Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 7/2022-T
Data da decisão: 2022-09-15  IRC  
Valor do pedido: € 310.210,61
Tema: IRC - Crédito do imposto por dupla tributação internacional.
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Sumário:

A dedução à coleta de IRC por dupla tributação internacional, ao abrigo do disposto no artigo 90.º, n.º 2, alínea a), do Código do IRC, que tenha por base o imposto pago nos Estados Unidos da América por entidade residente em território nacional, incide sobre os rendimentos brutos que sejam qualificados como royalties, nos termos dos artigos 13.º, n.º 2, e 25.º, n.º 3, alínea a), da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e Estados Unidos da América, disposições que prevalecem sobre a norma do artigo 91.º, n.º 1, daquele Código.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1.  A..., S.A., com o número de identificação fiscal..., com sede em ..., ..., ...-..., ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade da liquidação adicional de IRC de 2016 n.º 2020 ... e da correspondente liquidação de juros compensatórios, todas respeitantes ao grupo de sociedades de que é a Requerente é sociedade dominante, bem como da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa contra eles deduzida requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

 Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente celebrou, em 2016, um contrato de locação de um conjunto de equipamentos à sociedade B... Inc., sociedade de direito americano com sede nos EUA, e faturou, a título de rendas daquele contrato, nesse ano, o montante de € 2.726.974,00, tendo procedido ao correspondente registo contabilístico pelo seu valor bruto. 

                                                             

A B... Inc. procedeu à retenção na fonte do valor de € 272.697,40, correspondente a 10% do valor das rendas, nos termos e em aplicação da Convenção e o Protocolo entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento.

 

A Requerente inscreveu no campo 6, do quadro 14, da Declaração Modelo 22 de IRC referente ao período de 2016, o montante de € 272.697,40 correspondente ao crédito de imposto por dupla tributação internacional prevista no artigo 91.º do Código do IRC, e inscreveu esse valor, na qualidade de sociedade dominante do Grupo C..., na Declaração Modelo 22 de IRC de 2016 do Grupo para efeito à dedução à coleta do Grupo.

 

O Grupo C... foi objeto de uma ação de inspeção, incidente sobre o período de tributação de 2016, que determinou, entre o mais, uma correção ao montante do crédito de imposto por dupla tributação internacional declarado pelo Grupo no valor de € 272.697,40 e uma correção ao saldo dos benefícios fiscais que transitam do período de tributação de 2015-II no montante de € 1.607.303,71, sendo que no presente pedido arbitral está apenas em causa a correção atinente ao crédito de imposto por dupla tributação internacional.

 

Segundo a Autoridade Tributária, na medida em que a Requerente reconheceu um gasto com depreciações no valor total de € 5.459.460,89 com referência aos equipamentos objeto de locação, não existiria qualquer ganho líquido, pelo que a fracção de IRC (para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º Código do IRC) seria € 0, o que impediria a dedução de um qualquer valor a título de crédito por dupla tributação.

 

Entende a Requerente que a totalidade do imposto suportado nos EUA, com referência à locação de equipamentos deve ser considerada para efeitos da determinação do IRC devido em Portugal.

 

Em primeiro lugar, os rendimentos em causa e atinentes ao contrato de locação de equipamentos celebrado com a C... Inc. devem qualificar-se como royalties, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 13.º da CDT Portugal-EUA que define como royalties “as retribuições de qualquer natureza atribuídas ou pagas pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico”.

 

E, por outro lado, nos termos do artigo 13.º, n.º 2, da Convenção “essas royalties podem ser igualmente tributadas no Estado Contratante de que provêm [EUA] e de acordo com a legislação desse Estado, mas se o beneficiário efetivo das royalties for residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não poderá exceder 10% do montante bruto das royalties”, o que significa que o imposto que os EUA podem lançar sobre as royalties incidirá sobre o montante/rendimento bruto das mesmas e não sobre o seu montante/rendimento líquido, não sendo assim deduzidas quaisquer quantias a título de gastos incorridos com a respetiva obtenção.

 

O que vale por dizer que sobre o valor bruto dos rendimentos auferidos nos EUA poderá deduzir-se a totalidade da retenção na fonte suportada nos EUA, ao abrigo da CDT Portugal-EUA, ao imposto pago em Portugal enquanto Estado da residência, na medida em que o imposto pago nos EUA não exceda a fracção do imposto sobre o rendimento em Portugal, eliminando assim a dupla tributação.

                                                             

E assim a norma do artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, ao estipular como limite à dedução, em Portugal, a “fracção do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados (…) líquidos dos gastos direta ou indiretamente suportados para a sua obtenção”, é necessariamente mais restritiva que a CDT Portugal-EUA.

 

E assim, deve a liquidação adicional de IRC sub judice ser anulada na parte em que nega o apuramento e a dedução a título de crédito por dupla tributação internacional no montante de € 272.697,40, por manifesta violação do disposto no artigo 25.º da CDT Portugal-EUA e igualmente no n.º 2 do artigo 8.º da Constituição.

 

E ainda que assim se não entenda, sempre seria possível, nos termos do artigo 91.º, n.º 4, do Código do IRC, em 2017 e anos seguintes, o reporte do montante de imposto suportado nos EUA e que não fosse considerado em 2016.

 

Acresce que da aplicação da norma do artigo 91.º do Código do IRC, que limita a dedução do valor do imposto pago no estrangeiro à fracção do IRC correspondente aos rendimentos que possam aí ser tributados mas líquidos dos gastos que lhes sejam direta ou indiretamente imputáveis, resulta um tratamento menos favorável e a sujeição a uma carga fiscal superior dos sujeitos passivos que invistam no estrangeiro face àqueles que se limitem a fazê-lo em território nacional, implicando a violação do princípio da liberdade de circulação de capitais.

 

Por fim, se o valor de € 272.697,40 não for considerado a título de crédito por dupla tributação internacional, este terá de ser considerado dedutível como gasto nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, na medida em que o valor do imposto pago nos EUA e que reduz em 10% o valor do rendimento obtido, foi suportado para garantir os rendimentos obtidos nos EUA e sujeitos a IRC.

 

De outro modo, a dupla tributação implica a violação do princípio da tributação pelo lucro real, traduzindo-se num excesso de carga tributária para os contribuintes, que não tem em conta todos os gastos e perdas incorridos pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, em concreto o imposto suportado na jurisdição onde foi obtido o rendimento.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, considera que a divergência com a Requerente se centra no cálculo do montante do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, ou seja, na possibilidade de dedução à coleta do IRC, nos termos previstos no artigo 90.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, da totalidade do imposto pago nos EUA, ao abrigo do artigo 25.º, n.º 3, alínea a) da CDT.

 

A posição da Autoridade Tributária é a de que não existe qualquer conflito entre a regra de cálculo do limite máximo da dedução do crédito de imposto constante do artigo 91.º, n.º 1, do Código do IRC e o disposto no artigo 25.º, n.º 3, alínea a), da CDT entre Portugal e os EUA, na medida em que a eliminação da dupla tributação jurídica internacional, nos termos previstos nessa disposição da CDT, que preconiza a aplicação do método da imputação normal ou do crédito de imposto, não impede que o legislador nacional, na determinação do quantum do crédito de imposto, utilize a metodologia prevista no artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC.

 

Numa interpretação articulada entre essas disposições, a determinação da “fração do IRC” deve basear-se no valor líquido dos rendimentos obtidos nos EUA e aí tributados, deduzindo ao respetivo valor bruto (€2.726.974,00) os gastos diretos ou indiretamente suportados para a sua obtenção, no caso, os gastos contabilizados com as depreciações dos equipamentos locados à C... Inc., que ascendem a €5.459.460,89.

 

Consequentemente, sendo o valor líquido dos rendimentos negativo, isso conduz a que seja nula a “fração do IRC” gerada pelos rendimentos provenientes das rendas do contrato de locação, ficando afastada a dedução do imposto pago nos EUA. 

 

De todo o modo, no caso sob análise, reitera-se que sendo nulo o valor da “fração do IRC” correspondente aos rendimentos obtidos nos EUA, tal redunda, na prática na inexistência de efetiva dupla tributação, pelo que a dedução do imposto pago nos EUA à coleta do IRC gerada por outros rendimentos, colocaria em crise a repartição do poder tributário entre o Estado da residência e o Estado da fonte, acordada na CDT. 

 

Esta interpretação deixa claro que o modo de aplicar o método de imputação normal pode ser definido pela legislação nacional, desde que não desrespeite o princípio básico de eliminar a dupla tributação.

 

De onde resulta que, na ausência de qualquer disposição específica em sentido contrário em convenção para evitar a dupla tributação celebrada por Portugal, a aplicação do método da imputação normal para eliminar a dupla tributação deve observar as regras do artigo 91.º do Código do IRC.

 

Ou seja, é reconhecido que o método da imputação normal, diferentemente do método da imputação integral, pode redundar na impossibilidade de dedução da totalidade do imposto pago no estrangeiro no Estado de residência do beneficiário, ou até na impossibilidade de dedução alguma quando o rendimento obtido no outro Estado líquido dos encargos conexos com a sua obtenção seja nulo ou negativo.

 

Cabe concluir que a aplicação do disposto no artigo 25.º, n.º 3, alínea a), da CDT, em conformidade com a regra prevista no artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC para o cálculo do montante máximo da dedução do imposto pago nos Estado Unidos, não coloca em crise o princípio do primado ou da prevalência das convenções internacionais perante a lei interna.  

 

Por outro lado, não tem aplicação o reporte, para os exercícios seguintes, do montante do imposto pago nos EUA que não fosse considerado em 2016.

 

Segundo o artigo 91.º, n.º 4, do Código do IRC, a regra do reporte tem como ponto de partida o montante do crédito de imposto passível de dedução, calculado segundo as regras previstas no n.º 1, que, por ausência ou insuficiência de coleta do IRC no exercício em que os rendimentos obtidos no estrangeiro são incluídos na matéria coletável, não possa ser deduzido. Porém, no caso em análise, a regra de reporte não é aplicável porque, como se demonstrou, o montante do crédito de imposto determinado nos termos do artigo 91.º, n.º 1, alínea b), é nulo.

 

Acresce que o valor de € 272.697,40, ainda que não tenha sido considerado a título de crédito por dupla tributação internacional, não é dedutível como gasto para efeitos fiscais nos termos do artigo 23.º do Código do IRC. Ainda que se considere que os impostos sobre o rendimento pagos no estrangeiro não são abrangidos pela exclusão que resulta do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a), a dedutibilidade desse gasto sempre seria afastada pelo artigo 68.º, n.º 1 do Código do IRC, que dispõe que  “na determinação da matéria coletável sujeita a imposto, quando houver rendimentos obtidos no estrangeiro que deem lugar a crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, nos termos do artigo 91.º, esses rendimentos devem ser considerados, para efeitos de tributação, pelas respetivas importâncias ilíquidas dos impostos sobre o rendimento pagos no estrangeiro”.

 

Quanto à alegada violação do princípio da tributação pelo lucro real, deve ter-se em consideração que esse princípio não é absoluto, como resulta do artigo 104.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual, a tributação das empresas incide "fundamentalmente" sobre o seu rendimento real e poderá ter em linha de conta outros princípios e normas constantes de diplomas legais infra-constitucionais.

 

Conclui pela improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações escritas por não haver novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJA e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 15 de março de 2022.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa tidos como assentes são os seguintes.

 

A) A Requerente é a sociedade dominante do “Grupo C...”, que se encontra enquadrado no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS). 

 

 

B) O período de tributação de 2016 do Grupo situou-se entre 1 de julho de 2016 e 31 de dezembro de 2016, passando a Requerente a adotar, no ano de 2017, um período de tributação coincidente com o ano civil.

C) A Requerente celebrou, em 2016, um contrato de locação de um conjunto de equipamentos à sociedade C... Inc., sociedade de direito americano com sede nos EUA.

D) Com referência a 2016, a Requerente faturou, a título de rendas daquele contrato, o montante de € 2.726.974,00, tendo procedido ao correspondente registo contabilístico pelo seu valor bruto. 

E) Para obtenção dos rendimentos em causa, a Requerente reconheceu gastos com depreciações no valor total de € 5.459.460,89.

F) A C... Inc. procedeu à retenção na fonte do valor de € 272.697,40, correspondente a 10% do valor das rendas.

G) A Requerente inscreveu no campo 6, do quadro 14, da Declaração Modelo 22 de IRC referente ao período de 2016, o montante de € 272.697,40, correspondente ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional prevista no artigo 91.º do Código do IRC.

H) A Requerente, na qualidade de sociedade dominante do Grupo C..., inscreveu aquele mesmo valor na Declaração Modelo 22 de IRC de 2016 do Grupo, sendo o valor de € 272.697,40 deduzido à coleta do Grupo.

I) A Requerente, enquanto sociedade individual, foi objeto de uma ação de inspeção incidente sobre o período de tributação de 2016, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2019..., da qual resultou uma correção tributária no montante de € 272.679,40, com a consequente redução a zero do crédito de imposto por dupla tributação internacional.

J) A correção tributária encontra-se fundamentada no Relatório de Inspeção Tributária nos seguintes termos:

 

III.2.1.2

Crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional

[…]

Análise

A sociedade A... SA inscreveu no campo 6, do quadro 14 - Crédito de Dupla Tributação Jurídica Internacional, da Declaração de Rendimentos de IRC (individual) referente ao período de 2016, o montante de 272.679,40 Euro, a título de imposto pago no estrangeiro.

Este montante considerado como imposto pago nos Estados Unidos da América corresponde a 10% do saldo da conta SNC #781233100 alug.Eq/lnsta.Fabr», no montante de 2.726.794,00 Euro referente aos recebimentos de um contrato de locação celebrado com a sociedade B... dos meses de outubro e dezembro.

Nos termos do n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRC, no ano em que o contribuinte reconhece o rendimento na base tributável é lhe conferido o direito a crédito de imposto por dedução à coleta de IRC da menor das seguintes importâncias:

 

  1. Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;
  2. Fração do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, acrescidos da correção prevista no n.º 1 do artigo 68.º, líquidos dos gastos direta ou indiretamente suportados para a sua obtenção;
  3. Imposto a pagar no estrangeiro nos termos da CDT celebrada entre o país em causa e Portugal.

Com base nos elementos fornecidos pelo contribuinte a esta inspeção, aquando do recebimento das rendas do contrato de locação, entre esta sociedade e a sua participada norte-americana, foi retido imposto no valor total de 272.679,40 Euro, correspondente a 10% das rendas de 2016 (no total de 2.726.794,00 Euro).

Para a obtenção das rendas no valor de 2.726.794,00 Euro, a A... reconheceu gasto com depreciações no valor total de 5.459.460,89 Euro pelo que não existe qualquer ganho líquido o que determina que a fração de IRC (para efeitos da al. b) do n.º 1 do artigo 91º Código do IRC) é zero.

Questionada a sociedade por correio eletrónico em 2019-11-13, para justificar o crédito por dupla tributação jurídica internacional no quadro 14 da declaração modelo 22 no que se refere ao imposto retido na fonte sobre as rendas recebidas da B... no montante de 272.679,40 Euro, atendendo ao enquadramento do n.º 1 do art. 91.º do CIRC e à inclusão nas suas contas de gastos com depreciações dos equipamentos objetos de locação no montante de 5.459.460,89 Euro, não foi obtida qualquer resposta até à data deste relatório.

Assim,

Em função dos valores declarados pelo contribuinte como gastos e rendimentos associados ao contrato de locação entre esta sociedade e a sua participada B..., é indevido o crédito de imposto reclamado no valor de 272.679,40 Euro, nos termos do n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRC.

Conclusão

A sociedade A... SA considerou como crédito de imposto, o montante de 272.679,40 Euro resultante da aplicação da taxa de 10% conforme a convenção celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América ao total das rendas de locação cobradas à B... sendo que, nos termos do n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRC, para os rendimentos líquidos dos gastos inerentes à sua obtenção, que a A... declarou incluídos no seu resultado tributável é indevido qualquer crédito por DTJI;

Assim, em resultado da al. b) do n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRC, não há qualquer ganho líquido pelo que resulta uma correção ao direito ao crédito de imposto DTJI invocado de 272.679,40 Euro.

L) O Grupo C... foi objeto de uma ação de inspeção incidente sobre o período de tributação de 2016, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2019..., destinada a refletir as correções efetuadas a algumas das sociedades do Grupo, incluindo no tocante ao crédito de imposto por dupla tributação internacional a que se refere a antecedente alínea I;

M) A correção tributária encontra-se fundamentada no Relatório de Inspeção Tributária nos seguintes termos:

 

III.2. Correções ao cálculo do imposto do grupo - IRC

Tendo em conta o disposto no artigo 115.º do Código do IRC, o pagamento do imposto incumbe à sociedade dominante. Assim, as correções efetuadas às empresas individuais ao nível do cálculo do imposto, serão refletidas no imposto a pagar pelo grupo, de acordo com o estipulado naquele normativo, pelo que serão efetuadas as respetivas correções conforme pontos seguintes.

III.2.1 Redução do Crédito de imposto por Dupla Tributação Jurídica internacional resultante de regularizações voluntárias no âmbito da sociedade individual "A... SA": 272.697,40 Euro

No cumprimento da Ordem de Serviço n.º 012019..., realizou-se um procedimento de inspeção externo de âmbito geral, relativo ao período de 2016, da sociedade A... S.A., com o NIF ... .

A sociedade A... SA durante o procedimento inspetivo realizou uma regularização voluntária de 272.697,40 Euros através da entrega da Declaração Modelo 22 de substituição de IRC, em 2020-ago-06, a que foi atribuído o registo 2232-C1625-2, inscrevendo nos campos 6 e 7 do quadro 14 da Declaração de Rendimentos de IRC, referentes ao crédito de imposto e à dedução efetuada no período, respetivamente, o valor zero, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 91.º do Código do IRC.

A última Declaração Modelo 22 de IRC submetida para a tributação pelo RETGS do GRUPO C... no período de 2016, indica a constituição de um crédito de imposto por Dupla Tributação Jurídica Internacional no total de 272.697,40 Euros comprovando-se que não reflete a supra referida regularização voluntária promovida peia sociedade A... SA.

Assim, procederemos à correção ao montante do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional constituído pelo grupo no período de 2016

III.2.2. Correções ao consumo de Crédito de Imposto por Dupla Tributação Jurídica Internacional: 272.697,40 Euro

Para efeitos da dedução a que se refere a al. a) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, considerou a sociedade dominante a utilização de crédito de imposto por Dupla Tributação Jurídica Internacional no valor total de 272 697,40 Euro, conforme reflete o Quadro 10 da Declaração Modelo 22 de IRC base de análise, correspondente à dotação do período que o grupo invoca.

Na sequência do descrito no ponto III.2.1. o crédito de imposto por Dupla Tributação Jurídica Internacional do Grupo C... no período de 2016 foi fixado em zero.

Assim, de acordo com a al. a) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, procederemos à correção ao imposto declarado no campo 355 do quadro 10, Dupla Tributação Jurídica Internacional, assim como nos campos 6 e 7 do quadro 14, ambos da Declaração de Rendimentos de IRC, no montante de 272.697,40 Euro, ficando inscrito nos campos mencionados o valor zero.

 

N) A correção tributária determinou, relativamente ao Grupo C..., a liquidação adicional de IRC de 2016 com o n.º 2020 ..., as liquidações de juros compensatórios com os n.ºs 2020 ..., 2020 ... e 2020 ... e a liquidação de juros de mora com o n.º 2020 ..., em que se apurou o valor a pagar de € 2.697.180,31.

O) Em 3 de maio de 2021, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRC e as liquidações de juros compensatórios e de juros de mora, que foi indeferida parcialmente por despacho do Diretor do Serviço Central de 21 de setembro de 2021, praticado ao abrigo de delegação de competências, e notificado à Requerente em 7 de outubro seguinte.

P) A decisão da reclamação graciosa anulou a liquidação de juros compensatórios n.º 2020..., no valor de € 8.053,36, referente a atraso na liquidação de pagamentos por conta, bem como a liquidação de juros de mora com o n.º 2020 ... também referente a pagamentos por conta, e a liquidação de juros compensatórios n.º 2020 ... após 28 de outubro de 2020, no total de 22 dias.

Q) No presente pedido arbitral está em causa a liquidação adicional de IRC n.º 2020..., e os correspondentes juros compensatórios, que constitui o documento n.º 2 junto ao pedido.

R) A decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa encontra-se fundamentada nos seguintes termos:

 

11. Está aqui em causa a aplicação dos artigos 25.º  n.o 3 alínea a) da CDT Portugal/EUA e 91.º, no 1 alínea b) do CIRC.

12. De acordo com a reclamante, não é possível concordar com a posição da AT segundo a qual:

- não existiu qualquer ganho líquido com a locação de equipamentos concretizada nos EUA;

- sendo a fração de IRC prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC de € 0,00, tal impede a dedução de qualquer valor a título de crédito de imposto.

13. Na sua perspetiva, no que respeita à dedução a título de crédito de imposto a realizar no Estado da residência (no caso, Portugal), prevalece o disposto na Convenção em relação ao que dispõe o ordenamento jurídico interno do país da residência (por força do artigo 8.º n.º 2 da Constituição), o qual é mais restritivo, uma vez que impõe que, para efeitos do cálculo do referido crédito, devem ser considerados os gastos direta ou indiretamente suportados para a obtenção do rendimento.

14. Conclui, assim, que o cálculo do crédito de imposto deverá ter por referência o rendimento bruto, e não o rendimento líquido dos gastos e perdas incorridos para a sua obtenção, devendo ser este o critério a utilizar pela AT.

Vejamos.

15. Importa começar por sublinhar que os SIT não colocaram em causa que foi pago o valor de € 272.679,40, a título de imposto nos EUA relativamente a rendas do contrato de locação celebrado com a sociedade Columbo, sedeada nesse país. Tal valor, segundo concluíram os mesmos SIT correspondeu a das rendas recebidas em 2016.

  1. Posto isto, fixemo-nos em concreto na questão que traz a reclamante.

17. Estamos perante uma situação de DTJI quando o mesmo rendimento, na esfera do mesmo sujeito passivo, é tributado no mesmo período de tributação em diferentes Estados.

18. Como é sabido, o principal instrumento que os Estados têm para prevenir, eliminar ou atenuar a DTJI é a via consensual, concretizada através da celebração de Convenções.

19. As Convenções são, assim, fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários, não existindo no Direito interno português ato de transformação do Direito convencional em Direito interno, pelo que as normas constantes de tais Convenções são diretamente aplicáveis na ordem interna, conforme determina o artigo 8.º da Constituição.

20. As Convenções para eliminar a dupla tributação celebradas por Portugal baseiam-se na sua generalidade no Modelo de Convenção de Dupla Tributação proposto pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico).

21. Por um lado, este Modelo de Convenção limita-se a traçar uma redação convencional que as partes deverão seguir na elaboração das Convenções a celebrar, sem, porém, se sobrepor às condições bilaterais concretamente acordadas entre os Estados, no caso de o respetivo conteúdo não constar da Convenção que estes celebrem.

22. Por outro lado, não visa atribuir aos Estados pretensões tributárias que não tenham suporte nas suas leis internas, mas apenas limitar, por via convencional, as pretensões tributárias que as suas leis internas já preveem.

23. Portanto, para que a tributação seja válida não basta a existência de urna norma convencional que a permita, sendo igualmente necessária uma norma interna que a imponha.

24. A par dos artigos que formam o Modelo de Convenção propriamente dito, estão também os Comentários, elaborados pelo Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE, que constituem um elemento interpretativo útil para determinar o sentido das normas que o Modelo propõe, sendo utilizados regularmente pelas administrações fiscais dos Estados contratantes, pelos contribuintes e pelos tribunais como fonte de interpretação possível.


25. O Comité de Assuntos Fiscais da OCDE considera que a interpretação das Convenções para evitar a dupla tributação deve ser efetuada de acordo com os comentários mais recentes, mesmo no caso de Convenções celebradas anteriormente.

26. Todavia, esta posição, que implica urna interpretação atualista das Convenções com base em comentários supervenientes não é pacífica na doutrina, quer a nível nacional quer a nível internacional, como bem explica Gustavo Courinha no aludido artigo, publicado na Revista Fiscalidade p. 37, onde defende a posição, também sustentada por Rui Morais, de que uma Convenção baseada no Modelo da OCDE deve ser interpretada apenas à luz dos comentários vigentes à data da sua celebração, por serem estes os que as partes contratantes, supostamente, tiveram presente ao celebrarem um tal acordo.

27. Na parte introdutória ao Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património é inclusivamente destacado o facto de "as disposições da Convenção Modelo serem acolhidas no mundo inteiro e, dada a sua inserção na major parte das convenções bilaterais, contribuíram para fazer dos comentários respeitantes às disposições da Convenção Modelo um guia amplamente reconhecido na interpretação e aplicação das disposições das convenções bilaterais existentes. Isto facilitou a interpretação e a aplicação dessas convenções bilaterais segundo princípios comuns.

28. Reitere-se, por outro lado, que os comentários ao Modelo de Convenção foram elaborados por um conjunto de especialistas em matérias fiscais mandatados pelos Estados membros da OCDE, constituindo um elemento interpretativo útil na descoberta do sentido das normas que o Modelo propõe, sendo utilizados como fonte de interpretação possível.

29. Não obstante o exposto, entendeu-se no Acórdão do CAAD, processo n.º 369/2015-T - citado pela reclamante no seu requerimento - que "no tocante às royalties, a solução acolhida na CDT Portugal— Cabo Verde (e, também, na generalidade das convenções celebradas por Portugal) se afasta do preconizado no MOCDE, porquanto este consagra a regra da competência exclusiva do estado da residência para tributar este tipo de rendimentos.

Assim sendo, o problema do montante do crédito de imposto (do valor a ser deduzido pelo estado da residência, relativo ao imposto pago no estado de fonte) não se coloca, no âmbito do MOCDE, quanto às royalties. Esta constatação assume alguma relevância na análise do caso concreto, uma vez que os Comentários ao n.º 1 do Artigo 23.º-B da Convenção Modelo da OCDE, em que a AT se louva para estribar o seu entendimento, não poderão ser entendidos como referindo-se ao caso das royalties, pela simples razão de que, na economia deste Modelo de Convenção, nenhuma questão de dupla tributação internacional se suscita quanto a estes rendimentos".

30. Ora, a nosso ver, a posição defendida no aludido Acórdão não se afigura a mais acertada.

31. Com efeito, é certo que na CDT Portugal/Cabo Verde e, já agora, na CDT Portugal/EUA (artigo 13.º nº 2) se prevê a possibilidade de as royalties serem tributadas no Estado de que provêm, ao contrário do previsto na Convenção Modelo (artigo 12.º da Convenção Modelo OCDE).

 32. É também verdade que, a respeito da tributação dos royalties, nas convenções que seguirem o Modelo OCDE não se registaram questões de aplicabilidade do dispositivo referente à eliminação da dupla tributação internacional.

33. Contudo, tanto na CDT Portugal/Cabo Verde, como CDT Portugal/EUA existem diversas regras de tributação de tipos de rendimentos que seguiram, de uma forma geral, as cláusulas previstas na Convenção Modelo para o efeito e que, naturalmente, geram questões de aplicabilidade do dispositivo referente à eliminação da dupla tributação internacional.

34. Focando-nos na CDT Portugal/EUA, é seguro referir que, ao nível da tributação dos rendimentos de bens imobiliários, dividendos, juros, lucros de empresas, no caso de exercerem a sua atividade no outro estado contratante por meio de estabelecimento estável, e de mais-valias, entre outros, as disposições aí previstas seguem, de uma forma geral, o que se encontra previsto na MOCDE, prevendo-se a possibilidade de tributação nos dois Estados Contratantes.

35. Aplicando a lógica do Acórdão do CAAD n.º 369/201 5-T a situações relacionadas com estes tipos de rendimentos, obteríamos a conclusão de que, nestes casos, os Comentários ao n. 1 do Artigo 23.º-B da Convenção Modelo da OCDE já seriam relevantes, pois relativamente a eles se colocavam questões relacionadas com a dupla tributação internacional.

36. Assim, de acordo com o aludido Acórdão, o artigo 25.º da CDT Portugal/EUA seria passível de duas interpretações, consoante a tributação de rendimentos que estivesse em causa.

37. Segundo o Acórdão, no caso de tributação de royalties, a interpretação do termo "rendimentos", prevista no artigo 25.º n.º 3 alínea a) da CDT Portugal/EUA, seria a de rendimentos brutos.

38. Seguindo a lógica do Acórdão, a interpretação do termo rendimentos, prevista no artigo 25.º n.º 3 alínea a) da CDT Portugal/EUA, poderia ser a atribuída pelos Comentários ao no 1 do Artigo 23.º-B da Convenção Modelo da OCDE.

39. Ora, com o devido respeito, não podemos aceitar a validade desta posição.

40. Na verdade, o facto de a disposição sobre a tributação de royalties na CDT Portugal/EUA se afastar do Modelo OCDE não determina, por si só, um tratamento distinto deste tipo de rendimento ao nível da eliminação da dupla tributação internacional.

             41. Onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir.

42. Assim, entendemos que a interpretação e aplicação do disposto no artigo 25.º n.º 3 alínea a) da CDT Portugal/EUA se deverá efetuar de forma uniforme, independentemente do tipo de rendimento em causa.

43. Assim, demonstrada a relevância dos comentários aos artigos da convenção modelo para efeitos de interpretação das Convenções celebradas entre os diversos países para eliminar a dupla tributação, apuremos agora se os comentários efetuados ao artigo 23.º-B (método de imputação) nos fornecem algum contributo para a solução da questão acima colocada.

44. Refira-se desde já que os comentários ao Modelo de Convenção da OCDE são perfeitamente aplicáveis à CDT Portugal/EUA, pelo que, na falta de demonstração em contrário, a interpretação veiculada no comentário ao artigo 23.º-B da Convenção modelo é perfeitamente admissível e aplicável ao artigo 25.º da CDT Portugal/EUA.

45. No parágrafo 40 dos comentários ao no 1 do artigo 23.º-A do Modelo de Convenção da OCDE (método da isenção) é referido, a propósito da importância a isentar, que "normalmente a base de cálculo do imposto sobre o rendimento é o rendimento líquido total, ou seja, o rendimento bruto menos as deduções autorizadas. É, pois, o rendimento bruto proveniente do Estado da fonte menos todas as deduções autorizadas (específicas ou proporcionais) conexas com a aquisição desse rendimento que deve ser isento".

46. Também nos comentários ao artigo 23.º -B da Convenção Modelo da OCDE (método de imputação), concretamente no parágrafo 63, é destacado que 'ta dedução máxima é normalmente calculada do mesmo modo que o imposto sobre o rendimento líquido, ou seja, sobre o rendimento do Estado [da fonte do rendimento] menos as deduções autorizadas (específicas ou proporcionais) conexas com tais rendimentos (…) Por esse motivo, a dedução máxima, em muitos casos, pode ser inferior ao imposto efetivamente pago no Estado [da fonte do rendimento]".

47. Como se pode verificar, é afirmado expressamente no comentário que, quer o apuramento do montante dos rendimentos a isentar do imposto (método de isenção), quer o cálculo da dedução máxima do imposto (método de imputação), é feito por referência ao rendimento que teria ficado sujeito a imposto interno sobre o rendimento, isto é, o rendimento líquido.

48. Vista a interpretação acolhida nos comentários ao artigo 23.º-B do Modelo de Convenção da OCDE, que identifica o rendimento líquido como base de cálculo do imposto para efeitos de dedução, analise-se de seguida a interpretação alternativa apresentada pela reclamante.

49. Como vimos, para a reclamante a fração de imposto a deduzir deve ser determinada por referência ao rendimento bruto, uma vez que, em seu entender, a Convenção não estabelece que o rendimento em causa deve ser líquido dos gastos suportados com a sua obtenção.

50. Ora, face ao que foi referido, este argumento não colhe, uma vez que o sentido do termo "rendimentos" previsto na alínea a) do n.º 3 artigo 25.º da CDT Portugal/EUA reporta-se a rendimentos líquidos.

51. Deste modo, os SIT agiram em conformidade com esta norma ao apurar e considerar os encargos incorridos para a obtenção do rendimento sujeito a imposto nos EUA, sendo este o valor relevante para efeitos de dedução por CIDTJI.

52. Refere a reclamante que, ainda que o valor de € 272.697,40 não seja/fosse deduzido em 2016, o mesmo deve ser reportado para 2017 e exercícios seguintes, ao abrigo do artigo 91.º no 4 do CIRC.

53. Não podemos concordar com tal pretensão da reclamante, uma vez que a dedução prevista no n.º 1 do artigo 91.º do CIRC que se apurou ser a que está em conformidade foi de € 0,00.

54. O no 4 do artigo 91.º do CIRC é claro quando refere que sempre que não seja possível efetuar a dedução a que se refere o n.º 1 (…).

55. Ora, se a dedução decorrente da aplicação do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC é de € 0,00 nenhum valor fica por deduzir em exercícios posteriores, ainda que aí houvesse coleta para abarcar tal dedução.

56. Mais à frente na petição, a reclamante invoca que, na determinação dos "gastos direta ou indiretamente suportados para a sua obtenção "a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC não podem ser incluídos os gastos com as depreciações dos equipamentos em causa porquanto tendo as depreciações uma natureza de gastos operacionais, inerentes à atividade industrial do Grupo C..., tal impede que possam ser considerados como tendo sido suportados apenas para a obtenção das rendas pagas peia Columbo.

57. Contrariamente ao que pretende fazer notar a reclamante, a lei e concretamente a alínea b) do n.º 1 do artigo 91.ºdo CIRC não faz qualquer distinção quanto aos gastos que são ou não considerados no apuramento da 'fração do IRC" aí prevista.

58. A norma em apreço refere "gastos direta ou indiretamente suportados" para a obtenção dos rendimentos obtidos em país estrangeiro, portanto apenas exige uma conexão com os rendimentos, que pode até ser indireta.

59. Portanto, mesmo que se considerasse que os gastos em causa são gastos operacionais inerentes à atividade do Grupo C... tal não impediria a sua consideração, para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC, a partir do momento em que os mesmos foram incorridos para obter ou garantir os rendimentos em questão.

60. Noutra vertente das suas alegações, a reclamante sustenta que a aplicação do regime previsto no artigo 91.º do CIRC tal como sustentado pela AT, mostra-se incompatível com o Direito da União Europeia, em particular com o disposto no artigo 63.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

61. Concretiza referindo que "da aplicação das normas do artigo 91.º do Código do IRC, que limitam a dedução do valor do imposto pago no estrangeiro à fração do IRS correspondente aos rendimentos que possam aí ser tributados mas líquidos dos gastos que lhes sejam direta ou indiretamente imputáveis, resulta um tratamento menos favorável e a sujeição a uma carga fiscal superior dos sujeitos passivos que invistam no estrangeiro face àqueles que se limitem a fazê-lo em território nacional".

62. Cumpre, neste âmbito, começar por referir que a alínea b) do n.º 1 do artigo 91 .o do CIRC quando dispõe, em matéria de eliminação da dupla tributação jurídica internacional, que a importância deduzida não poderá exceder a quantia que corresponderá, nos termos da lei, ao IRC que incida sobre os rendimentos que possam ser tributados no país da fonte, líquidos dos gastos direta ou indiretamente incorridos para a sua obtenção, está a seguir a mesma limitação que a CDT Portugal/EUA estabelece, quando dispõe no artigo 25.º n.º 3 alínea a) que "A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a {ração do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nos Estados Unidos".

63. Por conseguinte, quando a CDT Portugal/EUA estabelece que a "fração do IRC" se determina sobre o rendimento que pode ser tributado nos EUA está a remeter para o impacto que esses rendimentos tiveram na tributação em território português.

64. Com efeito, a tributação em Portugal, nos termos do CIRC, incide sobre o "lucro" do negócio, que se obtém pela dedução aos rendimentos de todos os gastos inerentes à sua obtenção, pelo que a "fração do IRC" não pode ser determinada pela aplicação da taxa ao total de rendimentos brutos mas sim sobre os rendimentos líquidos.

65. Ora, dispondo a lei interna, na temática do CIDTJI, no mesmo sentido que dispõe a CDT Portugal/EUA (regularmente adotada pelo Estado Português e publicada na forma legal), ou seja, observando o Direito Internacional o qual prevalece sobre o direito interno infraconstitucional, em tudo o que seja conflituante com este, nos termos do artigo 8.º n.º 2 da Constituição — não tem razão de ser a argumentação da reclamante de que o mecanismo previsto no artigo 91.º do CIRC mostra-se incompatível com o Direito da União Europeia, em particular com o disposto no artigo 63.º  n.º 1 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

66. Reitera-se: a lei interna está em conformidade com um tratado internacional a que Portugal se vinculou.

67. Deste modo, estando a ser observado o disposto por um instrumento de Direito Internacional (as Convenções celebradas entre Estados) parece-nos desajustado o argumento de que houve violação do Direito Comunitário quando se entendeu ser de aplicar o disposto no artigo 91.º n.º 1 do CIRC.

68. Acresce que, a seguir-se o entendimento da reclamante poderia estar em causa a possibilidade de aplicar o mecanismo de eliminação da dupla tributação jurídica internacional, previsto em inúmeras Convenções celebradas por Portugal com outros países, e também na lei interna.

69. Não é comparável a dedução correspondente à DTJI com a dedução referente a retenções na fonte, prevista na alínea e) do nº 2 do artigo 90.º do CIRC.

70. Cada uma destas deduções tem um enquadramento próprio: uma respeita a rendimentos obtidos no estrangeiro, em que o Estado da fonte e o Estado da residência têm competência para tributar, impondo-se a este último o dever de eliminar ou atenuar a dupla tributação (alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC), a outra refere-se a rendimentos obtidos em Portugal e cá sujeitos a tributação, através de retenção na fonte, portanto sem conexão com outro(s) Estado(s) (alínea e) do referido n.º 2).

71. Ora, não pode ser tratada da mesma forma uma situação já tributada no estrangeiro e novamente tributada em Portugal de uma situação apenas tributada em Portugal.

72. Dada a especificidade de cada uma destas situações, naturalmente que a dedução que lhe corresponderá terá que ter previsão legal própria.

73. Em face do exposto, não podemos concordar com a afirmação da reclamante de que da aplicação do artigo 91.º do CIRC resulta uma divergência com o Direito da União Europeia, particularmente com o disposto no artigo 639 n.º 1 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

74. Por fim, ainda no que respeita à correção acima identificada, defende a reclamante (sem prescindir do que anteriormente expôs) que o valor de € 272.697,40, a não ser considerado a título de CIDTJI, deverá ser considerado dedutível como gasto, nos termos do artigo 23º do CIRC.

75. Salvo melhor opinião em contrário, também aqui não tem razão a reclamante.

76. De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, não são dedutíveis para efeitos fiscais, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação, "[o] IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros".

77. Donde resulta, parece-nos evidente, que não pode ser aceite como gasto fiscal, em sede de IRC, o valor do imposto sobre os rendimentos apurado fora do território português (cf. neste sentido, Informação Vinculativa correspondente ao processo 2016 003401, sancionado por despacho, de 29/05/2017, da Subdiretora Geral da Área de Gestão Tributária - IR).

S) o pedido arbitral deu entrada em 4 de janeiro de 2022.

 

Factos não provados

 

Não há factos não provados que revelem para a decisão da causa.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos com a petição inicial e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.

 

Matéria de direito

5. A Requerente pretende que a dedução à coleta de IRC por dupla tributação internacional, ao abrigo do disposto no artigo 90.º, n.º 2, alínea a), do Código do IRC, tenha por base o imposto pago nos Estados Unidos da América incidente sobre os rendimentos brutos aí obtidos, em aplicação do disposto no artigo 25.º, n.º 3, alínea a), da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e Estados Unidos da América, que, enquanto norma de direito internacional, prevalece sobre a disposição de direito interno do artigo 91.º, n.º 1, daquele Código.

 

A Autoridade Tributária contrapõe que não existe qualquer conflito entre a regra de cálculo do limite máximo da dedução do crédito de imposto constante do artigo 91.º, n.º 1, do Código do IRC e o disposto no artigo 25.º, n.º 3, alínea a), da CDT entre Portugal e os EUA, na medida em que a eliminação da dupla tributação jurídica internacional, nos termos previstos nessa disposição da CDT, não impede que o legislador nacional, na determinação do quantum do crédito de imposto, aplique o disposto no artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC. E numa interpretação conjugada entre essas disposições, a determinação da “fração do IRC” deve basear-se no valor líquido dos rendimentos obtidos nos EUA e aí tributados, deduzindo ao respetivo valor bruto os gastos diretos ou indiretamente suportados para a sua obtenção, no caso, os gastos contabilizados com as depreciações dos equipamentos locados à B... Inc.

 

Deve começar por dizer-se que não existe divergência entre as partes quanto à qualificação dos rendimentos em causa como royalties, face à definição constante do n.º 3 do artigo 13.º da Convenção Portugal-EUA, que aí inclui, entre outras, “as retribuições de qualquer natureza atribuídas ou pagas pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico”, como será o caso dos rendimentos resultantes de um contrato de locação de equipamentos a uma sociedade de direito norte americano.

 

O dissídio centra-se no cálculo do montante do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, ou seja, na possibilidade de dedução à coleta do IRC, nos termos previstos no artigo 90.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, da totalidade do imposto pago nos EUA, ao abrigo do artigo 25.º, n.º 3, alínea a), da CDT.

 

As disposições convencionais que interessa considerar estatuem nos seguintes termos:

 

Artigo 13.º

 Royalties

1- As royalties provenientes de um Estado Contratante e pagas a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributadas nesse outro Estado.

2- Todavia, essas royalties podem ser igualmente tributadas no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado, mas se o beneficiário efetivo das royalties for residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não poderá exceder 10% do montante bruto das royalties.

(…).

 

 

Artigo 25.º

Eliminação da dupla tributação

(…)

  1.  - No caso de Portugal:
  1. Quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam se tributados nos Estados Unidos com base noutro critério que não seja o da cidadania, Portugal permitirá a dedução do imposto sobre o rendimento desse residente de uma importância igual ao imposto de rendimento pago no Estados Unidos. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre o rendimento calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nos Estados Unidos;

(…).

 

Por outro lado, o artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC é do seguinte teor: 

1– A dedução a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º é apenas aplicável quando na matéria coletável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro e corresponde à menor das seguintes importâncias:

  1. Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;
  2. Fração do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, acrescidos da correção prevista no n.º 1 do artigo 68.º, líquidos dos gastos direta ou indiretamente suportados para a sua obtenção.

 

Conclui a Requerente, à luz destes preceitos, que o imposto que os EUA podem lançar sobre as royalties incide sobre o montante bruto e não sobre o montante líquido, pelo que é esse montante que deve ser tido em conta para efeitos de determinação da fracção do imposto sobre o rendimento a calcular nos termos do artigo 25.º n.º 3, alínea a), da Convenção Portugal-EUA, e, nesse sentido, a disposição do artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC é necessariamente mais restritiva que a disposição convencional, pondo em causa o primado do direito internacional.

 

Em contraposição,  a Autoridade Tributária põe em destaque a distinção estabelecida entre o artigo 13.º, n.º 2, da CDT, que se refere à incidência do imposto no Estado da fonte sobre rendimentos brutos e o artigo 25.º, n.º 3, alínea a), que se refere à fração do imposto sobre o rendimento calculado sobre os “rendimentos que podem ser tributados nos EUA”, o que é interpretado como significando uma remissão para a lei interna do Estado de residência do beneficiário quanto à definição do modo de cálculo do limite máximo da dedução do imposto pago no outro Estado. De onde resulta, ainda segundo a Administração, que, na ausência de qualquer disposição específica, em convenção para evitar a dupla tributação internacional, em sentido contrário ao estabelecido no artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, o método de imputação para eliminar a dupla tributação deverá observar as regras de direito interno.  

 

 

A Requerida socorre-se ainda dos Comentários aos artigos 23.º-A e 23.º-B do MCOCDE, para considerar que o método da imputação normal, diferentemente do método da imputação integral, pode redundar na impossibilidade de dedução da totalidade do imposto pago no estrangeiro no Estado de residência do beneficiário, ou até na impossibilidade de dedução alguma quando o rendimento obtido no outro Estado líquido dos encargos conexos com a sua obtenção seja nulo ou negativo. 

 

 

6. Começando por analisar este último aspeto da questão, cabe observar – conforme esclarece, em situação similar, o acórdão proferido no Processo n.º 369/2015-T, que aqui se acompanha de perto - que, no tocante às royalties, a solução acolhida na CDT Portugal-EUA, e na generalidade das convenções celebradas por Portugal, afasta-se do preconizado na Convenção Modelo da OCDE, e especialmente do disposto no seu artigo 12.º, n.º 1, onde se estabelece que “[a]s royalties provenientes de um Estado contratante e pagas a um residente do outro Estado contratante só podem ser tributadas nesse outro Estado”. A Convenção Modelo consagra, por conseguinte, uma regra da competência exclusiva do estado da residência para tributar este tipo de rendimentos, ao passo que o artigo 13.º da CDT Portugal-EUA prevê uma competência cumulativa dos dois estados contratantes para tributar as royalties: o estado da fonte tributará os rendimentos brutos a uma taxa, que não pode exceder um valor de 10%, e o estado da residência deduzirá o valor desta coleta à do seu imposto, calculado numa base mundial, no qual se incluem os rendimentos brutos obtidos no outro país (isto é, o rendimento efetivamente obtido acrescido do imposto aí pago).

 

E, assim sendo, como se afirma no acórdão citado, o problema do montante do crédito de imposto (do valor a ser deduzido pelo estado da residência, relativo ao imposto pago no estado de fonte) não se coloca, quanto às royalties, no âmbito da Convenção Modelo da OCDE, sendo irrelevantes para a análise do caso concreto os Comentários aos artigo 23.º-A e 23.º-B da Convenção, que não poderão ser entendidos como referindo-se às royalties, visto que, no quadro da Convenção, nenhuma questão de dupla tributação internacional se suscita quanto a estes rendimentos.

 

Deste modo, tendo em conta o disposto no artigo 25.º, n.º 3, da CDT Portugal-EUA, haverá de entender-se que, no caso das royalties, o imposto pago no país da fonte, incidente sobre rendimentos brutos, é dedutível à coleta do IRC, calculada com base no rendimento mundial do sujeito passivo, incluindo os originados pela produção dos rendimentos obtidos no estrangeiro. Por outro lado, o limite estabelecido na parte final do n.º 3 do artigo 25.º da CDT (a importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fração do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nesse outro Estado) apenas terá aplicação no caso de a taxa do IRC aplicável a um determinado contribuinte ser inferior à taxa a que os rendimentos foram sujeitos no estado da fonte. Ou seja, “a dedução máxima é equivalente à taxa do imposto do estado de residência aplicada sobre o rendimento obtido no outro estado” (cfr., neste sentido, Maria Margarida Cordeiro de Mesquita, “As Convenções sobre Dupla Tributação”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 179, 1988, pág. 290).

 

Acresce que só a dedução integral do imposto pago no estado da fonte à coleta do imposto do estado da residência  permite dar total concretização ao princípio da neutralidade na exportação de capitais que o método da imputação do crédito de imposto visa lograr: o imposto total a pagar pelo sujeito passivo (a soma do imposto a ser pago nos estados da fonte e da residência) deverá ser igual ao imposto que ele pagaria caso todo o seu rendimento tivesse origem no estado de residência.

 

Neste mesmo sentido, o acórdão tirado no Processo n.º 565/2016-T consigna o seguinte:

 

O objetivo primacial das CDT é eliminar ou, pelo menos, atenuar, a tributação decorrente da cumulação de competência internacional.

Ora, para o cálculo do imposto do Estado da residência, no caso o IRC - com uma base de incidência mundial - é considerada a matéria coletável que tem em consideração a totalidade dos rendimentos e, por isso, também os obtidos no estrangeiro, bem como os gastos suportados para a sua obtenção.

Daí que só a dedução integral do imposto pago no Estado da fonte (com os limites contidos na CDT), determinado a partir dos rendimentos brutos aí obtidos, permite alcançar o objetivo da total eliminação da dupla tributação.

 

Nestes termos, não tem aplicação, para efeito da dedução do crédito do imposto por dupla tributação internacional, a regra do artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, que frustraria parcialmente o objetivo de total eliminação da dupla tributação que pretende ser assegurado através da CDT Portugal-EUA.

 

E, por outro lado, tendo em consideração o princípio da primazia do direito internacional vinculativo para o Estado Português (artigo 8.º, n.º 2, da Constituição), as disposições convencionais prevalecem sobre a lei interna posterior de sentido contrário, pelo que não é circunstância de ter sido introduzidas, através da alteração ao artigo 91.º do Código do IRC, novas regras de imputação para eliminar a dupla tributação internacional, que permitem ajudar a interpretar o artigo 25.º, n.º 3, da CDT Portugal-EUA em sentido diverso, i.e. de modo menos restritivo, do que o previsto no referido artigo 91.º do Código do IRC.

O pedido arbitral mostra-se, por conseguinte, ser procedente.

 

Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

7. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRC, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

III – Decisão

Termos em que se decide:

  1. Julgar procedente o pedido arbitral e anular o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2020 ... e os correspondentes juros compensatórios, bem como a decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa contra eles deduzida;
  2. Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 310.210,61, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 5.508,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 15 de setembro de 2022

  

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

 

Miguel Silva Coutinho

 

O Árbitro vogal

           

António de Barros Lima Guerreiro (com declaração de voto)                            

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Ainda que possa não se concordar com a totalidade dos fundamentos invocados pela administração fiscal para a correção impugnada, a Decisão Arbitral à qual, nos termos do nº 5 do art. 22º do RJAT, se reporta esta Declaração de Voto soma erros de direito flagrantes, desconhece princípios fundamentais do Direito Internacional Tributário vinculativos do Estado português e não tem em conta a jurisprudência uniforme do STA sobre questões de direito essencialmente idênticas.

 

Tais erros concentram-se nas seguintes pronúncias: 

 

6. Começando por analisar este último aspeto da questão, cabe observar – conforme esclarece, em situação similar, o acórdão proferido no Processo n.º 369/2015-T, que aqui se acompanha de perto - que, no tocante às royalties, a solução acolhida na CDT Portugal-EUA, e na generalidade das convenções celebradas por Portugal, afasta-se do preconizado na Convenção Modelo da OCDE, e especialmente do disposto no seu artigo 12.º, n.º 1, onde se estabelece que “[a]s royalties provenientes de um Estado contratante e pagas a um residente do outro Estado contratante só podem ser tributadas nesse outro Estado”. A Convenção Modelo consagra, por conseguinte, uma regra da competência exclusiva do estado da residência para tributar este tipo de rendimentos, ao passo que o artigo 13.º da CDT Portugal-EUA prevê uma competência cumulativa dos dois estados contratantes para tributar as royalties: o estado da fonte tributará os rendimentos brutos a uma taxa, que não pode exceder um valor de 10%, e o estado da residência deduzirá o valor desta coleta à do seu imposto, calculado numa base mundial, no qual se incluem os rendimentos brutos obtidos no outro país (isto é, o rendimento efetivamente obtido acrescido do imposto aí pago).

 

E, assim sendo, como se afirma no acórdão citado, o problema do montante do crédito de imposto (do valor a ser deduzido pelo estado da residência, relativo ao imposto pago no estado de fonte) não se coloca, quanto às royalties, no âmbito da Convenção Modelo da OCDE, sendo irrelevantes para a análise do caso concreto os Comentários aos artigo 23.º-A e 23.º-B da Convenção, que não poderão ser entendidos como referindo-se às royalties, visto que, no quadro da Convenção, nenhuma questão de dupla tributação internacional se suscita quanto a estes rendimentos.

 

Deste modo, tendo em conta o disposto no artigo 25.º, n.º 3, da CDT Portugal-EUA, haverá de entender-se que, no caso das royalties, o imposto pago no país da fonte, incidente sobre rendimentos brutos, é dedutível à coleta do IRC, calculada com base no rendimento mundial do sujeito passivo, incluindo os originados pela produção dos rendimentos obtidos no estrangeiro. Por outro lado, o limite estabelecido na parte final do n.º 3 do artigo 25.º da CDT (a importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fração do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nesse outro Estado) apenas terá aplicação no caso de a taxa do IRC aplicável a um determinado contribuinte ser inferior à taxa a que os rendimentos foram sujeitos no estado da fonte. Ou seja, “a dedução máxima é equivalente à taxa do imposto do estado de residência aplicada sobre o rendimento obtido no outro estado” (cfr., neste sentido, Maria Margarida Cordeiro de Mesquita, “As Convenções sobre Dupla Tributação”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 179, 1988, pág. 290).

 

Acresce que só a dedução integral do imposto pago no estado da fonte à coleta do imposto do estado da residência permite dar total concretização ao princípio da neutralidade na exportação de capitais que o método da imputação do crédito de imposto visa lograr: o imposto total a pagar pelo sujeito passivo (a soma do imposto a ser pago nos estados da fonte e da residência) deverá ser igual ao imposto que ele pagaria caso todo o seu rendimento tivesse origem no estado de residência.

 

Neste mesmo sentido, o acórdão tirado no Processo n.º 565/2016-T consigna o seguinte:

 

O objetivo primacial das CDT é eliminar ou, pelo menos, atenuar, a tributação decorrente da cumulação de competência internacional.

 

Ora, para o cálculo do imposto do Estado da residência, no caso o IRC - com uma base de incidência mundial - é considerada a matéria coletável que tem em consideração a totalidade dos rendimentos e, por isso, também os obtidos no estrangeiro, bem como os gastos suportados para a sua obtenção.

 

Daí que só a dedução integral do imposto pago no Estado da fonte (com os limites contidos na CDT), determinado a partir dos rendimentos brutos aí obtidos, permite alcançar o objetivo da total eliminação da dupla tributação.

 

Nestes termos, não tem aplicação, para efeito da dedução do crédito do imposto por dupla tributação internacional, a regra do artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, que frustraria parcialmente o objetivo de total eliminação da dupla tributação que pretende ser assegurado através da CDT Portugal-EUA.

 

E, por outro lado, tendo em consideração o princípio da primazia do direito internacional vinculativo para o Estado Português (artigo 8.º, n.º 2, da Constituição), as disposições convencionais prevalecem sobre a lei interna posterior de sentido contrário, pelo que não é circunstância de ter sido introduzidas, através da alteração ao artigo 91.º do Código do IRC, novas regras de imputação para eliminar a dupla tributação internacional, que permitem ajudar a interpretar o artigo 25.º, n.º 3, da CDT Portugal-EUA em sentido diverso, i.e. de modo menos restritivo, do que o previsto no referido artigo 91.º do Código do IRC.

O pedido arbitral mostra-se, por conseguinte, ser procedente”.

 

 

Importa agora, na fundamentação da presente Declaração de Voto, identificar tais erros.

 

Tal interpretação da inaplicabilidade  dessa alínea b) do nº 1 do art. 91º do CIRC  com  o simples fundamento em a norma da Convenção entre Portugal e os Estados Unidos da América  impor uma  dedução total e a norma de direito nacional  admitir uma dedução parcial ou nula, caso o imposto apurado segundo as regras de direito nacional seja inferior ao pago no estrangeiro, é, com efeito, expressa e inequivocamente rejeitada pelo Direito Internacional Tributário vinculativo do Estado português, do qual essa Convenção faz parte, bem como pela jurisprudência estadual superior ,  até aqui uniforme em sentido oposto  ao invocado  como fundamento da Decisão Arbitral., sendo colocado pela primeira vez após a entrada em vigor da redação a esse art., então numerado como art. 85º, dada pelo art. 10º da Lei nº 39-A/2005, de 29/7. 

 

Esse nº 1 do art. 91º limita-se, no entanto, não a contrariar, mas a refletir o método da eliminação da dupla tributação referido usualmente por imputação ordinária, consagrado no referido art. 23º. B do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património, que vem refletido na generalidade das convenções sobre dupla tributação internacional celebradas pelo Estado português, incluindo com os Estados Unidos da América. 

Tal método de imputação ordinária, sob pena de uma desconsideração total do Direito Internacional Tributário vinculativo do Estado português e do próprio direito interno em vigor, não assegura a eliminação total do imposto suportado no estrangeiro, mas apenas até ao limite do apurado de acordo com as regras de direito nacional, no caso, a alínea b) do nº 1 do art. 91º do CIRC.  Está vertido na alínea a) do nº 3 do art. 25º da Convenção com os Estados Unidos da América, que, relativamente a Portugal, simultaneamente assegura a dedução no Estado da residência do imposto suportado no Estado da fonte e sujeita a importância a deduzir ao limite da fração do imposto sobre o rendimento calculado antes da dedução correspondente aos rendimentos que possam ser tributados no país da residência. Tal alínea b) do nº 3 desse art. 25º.  limita-se, aliás, a verter quase palavra por palavra o nº 1 do art. 23º- B do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE. 

Com efeito, apenas o método da imputação integral assegura que todo o imposto suportado no estrangeiro seja deduzido a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional, ainda que superior ao imposto apurado segundo as regras do país da residência, com a consequente obrigação de o Estado da residência reembolsar os sujeitos passivos residentes do imposto pago ao Estado da fonte. Fora do âmbito da eliminação da dupla tributação internacional por via da imputação, ordinária ou integral, está a eliminação da dupla tributação internacional por via do método da isenção regulado no art. 23º- A do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE, em que, por natureza, não se constitui qualquer crédito de imposto.

A incompatibilidade da alínea b) do nº 1 do art. 91º do CIRC com essa Convenção apenas seria possível se se sustentasse que esta seguiu o método da imputação integral, ainda que apenas relativamente aos rendimentos de “royalties”

Fora dos casos em que as convenções sigam o método da isenção. o método da imputação ordinária- não o método da imputação integral foi, com efeito, o adotado em geral por Portugal para atenuar a dupla imposição dos rendimentos dos seus residentes (Alberto Xavier, “Direito Tributário Internacional”, 2ª edição atualizada, Coimbra, 2007, pgs. 748 e sgs.).

A regra geral do Direito Internacional Tributário é também a dedução apenas parcial do imposto estrangeiro, nos casos em que este seja superior àquele que o Estado da fonte aplica aos seus próprios rendimentos.

Reflete essa alínea b) do nº 1 do art. 91º do CIRC o seguinte Comentário ao nº 1 do art. 23º- B do Modelo de Convenção Fiscal sobre o, Rendimento e o Património da OCDE, editado pelo Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE em 2007, pgs. 474 e sgs. dos Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal nº 206: “O art. 23º- B da Convenção, assente no princípio da imputação, segue o método da imputação normal: o Estado da residência deduz do imposto por ele cobrado sobre os rendimentos ou o património uma importância equivalente ao imposto cobrado no outro Estado sobre o rendimento obtido nesse outro Estado ou sobre o património aí detido, mas a importância deste modo deduzida limita-se à fração correspondente do seu próprio imposto”.

É também esse método o previsto na art. 25º da Convenção com os Estados Unidos, quer quando esses rendimentos sejam auferidos no outro Estado Contratante ou em país terceiro, inclusivamente quanto aos rendimentos de “royalties”, pelos motivos seguidamente expostos.

A razão de ser dessa solução de Direito Internacional Tributário, como explica Alberto Xavier, ob. e local citados., é a relutância (legítima) dos Estados nacionais, condescendentes em reembolsar os seus contribuintes dos impostos que pagaram no seu território, mas avessos a reembolsar esses contribuintes dos impostos pagos no estrangeiro e que não receberam.

Para esse efeito, o crédito de imposto é um rendimento adicional tributado no país da residência, a acrescer que lhe deu origem. É o que determina, aliás, o nº 1 do art. 68º do CIRC: para efeitos do crédito do imposto relativo a dupla tributação internacional, os rendimentos são considerados ilíquidos do imposto pago no estrangeiro.

Com efeito, como explica o citado autor, é necessário, antes da dedução, reajustar o imposto estrangeiro, acrescendo o seu valor à base de cálculo do imposto no país da residência.

Essa é uma consequência necessária do modelo de imputação ordinária que abrange apenas a fração do imposto do Estado de residência calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos tributados no outro Estado. Tal método impõe que a dedução máxima admitida seja calculada do mesmo modo que o rendimento líquido, ou seja, sobre os rendimentos brutos do Estado da fonte, menos as deduções autorizadas conexas direta ou indiretamente com tais rendimentos, ou se se quiser, dos custos incorridos ou suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto, nos termos do nº 1 do art. 23º do CIRC (ver pg. 477 da referida edição do Centro de Estudos Fiscais do Modelo de Convenção Fiscal”).

O método da imputação ordinária, como o da imputação integral, é um dos métodos possíveis de eliminação da tributação internacional.

É pacífico que o método da imputação ordinária foi o adotado na alínea a) do nº 1 do art. 91º do CIRC e consta da alínea a) do nº 3 do art. 25º da Convenção com os Estados Unidos, como da generalidade das convenções sobre dupla tributação internacional celebradas pelo Estado português, e não o método da imputação integral. Também não oferece dúvidas que o art. 13º da Convenção com os Estados Unidos, pelos motivos seguidamente expostos, consagra uma competência cumulativa ( e não exclusiva do Estado da residência, como acontece com a generalidade dos rendimentos empresariais, nos termos do art. 7º do Modelo de Convenção Fiscal, em que a dupla tributação internacional é eliminada pelo método da isenção), na tributação das “royalties”, não seguindo, assim, a recomendação(não  imposição)do art. 12º desse Modelo de Convenção Fiscal.

Apenas em caso de dúvida sobre o sentido e alcance do Direito Tributário Internacional e do direito interno aplicável seria de seguir outro critério. Tal dúvida pressuporia a ausência de clareza das disposições a aplicar, cujo sentido é, no entanto, claro

Assim, a eliminação da dupla tributação internacional, quando não garantida pelas Convenções, o que acontece quando os Estados adotem pelo método da isenção ou da imputação integral deve resolvida unilateralmente  por cada Estado, caso este o  pretenda e  de acordo com os métodos que considere adequados.

 

A não eliminação total da dupla tributação internacional não é certamente um objetivo desejado pelos Estados membros da OCDE, estando em causa apenas os métodos para o fazer, necessariamente adequados à natureza internacional da referida organização.

 

Segundo se diz a pg. 479 dos Comentários ao Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE, Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE, Lisboa, 2008, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal”, 206,Os problemas suscitados mais atrás dependem, em grande medida, do legislador e da prática interna, pelo que a sua solução deve ser remetida para cada Estado. A este propósito, note-se que alguns Estados aplicam o método de imputação de forma muito liberal. Alguns Estados consideram também ou acolheram já a possibilidade de reportar para outros exercícios os créditos de imposto não utilizados. Os Estados Contratantes são livres, evidentemente, de alterar o presente Artigo nas negociações bilaterais de modo a contemplar um ou outro dos problemas referidos”.

 

Esse é, pois, o regime – regra no âmbito da OCDE: nos casos em que não haja convenção sobre dupla tributação internacional nem esta assegure a eliminação total da dupla tributação internacional, essa eliminação integral é assegurada individualmente pelos Estados membros.

 

 

É, assim, abusiva a interpretação das normas das convenções sobre dupla tributação internacional celebradas pelo Estado português que seguem o padrão do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE no sentido de obrigarem o Estado português a reembolsar os seus residentes do imposto de fonte estrangeira que, por inexistência ou insuficiência de coleta, não possa ser deduzido ao imposto devido por estes em Portugal: ou seja, de imposto não recebido pelo Estado português, mas por outro Estado[1].

Tal  método de imputação ordinária exige, sem dúvida , que o Estado português credite  os residentes do imposto português suportado no estrangeiro, mas não que reembolse os seus residentes do imposto suportado no  estrangeiro,  quando superior ao imposto nacional que recai sobre os mesmos rendimentos, através do método da imputação integral  ou qualquer outro com os mesmos efeitos, solução que constituiria  uma absoluta e inusitada  exceção no universo das países da OCDE, além de implicar  uma relativamente relevante erosão das receitas fiscais, ainda por cima sem a garantia da reciprocidade do outro Estado Contratante, no presente caso, os Estados Unidos da América, eventualmente não dispostos a reembolsar os seus residentes, dado a tal não obrigar a referida Convenção, do imposto suportado em Portugal .

Esta interpretação da lei que aqui sustentamos baseia-se também, entre outros elementos, no Modelo de Convenção Fiscal da OCDE.

O Conselho da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) adotou, em 30 /7/63, com efeito,  uma recomendação sobre a eliminação da dupla tributação e convidou os governos dos países membros a conformarem-se, através da celebração ou revisão de convenções bilaterais, com um «modelo de convenção para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento e sobre o património», elaborado pelo Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE e anexo à referida recomendação  Este modelo de convenção fiscal é revisto e alterado regularmente e é  objeto de comentários aprovados pelo Conselho da OCDE que, embora não vinculativos, são um elemento interpretativo da maior importância.

 

Nem o Modelo de Convenção Fiscal da OCDE, nem os comentários aprovados, integram, com efeito, o direito internacional público, carecendo de qualquer coercividade.

 

Os Estados não são obrigados a seguir as recomendações contidas no Modelo de Convenção.

 

Tão pouco os Comentários ao Modelo de Convenção Fiscal constituem uma interpretação autêntica das Convenções sobre dupla tributação internacional, a que as partes teriam também de se conformar, quer relativamente às normas que tiverem por base o Modelo de Convenção Fiscal ou não.

 

Não passam tais Comentários de elementos auxiliares de interpretação das convenções sobre dupla tributação internacional em vigor (Acórdão do TJUE de 26/2/2019, proferido nos processos apensos C-115/16, C-118/16, C-119/16 E C-299/16), que se aplicam, no entanto, quando o método de eliminação da dupla tributação for o da imputação, quando for o da isenção.

 

Assim, os Comentários  integrantes do art. 23º- B do Modelo de Convenção Fiscal  são suscetíveis de aplicação, enquanto elementos  auxiliares, de acordo com os critérios gerais de interpretação e aplicação das leis,  à tributação cumulativa dos rendimentos das “royalties”, que naturalmente depende de as partes da Convenção em causa não terem seguido a regra da tributação exclusiva  no país da fonte prevista no nº 1 do art. 12º, possibilidade que, aliás, seria expressa através de uma reserva do Estado português e outros Estados a quando da celebração da Convenção. Tal recurso interpretativo a esses Comentários não é imperativo, e também não é proibido: depende da sua adequação a cada caso concreto, no caso, manifesta

 

Tais Comentários, como mostram os relativos ao art. 12º do Modelo de Convenção, pgs. 307 e sgs., abrangem tanto os casos em que a dupla tributação seja eliminada pelo método da imputação, integral ou ordinária, como pelo método da isenção. É desprovida de fundamento:   a tese de que, pelo facto de a Convenção com os Estados Unidos ter optado pela tributação cumulativa dos rendimentos com a natureza de “royalties”, não poderem na sua interpretação, ser utilizados os Comentários do Modelo de Convenção, ainda quando se mostrem apropriados e se harmonizem com a posição expressa pelo Estado português aquando da negociação da Convenção.

 

A pronúncia citada de “a dedução máxima é equivalente à taxa do imposto do estado de residência aplicada sobre o rendimento obtido no outro estado” (cfr., neste sentido, Maria Margarida Cordeiro de Mesquita, “As Convenções sobre Dupla Tributação”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 179, 1988, pág. 290)”, não autoriza que, do cálculo da dedução máxima sejam excluídas das depreciações dos bens locados, calculadas de acordo com a lei portuguesa. 

- B

Tal pronúncia não coincide com o nº 63 da Anotação ao art. 23º- B, reproduzida na pg. 477 do Modelo de Convenção Fiscal, de acordo com a qual a dedução máxima é normalmente calculada do mesmo modo que o imposto sobre o rendimento líquido, ou seja, de acordo com o rendimento líquido global apurado no Estado na fonte menos as deduções autorizadas, específicas ou proporcionais, conexas com esse rendimento, em que se incluem tais depreciações. É essa doutrina que a alínea b) do nº 1 do art. 91º do CIRC fielmente reproduz.

A posição citada tem, no entanto, 34 anos e baseia-se no Modelo de Convenção de 1977, não tendo tido em conta, por força da natureza das coisas, a reflexão que precederia o art. 23º - B do Modelo de Convenção Fiscal de 2008.

 

As outras decisões arbitrais citadas, além de terem sido emitidas num contexto normativo em que o Estado português não assegurava totalmente a eliminação da dupla tributação jurídica internacional, não são, aliás um precedente obrigatório que a presente Decisão Arbitral teria de respeitar.

 

Tal tipo de precedente é privativo dos regimes de “common law”, como o Reino Unido, mesmo assim aí restrito às decisões dos tribunais estaduais.

 

 Os árbitros do CAAD não podem, por outro lado, decidir livremente conforme a equidade, nem, por maioria de razão, conforme o modelo de eliminação da dupla tributação internacional que lhes pareça mais apropriado.

 

Tal  implicaria substituírem-se à Assembleia da República na celebração de tratados internacionais, nomeadamente interpretando sistematicamente as convenções sobre dupla tributação internacional à luz de um inexistente regime- regra da neutralidade da exportação, ao qual o legislador não aderiu e, caso seja levado às últimas consequências, beneficiaria os países exportadores de capitais, em detrimento dos países importadores, como ainda é Portugal como mostram concludentemente, para quem estiver disponível para a sua leitura, as anotações ao art. 13º do Modelo de Convenção, pgs . 307 e sgs.

 

Está igualmente fora de causa, por absurda, a hipótese que o CAAD possa aqui replicar, em nome do combate à dupla tributação internacional, o ativismo judiciário do TJUE.

 

Em sentido totalmente oposto, por recaírem sobre situações substancialmente idênticas, no sentido em que a dedução do imposto suportado no estrangeiro não vem garantida pelos acordos sobre dupla tributação internacional aplicáveis, mas apenas dentro dos limites da legislação interna de cada Estado membro e dessas convenções os. Acórdãos do STA de 14/5/2021, proc. 0858/16.4BEPNF, de 4/5/2022, proc. 1084816. 4BEPNF, e de 8/6/2022, 03162/16.1BEPRT, não se conhecendo também nenhuma outra jurisprudência superior em sentido diferente.

 

Tais Acórdãos seguem a doutrina dos Acórdãos do STA de 24/9/2008, proc. 0459/08, que expressamente declara a não dedução integral do imposto suportado no estrangeiro não colidir com a imposição constitucional da tributação das empresas segundo o seu rendimento real, e  de 11/5/2016, proc. 0351/14.

 

 Segundo este último Acórdão, caso BNU Macau, para efeitos da tributação prevista no 1 do art.  4º do CIRC (tributação pelo rendimento mundial), os rendimentos obtidos fora do território nacional são necessariamente englobados na sua totalidade, e esse englobamento é feito pelas importâncias ilíquidas do imposto pago no estrangeiro, originado tal pagamento um crédito de imposto que é dedutível ao IRC liquidado em Portugal, em conformidade com o disposto no art. 73º do CIRC, correspondente ao atual art. 91º, que consagra o método da imputação ordinária.Tal regime impõe-se ao sujeito passivo, independentemente do uso do crédito que a lei lhe reconhece, e, por conseguinte, não é um regime facultativo, mas, antes, um regime obrigatório, já que se impõe ainda que não seja possível deduzir (total ou parcialmente) o crédito de imposto, designadamente por ausência de coleta, salvo nos casos de imputação integral.

 

Assim, se determinado sujeito passivo residente em território nacional obtém rendimentos no estrangeiro que aí foram sujeitos a tributação, em face da regra da universalidade poderá ocorrer uma situação de dupla tributação em território nacional. Sucede, assim, uma dupla tributação jurídica internacional quando o mesmo rendimento, na esfera do mesmo sujeito passivo, é tributado no mesmo período em diferentes Estados, podendo o Estado de residência do beneficiário do rendimento permitir a sua eliminação. O mecanismo do crédito de imposto consiste em deduzir à coleta do IRC determinada quantia de imposto já paga no outro país com o limite daquela que seria liquidada em território nacional.  O imposto pago no estrangeiro constitui um crédito relativamente ao tributo devido no Estado de residência (Portugal), mas tal crédito não excederá o valor de IRC. que seria devido no caso de tais rendimentos terem sido originados no nosso país. O mesmo é dizer que a dupla tributação é totalmente eliminada quando o imposto pago no estrangeiro for igual ou inferior ao liquidado no estado de residência e será, apenas, atenuada caso seja superior, salvo quando tiver sido adotado, unilateralmente pelo Estado português ou de acordo com a convenção sobre dupla tributação internacional aplicável,  o método  de imputação integral”.

 

Assim, nos casos em que a Convenção sobre dupla tributação internacional elimine a dupla tributação  internacional pelo método da imputação ordinária e não pelo método da imputação integral, o crédito do imposto suportado no estrangeiro é limitado ao imposto nacional que recai sobre esses rendimentos, sem que essa limitação ofenda qualquer norma de direito internacional público relevante para a decisão do presente processo arbitral, incluindo a alínea a) do nº 1 do nº 3 do art. 25º da Convenção com os Estados Unidos.

 

É pacífico, pois, que, no método da imputação ordinária, aliás consagrado pelo direito interno português e pelas  convenções sobre dupla tributação internacional a que o Estado português se vinculou, a dedução consentida tem o limite máximo relativo à fração do próprio imposto devido no Estado da residência correspondente aos rendimentos provenientes do país da fonte. Na imputação integral, em que o Estado da fonte se limita a reembolsar a totalidade do imposto pago a Estado estrangeiro, esse limite não existe: o imposto estrangeiro é completamente deduzido.

 

Tal regime é, assim, aplicável em todos os casos de eliminação da   dupla tributação internacional pelo método da imputação ordinária.

 

Não pode ser negada a identidade da questão de direito discutida nesses Acórdãos e no presente processo arbitral com fundamento em uma pretensa especificidade da tributação das “royalties”. A eliminação da dupla tributação internacional dos rendimentos das “royalties” está expressamente prevista na Convenção Modelo, que recomenda o método da isenção do art. 23º-A em detrimento do método da imputação ordinária ou integral (ver detalhadamente sobre o assunto Alberto Xavier, ob. cit., pgs. 687 e sgs.). Ao optarem pela tributação cumulativa, Portugal e os Estados Unidos optaram por um dos métodos possíveis de eliminação da dupla tributação internacional previsto no Modelo de Convenção Fiscal da OCDE.

 

Não viola essa regime, como referem os já referidos Acórdãos de 14/5/2021 e 4/5/022, o princípio da neutralidade na exportação de capitais  apenas recomendado e não imposto pela Organização Mundial do Comércio, segundo o qual os sujeitos passivos que obtenham rendimentos noutros Estados devem ficar abrangidos por um tratamento fiscal similar ao aplicável àqueles cujos rendimentos sejam obtidos exclusivamente no estado de residência". Tal método, no exercício de uma reserva legítima do Estado português, não foi adotado, em especial na tributação das “royalties”, nas convenções sobre dupla tributação internacional celebradas pelo Estado português, incluindo com os Estados Unidos da América, que preferiu com a toda a legitimidade a neutralidade da importação de capitais

 

Explicam esses Acórdãos que a neutralidade na exportação está na base da concessão  unilateral pelo Estado português do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, mas de acordo com as regras do direito nacional e não do direito convencional ou não fosse esse crédito concedido unilateralmente pelo Estado português. O direito convencional apenas pode, assim, apenas invocado para limitar o crédito de imposto àquele que resulta da aplicação do método da imputação ordinária e não para obter o reembolso de imposto sem qualquer fundamento legal.

 

O segundo erro em que incorre a Decisão Arbitral é o Estado português não garantir a dedução total do imposto suportado no estrangeiro. Tal dedução é legalmente admitida, não no exercício do apuramento do crédito de imposto, mas a partir do exercício seguinte, no prazo de 4 anos.

 

Essa possibilidade de reporte do crédito por dupla tributação não utilizado por insuficiência ou inexistência de coleta seria, com efeito,  viria, com efeito,  a ser reconhecida, à margem de qualquer convenção internacional, e da própria Convenção com os Estados Unidos, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/95, de 6/9/94,  unilateralmente pelo Estado português através  nº 1 do art. 30º da Lei nº 87-B/98, de 31/12, que aditaria ao art. 73º  um novo nº 3 que disporia que, sempre que não seja possível efetuar a dedução a que se referem os nºs anteriores , por insuficiência de coleta no exercício em que os rendimentos obtidos no estrangeiro foram incluídos na base tributável, o remanescente poderia  ser deduzido  à coleta até ao fim dos cinco exercícios seguintes.

 

 Tal possibilidade de reporte   seria posteriormente abolida pelo já referido art. 10º da Lei nº 39-A/2005, pelo que já não vigorava aquando dos factos sobre que incidiria a Decisão Arbitral nº 369/2015- T. A atual redação da alínea b) do nº 1 do art. 91º do CIRC seria igualmente introduzida pelo art. 10º dessa Lei em harmonia com o Modelo de Convenção Fiscal da OCDE. Tal eliminação não violou qualquer dispositivo das convenções sobre dupla tributação internacional que não tivessem adotado o método da imputação integral.

 

Saber se essa revogação afetou ou não o princípio da confiança, por se aplicar a convenções sobre dupla tributação em vigor aquando dessa abolição, como a celebrada com Cabo Verde em 2000, como parece decorrer dessa Decisão Arbitral, o que seria uma questão discutível, mas não interessa, no entanto, ao presente caso.

 

A possibilidade de reporte viria com efeito a ser reposta por meio da nova redação do art. 91º do CIRC, com o aditamento de um novo nº 4. pelo art. 2º da Lei nº 2/2014, de 16/1, que aprovaria a chamada reforma do IRC, com o objetivo assumido de incentivar a internacionalização da economia portuguesa

Nos termos do art. 14º dessa Lei, essa nova redação aplicar-se –ia a partir de 1/1/2014. pelo que abrange plenamente os factos objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

De acordo com o regime atual, caso seja fiscalmente possível efetuar a dedução à coleta do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, esta poderá ser incluída no quadro 10, campo 353, da declaração de rendimentos modelo 22, de acordo com as respetivas Instruções de Preenchimento.

 

O valor a inscrever no campo 353 deve corresponder ao «Total Geral» apurado na coluna 7 do quadro 14 da declaração modelo 22 (valor da dedução efetuada no período relativa a países com convenção e sem convenção), com o limite do montante inscrito no campo 378 (coleta total), conforme previsto no n.º 9 do art. 90.º do CIRC.

 

Quando tenham sido incluídos, na matéria coletável, rendimentos obtidos no estrangeiro, deve ser inscrito no quadro 14 da declaração modelo 22, o crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional apurado nos termos do art. 91.º do CIRC.

 

 

A dedução do crédito de imposto que, por insuficiência de coleta não tenha sido possível efetuar no período de tributação em que os rendimentos obtidos no estrangeiro foram incluídos na matéria coletável, pode, ainda assim, ser efetuada nos cinco períodos de tributação seguintes, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 91.º do CIRC, após a dedução correspondente ao período.

 

Não tem, assim, nenhum fundamento, pelo menos aparente ,  a afirmação , resultante  de uma evidente confusão conceptual entre constituição e exercício do direito ao reporte,  de pg. 23 do Relatório de 20/11/2020  da Divisão de Inspeção a Empresas  não Financeiras II da UGC  (RIT), em cujas conclusões se baseou a liquidação impugnada,  de que” do nº 4 do art. 91º  resulta que o imposto suportado só é dedutível à coleta no  período de tributação  em que ocorre o  englobamento , sem prejuízo da possibilidade de reporte” , pronúncia que, tomada à letra, esvaziaria de efetividade o direito ao reporte.

 

 O direito ao reporte, com efeito, pressupõe, por natureza, na hipótese prevista nessa norma legal, que o imposto não possa ser deduzido no exercício do englobamento. Caso possa, o direito ao reporte não chega a constituir-se.

 

Para tal efeito, na determinação da matéria coletável sujeita a imposto, quando houver rendimentos obtidos no estrangeiro que deem lugar a crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, nos termos do artigo 91.º do CIRC, esses rendimentos devem ser considerados, para efeitos de tributação, pelas respetivas importâncias ilíquidas dos impostos sobre o rendimento pagos no estrangeiro, conforme disposto no nº 1 do art. 68º do CIRC.

 

Ao contrário do que entende a Decisão Arbitral, com base numa interpretação superficial das normas de direito interno e internacional aplicáveis, a citada regulamentação do direito ao reporte, apenas para a frente e não para trás e a sujeição a um prazo de caducidade, não implica nenhuma restrição dos direitos reconhecidos nesses instrumentos normativos: é o exercício de uma competência unilateral integrada na soberania do Estado português.  

 

Não obstante essa confusão conceptual entre crédito de imposto e o seu exercício, a liquidação controvertida, à luz do quadro normativo citado, teve fundamento legal bastante, como se passa a justificar.

 

Relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, nos termos do nº 1 do art. 70º do CIRC, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, corrigido, sendo caso disso, do efeito da aplicação da opção prevista no n.º 5 do art. 67.º 

 

Diferentemente no que acontecia no sistema de tributação pelo lucro consolidado anterior à Lei nº 30-G/2000, de 29/12,  que assentava no resultado líquido do grupo de sociedades, o lucro tributável e  prejuízos fiscais  deste passaram a ser apurados, não com recurso a contas consolidadas (e  consequente eliminação dos respetivos resultados internos), mas através da mera soma algébrica dos resultados (lucros/prejuízos) fiscais apurados por cada uma das sociedades incluídas no grupo fiscal, nos termos das suas declarações de rendimentos individuais.

 

Assim sendo, o crédito do imposto não utilizado é apurado separadamente por cada membro do grupo na respetiva declaração modelo 22, mas a dedução à coleta do nº 4 do art. 91º do CIRC é efetuada à coleta do grupo apurada nos termos desse nº 1 do art. 70º e não pelos seus membros.  

  

A primeira autoliquidação de 20/5/2018 apurou, na esfera individual da Requerente um crédito de imposto de € 2.697.180,31, que, por não dedutível, transitou   para os exercícios seguintes, nos quais, desde que se verificassem os requisitos do nº 4 do art. 91º do CIRC, poderia ser utilizado.

 

O apuramento desse crédito de imposto na esfera individual da Requerente não foi posto em causa pela AT.

 

Tal crédito, no entanto, seria utilizado pela sociedade dominante, na autoliquidação efetuada, no próprio exercício da sua constituição, através da sua dedução imediata à coleta do grupo, o que deu origem à ação inspetiva da qual resultou a liquidação impugnada. A Requerente não exerceu o direito de audição, não justificando esse procedimento, pelo menos aparentemente, ilegal.

 

É certo que a lei admite o direito ao reporte em caso de inexistência ou insuficiência de coleta, no termo do exercício, pelo que, em princípio, a vantagem obtida pode ter sido um mero diferimento da tributação.

 

Esse diferimento de tributação pode, no entanto, eventualmente transformar-se em ausência pura e simples de tributação, caso nos períodos de tributação seguintes não se vierem a verificar os pressupostos do exercício do direito ao reporte e o sujeito passivo de IRC não vier a regularizar voluntariamente a sua situação 

 

A 23/7/2020 e 6/8/2020, ainda durante essa inspeção externa,  a Requerente apresentaria novas declarações individuais  de substituição relativas ao exercício de 2016, tendo, no entanto, em ambas, preenchido o Quadro 14 da mesma forma:   inscreveu o saldo não deduzido em exercícios anteriores de€ 272.697,40, não mencionou qualquer imposto suportado no estrangeiro nem consequentemente qualquer crédito por dupla tributação internacional dedutível no exercício, não indicou qualquer fração do imposto nacional relativo a rendimentos obtidos no estrangeiro e comunicou o saldo a reportar em exercícios posteriores de € 272.697,40.

 

Tais declarações não se refletiram, no entanto, na coleta do grupo apurada pela Requerente, que não substituiu a declaração modelo 22 inicialmente apresentada, como coerentemente teria de fazer.

 

Tal declaração individual modelo 22 só foi processada   porque na 2ª coluna do Quadro 14 a Requerente indicou erradamente um saldo não deduzido em exercícios anteriores de € 272.697,40, que não se provou.

 

Com efeito, nos exercícios anteriores a 2016, ano a que respeita a declaração de substituição, não foi apurado qualquer saldo por deduzir.

 

Por outro lado, na última coluna do Quadro 14 a Requerente inscreveu um saldo a reportar em exercícios posteriores também de € 272.697,40.

 

Como resulta do Quadro VIII A do RIT, a correção efetuada pela AT não incidiu diretamente sobre a legalidade desse saldo a reportar, em exercícios posteriores: é uma correção do imposto deduzido indevidamente a título de crédito de imposto, com a consequente liquidação adicional.

 

Objeto da correção impugnada foi o resultado da autoliquidação de 2016 e não o saldo a reportar nos exercícios seguintes

 

A liquidação impugnada não veda, em meu entender, à Requerente a dedução do saldo negativo apurado na Declaração modelo 22 no fim de 2016, caso se viessem a verificar os respetivos pressupostos.

 

Objeto da ação arbitral é, apenas, a legalidade da autoliquidação de 2016 relativa ao grupo de sociedades do qual a Requerente é sociedade dominante, com fundamento na utilização indevida de um crédito de imposto que, aquando daquela operação, não podia ainda ser exercido.

 

Desconhece-se se esse saldo de € 272.697,40 foi ou não reportado, se não foi, a Requerente foi impedida de o fazer ou, se foi, foram ou não os observados os requisitos do nº 4 do art. 91º do CIRC, mas tal não releva para a decisão da causa.

 

Caso o saldo de € 272.697,40o tivesse sido reportado, circunstância que a Decisão Arbitral não cuidou de apurar, a anulação da liquidação impugnada representaria um chocante enriquecimento sem causa da Requerente: o correspondente à dedução duplicada da mesma coleta, que apenas poderia ter por fundamento uma interpretação superficial e abusiva da lei.

 

Repare-se finalmente que o crédito por dupla tributação jurídica internacional  não utilizado por insuficiência ou inexistência de coleta não é um gasto dedutível ao rendimento, dedução que teria de ser sempre efetuada pelo próprio sujeito passivo na declaração modelo 22 e não oficiosamente pela administração fiscal, mas um abatimento à coleta apenas dedutível nos termos do nº 4 do art. 91º do CIRC, sendo que os pressupostos desse abatimento não se verificaram no exercício de 2016 o único em que a autoliquidação  foi posta  em causa .

 

 De acordo com a própria jurisprudência citada pela Requerente(Acórdãos  do TJUE C-436/08 e C 437/00, emitidos a propósito de uma situação similar,  estando em causa dividendos em vez  de “royalties”), o art. 63º do TFUE não obriga um Estado-Membro a prever, na sua legislação fiscal, a imputação do imposto cobrado sobre os dividendos através de retenção na fonte noutro Estado-Membro ou num Estado terceiro, a fim de prevenir a dupla tributação jurídica dos dividendos recebidos por uma sociedade estabelecida no primeiro Estado-Membro, desde que essa tributação tenha resultado de exercício paralelo, pelos Estados em causa, da sua competência fiscal respetiva.  Tal imputação, aliás, é reconhecida da legislação nacional, mas é sujeita a restrições que apenas não seriam compatíveis com o TFUE caso violassem o princípio da não discriminação.

 

Nesta medida, a fundamentação da Decisão Arbitral ignora princípios fulcrais do Direito Internacional Tributário e do direito nacional.

 

Não consta do texto final da Decisão Arbitral que o Ministério Público tenha sido notificado para interpor o competente recurso obrigatório, nos termos da alínea i) do nº 1 do art. 70º e dos nºs 1, alínea a) e 3º da Lei nº 28/82, de 15/11(Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional), bem como do nº 3 do art. 17º do RJAT.

 

Trata-se, não obstante, de um caso óbvio de recusa de aplicação de uma norma de direito nacional a uma situação concreta com fundamento na incompatibilidade com uma norma de convenção internacional que tem as caraterísticas de um tratado (forma escrita solene, apta à produção de efeitos jurídicos e celebrada entre sujeitos de direito internacional). A Convenção com os Estados Unidos, aprovada por Resolução da Assembleia da República, seguiu, aliás, as regras constitucionais previstas para os tratados internacionais, cuja família pacificamente integra.

 

 

 

O ÁRBITRO

 

 

 

(António Barros Lima Guerreiro)

 

 

 

 

 

 

 



[1] Não concordamos, assim, com o entendimento expresso a III A) da Decisão Arbitral nº 369/2015- T, que se reproduz:

“Acresce, como segundo fundamento do nosso entendimento, que só a dedução integral do imposto pago no estado da fonte à coleta do imposto do estado da residência, (imposto cuja matéria coletável foi calculada tendo em consideração os gastos suportados para a obtenção dos rendimentos de fonte estrangeira) permite dar total concretização ao princípio da neutralidade na exportação de capitais que o método da imputação (crédito de imposto) visa lograr,  o imposto total a pagar pelo sujeito passivo (a soma do imposto a pagar  aos estados da fonte e da residência) deverá ser igual ao imposto que ele pagaria, caso todo o seu rendimento tivesse origem (fonte) no estado de residência.

Assim, consideramos que`, no caso concreto, não deve haver lugar à aplicação do disposto no artigo 91.º, n.º 1, al. b), desde logo porquanto a sua aplicação frustraria parcialmente,  o objetivo de total eliminação da dupla tributação em situações envolvendo Portugal e Cabo Verde, o objetivo principal prosseguido pela convenção subscrita pelos dois países Não podemos, pois, subscrever o entendimento administrativo de que o disposto nesta norma é, sem mais, aplicável quer nos casos de concessão unilateral (pela lei interna portuguesa) de crédito de imposto, quer quando exista uma CDT”.

Tal passagem parte dos pressupostos que o regime - regra das convenções sobre dupla tributação internacional no qual o nº 1 do art. 23º da Convenção com Cabo Verde, garante  a dedução da totalidade do imposto suportado no estrangeiro, que essa dedução não é garantida pela legislação nacional e que a Convenção com Cabo Verde se baseia no princípio da neutralidade da exportação.

Nenhum desses pressupostos de confirma.

Ao adotar o método da imputação ordinária em vez dos métodos da isenção ou imputação integral, tal Convenção não garante aos residentes em Portugal a dedução de todo o imposto suportado em Cabo Verde.

Por outro lado, em geral e no caso específico da tributação das “royalties”  , a Convenção com Cabo Verde não adotou o princípio da neutralidade da exportação que implicaria  a ausência de tributação no Estado da fonte e a tributação exclusiva no país da residência, como é o regime-regra do nº 1  do art. 12º do Modelo de Convenção da OCDE, como se referiu, apenas uma recomendação,  mas antes o princípio oposto da neutralidade da importação, assegurando a tributação no Estado  da fonte, sem prejuízo da tributação no Estado da residência.

Tal regime- regra do Modelo de Convenção Fiscal   foi objeto de uma reserva do Estado português e de outros Estados( Grécia , Itália, República Checa, Austrália, Coreia, Eslováquia, Espanha, Japão, México, Nova Zelândia, Polónia e Turquia , criticada , aliás, pelo relatório da Comissão que procedeu à reforma do IRS do Modelo de Convenção, mas que se mantém em vigor e não pode deixar de vincular o intérprete- aplicador da lei fiscal(sobre isto, defendendo a importância dessa reserva contra as posições expressas nesse relatório, Freitas Pereira, “Aumento da competitividade com efeitos no investimento e na criação do emprego ou simples erosão das receitas fiscais”, Jornal de Negócios de 26/2/2013, disponível na Internet) .

O Estado português sempre tem defendido nas instâncias internacionais, incluindo na negociação dos acordos de dupla tributação internacional, a tributação na fonte das “royalties”.

Essa reserva destina-se a defender os interesses financeiros dos países importadores líquidos de capitais, como é Portugal. Ao contrário, os opositores a essa reserva, que sustentam a tributação integral das “royalties” no Estado da residência defendem habitualmente os interesses financeiros (também legítimos) dos países exportadores líquidos de capitais, pelo que, em sua opinião, o regime da tributação cumulativa seria uma excrescência do Direito Internacional Tributário.

Tal reserva não foi tida em conta, nem referida na Decisão Arbitral nº 369/2015- T. Admite-se que. estando em causa rendimentos anteriores a 2014, anteriores à chamada reforma do IRS (Lei nº 2/2014, de 16/1), a eliminação total da dupla tributação jurídica internacional não era, no entanto garantida.

Essa pronúncia seria reproduzida pelas Decisões Arbitrais nºs 311/2016, com uma declaração de voto que se acompanha,- 565/2019- T,  também a propósito da Convenção com Cabo Verde e ampliada, com uma declaração de voto que também se acompanha ,  pela   Decisão Arbitral nº 97/2021, à  Convenção com Moçambique, cujo  nº 1 do art. 23º contém uma disposição similar à do nº 1 do art. 23º da Convenção com Cabo Verde. Em todos esses casos estavam igualmente em causa rendimentos anteriores à reforma do IRS em que a eliminação da dupla tributação internacional não era garantida.

É certo que, de acordo com o art. 23º da Convenção com Cabo Verde, que a presente Decisão Arbitral considera extensivo à Convenção com os Estados Unidos, como fez  a  Decisão Arbitral nº 97/2021  com Moçambique:

1—a) Quando um residente de um Estado Contratante obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados no outro Estado Contratante, o primeiro Estado deduzirá do imposto sobre os rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago nesse outro Estado. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fração do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nesse outro Estado.

b) Quando, de acordo com o disposto nesta Convenção, o rendimento obtido por um residente de um Estado Contratante for isento de imposto neste Estado, este Estado poderá, ao calcular o quantitativo do imposto sobre o resto dos rendimentos desse residente ter em conta o rendimento isento.

2 Relativamente aos residentes de Portugal, a expressão «imposto sobre o rendimento pago nesse outro Estado» empregue no nº anterior compreende qualquer importância que deveria ter sido paga como imposto cabo-verdiano mas que não o foi em virtude de isenção ou redução de taxa temporária concedida por força da legislação visando o desenvolvimento económico de Cabo Verde, nomeadamente a promoção do investimento estrangeiro. A dedução do imposto pagável em Cabo Verde será efetuada até à concorrência do imposto que deveria ter sido pago, de acordo com o disposto na presente Convenção. Este parágrafo aplicar-se-á durante os primeiros sete anos de vigência da presente Convenção. Posteriormente, as autoridades dos dois Estados Contratantes   consultar-se-ão sobre a prorrogação da sua aplicação”.

Desconhece-se a existência de qualquer medida de prorrogação da vigência desse nº 2 do  art. 23º  , que obstasse à sua caducidade dentro desse período de sete anos.

Consagrou esse nº 2 do art. 23º da Convenção a favor dos residentes em Portugal, no período da sua vigência,   um  crédito de um imposto fictício e não real abrangendo os rendimentos isentos no país da fonte: de outro modo, o Estado da residência poderia limitar o alcance da isenção ao imposto efetivamente pago no Estado da fonte, no caso, zero, ,  esvaziando o alcance da cláusula de “tax sparing”.

O objetivo dessa cláusula excecional no âmbito das convenções sobre dupla tributação internacional não é a eliminação de qualquer dupla tributação internacional que no caso, não ocorre, já que não há qualquer tributação no país da fonte, mas garantir a eficácia de um benefício financeiro: o crédito ao contribuinte de um imposto que não foi nem vai ser efetivamente pago. Impede-se, assim, que os benefícios fiscais concedidos aos investidores pelo Estado da fonte sejam aproveitados pelo Estado da residência, como vem referido a pg. 479 desses Comentários.

O crédito de um imposto fictício através da imputação pelo Estado da residência do montante do imposto que o estado da fonte poderia cobrar ao abrigo da legislação geral é derrogatório do método da imputação ordinária consagrado no art. 23º. B do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património,

No entanto, não está em causa a aplicação de qualquer cláusula de “tax sparing”, mas a eliminação de uma tributação cumulativa à qual se aplica a alínea a) do nº 1 do art. 23º da Convenção com Cabo Verde, que não difere do que vem estabelecido no Modelo de Convenção da OCDE e na Convenção com os Estados Unidos. Com efeito, as “royalties “em causa foram tributadas em Cabo Verde à taxa de 10 %  e não isentas por força de qualquer norma de direito interno desse Estado, como ficou provado no processo. Está, assim, em todos os casos apontados, a recusa da aplicação de uma norma de direito interno, a alínea b) do nº 1 do art. 91º do CIRC, com fundamento na incompatibilidade com normas de direito internacional que seguem, todas elas, a matriz do nº 1 do art. 23º- B do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE