que o Requerente A... e a C... tomaram em consideração na remuneração acordada as consequências jurídicas e fiscais da estrutura adoptada. Por um lado, porque a qualificação como “prestação de serviços” ao invés de outros tipos contratuais, como o são o contrato de trabalho, tem um impacto directo na carga tributária que lhe está subjacente, o que influencia fortemente o “montante máximo a pagar” pela C.... Por outro lado, porque um contrato com outros intervenientes, isto é, em que fosse parte não uma pessoa colectiva (D...) mas sim uma pessoa singular (Requerente A...) também iria influenciar certamente a determinação da remuneração máxima a acordar. Ainda para mais quando é de meridiana compreensão que, tendo em conta os valores em causa, a tributação em sede de IRC a taxas de tributação inferiores se revelava mais favorável quando comparada com a tributação dos mesmos rendimentos em sede de IRS com sujeição a englobamento e consequente aplicação das taxas progressivas bastante mais elevadas (vd. o facto provado n.º XXXIV).
A conclusão de que o Requerente A... não era alheio aos ganhos fiscais decorrentes da interposição da D... resulta ainda de forma mais flagrante da insuficiência dos restantes motivos não fiscais que alegadamente determinaram o sentido da estruturação da operação. Conforme se desenvolveu anteriormente na apreciação do elemento meio, os Requerentes não lograram demonstrar um ganho económico‑empresarial efectivo que tivesse resultado da contratação dos serviços de seleccionador nacional através da D.... Por conseguinte, e tendo também presente o que se mencionou a respeito do elemento resultado, a falta de motivação e razoabilidade económico-empresarial da interposição de um ente societário na operação evidencia, por si só, que o seu factor determinante foi a obtenção de um ganho fiscal. Mas ainda que se admitisse como comprovada alguma valia nas motivações invocadas pelos Requerentes, a verdade é que as vantagens delas resultantes sempre seriam manifestamente inferiores e incomparáveis com a vantagem fiscal obtida com a interposição formal e artificial de um ente societário.
Da concatenação dos elementos resultado e meio conclui-se, para lá de qualquer dúvida razoável, pela proeminência da motivação fiscal sobre outros aspectos substanciais (essenciais) que pudessem ter potenciado a interposição da D... nos negócios jurídicos celebrados com a C... (vd. o facto provado n.º XXXIV).
56. Nestes termos, conclui-se que o conjunto encadeado de negócios jurídicos celebrados com a intervenção da sociedade D... foi essencial ou principalmente dirigido à obtenção de uma vantagem fiscal, pelo que se encontra verificado o elemento intelectual.
Mostra-se, pois, correcta a apreciação constante do RIT de que as circunstâncias contratuais descritas fundamentam a existência de um esquema de planeamento fiscal utilizado pelo Requerente A..., baseado na interposição de uma sociedade na contratação dos serviços do Seleccionador Nacional, com o principal propósito de obtenção de vantagens fiscais (vd. os fundamentos constantes do RIT transcritos no ponto n.º XXXVIII da matéria de facto dada como provada).
2.5. Elemento normativo
57. Por fim, cabe aferir se a actuação do Requerente A... que visou a obtenção de uma vantagem fiscal através da utilização de meios abusivos e artificiais é ou não objecto de censura pelo ordenamento jurídico-tributário.
O elemento normativo, que não resulta de forma expressa do teor literal do artigo 38.º, n.º 2, da LGT, “identifica a desconformidade do resultado obtido através do acto abusivo com a ratio legis , espírito ou propósito da lei e os princípios do sistema fiscal.”, conforme referido no acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 47/2013-T, em 20 de Dezembro de 2013.
Significa isto que deste elemento não decorre a necessidade de identificação de uma norma impositiva violada pelo contribuinte, mas tão só a validação de que a conduta, apesar de ser civil ou comercialmente lícita, foi orientada para a obtenção abusiva de um ganho fiscal em sentido contrário ao visado pelo sistema jurídico-tributário globalmente considerado, razão pela qual é objecto de reprovação normativo‑sistemática.
Neste preciso sentido veja-se a declaração de voto constante do acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 131/2014-T, em 13 de Novembro de 2014, na qual se refere o seguinte:
“a verificação do “elemento normativo”, como requisito de aplicação da CGAA, não pode incluir a exigência de que a conduta em causa esteja expressamente proibida por lei. Isso constituiria uma interpretação excessivamente restritiva do artigo 38º, nº 2, da LGT, permitindo, em caso de lacuna ou disposição menos clara, a manipulação da finalidade da norma, aceitando comportamentos merecedores de reprovação normativo‑sistemática (...), através de uma interpretação ab-rogante de normas jurídicas em vigor e inutilidade da própria cláusula anti‑abuso.”.
Ainda a este respeito, e numa formulação próxima, sublinhou-se no já citado acórdão arbitral n.º 47/2013-T, proferido em 20 de Dezembro de 2013, que “não colhe o argumento de que é o próprio legislador que, não proibindo expressamente o acto abusivo, deseja ou incentiva a prática do mesmo. A teleologia do art.º 38, n.º 2, é clara: sancionar comportamentos elisivos, portanto, comportamentos que só aparentemente são legais, que se escondem sob operações artificiais, às quais não subjaz uma verdadeira razão económica. (…) Ora, o contribuinte optou por uma actuação que traduz uma mudança meramente artificial – como se demonstrou –, e o Direito não tolera esta artificialidade.”
58. Neste sentido, é irrelevante que a interposição da D... nos contratos com a C... não tenha violado – segundo afirmam os Requerentes – qualquer norma legal, designadamente na lei do desporto, porquanto não é esse facto que determina a censura jurídico-fiscal da conduta. O que está aqui em causa é determinar se a artificialidade da actuação do contribuinte se pode ter como admitida pelo ordenamento jurídico.
Ora, acompanhando o entendimento da jurisprudência citada, é forçoso concluir-se que o facto de o Requerente A... ter utilizado um meio desprovido de razões económico-empresariais válidas, isto é, um meio artificial e abusivo, com o objectivo proeminente de obter uma vantagem fiscal, implica que o comportamento em causa é anti-jurídico e merecedor de reprovação normativo-sistemática.
Assim, o preenchimento dos demais elementos atinentes à CGAA impõe, no presente caso, a constatação de que o elemento normativo também está verificado. De facto, e à semelhança do que se entendeu no acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 315/2014-T, 11 de Abril de 2015, seria “dogmaticamente insustentável pretender que, não obstante cumpridos todos os elementos meio, resultado e intelectual próprios da disposição anti‑abuso, seria possível não se verificar o dito elemento normativo. Só um ultrapassado e hoje inadmissível positivismo conceptualista poderia propiciar tal entendimento, do qual derivaria que se poderia reconhecer, ao mesmo tempo e sem contradição, a adopção pelo contribuinte de atos ou negócios jurídicos artificiosos, com abuso de formas jurídicas ou em fraude à lei, e a não reprovação ou aceitação dessa conduta pelo ordenamento jurídico. Deste modo, a autonomização do elemento normativo pode ser útil em ordem à explicitação destas matérias, mas dogmaticamente, para efeitos de resolução dos casos concretos, tem que se ter em conta que ele não é senão a destilação do segmento normativo do art. 38.º, n.º 2 da LGT que respeita aos “meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas” em que se consubstancia, afinal, o elemento meio.”.
59. A estas considerações que, sem mais, implicam a verificação do elemento normativo, acresce o facto de no presente caso ser notória a contrariedade da actuação do Requerente aos princípios e propósitos do ordenamento jurídico-tributário.
Apesar de, no presente caso, serem de certo modo aplicáveis regras semelhantes no apuramento do imposto na eventualidade de os serviços serem prestados pela D... ou directamente pelo Requerente A... – já que o regime de contabilidade organizada em sede de IRS segue em grande medida o corpo de regras previstas no IRC –, a verdade é que a tributação das prestações de serviços em sede de cada um dos impostos obedece a princípios que não são inteiramente coincidentes. É que existem um conjunto de valorações que estão presentes na tributação das pessoas singulares e que não encontram reflexo na tributação das pessoas colectivas. Veja-se que no IRS existe um propósito de diminuição das desigualdades e de unicidade e progressividade do imposto tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar, enquanto no IRC “apenas” se determina que a tributação incide fundamentalmente sobre o rendimento real das empresas como expressão da tributação de acordo com a capacidade contributiva, tal como se prevê, respectivamente, no artigo 104.º, n.ºs 1 e 2, da CRP.
Estas diferentes valorações resultam na previsão de regras que resultam na imposição de diferentes cargas tributárias para o caso de os serviços serem prestados a título individual ou através de um ente societário, conforme já anteriormente se evidenciou. Se assim é, não faria sentido que o sistema não censurasse condutas que subvertem de modo artificioso essas valorações com o único ou principal intuito de assegurar uma tributação mais favorável, tanto mais quanto essas condutas são em geral realizadas perante rendimentos particularmente elevados e significativos, como são aqueles de que se trata nos presentes autos. Desde logo porque isso seria admitir que o sistema jurídico se abstinha de censurar condutas que configuram a prática de um planeamento fiscal extra-legem. Mas mais ainda porque, conforme bem evidenciou a Requerida, se não existisse uma reprovação normativo‑sistemática de tais práticas abusivas que atentam contra o espírito e os princípios do sistema fiscal, então estaria aberta a porta a que nenhum prestador de serviços fosse tributado ao abrigo das taxas progressivas em sede de IRS, já que bastaria para o efeito interpor um ente societário independentemente da real e efectiva intervenção deste nos serviços prestados.
60. Em face do exposto consideram-se verificados todos os elementos de que dependia a aplicação pela AT da CGAA, sendo assim improcedente o pedido formulado pelos Requerentes quanto à não verificação dos pressupostos previstos para o efeito no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.
2.6. Estatuição ou elemento “sancionatório”
61. Tendo isto presente, cumpre referir que o denominado efeito “sancionatório” da aplicação desta cláusula prevista no art. 38.º, n.º 2 da LGT é, conforme anteriormente se precisou, a manutenção dos efeitos civis e a desconsideração, apenas no âmbito tributário, das vantagens fiscais que tiverem sido indevidamente obtidas pelos contribuintes. Significa isto que, verificados os demais elementos da CGAA, terá a AT de “efectu[ar] então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência [dos actos ou negócios jurídicos artificiosos ou fraudulentos] e não se produzindo as vantagens fiscais referidas”.
Foi precisamente isto que ocorreu no presente caso, tendo‑se limitado a AT a dar estrito cumprimento ao disposto no referido segmento normativo, desconsiderando para o efeito a interposição da D... na prestação dos serviços de seleccionador nacional à C... e determinando, consequentemente, a tributação que ocorreria em sede de IRS se os serviços tivessem sido pagos directamente ao Requerente A....
Na verdade, perante uma conduta abusiva na utilização da forma societária há lugar a “piercing the corporate veil”, com a consequente tributação do Requerente A... mediante a superação da intervenção meramente formal e artificial da D....
Não se desconsiderou, note-se, a estrutura societária da D... para todos os efeitos tributários, mas apenas as consequências fiscais da utilização artificial e destituída de substância económica dessa forma societária em relação às transacções enquadradas pelo conjunto contratual celebrado com a C... que foram objecto de correcção de modo a não se produzirem as vantagens fiscais indevidas e a verificar-se a tributação correspondente à materialidade das operações decorrentes da prestação de serviços e cedência de direitos de imagem pelo Requerente A... à C....
Por conseguinte, ao ter actuado e determinado a tributação do Requerente A... nos termos legalmente previstos em conformidade com as competentes disposições do CIRS, visando apenas a vantagem fiscal por este obtida, julga-se igualmente improcedente o pedido subsidiário formulado pelos Requerentes na petição inicial acima descrito no n.º 4.2. Como indicado no RIT (cfr. o facto provado n.º XXXVIII), o IRC liquidado pela sociedade D... nos anos de 2016 e de 2017 deve ser objecto de correcção no âmbito da revisão da liquidação de IRC, não em sede de liquidação de IRS do Requerente A....
62. Por tudo o que se referiu, conclui-se pela improcedência dos vícios imputados pelos Requerentes aos actos de liquidação de IRS contestados nos presentes autos, que são legais e que se devem manter enquanto tal na ordem jurídica.
3. Legalidade dos actos de liquidação de juros compensatórios por violação do disposto no artigo 91.º, n.º 1, do Código do IRS e do artigo 35.º da LGT
63. Em face da não anulação das liquidações adicionais de IRS impugnadas, fica, naturalmente, prejudicada a pretendida invalidação consequente das liquidações dos correspondentes juros compensatórios.
Invocaram, porém, também os Requerentes que os actos de liquidação de juros compensatórios que foram liquidados no seguimento dos actos de liquidação de IRS contestados nos presentes autos eram, em si mesmos considerados, ilegais por violarem os pressupostos necessários à sua liquidação que se encontram previstos no artigo 91.º, n.º 1, do Código do IRS e no artigo 35.º da LGT.
Ao que aqui importa, dispõe-se no artigo 91.º, n.º 1, do Código do IRS que “[s]empre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35.º da lei geral tributária.”. Em idêntico sentido, refere-se no artigo 35.º, n.º 1, da LGT que “[s]ão devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.”.Dos referidos preceitos legais resulta que o elemento fundamental para que sejam devidos juros compensatórios reside no facto de a liquidação ou entrega do imposto que era legalmente devido ter sido retardada por facto imputável ao sujeito passivo. Esta imputabilidade corresponde, no fundo, à existência de culpa do sujeito passivo na verificação daqueles factos, conforme evidenciou o STA, no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 01490/13, em 22 de Janeiro de 2014, onde referiu o seguinte:
“constitui entendimento jurisprudencial pacífico (…) que a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e que, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte e da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência). Ou seja, depende da existência de culpa, a qual consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto (face à diligência de um bom pai de família) e que, por isso, tem de ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência e aptidão de um bonus pater familiae”.
Tendo presentes estas considerações e tudo o que anteriormente se concluiu a respeito da legalidade da aplicação da CGAA, constata-se que, ao contrário do invocado na petição inicial (vd. supra n.º 4.3), a posição dos aqui Requerentes não é “sustentada em divergências, válidas e fundamentadas, quer de facto, quer de direito, relativamente à análise empreendida pela AT”. Pelo contrário, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, resulta incontestável que se verificou no presente caso a omissão reprovável de um dever de diligência nos termos mencionados na citada jurisprudência, já que se concluiu que a actuação do Requerente A... foi intencionalmente dirigida de forma artificiosa e abusiva tendo em vista o aproveitamento de uma vantagem fiscal indevida, isto é, que a sua actuação foi culposa. A aplicação da CGAA prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT não decorre senão, em face da situação fáctica dada como provada nos autos, da actuação do Requerente, pelo que, contrariamente ao alegado na petição inicial, deveria ter sido outro o comportamento do Requerente em face dos factos, o qual implicava a devida liquidação do IRS nos termos que vieram a ser promovidos pelas liquidações adicionais sub judice.
Por conseguinte, conclui-se verificada a imputabilidade a que aludem os artigos 91.º, n.º 1, do Código do IRS e 35.º, n.º 1, da LGT, julgando-se improcedentes as ilegalidades autonomamente imputadas aos actos de liquidação de juros compensatórios.
4. Restituição das quantias pagas por referência aos actos de liquidação impugnados, acrescidos dos correspondentes juros à taxa legal em vigor
64. Por fim, peticionaram os Requerentes a condenação da Requerida na restituição do imposto indevidamente pago acrescido dos juros legalmente devidos.
Na medida em que se julgaram legais as correcções realizadas pela AT na esfera dos Requerentes, não se verifica que tenha sido liquidado e pago um montante de imposto que não era devido e que careça de ser restituído. Consequentemente, também não haverá direito ao pagamento de quaisquer juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, já que estes dependem da existência de um “erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, o que não sucedeu.
Sem prejuízo, mesmo que o pedido arbitral fosse julgado procedente, sempre haveria que considerar que aos Requerentes não assistia o direito ao reembolso do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios. É que, recorde-se, tal como ficou provado no ponto n.º XLIII do probatório, o imposto liquidado pela AT em apreciação nos presentes autos não foi pago pelos Requerentes, mas sim pela C..., em 29 de Junho de 2021, que ficou nessa medida sub‑rogada no (eventual) direito de recebimento das quantias pagas, acrescidas dos juros legais, para o caso – não verificado – de anulação das liquidações emitidas pela AT.
Assim sendo, e sem necessidade de mais considerações, julgam-se improcedentes os pedidos formulados pelos Requerentes a este respeito.
V. Decisão
Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelos Requerentes e, em consequência, manter na ordem jurídica os actos de liquidação impugnados nos presentes autos, a saber, os actos de liquidação de IRS n.ºs 2021 ... e 2021 ... e de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2021 ..., 2021 ... e 2021 ..., e de acerto de contas n.ºs 2021 ... e 2021 ..., referentes aos exercícios de 2016 e 2017, nos montantes, respectivamente, de €2.299.281,40 e de €2.193.212,80, no total de €4.492.494,20.
VI. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC), no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, aplicáveis por força das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 4.492.494,20 (quatro milhões quatrocentos e noventa e dois mil quatrocentos e noventa e quatro euros e vinte cêntimos).
VII. Custas
Custas a cargo dos Requerentes, nos termos do artigo 5.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, não cabendo proceder à fixação do respectivo montante, dado o disposto no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, a contrario.
Notifique-se.
Lisboa, 3 de Outubro de 2022.
A Presidente do Tribunal Arbitral
(Carla Castelo Trindade)
O Árbitro vogal
(João Menezes Leitão)
O Árbitro vogal,
com declaração de voto de vencido
(Tomás Cantista Tavares)
Voto de vencido (proc. 860/2021-T)
1. Votei vencido, por discordar da tese sufragada na Sentença, que considerou a intervenção da D..., LDA artificiosa, fraudulenta e abusiva, em motivação principal de elisão fiscal, com a verificação cumulativa dos pressupostos da Cláusula Geral Anti abuso (CGAA); e desconsiderando-a, em termos fiscais, impõe que os lucros da D... sejam imputados e tributados diretamente na esfera jurídica do requerente (pessoa singular), na categoria B do CIRS, através do regime da contabilidade organizada.
2. Com a devida vénia, salientarei os SETE pontos principais da minha discordância:
3. PRIMEIRO: o objeto do processo cinge-se à anulação (ou não) de liquidações adicionais de imposto, na análise dos argumentos trazidos ao processo pela fundamentação da Autoridade Tributária (AT), no chamado relatório de inspeção tributária (RIT) – e contestação (factual e jurídica) do contribuinte, no seu requerimento inicial. O tribunal arbitral só pode glosar sobre isso, sob pena de ilegal fundamentação a posteriori, como advoga o STA (Ac. STA de 28/10/2020, proc. 02887/13.8BEPRT).
4. Porém, a Sentença decide, de forma decisiva, com base em arsenais factuais e jurídicos introduzidos posteriormente, que não constam, minimamente do objeto do processo. Refiro-me, a título exemplificativo, (i) à alusão contratual entre a C... (C...) e o requerente relativo à Categoria A do CIRS; (ii) que a D... não teria substância económica para prestar esses serviços – a sua estrutura humana e organizacional seria insuficiente e inadequada; (iii) e as referências a razões económicas válidas, ou atividade substancial não constam do RIT (nem da lei aplicável aos autos).
5. Os argumentos esgrimidos no RIT são três, essencialmente – e o Tribunal teria apenas de analisar e decidir, se, com eles, se preenchem ou não os requisitos do art. 38.º, n.º 2, da LGT: (i) Há (ou não) uma intenção principal de natureza fiscal por parte do requerente, de poupança de impostos, por ter exercido a atividade, via D..., em vez de o fazer diretamente (na categoria B do CIRS, em contabilidade organizada); (ii) a D... extravasou (ou não) o elemento finalístico próprio das sociedades; (iii) sendo o cargo de selecionador nacional de futebol uma prestação de serviços de natureza pessoal, só pode ser efetuada por pessoa singular e nunca através de uma sociedade?
6. SEGUNDO: a Sentença erra na ponderação da prova, em concreto na desvalorização do depoimento do Dr. E..., presidente da C.... No essencial, o Tribunal não o considerou credível, porque tornando-se, entretanto, a C... credora do requerente (via sub-rogação), o Presidente da C... teria interesse próprio, no sentido das pretensões do requerente. Não comungo deste juízo. Considero este testemunho isento, convincente e credível (apesar dessa circunstância): a) pela forma isenta e esclarecida como depôs; b) pelo conhecimento direto dos factos relevantes; c) pela coerência e concatenação entre o seu depoimento e os documentos escritos juntos aos autos (contratos de prestações de serviços com a D... e entre esta e os selecionadores adjuntos [suas empresas]); c) pela coerência e unidade com os demais factos do processo – fragilidade contratual da posição do requerente em 2014, desempregado e a braços com possível sanção de 8 jogos pela FIFA; contenciosos recentes com anteriores selecionadores (F... e G... e suas equipas técnicas) por terem, todos eles, contratos de prestação de serviços pessoais com a C..., que teve se os honrar, até por força de decisões judiciais, não obstante terem sido demitidos – e no novo modelo contratual, a C... queria eximir-se, de todo, dessa eventual responsabilidade, que a passou para a D...; d) pelo cargo que ocupa – respeitado presidente de uma relevante entidade nacional, com utilidade pública; e) e, sobretudo, pela identidade entre o seu depoimento (7/2022) e as declarações reduzidas a escrito do Dr. H..., assessor da Direção da C..., prestadas aquando da inspeção tributária (em 10/2020) – muito tempo antes da liquidação e do pagamento do imposto por sub-rogação (em 6/2021). Este ponto é fulcral: será que o Dr. H... disse o que disse, porque já sabia que o requerente ia ser alvo de liquidação de imposto e que a C... iria proceder, passados cerca de 8 meses, ao pagamento, em sub-rogação do contribuinte? Não faz sentido.
7. TERCEIRO: em relação à prova e sua ponderação (factos provados e não provados), a Sentença erra em quatroelementos muito relevantes para a decisão, a saber:
8. (i) Não ocorreu mera substituição de prestação de serviços de selecionador, por prestação homóloga, via D... (sociedade por si controlada); a D... (e não a C...) efetua contratos de prestação de serviços com os treinadores adjuntos (via suas empresas); contrata-os, coordena-os e assume toda a responsabilidade pelo pagamento desses serviços. Em cenário patológico, a C... rescinde o contrato com a D... – e é esta que tem depois de tratar das rescisões com os elementos da equipa técnica.
9. Assim, em 2016, a D... pagou cerca de 1,5 milhões de euros aos treinadores adjuntos; e em 2017, aproximadamente, 1 milhão de euros (retius, a sociedades por eles detidas) – p. 27 e 28 do RIT. Nos anos anteriores, os valores foram inferiores, mas consideráveis, superiores na casa dos 400 mil euros, por ano.
10. (ii) A C... não teve qualquer poupança tributária. Paga os mesmos impostos, quer tivesse contratado os serviços dos selecionadores via D..., quer o fizesse diretamente com as pessoas singulares (na categoria B do CIRS).
11. A C... contratou os serviços de selecionador ao preço bruto – isto é, não assumiu qualquer responsabilidade pelo pagamento dos impostos da D... e do requerente. Não está provado que suportaria o acréscimo de impostos do requerente, se acaso a AT desconsiderasse a personalidade jurídica da D... (ou por qualquer outra razão); ou que lhe pagaria uma remuneração superior para cobrir qualquer acréscimo de impostos (do requerente ou da D...). A sub-rogação não tem este efeito jurídico (art. 41.º da LGT); é, aliás, prova irrelevante (em contencioso de mera anulação) e inadmissível, porque a AT só a juntou aos autos após o fim da fase da prova (e conhecia este facto desde o início) e está envolvida em processo crime por alegada violação do sigilo fiscal.
12. (iii) Não vejo qualquer desvalor no tema da cedência dos direitos de imagem: podem ser cedidos a terceiros (cfr. jurisprudência arbitral abundante, Ac. 524/2018-T, 595/2017-T, 347/2016-T); desvalorizo a falta de forma, atento o realismo do direito fiscal (tributar a realidade independentemente da forma) e, tratando-se da cedência do requerente à D... (sociedade por si dominada), ninguém invocaria a falta de forma para se esquivar à produção de efeitos, sobretudo em sede tributária; e, por fim, na linha da referida jurisprudência arbitral, a cedência dos direitos de imagem tem também uma feição negativa (que justifica a ausência de proveitos): sem isso, o requerente poderia ceder a sua imagem a marcas concorrentes das que patrocinam a C..., em grande incómodo para a C.... Imagine-se o Eng. A... a aparecer em anúncio da VV…, quando a WW… é um dos maiores patrocinadores da seleção! (e compreende-se que os adjuntos não cedam os direitos de imagem, porque aí o risco de dano é nulo – pois ninguém sabe quem são); e compreendo, igualmente, que a cedência só tivesse ocorrido em 2016, após a vitória do EURO 2016, pois só então o selecionador ganha enorme protagonismo mediático positivo (atrativo para contratos de patrocínio).
13. (iv) A CGAA tem uma especificidade única, face às demais correções fiscais: na CGAA há, por regra, uma discrepância temporal entre o eventual abuso (factos que corporizam) e a liquidação dos impostos. In casu, os factos ocorreram em 2014, com a contratação da requerente, via D... (e do resto da equipa técnica); e as liquidações de IRS são dos anos de 2016 e 2017, com os pagamentos dos serviços. Donde, o putativo abuso afere-se à data dos factos e demais circunstâncias verificados em 2014, na ótica de cada uma das partes contratantes (C..., requerente e D...) – e a Sentença não fez isso.
Em 2014, os valores das prestações de serviços eram menores – e inferior a poupança fiscal face à indicada nos autos; tudo foi incrementado apenas em 2016 – após a vitória do EURO 2016 (desejada, mas imprevisível em 2014), com a renovação dos contratos, em condições de preço muito superiores (maiores valores mensais e prémio de assinatura de 3 milhões de euros); e as liquidações adicionais abrangem sobretudo esse período (2016 e 2017). Quer dizer, em 2014, o valor da poupança fiscal projetado a 2016 e 2017 era muito inferior aos valores assumidos nos autos (valor do processo), pois ocorreram imprevisíveis circunstâncias supervenientes (vitória no EURO 2016) que, inopinada e reflexamente, fizeram aumentar o ganho fiscal.
14. A renovação dos contratos (após a vitória do EURO 2016) não é fundamento autónomo para aplicação da CGAA (nem sequer para a AT) – no sentido de que o abuso só teria surgido em 2016, pois então os valores da poupança fiscal são muito maiores. Em 2016, não fazia qualquer sentido que se renovassem os contratos, agora sem a intervenção da D..., até porque esse modelo contratual terá contribuído, em parte, para a coesão da equipa técnica e vitórias da seleção. Ou seja, a razão não fiscal (vitória no EURO 2016) sobrepõe-se ao aumento da poupança fiscal propiciada na renovação dos contratos.
15. QUARTO: a aplicação da CGAA pressupõe a verificação dos requisitos do art. 38.º, nº 2, da LGT, na redação vigente à época (anterior à lei 32/2019). Mais do que nos atermos a classificações e nomenclaturas doutrinais, como gizado na Sentença, importa isolar cada segmento da letra da lei, para aferir do preenchimento cumulativo (ou não) no caso dos autos. É isso o que farei de seguida, em relação, aos termos “finalidade fiscal essencial ou principal”, “meios artificiosos ou fraudulentos” “e com abuso de formas jurídicas”.
16. “[…] finalidade fiscal essencial ou principal […]”: cumpre-se o requisito se a razão fiscal for a principal. A lei nova é menos exigente: basta que seja uma das principais.
17. Para a lei nova, é suficiente que a finalidade fiscal (poupança de imposto) seja uma das finalidades principais, ainda que existam razões não fiscais relevantes ou principais. O ângulo centra-se apenas na análise das razões fiscais – e caso se considere intensa (uma das principais), nem tem sequer de a confrontar com as razões não fiscais. Foi isso o que fez erradamente a Sentença: considerou, materialmente, a força da razão fiscal (poupança de 2 milhões de euros por ano) e, apenas com isso, considerou verificado o requisito. Aplicou a lei nova, avant la lettre!
18. O iter cognoscitivo é, porém, diferente na lei aplicável aos autos. Exige-se dupla análise: (i) balanceamento (ii) e ulterior conclusão; balanceamento entre a força e motivação das razões fiscais e não fiscais; e só se aplica a CGAA caso se conclua, após essa ponderação, que a razão fiscal é a principal – que é superior às não fiscais, ainda que relevantes.
19. Como é óbvio, não advogo uma subjetividade pura neste “medidómetro” de finalidades. Tem de se objetivar as intenções do sujeito, nas concretas circunstâncias e prova do caso concreto – para então se aferir a força principal (ou não) das razões fiscais na modelação dos negócios: prestação de serviços, através de uma empresa, a D..., em vez de o ser diretamente com o requerente, como trabalhador independente com contabilidade organizada da categoria B do CIRS.
20. A Sentença teria de sopesar entre as razões fiscais e não fiscais.
A razão fiscal refere-se ao valor da poupança de imposto: comparação entre o IRC pago sobre os lucros da D... versus o IRS que o requerente pagaria caso fosse pessoalmente tributado na categoria B do CIRS, com contabilidade organizada.
Há duas “nuances” objetivas que retiram força ao caráter principal da vantagem fiscal e que não foram devidamente atendidas na Sentença:
a) A vantagem fiscal é apenas o diferimento temporal do imposto (que será pago, no futuro, aquando da distribuição dos dividendos ao sócio). Apesar do diferimento constar das situações de aplicação da CGAA, retira-lhe, no entanto, primazia, quando comparada com operações de “eliminação” ou “redução” da carga tributária.
b) Como referi (ponto 13 e 14), a poupança fiscal afere-se à data do abuso (2014) e não aos anos das liquidações de imposto (2016 e 2017). Em 2014, o valor anual da poupança fiscal projetada a 2016 e 2017 é muitíssimo inferior a 2 milhões de euros, por ano.
21. As Razões não fiscais são duas:
a) A C... tinha interesse relevante neste modelo contratual (via D...), para evitar responsabilidades, incómodos e processos judiciais, caso decidisse mudar a equipa técnica antes do final dos contratos, algo tão frequente no mundo do futebol, que vive de bons resultados imediatos (e que tinha acontecido, com más experiências, com as duas anteriores equipas técnicas de seleção nacional) – cfr. ponto 6. No fundo, transfere para a D... o risco da rescisão dos contratos com os elementos da equipa técnica.
b) As partes não acordaram, simplesmente, a prestação de serviços do selecionador, via D... (sociedade que domina) em lugar de prestação pessoal, na categoria B do CIRS. O modelo contratual é mais amplo e complexo: a C... colocou na D... toda a responsabilidade sobre a equipa técnica da seleção (treinador principal e adjuntos). Em 2016 e 2017, a D... pagou mais de 1 milhão de euros por ano aos treinadores adjuntos, via suas sociedades; era ela que zelava pelo cumprimento dos serviços perante a C... – no limite poderia despedir um dos membros do staff; e era ela que responderia pelas indemnizações em caso de rescisão contratual (cfr. ponto 8 e 9 supra).
Esta constatação factual tem duas consequências:
(i) A D... exerce efetiva atividade empresarial: recebe proveitos da prestação de serviços efetuada à C...; e, para isso, tem de gerir adequadamente todos os seus gastos de fornecimento, nos serviços que lhe são prestados pelos treinadores adjuntos.
(ii) Quem tem responsabilidade (gastos) superiores a 1 milhão de euros, por ano – é normal que exerça a atividade empresarial através de uma sociedade (para obter a responsabilidade limitada), em lugar de o fazer pessoalmente, tipo empresário em nome individual ou profissional liberal na categoria B do CIRS, onde fica exposto à responsabilidade ilimitada – e todo o seu património responde pelas dívidas empresariais.
22. Em suma: no balanceamento consolidado entre as razões fiscais e não fiscais, não posso concluir que a razão fiscal tenha sido a principal; existem razões não fiscais relevantes e principais; quanto muito, a razão fiscal (como parametrizada supra) foi uma das principais, ao mesmo nível das razões não fiscais relevantes – e por isso, perante a lei antiga (aplicável ao caso dos autos) entendo que não se verifica este elemento da CGAA.
23. QUINTO: “[…] meios artificiosos ou fraudulentos […]”. Estes epítetos estariam na utilização de uma sociedade comercial por quotas; na intervenção da D..., LDA, (nos serviços prestados à C...) em âmbito que extravasaria os motivos, funções e fins para que existem as sociedades comerciais. Mas não é assim.
24. As sociedades por quotas possuem vários elementos essenciais, que as justificam e legitimam – e a D... preenche todos: (i) duas ou mais pessoas (embora existam hoje as sociedades unipessoais – em 2016/2017, a D... tem vários sócios, sendo o requerente o maioritário); (ii) pretendem prosseguir atividade através de entidade com personalidade jurídica autónoma (os sócios trabalham e/ou gerem a sociedade, por si, ou por terceiros por si nomeados – e o requerente trabalhou como gerente da D..., de direito e de facto); (iii) de forma estável e duradoura (embora possam ter duração limitada, por vontade das partes [art. 15.º, do Código das Sociedades Comerciais] – e a D... tinha/tem duração ilimitada); (iv) aportando bens para a sociedade, via capital (como sucede); (v) prosseguindo a sociedade uma atividade comercial, na prática de atos de comércio (a D... presta serviços à C..., na gestão e coordenação da equipa técnica de selecionadores, com proveitos e gastos associados a essa atividade); (vi) com o objetivo de obtenção de lucros (a D... teve lucros expressivos em 2016 e 2017, superiores a 800 mil euros por ano); (vii) com limitação, por regra, da responsabilidade perante os credores sociais, até ao valor das entradas (a responsabilidade limitada) – e isso era fulcral para a requerente (cfr. ponto 21b) supra).
25. A D... reúne, pois, todas as características subjacentes à natureza e funções das sociedades por quotas (no segmento de atividade em discussão nos autos) – e não há assim qualquer abuso na intervenção de uma sociedade. Em concreto: (i) exerce uma atividade económica com intuito lucrativo (em linguagem fiscal, exerce uma atividade económica de caráter empresarial, onde se inclui a prestação de serviços – art. 3.º, n.º 4, do CIRC) e (ii) visa a limitação da responsabilidade perante os credores sociais oferecida pela sociedade por quotas e não com o exercício próprio da atividade.
26. A D..., LDA exerce uma atividade económica com intuito lucrativo. Como referi (ponto 8 supra), as partes (C... e D...) não acordaram simplesmente que a prestação de serviços do selecionador principal fosse efetuada pela D... (controlada pelo requerente) em lugar de o ser por si, diretamente. O acordado é mais amplo e complexo: a D... assumiu a prestação de um serviço perante a C... – e é remunerada por isso; e depois gere os seus fornecimentos e serviços externos, composto pelos serviços dos vários selecionadores (não vetados pela C...), com todo o trabalho de gestão que isso comporta, na mira da obtenção de um lucro empresarial, como diferencial positivo entre os valores recebidos da C... e os pagamentos assumidos com seus fornecedores e restante estrutura da D....
27. A AT argumenta que as prestações de serviços profissionais com caráter pessoal (selecionador nacional) não podem ser efetuadas através de sociedade (mesmo que dominada pelo selecionador). Mas não é assim.
a) Em geral: todas as prestações de serviços empresariais podem ser desenvolvidas pessoalmente ou através de uma sociedade, até as prestações pessoalíssimas – nada há na lei comercial que o proíba;
b) Aliás, como se verá, o regime da transparência fiscal aceita e reconhece a existência de sociedades em que o elemento pessoal tem proeminência: as sociedades comerciais (por quotas) que exercem uma atividade de prestação de serviços de natureza pessoal, que, por definição, também podem ser desenvolvidos por pessoa singular.
c) Em concreto: as entidades do mundo do futebol com funções de controlo da atividade dos agentes desportivos (FIFA) não colocaram entraves à intervenção dos selecionadores, via D.... A equipa técnica foi inscrita nos jogos e competições – e exerceu a sua atividade, da mesma forma que o fizesse em termos pessoais.
d) O Acórdão Arbitral no proc. 43/2018-T – e a própria AT quando circunscreve o objeto dessa correção fiscal, que não aplicou a CGAA – aceitou que serviços estritamente pessoais (prestados por professor Universitário, como árbitro em arbitragens de jurisdição voluntária e em pareceres jurídicos) fossem prestados por sociedade comercial em que esse Professor tem 1% do capital – e os restantes 99% são detidos pela sua mãe.
28. Desvalorizo as demais circunstâncias elencadas na Sentença: por ex., foi a C... que escolheu (não vetou) os selecionadores; que reportavam ao presidente da C... e não via D...; que trabalhavam em exclusivo nas instalações da C...; a C... pagava todas as deslocações, sem sequer se efetuar acerto de contas posterior com a D...… A razão é elementar: um empresário em nome individual (ou profissional liberal) – tributado na categoria B do CIRS – teria de possuir uma estrutura empresarial adequada, homóloga à sociedade comercial. Também tem trabalhadores, instalações e estrutura – adequada à atividade concretamente exercida.
29. Se, no caso dos autos, a atividade pessoalíssima fosse prosseguida em termos pessoais (passe o pleonasmo), teria a mesma estrutura mínima e idênticas condições contratuais (iguais às referidas no ponto 28); efetuando-a via D..., tem de possuir estrutura equivalente à prestação própria. Nem mais, nem menos. A sentença raciocina no pressuposto falso (a meu ver) que para o exercício da mesma atividade, a estrutura empresarial tem de ser mais sofisticada do que a que seria necessária, caso a mesma atividade fosse exercida em termos pessoais. Mas não é assim. Se um pequeno empresário abre um café, na sua esfera pessoal – a sua dimensão, ativos, trabalhadores, estrutura, know-how e feixe de contratos será exatamente a mesma daquela que teria se exercesse a mesma atividade via sociedade comercial por quotas (por ele dominada).
30. Figuremos um caso paralelo aos dos autos – para ajudar a compreensão do tema: perante o enorme incêndio do …, o Estado contrata o Arq. XX..., para prestar um serviço completo de definição e redesenho urbanístico dessa parte da cidade. O trabalho estende-se, por vários anos, em full time; contratam-se três profissionais externos em áreas relevantes (estruturas, tipógrafo, planos de pormenor), que trabalharão sob orientação do Arq. XX..., e cuja identidade foi acordada ou decidida pelo Estado – que também prestam os seus serviços em tempo integral. Mais: o Estado disponibiliza as suas instalações e ferramentas para o exercício da atividade; e paga diretamente as viagens e estadias de todos os membros da equipa para melhor desenvolverem o seu trabalho (visitar experts e casos semelhantes); e, querendo, tem reuniões diretas com qualquer desses profissionais, para se inteirar de todas as situações. Ora, perante isso, podemos concluir que o Arq. XX... extravasou a função societária se acaso estabelecer um contrato de prestação de serviços com a sua sociedade de arquitetura (que domina o capital e assumo que é [pode ser] detida também por não arquitetos) – que depois contrata os serviços de todos os fornecedores externos especializados (não são funcionários da sociedade de arquitetura), com verificação das demais circunstâncias descritas? Estaria o Arq. XX... obrigado a estabelece o contrato diretamente consigo, na sua esfera jurídica própria, só porque a prestação é pessoalíssima (o Estado só quer o Arq. XX... e o que pretende é apenas a sua expertise intangível)? Estaria, por esse facto, a abusar da intervenção, função e estrutura da sociedade comercial? Claro que não. Essa prestação pode ser prestada por ele diretamente, na sua esfera jurídica própria (e em termos fiscais, na categoria B do CIRS) ou através da sociedade de que é sócio maioritário e gerente (tributada em IRC) – no exercício do direito de liberdade de prestação de serviços, ainda que os impostos divirjam num caso ou no outro.
31. Como referi (ponto 9), a D... assume (e o requerente assumiria, se prosseguisse diretamente a atividade) a obrigação de pagamento a fornecedores (selecionadores adjuntos) de mais de 1 milhão de euros, por ano. Perante isto, é perfeitamente normal que a atividade seja prosseguida por uma sociedade comercial, para obter a responsabilidade limitada perante os credores que a lei confere às sociedades, mas não às pessoas.
32. No caso concreto, o risco é diminuto, embora de valor considerável: é diminuto, porque os contratos estavam “linkados”: a D... (ou o requerente) só pagava aos fornecedores se recebesse da C...; e se a C... rescindisse o contrato com a D... (ou com o requerente), os outros contratos (com os fornecedores) cairiam também; mas o risco existe e é de valor considerável (1 milhão de euros, por ano) – porquanto:
a) Como referi (ponto 21 a)), a C... passou este risco para a D..., que o assumiu (ou passá-lo-ia para o requerente, se exercesse a atividade na categoria B do CIRS). Podemos doseá-lo de maior ou menor, mas existe sempre – sobretudo em cenários de conflito (e tal acontece amiúde no mundo do futebol, se os resultados não aparecem).
b) Se a C... entrasse em mora perante a D... (ou, no limite, se rescindisse o contrato), os adjuntos (suas sociedades) poderiam exigir que a D... lhes pagasse os seus serviços (passados e futuros), porque os cumpriram escrupulosamente, a culpa da D... perante a C... não lhe é imputável, etc.; não seria difícil construir um caso judicial com esses contornos (sobretudo se houver dependência ou escassez económica). A D... está exposta a esse risco, ainda que baixo – e, por isso, faz sentido que se assuma como sociedade por quotas, no ensejo de obter a responsabilidade limitada dos seus sócios perante os credores.
33. Em suma: a intervenção da D... não é artificiosa ou fraudulenta: é normal que a atividade seja exercida por uma sociedade comercial: (i) prossegue uma efetiva atividade económica e empresarial (multiplicidade de direitos e obrigações, com necessidades de gestão e coordenação); (ii) com responsabilidades assumidas de mais de 1 milhão de euros por ano (e a sociedade limita a responsabilidade, ao contrário do exercício individual).
34. SEXTO: “[…] e com abuso de formas jurídicas […]: no caso dos autos, este segmento legal encerra-se numa questão clássica para o direito fiscal: exercício de uma atividade empresarial diretamente por pessoa singular (como profissional liberal ou empresário em nome individual) ou através de uma sociedade (por si dominada, no limite a 100%) – em operações com formas jurídicas distintas, mas economicamente substituíveis, com poupança fiscal: atualmente, a tributação é menor na sociedade do ao nível individual. A matéria coletável é similar em ambos os casos, mas a taxa fixa de IRC é, por regra, menor do que a taxa progressiva do IRS; e como o sujeito passivo domina a sociedade, difere no tempo a distribuição (e tributação) de dividendos para a sua esfera pessoal.
35. A poupança fiscal via utilização da operação (forma jurídica) substituível mais próxima não envolve, ipso facto, um abuso – como indica erradamente a Sentença, quando sugere o preenchimento automático deste requisito se os demais se verificam. Por imposição legal, não basta a poupança fiscal; tem de haver abuso de formas jurídicas.
36. Como referi (ponto 34), o legislador fiscal conhece bem o tema dos autos. E criou um instituto jurídico para o resolver (neutralizar a poupança fiscal) – a transparência fiscal (art. 6.º do CIRC). A transparência fiscal define a linha divisória do abuso de formas; as situações em que as sociedades “de pessoas” são tributadas em IRS (e não em IRC), por desconsideração da personalidade jurídica das sociedades, em termos fiscais.
37. In casu, a transparência fiscal é um misto de cláusula anti abuso (evitar a poupança fiscal, por diferimento do imposto) e adequação (justiça) de tributação (obter a progressividade do IRS). Certas entidades empresariais (inclusive sociedades por quotas), apesar de assumirem a forma societária, têm, porém, um regime fiscal especial, atenta a força da sua natureza “pessoal” – e então: (i) a determinação do rendimento é efetuada segundo as regras do IRC; (ii) mas o imposto é pago, não em IRC, mas pelos sócios, em IRS, por imputação fiscal dos “lucros”, sejam ou não distribuídos (art. 6.º e 12.º do CIRC, art. 20.º do CIRS).
38. Após a devida ponderação – muito extensa e refletida na última reforma fiscal (2014) – o legislador estendeu a transparência fiscal a 3 tipos de sociedade (art. 6.º, do CIRC):
a) Sociedades civis não constituídas sob a forma comercial (n.º 1, al. a));
b) Sociedades “de simples administração de bens” (n.º 1, al. c)),
Em ambos os casos, prosseguem, sobretudo, uma atividade passiva, de mera fruição.
c) Sociedades de profissionais (proeminência do elemento pessoal) em dois casos: (i) quando todos os sócios, pessoas singulares, sejam profissionais dessa atividade; (ii) quando se verifiquem os seguintes requisitos, de forma cumulativa – e é aqui que importa: a) sociedades (por quotas); b) mais de 75% dos rendimentos provenham de atividades profissionais descritas no art. 151.º do CIRS; c) o número de sócios não seja superior a 5; d) pelo menos 75% do capital seja detido pelo profissional que exerce a atividade através da sociedade (art. 6.º, n.º 4, a), 2) do CIRC). Esta última situação foi introduzida com a reforma fiscal de 2014 (tendo sido redesenhada, em parte, em 2015).
39. A D... não está sujeita à transparência fiscal: não é uma sociedade civil não constituída sob a forma comercial, nem uma sociedade de simples administração de bens; e, por opção consciente do legislador, embora seja uma sociedade por quotas em que o elemento pessoal tem preponderância objetiva (presta serviços de natureza pessoal, através da atividade profissional do sócio maioritário, que representam o grosso dos seus rendimentos), não se integra, porém, no regime legal da transparência fiscal, porque não preenche os requisitos legais desse instituto (como aceite pelas partes no processo).
40. O legislador foi livre ao desenhar a transparência fiscal: com maior ou menor extensão; com requisitos mais ou menos apertados. O tema tem contornos clássicos no Direito Fiscal. Mais: ponderou-o exaustivamente na reforma fiscal de 2014 (aumento do espectro e redesenhado, em parte, logo depois, em 2015) – e o caso dos autos reporta-se aos mesmos anos: 2014 (putativo abuso) e 2016/2017 (liquidações impugnadas). Assim, o legislador definiu o exato regime legal como quis, assumindo conscientemente que certas sociedades por quotas, não obstante a primazia do elemento pessoal, escapam, todavia, ao regime da transparência fiscal, porque não cumprem os requisitos legais desse instituto. Podia ter dito, por ex., que a transparência se bastaria com a situação em que mais de 75% dos rendimentos fossem provenientes de atividades de natureza pessoal ou profissional dos sócios (e aí a D... estaria sujeita à transparência fiscal). Mas não disse; não por esquecimento ou falta de ponderação; mas porque, aberta e conscientemente, quis recortar o instituto desta forma – estabelecendo a lei esta linha divisória (entre as sociedades transparentes e as não transparentes), no recorte do abuso de formas jurídicas, que o intérprete tem de obedecer e respeitar, ainda que possa subjetivamente discordar.
41. A comunidade jurídica tem imensa sorte pelo facto de o Prof. Saldanha Sanches ter abordado aprofundadamente este tema, no prisma da lei aplicável aos autos – na monografia “Os limites do planeamento fiscal, substância e forma no Direito Fiscal Português, Comunitário e Internacional, Coimbra Editora, 2006”. Esta obra é um monumento jurídico: não só pela qualidade, independência e isenção do autor, como pelo acervo de conhecimentos e análises sobre o tema – e, compreensivelmente, tem servido de base para a jurisprudência portuguesa, sobretudo arbitral, nas decisões sobre a CGAA.
42. Na minha opinião, a resolução deste caso – sobretudo no segmento “abuso de formas jurídicas” deve seguir idêntico método (omitido na Sentença): na análise dos corolários indicados pelo Ilustre Professor, em juízo crítico e por referência à atualidade (e indicarei doravante as páginas relevantes desta monografia – os sublinhados são meus):
a) “[…] não se pode esperar que o legislador fiscal consiga realizar uma previsão exaustiva de todo e qualquer negócio jurídico que considere dever estar sujeito a tributação […]; [mas] a necessidade de encontrar, no ordenamento jurídico tributário e como condição sine qua non da aplicação da clausula anti abuso, os sinais inequívocos de uma intenção de tributar é, contudo, um princípio básico para a manutenção da segurança jurídica na aplicação da lei fiscal. E isto por dois motivos principais. Primeiro, porque a evitação fiscal abusiva não pode confundir-se com a permanente tentativa do contribuinte para reduzir a sua tributação ou para ponderar cuidadosamente – planeamento fiscal não abusivo – as consequências da lei fiscal na sua atividade empresarial ou pessoal; a fronteira entre a evitação abusiva e a tax mitigation é um problema central de aplicação da lei fiscal. Segundo, porque nesse esforço permanente para reduzir a carga fiscal podemos encontrar o aproveitamento pelo contribuinte do que podemos qualificar como omissões deliberadas – justas ou não é outra coisa – do legislador fiscal e, se isso aconteceu, não pode atribuir-se ao aplicador da lei a tarefa que cabe primariamente ao legislador” (p. 180).
b) “[…] temos de concluir que não podemos ter um recurso administrativo ao instituto da fraude à lei nos múltiplos setores em que o legislador, por incúria ou falta de coragem política, deixou que se multiplicassem as situações, mesmo quando anti-sistémicas, de não tributação de certos tipos de negócios […]” (p. 182).
43. A CGAA é a última ratio do sistema; não envolve um cheque em branco à AT: a segurança e a previsibilidade jurídica exigem uma interpretação teleológica (sobretudo no segmento “abuso de formas jurídicas”), na resposta a 2 questões:
a) A identificação de uma poupança fiscal – e verificação dos demais pressupostos – não envolve automaticamente o preenchimento deste segmento da lei, como fez erradamente a Sentença.
b) Tem de se concluir, após interpretação holística (teleológica), que existem sinais inequívocos de uma intenção de tributação: que o legislador não ponderou o caso, mas, se o fizesse, teria querido tributar. Logo, não se verifica o requisito se o legislador refletiu sobre o tema, criando inclusive instituto jurídico para o resolver, mas tenha optado por não tributar certas situações concretas (ou por consentir o diferimento do imposto). Aqui, existe uma omissão deliberada do legislador (até por falta de coragem política), numa lacuna por opção política – que o interprete não pode preencher, em relação aos elementos essenciais do imposto (cfr. art. 11.º, n.º 4, da LGT). E a Sentença erra aqui, ao sugerir que a CGAA pode ser uma forma de preenchimento de lacunas do sistema fiscal!
44. Como referi (ponto 40), existem sinais inequívocos de que o legislador, assumidamente, não quis tributar a D... através da transparência fiscal (ou desconsideração da sua personalidade, em termos fiscais). O legislador ponderou o tema em todo o seu alcance e decidiu quais os casos que são tributados nesse instituto – e como reverso da medalha, também decidiu, conscientemente, que outras sociedades não sejam tributadas na transparência fiscal, não obstante a primazia do elemento pessoal (como na D...). Não foi por esquecimento ou imponderação; foi uma omissão de incidência deliberada, assumida e consciente – que o interprete tem de respeitar e acatar.
45. A Sentença insurge-se contra este racional, na asserção da possível aplicação da CGAA, quando não se verificam os pressupostos da clausula específica anti abuso (transparência fiscal), sob pena, se assim não fosse, do sistema jurídico dar cobertura a formas sofisticadas de abuso fiscal, que escapam ao especto da transparência. Embora veja isso como difícil (as preocupações do legislador com o abuso são as mesmas [na Clausula geral e específica anti abuso] e na clausula especifica soluciona-as num certo instituto, com recorte concreto do abuso que quer reprimir), não o reputo, em tese, como impossível: mas, as situações hipotéticas recortadas na Sentença nada provam: se a sociedade fosse mera emissora e recetora de faturas, sem atividade – tal situação reconduz-se a simulação (absoluta ou relativa), censurada pela lei fiscal, não através da CGAA, mas por outro instituto (a fraude fiscal), com total aplicação. E os casos da step by step doctrinesão sempre sindicados nos passos que não envolvessem a transparência fiscal ou que a envolvessem na análise consolidada de todas as operações envolvidas.
46. Em suma: não existem negócios (serviços prestados pela D...) “artificiosos ou fraudulentos e com abuso de formas jurídicas”. Reportando-me à fundamentação do RIT:
a) Não foi extravasado o elemento finalístico das sociedades: a D... exerce uma atividade comercial e lucrativa, com riscos associados à sua atividade e proteção da responsabilidade oferecida às sociedades comerciais (e que é normal serem integrados numa sociedade comercial), - logo, não houve negócios artificiosos ou fraudulentos;
b) O legislador conhece esta questão (prestação de serviços pessoais e profissionais pelo próprio ou por sociedade sua, em poupança fiscal) – e criou um instituto complexo e abrangente, redesenhado totalmente em 2014, para a resolver; a transparência fiscal. Se a D... está fora do regime da transparência, foi por opção e desejo do legislador. Pode-se censurar a opção do legislador, mas não se pode aplicar a CGAA, pois não se deteta uma vontade inequívoca de tributação (bem ao invés) – logo, não houve qualquer abuso de forma jurídicas;
c) Sob o ponto de vista civil e comercial, estes serviços podem ser prestados por uma sociedade por quotas (D...), não obstante a sua natureza pessoal e profissional – numa ligação pessoal com o seu sócio maioritário.
47. Por fim: o que me impressiona (choca com a lógica de razoabilidade e senso comum) não é a intervenção da D... (que considero legítima e não abusiva) – mas o que sucede a jusante: a D... paga ao requerente (selecionador) uma remuneração não adequada ao cargo que exerce de selecionador nacional: paga mais aos treinadores adjuntos que ao principal. A lei fiscal tem um específico instituto jurídico para regular estas situações – o mecanismo dos preços de transferência (art. 63.º do CIRC). Os agentes em relações especiais (requerente e D...), nos contratos que celebram entre si, devem estabelecer o preço (e mais condições) homólogo (substancialmente idêntico) ao que seria praticado com terceiros, em situações semelhantes. No fundo, se a D... contratasse não o requerente (A...), mas um treinador do mesmo nível, nas mesmas circunstâncias, quanto lhe pagaria na concreta prestação de serviços de selecionador na categoria B do CIRS? Far-se-ia porventura a correção fiscal, com base no art. 63.º do CIRC [e não nos termos do art. 38.º, n.º 2, da LGT], com respeito da simetria dos preços de transferência: aumento dos gastos dedutíveis da D...; e aumento do IRS, categoria B do requerente. Além disso, respeitava-se a natureza subsidiária da CGAA (só se aplica quando o sistema fiscal não possuir um instituto que expressamente regule o tema). Impõe-se anulação das liquidações, também por este motivo: falham o alvo corretivo; não sendo possível o aproveitamento do ato: a fundamentação do art. 38.º, n.º 2 da LGT não pode ser aproveitada sob a égide dos preços de transferência. E perante os termos do caso julgado anulatório, a AT tomaria depois as diligências que lhe aprouvesse, na tutela da legalidade tributária.
48. SÉTIMO: a estatuição legal impõe a ineficácia, em termos fiscais, dos atos e negócios celebrados, “efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens referidas” (art. 38.º, n.º 2, da LGT). No caso dos autos, o negócio direto (não abusivo) seria a prestação de serviços efetuada, em termos fiscais, entre a C... e o requerente (na categoria B do CIRS, com contabilidade organizada) – com a desconsideração (ineficácia), em termos fiscais, da intervenção da D.... Porém, a sociedade autoliquidou e pagou o IRC dos anos de 2016 e 2017 (mais de 800 mil euros por ano) – porque se achava eficaz e não abusiva. Os requerentes suscitam, e bem, a anulação das liquidações (e não, como indica a Sentença, que seja atendido em atos posteriores – até porque isso extravasa a competência do tribunal arbitral [cfr. art. 2.º do RJAT]), por violação do elemento resultado do art. 38.º, n.º 2 da LGT: se a D... é ineficaz, em termos fiscais, então não tem de pagar IRC; e o que pagou (erradamente) tem de ser descontado ao valor do IRS a liquidar ao sócio, o que não foi feito pela AT, sob pena da ilegal limitação da ineficácia fiscal e ilegal duplicação de valores de imposto sobre o rendimento pagos ao mesmo tempo.
2 de outubro de 2022
Tomás Cantista Tavares