Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 793/2021-T
Data da decisão: 2022-09-12  IRC  
Valor do pedido: € 79.101,19
Tema: IRC - Dedutibilidade de gastos (23.º IRC); ónus da prova; tributações autónomas.
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SUMÁRIO: 

a)     Na atual redação do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, não consta que os gastos devam ser indispensáveis (ou necessários) para a obtenção de rendimentos, devendo apenas avaliar-se se os gastos ocorreram no âmbito e por força da atividade empresarial da Requerente, a qual tem, por definiçãoo, escopo lucrativo e é, nesse sentido, sujeita a IRC;

b)    O conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artigo 23.º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das atividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a atividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados;

c)     Para efeitos de dedutibilidade de um custo entendia a doutrina e a jurisprudência que aquele requisito se demonstra através de documentos que comprovem os custos realizados, sendo que esses documentos podem consistir em meros documentos, faturas, recibos ou até uma nota interna da empresa, conquanto se revelem credíveis e consistentes. Só não sendo considerados como custos fiscalmente relevantes os que não são suportados em documentos válidos. Assim sendo, quanto à prova documental, esta é por norma o meio de prova exigido em razão da sua adequação à prática comercial, não sendo, no entanto, de excluir outros meios de prova para comprovar os custos efetivamente realizados, e como complemento da mesma, como, por exemplo, a prova testemunhal ou a prova pericial;

d)    Segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional a tributação autónoma não põe em causa o princípio da tributação das empresas segundo o rendimento real e o princípio da capacidade contributiva.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro Presidente), Dr.ª Rita Guerra e Dr. Hugo Freire Gomes (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte decisão arbitral:

 

 

I.              RELATÓRIO

 

1.     A... LDA, pessoa coletiva com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ..., ...-..., Lisboa, NIPC ..., com capital social € 5.000,00 (cinco mil euros) (doravante “Requerente”), vem apresentar PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL relativamente à ilegalidade e consequente anulação das liquidações adicionais do IRC (exercício de 2016), com o n.º 2020... e de IVA (período de 201709T), com o número 2020... .

À liquidação controvertida correspondeu o n.º 2020 ..., de 16.11.2020, materializada na nota de cobrança n.º 2020 ..., no montante de € 57.183,48, que inclui juros compensatórios no valor de € 6.749,39, a qual, em conjunto com a demonstração de acerto de contas, que foi recebida em separado, faz parte integrante da referida notificação do acerto de contas de IRC de 2016. A Requerente pede, ainda, a anulação dos juros compensatórios e reembolso de imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios. 

2.     O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

3.     Tendo as partes sido informadas da designação dos árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído a 1 de fevereiro de 2022.

 

4. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no que se segue.

 

A)   Dos custos relacionados com imóveis

 

a)     A Requerente alega que, quanto ao contrato celebrado em 1 de agosto de 2016 (um Contrato de Subarrendamento Comercial de Duração Limitada, com o seu sócio-gerente B...), em relação ao qual incorreu em 2016 num custo total de € 130.000, referente  a 5 rendas referentes aos meses de agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2016, a fundamentação, para além de insuficiente, é manifestamente errónea e contrária à verdade material. Além do mais, ao contrário da tese da Requerida, a Requerente entende que se verificam os requisitos previstos no artigo 23.º do Código do IRC;

b)    Segundo a Requerente, a Requerida funda-se, essencialmente, na mera alegação de que os gastos com o arrendado não foram incorridos ou suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, porquanto: i)Uma vez notificada para prestar esclarecimentos quanto à forma como os mesmos contribuíam para a realização de proveitos, a Requerente respondeu tratar-se do “Aluguer de espaço para a empresa A...”; e ii) A atividade da Requerente seria (apenas) exercida na sua sede na Rua ..., Sala ..., ...-... Lisboa; 

c)     A Requerida não contesta o gasto, mas apenas que tenha sido suportado pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. Partindo da tese segundo a qual hoje o artigo 23.º, n.º1, do CIRC  exige apenas avaliar se os gastos ocorreram no âmbito e por força da atividade empresarial da Requerente,  o que se verifica, invocando  jurisprudência do CAAD e dos Tribunais estaduais; 

d)    Atenta a atividade da Requerente, ligada à publicidade, desde 2010, incluindo a promoção comercial, os órgãos sociais entenderam relevante e proveitoso para a atividade empresarial e maximização de rendimentos futuros, dispor de um apartamento no centro de Lisboa, com o intuito de proporcionar receções e pequenos eventos a stakeholders (e.g. clientes, fornecedores), atividades de team-building (internos e externos) e até estadias de curta duração;

e)     O que evidentemente jamais poderia ocorrer na sede da Requerente, sita num centro empresarial que alberga várias empresas distintas: o C..., sito na Rua ..., ...-... Lisboa, espaço de coworking, insuscetível de personalização e que é utilizado como sede social;

f)     A Requerente conclui ser manifesto que: i) os encargos com o subarrendamento do imóvel ocorreram e estão apropriadamente documentados; ii) os mesmos basearam-se numa decisão legítima de gestão da Requerente, tomada no âmbito da prossecução da sua atividade social e com o intuito de garantir a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC; iii) razão pela qual a dedutibilidade do gasto (efetivamente incorrido) é manifesta;

g)    Além disso, não tendo a AT provado, como explicitado supra, os pressupostos de facto da liquidação, i.e., que o gasto suportado pela Requerente não se subsume na previsão normativa do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, não cumpriu o ónus da prova que lhe competia, dada a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, prevista no artigo 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”) e o disposto no artigo 74.º, n.º 1 do mesmo diploma.

 

B)   Das despesas com outros serviços

 

a)     Esta rubrica compreende despesas, registadas como gasto e contabilizados na conta 6268083 – Outros Serviços Outros (REI), no valor de € 4.772,00, cuja aceitação como gasto foi negada em sede inspetiva por se entender que não seriam aceites como custo fiscal do exercício de 2016, nos termos do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, “uma vez que não foi indicado a sua necessidade para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC”;

b)    Notificada para prestar esclarecimentos sobre as mesmas, a Requerente, para além de juntar os correspondentes documentos de suporte (factura-recibo n.º59 e faturas FAC I/5 e FAC I/6), esclareceu tratarem-se, respetivamente: i)De € 4.152,00 em despesas com a aquisição de ofertas de Natal para clientes e potenciais clientes (em linha com os usos comerciais);ii) De € 120,00 em despesas de entretenimento com o parceiro D... (como se verá a propósito da Campanha ..., de extrema relevânvia) numa deslocação a Belém – igualmente de acordo com os usos comerciais (e de urbanidade) correntes;iii) De € 500,00 em despesas de entretenimento com o parceiro D... (como se disse e se verá a propósito da Campanha ..., de extrema relevância) em virtude de uma deslocação a Fátima – igualmente de acordo com os usos comerciais (e de urbanidade) correntes; 

c)     Alega a Requerente que valem aqui os argumentos relativamente aos encargos com o imóvel sito na Travessa ..., em particular: i) os gastos referidos são incorridos em linha com os usos comerciais da atividade da Requerente; (ii) a fundamentação da AT é insuficiente porque não logra demonstrar os concretos motivos que suportaram a sua não aceitação para efeitos fiscais; e (iii) há erro nos pressupostos de facto e de direito e vício de violação de lei, bem como ilegalidade por preterição das formalidades essenciais de falta de fundamentação e ilegal inversão do ónus da prova.

 

C)   Das despesas com deslocações e estadas

 

a)     Esta rubrica compreende as despesas registadas como gastos e contabilizadas como Deslocações e Estadas, naconta 62523, que ascendem ao valor de € 1.839,59;

b)    Em resposta à notificação para prestar esclarecimentos, a Requerente clarificou tratar-se de: i) € 275 em despesas com a participação com clientes e potenciais clientes em evento no Hotel ...; e ii) € 1.564,59 em despesas com passagem aérea à Índia para prospeção de mercado, de novos parceiros e fornecedores;

c)     A AT entendeu que os referidos gastos não seriam aceites como custo fiscal do exercício de 2016, nos termos do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, porque a Requerente “não comprovou a sua contribuição para a obtenção de proveitos”;

d)    Em relação à despesa da viagem à Índia, a Requerente acrescenta que aí se situam quer prestadores de serviços de IT, quer igualmente produtores de merchandising capazes de substituir, com vantagem, os tradicionais fornecedores chineses;

e)     Para a Requerente também aqui o ato tributário controvertido padece, também quanto a estes gastos, de (manifesto) vício de erro nos  pressupostos de facto e de direito e (de óbvia) violação de lei, preterindo, igualmente, formalidades essenciais de falta de fundamentação e ilegal inversão do ónus da prova, o que o torna (naturalmente) anulável.

 

D)   Dos gastos com trabalhos especializados

a)     Por fim, a Requerente incorreu em gastos contabilizados no ano de 2016 e registados na conta 62211 – Trab.Especial.c/IVA Dedutível, no valor de € 100.000,00, cuja dedutibilidade fiscal foi, igualmente, negada pela AT por, alegadamente, não serem aceites ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC;

b)    Gastos em causa, no valor de €100.000,00, reportam-se à contraprestação pelos serviços prestados pela sociedade E..., Unipessoal, Lda. (doravante “E... Total”), com o número de identificação pessoa coletiva ..., e que se referem ao apoio prestado na concretização da parceria comercial com a sociedade D..., BV, estabelecida nos Países Baixos, e a rede de supermercados ...;

c)     No decurso de 2015 e 2016 a Requerente procurou angariar um novo cliente e uma nova campanha: a rede de supermercados ... – para o que o relacionamento com a sociedade D..., BV era fundamental, uma vez que esta é uma empresa especializada no desenvolvimento de campanhas de fidelização de curto prazo, direcionadas para crianças e famílias, apresentando brinquedos, itens colecionáveis e conceitos educacionais;

d)    O que logrou conseguir em 2016 com o desnvolvimento da campanha ... Shop”;

e)     A ideia de estabelecer uma parceria comercial entre a Requerente e a rede ... foi previamente sugerida por dois parceiros comerciais de longa data da Requerente: F... (comercial) e G... (jurista), porque ambos tinham experiências profissionais precedentes com a rede de supermercados ... e conhecimentos comerciais e técnico, que lhes conferia excelentes referências e ótimos canais de comunicação com decisores chave na dita rede de retalho;

f)     Tendo para o efeito acordado, a Requerente e os parceiros F... e G..., que estes últimos, através de empresas onde desenvolviam a sua atividade, iriam proceder às ações e aos serviços de angariação comercial e sua formalização em benefício da Requerente;

g)    A Requerente tornou-se devedora dos honorários variáveis (porque dependentes de um desfecho favorável) acordados com os referidos prestadores e sociedades por eles utilizadas na prestação dos serviços contratados, ou seja – E..., Lda, uma sociedade de que G... F... eram sócios e/ou gerentes;

h)    A Requerida alega que os serviços correspondentes aos honorários pagos foram prestados (ao menos parcialmente) antes da constituição da sociedade E... e que por essa razão não seriam dedutíveis na esfera da aqui Reclamente, e beneficiária de tais serviços; 

i)      Considerou a AT que o sujeito passivo não apresentou os documentos solicitados, nomeadamente, os contratos de prestação de serviços e, não comprovou que os mesmo contribuem para a realização de proveitos conforme estatuído no artigo 23.º do CIRC”;

j)      Portanto, a AT reconhece que o serviço em causa foi prestado no âmbito de uma campanha publicitária desenvolvida pela Requerente, pela qual recebeu do seu cliente, a sociedade D..., BV, o valor total de € 420.335através de duas faturas (que aqui se juntam como Doc. 9), “a primeira, em 19/09/2016 FT2016/49 com a descrição do serviço prestado “Project Management “... Shop”, no montante € 391.721,00, e a segunda em 28/12/2016 fatura FT 2016/82 no valor de € 28.623,00 também com a descrição “Project Management “... Shop” ;

k)    Quanto à data de constituição da sociedade E... ser posterior à campanha “... Shop”, a Requerente pagou os honorários devidos aos seus prestadores de serviços porque não tinha qualquer motivo para duvidar da prestação do serviço (efetivamente realizado e com sucesso), sendo alheio à Requerente a forma como F...G... e as sociedades que a seu mando intervieram na prestação dos serviços (de promoção comercial), incluindo a sociedade E..., Lda., logo,  a existir alguma irregularidade, o que se pensa não ser o caso, mas que sendo é facto alheio à Requerente; 

l)      A data de constituição da sociedade E... não deve ter qualquer relevância na aferição da dedutibilidade do gasto para efeitos do artigo 23.º do Código do IRC. Tanto assim é que a data de constituição indicada pela AT (29/09/2016) corresponde à data do registo da sua constituição perante o registo comercial, sendo igualmente certo que a campanha decorreu entre 12/09 e 20/11 daquele ano de 2016;

m)   Sendo que a lei comercial admite a existência de sociedades irregulares que, como o próprio nome indica, são entidades coletivas em que, na sua constituição, não foram observados os requisitos legais exigíveis, nomeadamente, escritura pública ou registo definitivo do contrato de sociedade na Conservatória de Registo Comercial, mas têm personalidade e capacidade tributária;

n)    Conclui a Requerente que os gastos contabilizados na conta 62211 – Trab.Especial.c/IVA Dedutível foram incorridos para obter proveitos sujeitos a IRC; (ii) a fundamentação da AT é insuficiente porque, e (iii) é ilegal a inversão do ónus da prova levada a cabo pela AT, já que não faz prova nem sequer alega quais os motivos para negar a existência de uma ligação entre os custos indicados e a atividade da Requerente.

 

E)   Das Tributações autónomas

 

Nesta sede alega a Requerente que as tributações autónomas pretendidas incidem sobre os gastos da Requerente, sendo, por isso, independentes do seu rendimento acréscimo, lucro ou enriquecimento, verificados, ou não, no decurso do exercício de 2016, a sua exigência é assim inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva medida pelo lucro real, não sendo, por isso, devidas.

 

F)    Quanto à liquidação em IVA 

 

a)     Em relação ao IVA incluído nos gastos, cuja dedutibilidade em IRC não foi aceite com base na alegada aplicabilidade da disciplina do artigo 23.º do CIRC (refletida no período 201709T – terceiro trimestre de 2017), também  não foi, consequentemente, aceite, por esse motivo, a sua dedutibilidade. Sendo pois aqueles gastos dedutíveis para IRC, é manifesto serem-no também para efeitos de IVA;

b)    A Requerente termina pedindo juros por prestação indevida de garantia.

 

5.A Requerida, na resposta, apresenta os argumentos que se seguem.  

 

a)     Segundo a Requerida, a primeira questão vem suscitada pela Requerente nos artigos 4.º a 6.º e 8.º a 14.º da sua PI e consiste em saber se, tendo a Requerente apresentado o pedido de RG em 03/05/2021, volvidos quatro meses sem decisão, em 04/09/2021, se formou indeferimento tácito do pedido de RG, verificando-se que, “Da consulta do Sistema de Contencioso Administrativo Tributário (SICAT), se constata que, em 07/12/2021 foi proferido despacho de indeferimento pelo Chefe de Divisão da DF de Lisboa, tendo a Requerente sido notificada de tal despacho, por Ofício, datado dessa mesma data”, em resultado da convolação em definitivo do projeto de decisão e o indeferimento da RG, atendendo a que não foram trazidos aos autos argumentos que permitiram determinar diferente apreciação do pedido;

b)    Assim, conclui a Requerida que, ao contrário do que a Requerente alega na sua PI, os alegados novos argumentos da reclamação graciosa “foram mesmo objeto de apreciação, quer no projeto de decisão, quer na decisão final de indeferimento, decisões que foram notificadas à Requerente (…).”;

c)     Quanto à alegada falta de fundamentação dos atos tributários  impugnados, argumenta a Requerida que não assiste razão à Requerente porquanto  podemos verificar que a “informação” prestada em cada uma das liquidações adicionais ora em análise, segundo um «bonus pater familiae», está em condições de conhecer o «iter» cognoscitivo seguido pela AT;

d)    Prova de que “a Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance do ato”  resulta do próprio exercício jurídico-argumentativo que fez através quer no presente pedido de pronúncia arbitral, quer na Reclamação Graciosa que apresentou;

e)     Quanto à liquidação adicional de IRC, as correções à matéria coletável decompõem-se do seguinte modo: i) custos relacionados com imóveis - € 130.000,00; ii) despesas com outros serviços - € 4.772,00; iii) despesas com deslocações e estadas - € 1.839,59; iv) gastos com trabalhos especializados - € 100.000,00.

 

Dos custos relacionados com imóveis

 

a)     Alega que nos termos do contrato celebrado em 1 de novembro de 2015, com a sociedade H..., Lda, tinha o direito de utilizar 2 postos de trabalho disponibilizados no C... e beneficiar de um conjunto de serviços administrativos acessórios e de BackOffice, contudo este espaço não lhe permitia nenhum contacto com clientes e fornecedores o que levou à tomada de decisão de subarrendar um imóvel com os referidos propósitos;

b)    A Requerente não prova que o espaço que ocupava no C... não permitia o contacto com clientes e fornecedores, pois resulta claro do contrato que para além das 4 horas mensais de salas de reunião incluídas nos “Serviços base” podia contratar serviços adicionais, nomeadamente mais horas de salas de reunião ou um espaço de escritório com uma área superior;

c)     Por outro lado, no que concerne ao argumento da necessidade do subarrendamento para se diferenciar da concorrência na angariação de clientes e prestar melhor serviço, alega a Requerida que a Requerente não junta qualquer prova, designadamente de que “o subarrendamento do imóvel tenha contribuído para a angariação de clientes, não fez prova de ter proporcionado receções e pequenos eventos com clientes e fornecedores e, como já referimos, também não fez prova de que houvesse redução de custos”, nem declarou qualquer empregado;

d)    Em suma, a Requerente não prova, que não pudesse ocorrer contactos mais personalizados com os diferentes parceiros, na sede da empresa, apesar desta se situar num centro empresarial que alberga várias empresas distintas, não bastando argumentar que o subarrendamento do imóvel ao sócio-gerente trouxe vantagens para a sociedade e depois não fazer essa prova.

 

Das despesas com outros serviços

 

a)     Notificado a Requerente para esclarecer os motivos dos referidos gastos este veio referir que o valor em causa se justificava do seguinte modo: i) € 4.152,00 – valor referente à aquisição de presentes de Natal para clientes e potenciais clientes; ii) € 120,00 – valor referente a atividade com parceiros da empresa D... em Portugal; iii) € 500,00 - valor referente a atividade com parceiros da empresa D... em Portugal;

b)    No exercício do direito de audição ao projeto de relatório a Requerente não se pronunciou sobre este ponto e, em sede de procedimento de reclamação graciosa e no presente pedido arbitral, volta a repetir as justificações dadas em sede de procedimento de inspeção, ou seja, que o valor de € 4.152,00 se refere a despesas com a aquisição de ofertas de Natal para clientes e potenciais clientes e que os outros dois valores, € 120,00 e € 500,00, são despesas com o parceiro D..., de acordo com os usos comerciais;

c)     Considerando que o ónus de prova recai sobre a Requerente conclui a Requerida que a Requerente não comprova com factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade e a única explicação que encontra para justificar a congruência económica da operação é a de que os gastos foram incorridos em linha com os usos comerciais da atividade desenvolvida;

d)    Sobre os outros dois registos, que o sujeito passivo refere tratar-se de atividade com parceiros da empresa D... em Portugal, os documentos de suporte são as faturas do fornecedor I..., Lda, com a descrição de “Passeio por Belém” e “Passeio a Fátima” também não é produzida qualquer prova de que exista uma ligação entre esses gastos e a atividade desenvolvida pela Requerente.

 

Das despesas com deslocações e estadas

 

a)     Em relação às despesas com a viagem à India, a Requerente alegou tratar-se de deslocação dos seus representantes àquele País em visita de prospeção, mas analisada a factura, verifica-se que o valor aqui em causa corresponde apenas ao valor da passagem aérea, sendo que o embarque ocorreu em 05/01/2017 e o regresso em 13/01/2017;

b)    A ser a viagem no interesse da empresa a Requerida refere não perceber a razão de apenas serem suportadas as despesas de deslocação, quando terá durado uma semana. Por outro lado, justificando-se a viagem com a necessidade de prospeção de novos parceiros e fornecedores, a Requerente não junta provas de contactos efetuados com eventuais parceiros e fornecedores;

c)     Conclui a Requerida que, não sendo dada qualquer justificação nem tendo sido junto qualquer elemento de prova ao processo, parece razoável a dúvida levantada pelos SIT no relatório inspetivo de que esta despesa, seja de facto, do interesse da empresa;

d)    Relativamente ao evento no Hotel ..., ficou por comprovar que o gasto foi suportado no interesse da empresa.

 

Dos gastos com trabalhos especializados

 

a)     Os SIT ao verificarem, em sede de procedimento inspetivo, que a sociedade registou na conta 62211 – Trabalhos Especializados, no valor de € 100.000,00, notificaram a sociedade para indicar, “…quais os serviços efetivamente prestados, juntar cópia do contrato de prestação de serviços, bem como se as mesmas contribuíram para a realização de proveitos conforme o estatuído no artigo 23.º do CIRC”.

b)    Sendo que a sociedade não apresentou qualquer justificação nem os documentos solicitados e os SIT entenderam que os gastos em causa não deviam ser considerados para efeitos fiscais, nos termos do disposto no artigo 23º do Código do IRC, precisamente porque não foi demostrado que os mesmos foram suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

Liquidação adicional de IVA 

a)     Em relação ao IVA contido na fatura FA 2016/1 emitida pela sociedade E... Unipessoal, Lda, NIF: ..., argumenta a Requerida que o mesmo não é dedutível;

b)    Segundo a Requerida a IT verificou que, relativamente às despesas contidas na fatura FA 2016/1, de outubro de 2016, no valor de € 100.000,00, emitida pela sociedade F... Unipessoal, Lda, NIF..., com a descrição “Projeto ... Shop”, a Requerente «não apresentou os documentos solicitados, nomeadamente, os contratos de prestação de serviços e, não comprovou que os mesmos contribuem para a realização de proveitos conforme estatuído no artigo 23.º do CIRC.» (Cf. página 15 do RIT), concluindo-se pela não aceitação  como gasto fiscal do exercício de 2016, nos termos do disposto no artigo 23º do Código do IRC.»;

c)     Donde, veio a IT a retirar a conclusão de que, em sede de IVA, não se tendo comprovado a sua relação direta com os rendimentos obtidos pelo sujeito passivo, nos termos do artigo 20.º do Código do IVA, o IVA contido na referida fatura FA 2016/1, de outubro de 2016, no valor de € 100.000,00 não poderia ser deduzido;

d)    Com efeito, ao entender assim, a IT não incorreu em erro quando concluiu que a Requerente deduziu indevidamente IVA, pelo que, no nosso entender, deve ser julgado improcedente o pedido, também, nesta parte;

e)     Quanto ao pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, deve o mesmo ser indeferido por não verificação dos pressupostos do artigo 53.º da LGT. 

 

6.     Teve lugar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, durante a qual se procedeu à inquirição das testemunhas em conformidade com o consignado nas atas de 21 de abril e de 19 e 26 de maio de 2022, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. Mais foram as partes notificadas para produzirem alegações sucessivas e indicada a data de 1 de agosto de 2022 para prolação da Decisão arbitral. Data esta prorrogada, por despacho de 27 de julho, fixando-se o dia 1 de outubro como data de prolação da Decisão arbitral, pelas razões constantes do mencionado despacho que se dá por reproduzido para os legais e devidos efeitos.       

 

7.     As partes apresentaram alegações. Nas suas alegações a Requerente veio invocar inovadoramente que quer no processo inspetivo, quer também no gracioso, quer ainda no arbitral, a AT omitiu dados essenciais à descoberta da verdade material que era do seu conhecimento devendo a sua atuação ser reconhecida com litigância de má-fé. Sobre esta questão a Requerida nada disse.

 

II.             SANEADOR

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

III.      DO MÉRITO

 

III.1. Matéria de Facto

 

§1.º Factos dados como provados 

 

Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:

a)     A Requerente é uma sociedade por quotas que iniciou a sua atividade em 15/11/2010, encontra-se registada com o código de CAE 73110 e tem como objeto social: prestação de serviços de comunicação, consultoria e relações-públicas, gestão de espaços, produção e organização de eventos, gestão de marcas, representações e agenciamento, gestão de patrocínios e consultoria de marketing, marketing promocional, marketing relacional e publicidade;

b)    A Requerente tem a sede social no C..., que é um espaço de coworking composto por 27 escritórios, com áreas entre os 20m2 e os 50m2, 2 salas de reuniões, um auditório para 144 pessoas e acesso a estacionamento público nos pisos -3 e -4 do Espaço ... ;

c)     Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços de Utilização de Espaço e Serviços Acessórios, celebrado em 1 de novembro de 2015, entre a Requerente e a sociedade H..., Lda. –, a primeira tem o direito de utilizar 2 postos de trabalho disponibilizados no C... e beneficiar de um conjunto de serviços administrativos acessórios e de back-office; conforme Doc. 8 junto pelo Requerente.

d)    Foi efetuada, pela Inspeção Tributária (IT) da Direção de Finanças (DF) de Lisboa, uma ação de inspeção à Requerente, relativamente ao ano de 2016, devidamente credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2017...;

e)     A Requerente foi previamente notificada do procedimento externo de inspeção, através do envio de carta-aviso remetida para a morada da sede; 

f)     A ação de inspeção visou a confirmação dos valores declarados de IRC e IVA e tem natureza externa e âmbito parcial para o exercício de 2016, nos termos da (alínea b) do artigo 13º e alínea b) do nº 1 do artigo 14º, ambos do RCPITA;

g)    Os atos inspetivos tiveram início em 2020-02-21, foram objeto de prorrogação por um período de 3 meses, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 36.º do RCPITA, por despacho de 03-08-2020 do Diretor de Finanças de Lisboa, tendo esta sido comunicada ao sujeito passivo através do ofício n.º ... de 03-08-2020;

h)    Assim, no âmbito do procedimento inspetivo foi elaborado, em 29/09/2020, o RIT, no qual se encontram descritas, no ponto III, as situações irregulares detetadas pela Inspeção Tributária (IT) e que abaixo se transcrevem:

I -  Subponto “III.1.1 – Correções à matéria coletável” (do subponto “III.1 – IRC”):

a) «Para o conceito fiscal de gasto vale a definição constante da norma citada [artigo 23.º, n.º 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas], a qual, depois de definir, de uma forma ampla, a noção de gasto como englobando todas as despesas efetuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo.»;

b) «É no conceito ínsito no artigo 23.º do Código do IRC que radica a questão essencial da consideração fiscal dos custos empresariais e que assenta a distinção fundamental entre o custo efetivamente incorrido no interesse coletivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios, ou de terceiros, ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo.»;

c) «Temos então que as despesas efetuadas pelas empresas que se destinem a obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, constituem os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal, quando estando devidamente comprovados.»;

d) «A ausência deste requisito implica a não consideração dos referidos elementos como gastos fiscais, devendo os respetivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.».

II -  Subponto “III.1.1.1 do RIT – Gastos relacionados com imóveis” (do subponto “III.1 – IRC”):

a) «(…) [Verifica-se] a existência de gastos contabilizados no ano de 2016 e registados na conta 626154 – Out. Rendas Isentas, conforme quadro» constante da página 11 do RIT e referente «(…) ao imóvel afeto a habitação, inscrito na matriz predial sob o artigo ... fração D, da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sito na ..., n.º...–..., ...-... Lisboa.»;

b) «Os gastos em causa referem-se a rendas, do referido imóvel sub-arrendado ao sujeito passivo A..., pelo seu sócio gerente B...», cujo contrato se encontra  junto ao processo;

c) «O sujeito passivo, em resposta à notificação apenas respondeu “Aluguer de espaço para a empresa A...”, não indicando a sua necessidade para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.»;

d) «Constata-se que no ano em análise não foi exercida qualquer atividade no imóvel acima identificado, uma vez que a atividade do sujeito passivo era exercida na sua sede na Rua ..., Sala ..., ...-... Lisboa, não tendo o sujeito passivo comprovado a contribuição destes gastos para a obtenção de proveitos.»;

e) «Assim, os gastos suportados contabilizados como rendas de imóveis no valor de €

130.000,00, não são aceites como gasto fiscal do exercício de 2016, nos termos do disposto no artigo 23º do Código do IRC.».

III -  Subponto “III.1.1.2 – Despesas com Outros Serviços” (do subponto “III.1 – IRC”):

a) «Durante o exercício de 2016, detetaram-se registos contabilísticos, referentes a despesas incorridas pelo Sujeito Passivo, registados como gasto e contabilizados conta 6268083 – Outros Serviços Outros(REI), conforme quadro [constante da página 12 do RIT] no valor de € 4.772,00 referente a despesas incorridas pelo sujeito passivo.»;

b) «Foi notificado o Sujeito Passivo para indicar o motivo dos referidos gastos, (…)»;

c) «O sujeito passivo, em resposta à notificação esclareceu que: “MOVIMENTO 2016-01-06 0006 00... Valor referente a aquisição de presentes de Natal para clientes e potenciais clientes MOVIMENTO 2016-06-04 0006 00... Actividade com parceiros da empresa D... em Portugal MOVIMENTO 2016-06-07 0006 000000032 Actividade com parceiros da empresa D... em Portugal”.»;

d) «(…) [Em] relação ao Movimento 2016-01-06 0006 000000087, (…) trata-se da Fatura-recibo n.º 59 emitida em 06/01/2016 por J..., com a atividade de “Comissionista”, com a descrição de “Prestação de serviços” sendo a data da prestação de serviços de 31/12/2015.»;

e) «Movimentos 2016-06-04 0006 00... e 2016-06-07 0006 00..., (…) os documentos de suporte aos referidos movimentos são as faturas FAC I/5 e FAC I/6 de junho de 2016 do fornecedor I..., Lda, com a descrição de “Passeio por Belém” e “Passeio a Fátima” respetivamente.»;

f) «Assim, os gastos suportados contabilizados como outros serviços no valor de € 4.772,00, uma vez que não foi indicado a sua necessidade para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, não são aceites como gasto fiscal do exercício de 2016, nos termos do disposto no artigo 23º do Código do IRC.».

IV -  Subponto “III.1.1.3 – Deslocações e estadas” (do subponto “III.1 – IRC”):

a) «(…) [Detetaram-se] registos contabilísticos, referentes a despesas registadas como gastos e contabilizadas como Deslocações e Estadas, nas contas 625123 e 625125, que se descriminam nos quadros [constantes da página 13 do RIT], em que não são referentes a deslocações de trabalhadores dependentes da sociedade.»;

b) (…) [O] sujeito passivo em resposta à notificação já mencionada, não comprovou a sua contribuição para a obtenção de proveitos, indicando genericamente que: Movimento  2016-06-03 0006 00... “…referente à participação em evento com clientes e potenciais clientes no Hotel...”; Movimento 2016-12-29 0006 00... “Valor referente a passagem aérea à India para prospecção de mercado, de novos parceiros e fornecedores.”- (nota: a viagem foi efetuada em janeiro de 2017); Movimento 2016-12-05 0006 000... “Valor referente a viagem e estadia em Barcelona com intuito de expansão das campanhas de fidelização para o mercado espanhol.”»;

c) «Assim, e face ao exposto, as despesas mencionadas no quadro acima, no valor total de € 2.439,71 irão ser por nós desconsideradas como deslocação e estadas não sendo aceites como gasto fiscal, nos termos do artigo 23.º do CIRC.».

V -  Subponto “III.1.1.4 – Gastos com Trabalhos Especializados (do subponto “III.1 – IRC”):

a) «(…) [Verifica-se] a existência de gastos contabilizados no ano de 2016 e registados na conta 62211 – Trab.Especial.c/IVA Dedutível, registo contabilístico 2016-10-12 00...»;

b) «O documento de suporte ao referido movimento é a fatura FA 2016/1 de outubro de 2016 da Sociedade E... Unipessoal, Lda, NIF:..., com a descrição de “Projeto ... Shop”.»;

c) «(…) [A] sociedade E... Unipessoal, Lda, conforme Certidão Permanente foi constituída em 29/09/2016, verificando-se que o serviço prestado no âmbito do projeto “... Shop” foi efetuado (campanha decorreu entre 12/09 a 20/11) e faturado antes da constituição da sociedade E... Unipessoal, Lda, logo não se entende a explicação do sujeito passivo.»;

d) «(…) [O] sujeito passivo não apresentou os documentos solicitados, nomeadamente, os contratos de prestação de serviços e, não comprovou que os mesmos contribuem para a realização de proveitos conforme estatuído no artigo 23.º do CIRC.»;

e) «Assim, os gastos suportados contabilizados como Trab.Especial.c/IVA Dedutível, no valor de € 100.000,00, não são aceites como gasto fiscal do exercício de 2016, nos termos do disposto no artigo 23º do Código do IRC.».

VI -  Subponto “III.1.2 – Tributações Autónomas (do subponto “III.1 – IRC”):

a) «De acordo com o mapa de reintegrações e amortizações o sujeito passivo possuía no ano em análise o veículo ... Touring, matrícula ... com valor de aquisição superior a €24.250,00.»;

b) «(…) [Verifica-se] que o sujeito passivo registou como gasto na conta 64241 – Amort.Equipamento de Transporte o valor de € 6.062,50.»;

c) «Como referido anteriormente, todos os encargos com viaturas ligeiras de passageiros são tributadas autonomamente à taxa de 10%, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 88º do Código do IRC (…)»;

d) «Em consequência, procede-se à correção técnica do imposto em falta, no montante de: € 602,25.».

VII - Subponto “III.2.1 – IVA deduzido indevidamente” (do subponto “III.2 – Imposto sobre o Valor Acrescentado”):

a) «Como mencionado nos pontos III.1.1.4 [Gastos com Trabalhos Especializados, do subponto III.1 – IRC], foram detetados gastos que atendendo às suas características não foram aceites como gastos dedutíveis fiscalmente no ano em análise, uma vez que os mesmos não se encontravam diretamente relacionados com a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo, ou seja, não se comprovou a sua relação direta com os rendimentos obtidos pelo sujeito passivo.»;

b) «(…) [Logo], o IVA contido na fatura FA 2016/1 emitida pela sociedade E... Unipessoal, Lda, NIF: ..., e atendendo que a mesma não se encontra relacionada com as operações ativas realizadas pelo sujeito passivo, não poderia ser deduzido.»;

c) «Assim, conclui-se que o sujeito passivo deduziu indevidamente imposto no ano de 2016 no valor de € 23.000,00 [(€ 100.000,00) x 23%)].».

Conforme subponto III.3 do RIT, tendo em conta os factos descritos e os fundamentos expostos nos subpontos III.1 (IRC) e III. 2 (IVA), a IT propôs as seguintes correções meramente aritméticas:

a) «(…) [Para] o exercício de 2016 em sede de IRC no valor de € 237.211,71, como se demonstra no quadro» constante das páginas 17 e 18 do RIT, correções que levaram à alteração do lucro tributável corrigido (€ 310.499,82), conforme quadro constante da página 18 do RIT;

b) «Em sede de IVA propõem-se correções no período 201604T, campo 24, no valor de € 23.000,00.».

Nessa sequência, foram verificadas as seguintes infrações, que constam do ponto VII do RIT:

a) Subponto “III.1.1 – Gastos não aceites fiscalmente”: artigos infringidos 17.º, 23.º, 23.º- A, e 43.º do CIRC; artigos punitivos 119.º n.º 1 e 26.º nº 4 do RGIT;

b) Subponto “III.1.2 – Falta de Tributações Autónomas”: artigos infringidos 88.º do CIRC; artigos punitivos 119.º n.º 1 e 26.º n.º 4 do RGIT;

c) Subponto “III.2.1 – IVA deduzido indevidamente”: artigos infringidos 20.º do CIVA; artigos punitivos 114.º n.º 2 e 26.º n.º 4 do RGIT;

d) Falta de envio de declaração recapitulativa: artigos infringidos 30.º nº 1,2 e 23 n.º 1 c) do RITI; artigos punitivos 116.º n.º 1 e 26.º n.º 4 do RGIT. (…)

Ora, em sede de direito de audição, «(…) o sujeito passivo não contesta a totalidade das correções propostas, o mesmo apenas se pronuncia sobre uma parte do valor de «Deslocações e estadas» e sobre «Trabalhos Especializados»; e, «[nos] pontos 7 a 16, pronuncia-se sobre as «Deslocações e estadas» (…)».

Relativamente aos «(…) pontos 17 a 39, [a ora Requerente] pronuncia-se sobre «Trabalhos Especializados» (…)» e a IT entendeu que não são «(…) aceites os argumentos apresentados pelo sujeito passivo, referentes aos “Trabalhos Especializados”, mantendo-se as correções propostas.».

Finalmente, como conclusão, no ponto X do RIT, a IT entendeu que:

a) «(…) [As] correções propostas em sede de IRC vão ser alteradas para o valor de €236.611,59 (€ 237.211,7 - 600,12), mantendo-se as correções em sede de IVA no valor de €23.000,00 e as Tributações Autónomas no valor de € 602,25.»;

b) «Os atos de inspeção iniciados em 2020-02-21, foram concluídos em 2020-11-02 com a notificação da nota de diligência.».

i)      A Requerente apresentou, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 71.º e 131.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), pedido de reclamação graciosa (RG), que deu origem ao processo n.º ...2021..., conclui pedindo:

a) «Notificação integral dos despachos de delegação e sub-delegação de competências, bem como dos despachos de início, suspensão, prorrogação e encerramento dos procedimentos inspetivos»;

b) «Total anulabilidade das liquidações adicionais de tributos (IVA e IRC)»;

c) «Assim como dos correspondentes juros compensatórios»;

d) «Não liquidação de qualquer coima»;

e) «Encerramento, além disso, dos eventuais processuais executivos por inexistência de quantia exequenda que seja legalmente devida.».

j)      Compulsada a informação que constituiu o projeto de decisão, verifica-se que foi proposto o indeferimento da RG, de acordo com os seguintes fundamentos que se transcrevem:

I - Sobre a alegada falta de competência e prazos de fiscalização:

a) «A competência é definida por lei, podendo ser delegada e subdelegada (art.º 44.º e art.º 46.º do CPA), sendo que os atos praticados ao abrigo de delegação ou subdelegação de poderes, valem como se tivessem sido praticados pelo delegante ou subdelegante encontrando-se, no caso em análise devidamente publicitados nos DR (DL 413/98 de 31 de dezembro; Despacho 8378/2019 de 20 de setembro; Despacho 2087/2019 de 1 de março).»;

b) «O início do ato externo de inspeção depende da credenciação dos funcionários, entendida como a posse da Ordem de Serviço emitida pelo serviço competente do superior hierárquico, que determinou a realização do ato.»;

c) «No caso de inspeção externa, o contribuinte deve ser notificado por carta-aviso, exceto em relação a algumas situações enunciadas no n.º 1 do art.º 50.º do RCPITA, com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início.»;

d) «A carta-aviso deve conter além da sua identificação, o âmbito e extensão da inspeção e, um anexo com os direitos, deveres e garantias dos sujeitos passivos no procedimento de inspeção (artigo 49.º do RCPITA).»;

e) «Nos termos do n.º 1 do art.º 15.º do RCPITA, os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspeção podem ser alterados durante a sua execução, mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, e deve ser notificado à entidade inspecionada.»;

f) «O procedimento de inspeção deve ser concluído no prazo de seis meses a contar da

notificação do seu início, podendo em algumas circunstâncias ser ampliado por mais dois períodos de três meses (art.º 36.º do RCPITA).»;

g) «Dispõe o art.º 51.º do RCPITA, que a data da assinatura da ordem de serviço (2020-02-21) determina o início do procedimento inspetivo externo, considerando-se este concluído na data da notificação do relatório final (2020-11-06), nos termos do art.º 62.º do mesmo diploma.»;

h) «O relatório de inspeção será assinado pelos funcionários intervenientes no procedimento e conterá o parecer do chefe de equipa, que intervenha ou coordene, bem como o sancionamento superior das suas conclusões.»;

i) «[Os] despachos de concordância não padecem de qualquer vício, que afete a sua validade formal, visto ser expressamente mencionado nos mesmos que o ato é praticado ao abrigo de subdelegação de competências (Carta-aviso e Ofício ..., de 2020-01-31, Ordens de Serviço, Informação de pedido de alteração de âmbito do procedimento, informação de prorrogação do prazo de inspeção, Projeto de relatório de inspeção e Relatório de inspeção).».

II – Sobre a alegada falta de fundamentação das liquidações:

a) «(…) [A] mera falta de notificação da fundamentação de um ato de liquidação não gera a invalidade deste, antes dando direito ao sujeito passivo de requerer no serviço de finanças competente a notificação da fundamentação ou a passagem de certidão que a contenha (art.º 37.º do CPPT), o que não se verifica no caso em análise uma vez que as liquidações resultantes do procedimento inspetivo, contêm a seguinte fundamentação:

“Apuramento proveniente de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) decorrente do procedimento de Inspeção, credenciado pela ordem de serviço n.º OI2017..., no âmbito do qual foi remetida a respetiva fundamentação, constante do Relatório Final de Inspeção Tributária.”

“Fica notificado da correção efetuada ao valor do excesso a reportar existente na conta corrente de IVA, nos termos aqui indicados e com os fundamentos constantes do relatório de inspeção que lhe foi enviado. Esta correção foi feita nos termos do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 229/95, de 11 de setembro e repercute-se para os períodos de imposto seguintes.”»;

b) «Ademais, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 52.º do RCPITA, o sócio gerente da sociedade B... assumiu as relações com a Administração Tributária, sendo que ao longo do processo inspetivo, foi notificado, para esclarecer/justificar e para apresentar elementos, que suscitaram duvidas à Autoridade Tributária, tendo este tomado conhecimento de todos os atos praticados no âmbito do procedimento inspetivo ao abrigo da ordem de serviço OI2017... .».

III -  Sobre os gastos não aceites como custo fiscal:

a) «Nos termos do art.º 23.º do CIRC, só se consideram gastos do exercício, os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização de rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.»;

b) «É entendimento da doutrina, que a comprovação e a indispensabilidade são dois requisitos essenciais para que um custo contabilístico seja aceite como custo fiscal.»;

c) «A comprovação exigida no artigo 23.º do CIRC, reporta-se à efetividade da realização dos custos e a exigência de comprovação através de meios de prova.»;

d) «A alternativa ao método declarativo consiste na aplicação de correções técnicas, tendo por base a contabilidade do contribuinte, que se consubstancia em correções e ajustamentos efetuados à contabilidade, sendo o meio de prova sempre documental.»;

e) «Nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos recai sobre quem os invoque, (…).»;

f) «(…) [Cabia] à reclamante o ónus da prova da indispensabilidade dos gastos objeto de correção no âmbito do procedimento inspetivo, bem como que esses gastos se encontravam diretamente relacionados com a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo.»;

g) «(…) [As] correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária se encontram corretas, não sendo tais custos aceites ao abrigo do disposto no art.º 23.º do CIRC, bem como os atos praticados pelos intervenientes do processo não enfermam qualquer ilegalidade.».

“(…)”.

V -  Sobre o pedido de juros indemnizatórios:

«(…) [Por] não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do art.º 43.º da LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios.».

k)    Sobre o pedido de reclamação recaiu decisão de indeferimento expresso, por despacho, datado de 07/12/2021, do Chefe de Divisão da DF de Lisboa e notificada à Requerente, por Ofício datado dessa mesma data, em resultado da convolação em definitivo do projeto de decisão e o indeferimento da reclamação;

l)      A Requerente foi notificada da liquidação n.º 2020..., de 16.11.2020, correspondente à nota de cobrança n.º 2020..., no montante de € 57.183,48, que inclui juros compensatórios no valor de € 6.749,39;

m)   Em 29/11/2021, a Requerente solicitou a constituição de Tribunal Arbitral com base nos factos e nos fundamentos que constam da sua PI, e que sumariamente acima já se enunciaram, formulando, no essencial, pedido de anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2020..., relativa ao exercício de 2016 e de IVA n.º 2020..., relativa ao período 2017/09T, nos montantes de € 57.183,48 e € 21.917,71, respetivamente;

n)    A Requerente não procedeu ao pagamento das referidas liquidações, nem apresentou prova do pagamento de prestação de garantia;

o)    Os  custos relacionados com imóvel  no montante de € 130.000,00 registados na conta 626154, encontram-se documentados pelos recibos de renda eletrónica, n.º.../1, .../2, .../3, .../4, .../5;

p)    O apartamento referenciado supra foi utilizado para receber clientes em reuniões de trabalho e exposição de produtos utilizados nos trabalhos que desenvolveram com a Requerente (depoimento testemunhal);

q)    O imóvel tinha potencialidade para criar contacto mais próximo com clientes e fornecedores (depoimento testemunhal);

r)     Quanto aos gastos com trabalhos especializados no montante de €100.000,00, registados na conta 62211, daanálise da contabilidade verifica-se que esta despesa se encontra documentada (doc n.º1), através da emissão da fatura FA 2016/1, com a descrição do serviço prestado “Projeto ... Shop”, no montante de €100.000.00,  pela sociedade E..., Unipessoal, Lda, com o número de identificação de pessoa coletiva...;

s)     A campanha publicitária decorreu entre 12 de setembro e 20 de Novembro e os honorários faturados correspondem ao trabalho prestado à Requerente pela colaboração de nessa campanha de F... e G..., atendendo aos contactos e experiência nesta área ( prova testemunhal);

t)      Os honorários pagos foram prestados, parcialmente, antes da constituição da sociedade E... .

 

§ 2.º Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados. 

 

§3.º Fundamentação da matéria de facto provada e não provada  

 

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, antes, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o disposto nos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e Ex), do RJAT. 

            Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. o artigo 596.º do CPC).

            No que se refere aos factos provados e não provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, na prova testemunhal produzida e na posição assumida por ambas as Partes em relação aos factos essenciais, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.

Em relação à prova testemunhal e aos custos relacionados com o imóvel, sito na Travessa..., as testemunhas inquiridas no presente processo, K... e L... demonstraram conhecer o apartamento por terem estado no mesmo em reuniões de trabalho, através da identificação de material e de produtos expostos, que ocupavam parte de uma sala e testemunharam com isenção e conhecimento direto dos factos que relataram.

Quanto aos gastos com trabalhos especializados foram tidos em conta os depoimentos das testemunhas M... e G..., que caracterizaram o desenrolar da Campanha Publicitária e descreveram a colaboração prestada pelos principais intervenientes. Também aqui as testemunhas descreveram os serviços em causa manifestando conhecimento direto e isenção. 

 

 

III-2- DO DIREITO 

 

Como ficou dito, as questões a decidir prendem-se com as seguintes alegadas ilegalidades: 

 

A-   Da Liquidação Adicional de IRC

Conforme suprarreferido a Requerente foi sujeita a uma ação de inspeção externa, com vista à confirmação dos valores de IRC e IVA, e da qual resultaram, em sede de IRC, as seguintes correções: i) à matéria tributável, no montante de € 236.611,56; ii) ao imposto – tributações autónomas, no montante de - € 602,25.

As correções à matéria coletável decompõem-se do seguinte modo: i) custos relacionados com imóveis - € 130.000,00; ii) despesas com outros serviços - € 4.772,00;iii) despesas com deslocações e estadas - € 1.839,59;iv) gastos com trabalhos especializados - € 100.000,00.

 

B-   Da Liquidação Adicional de IVA

C-   Da ilegalidade das tributações autónomas 

 

Na apreciação das ilegalidades invocadas as questões essenciais e transversais a decidir prendem-se com :i) A alegada falta de fundamentação; ii) O erro nos pressupostos de facto e de direito quanto ao sentido e alcance do artigo 23.º do CIRC; iii) O erro nos pressupostos de facto e de direito quanto ao sentido e alcance das regras do ónus da prova que decorrem do artigo 74.º, n.º1, da LGT.

Na análise que se segue começaremos pela análise da ilegalidade das correções em matéria de IRC, abordaremos depois a ilegalidade da liquidação em sede de IVA e terminaremos com a análise da ilegalidade imputada às tributações autónomas. 

 

III- 2-1- Questões gerais 

 

§1.º Quanto à alegada falta de fundamentação 

 

Em termos gerais, como é sabidoo artigo 77.º da LGT determina que “[a] decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram.” 

Como se pode ler na Decisão Arbitral n.º 211/2021-T “Conforme é unanimemente preconizado pela doutrina e pela jurisprudência, a obrigação de fundamentação dos atos em matéria tributária, cumpre duas funções: uma de natureza exógena, que visa colocar o administrado em condições de conhecer os fundamentos que motivaram a autoridade administrativa a decidir da forma que o fez, por forma permitir-lhe optar conscientemente entre a aceitação do acto e a sua impugnação; e outra de natureza endógena, que visa não só assegurar que os agentes da administração ponderem, de forma séria, cuidada e isenta, os factos concretos e as disposições legais aplicáveis em cada caso, mas também assegurar e garantir o controlo, particularmente pelos tribunais, da observância dos princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade, que se impõem à actuação da administração, aferindo o acerto jurídico das respectivas decisões.

Razão por que é essencial a suficiência e a clareza da fundamentação, de modo a que o administrado possa dispor dos elementos necessários à compreensão da motivação do acto administrativo e/ou tributário, permitindo-lhe conhecer as razões fácticas e jurídicas que estiveram na sua base, por forma a aceitá-las ou a rebatê-las, optando em consciência entre a aceitação da decisão e a sua impugnação; e de modo a que o próprio tribunal possa dispor de um real e efectivo controlo sobre a legalidade do acto, aferindo o respectivo acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.”Neste sentido, concluiu o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) no seu Acórdão de 27 de janeiro de 2016 (processo n.º 0324/15).”

Mais adiante na mesma Decisão acrescenta-se que “A razão de ser da necessidade de fundamentação é assegurar que as razões factuais e jurídicas sejam cognoscíveis pelo interessado de forma clara, para que este possa exercer o seu direito de defesa. Podemos dizer que a melhor ou pior fundamentação é essencialmente aferida segundo aquilo que o interessado entende e segundo a defesa que consegue apresentar. Ou seja, o dever de fundamentação emerge como um importante sustentáculo da legalidade administrativa e instrumento fundamental da respetiva garantia contenciosa (Cfr. Mário Esteves de Oliveira e outros, Código do Procedimento Administrativo, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, p. 589”).

Ora, transpondo o exposto para o caso em apreço verifica-se que a razão está do lado da Requerida. Analisado o Pedido podemos verificar que a informação prestada e os elementos fornecidos em que se fundaram as liquidações adicionais ora em análise integram a fundamentação suficiente para permitir à Requerente uma opção consciente e esclarecida entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa.

Acresce que, no caso dos autos, não obstante ter-se formado a presunção de indeferimento tácito sobre o pedido de Reclamação Graciosa apresentado pela Requerente, em 03/05/2021, assiste razão à Requerida quando argumenta que tal presunção não pôs fim ao procedimento, uma vez que o indeferimento tácito não anula o dever de decisão. Nesta sequência veio a ser proferida decisão de indeferimento expresso por despacho datado de 07/12/2021, do Chefe de Divisão da DF de Lisboa e notificada à Requerente, por Ofício datado dessa mesma data.

Assim sendo, ao contrário do alegado pela Requerente os novos argumentos da reclamação graciosa foram tidos em conta pela Requerida. 

Por outro lado, é manifesto e inquestionável, como alega a Requerida, que a Requerente demonstra ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral, que entendeu perfeitamente o sentido e alcance do ato, atento o exercício jurídico-argumentativo que fez através quer no presente pedido de pronúncia arbitral, quer na Reclamação Graciosa que apresentou.

Termos em que improcede a alegada ilegalidade por falta ou insuficiência de fundamentação.

 

§2.º Quanto aos pressupostos da dedutibilidade de gastos ( artigo 23.º do CIRC) e ónus da prova

 

A segunda questão de direito que vem colocada prende-se com o sentido e alcance do artigo 23.º do CIRC, tornando-se necessário estabelecer nesta sede algumas considerações prévias.

            A norma central nesta matéria é o nº 1 do artigo 23.º do Código de IRC, que determina que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”. 

Esta norma por sua vez, articula-se com os números 3 e 4 do mesmo preceito que se transcrevem:

3 — Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito. 

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos: 

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário; 

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional; 

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados; 

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço; 

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados. 

 

E finalmente o artigo 23º-A, nº 1 als. b) e c) que igualmente se transcrevem:

1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: 

(...)

b) As despesas não documentadas;

c) Os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 23.º, bem como os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º;

(…).

 

Como se pode ler na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 735/2019-T, são três requisitos para que um gasto possa ser deduzido.

O primeiro requisito encontra-se na primeira parte do n.º 1 do art.º 23.º e consiste em que o gasto tenha efetivamente ocorrido. Trata-se do requisito da “efetividade” do gasto, que a jurisprudência há muito estabeleceu (ac. STA de 22-01-2014, proc. nº 01632/13). Ter o gasto efetivamente ocorrido implica que tenha sido efetuado um pagamento, ou a obrigação de pagamento tenha sido satisfeita e extinta por outra forma que não o pagamento (compensação ou dação em pagamento, por exemplo), ou que tenha sido criada na esfera do sujeito passivo uma obrigação de pagamento.

Assim sendo, de uma forma genérica, não é possível aos sujeitos passivos deduzirem um gasto, ainda que bem documentado e ainda quando os documentos de suporte mostrem que tal gasto seria perfeitamente justificado pelo fim de realização do lucro, se não se demonstrar que o gasto é real, seja por existir um pagamento, seja por se ter extinguido por outra forma a dívida respetiva (vg. por compensação de créditos), seja ainda por ter sido gerada para o sujeito passivo uma obrigação de pagamento.

O segundo requisito encontra-se na segunda parte do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, sendo este um requisito de natureza finalística, que consiste em que o gasto deve ter sido realizado “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”. A lei deixou de falar em indispensabilidade dos gastos, como fazia anteriormente, exigindo agora que o gasto tenha sido incorrido para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. Determinante para a dedutibilidade do gasto na atualidade é que o gasto tenha como objetivo contribuir para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. A este segundo requisito, a fim de facilitar a exposição, daremos a designação de “justificação do gasto”.

O terceiro requisito diz respeito à documentação do gasto, subdividindo-se em dois aspetos. Em primeiro lugar, é necessário que o gasto se encontre documentado, ou seja que exista prova documental que permita verificar, pelo menos, a existência do gasto. Em segundo lugar, é necessário que o documento que prova a existência do gasto cumpra, ele próprio, vários requisitos quanto ao seu conteúdo, nomeadamente que contenha os elementos de informação elencados nas alíneas a) a c) do nº 4 do artigo 23º. 

 

Quanto ao sentido e alcance do artigo 23.º do CIRC, verifica-se que, na verdade, da atual redação do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, não consta que os gastos devam ser indispensáveis (ou necessários) para a obtenção de rendimentos, devendo apenas avaliar-se se os gastos ocorreram no âmbito e por força da atividade empresarial da Requerente, a qual tem, por definiçãoo, escopo lucrativo e é, nesse sentido, sujeita a IRC.

Note-se, porém, que, já no domínio da redação anterior a noção legal de indispensabilidade era interpretada sob uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivaliam aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproximava, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal.

O gasto imprescindível equivalia a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que representasse um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo dependia, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa. E “fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, processo n.º 0107/11): “A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.

O conceito de indispensabilidade não só não podia fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, como já se disse, como também não podia assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podiam, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.

O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos era e é exclusivo do empresário. Se ele decidisse fazer despesas tendo em vista prosseguir o objeto da empresa, mas fosse mal sucedido e essas despesas se revelassem, por último, improfícuas, não deixavam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilizasse como custo e se mostrasse estranho ao fim da empresa não era custo fiscal, porque não indispensável. Como ficou consignado em Acórdão do STA“Entendemos (...) que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa.” (Acórdão  proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05).

Mais recentemente defendeu, por unanimidade, o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 27-02-2018, proferido no processo n.º 01402/17: O conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artº 23º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados. (nosso negrito)

Mais entendeu que é aplicável à generalidade dos encargos suportados no interesse da atividade da empresa:

Consideramos definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos (23) (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.).Entendemos a indispensabilidade como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte. «Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. [...] O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa» (24) (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa.

A resposta à questão pressupõe, assim, a necessidade de ponderação entre a exigência de ligação entre os custos e a atividade da empresa e a liberdade de gestão dos seus órgãos sociais, com vista a encontrar o equilíbrio entre ambos os vetores.

 

Por sua vez, em relação ao funcionamento do ónus de prova, constitui jurisprudência pacífica que nesta sede tal ónus incide sobre o Sujeito Ppassivo, por estar em causa um facto constitutivo da dedução invocada (art. 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária). A este respeito, constitui pertinente orientação jurisprudencial que: “Se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade” (cfr. os acórdãos do TCA Norte de 11-02-2016, proc. n.º 00080/03 e do TCA Sul de 02-02-2010, proc. n.º 03669/09 e de 16-10-2012, proc. n.º 05014/11). Nestes termos, os gastos contabilizados fundadamente questionados pela AT, para serem fiscalmente dedutíveis, têm de ser objeto de comprovação objetiva quanto à sua indispensabilidade por parte do sujeito passivo que os contabilizou. Neste sentido, cfr., entre outras, as Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 735/2019-T; 510/2020-T; 534/2020-T.  Embora hoje se tenha deixado de se falar em indispensabilidade, a verdade é que o ónus de prova da ligação do custo à atividade empresarial continua a caber ao Sujeito Passivo, atenta a fundamentação subjacente deste ónus.

 

Finalmente, no que concerne à comprovação dos custos, constitui jurisprudência pacífica que, nesta sede, os meios de prova não têm de revestir necessariamente natureza documental. Como ficou consignado nas Decisões arbitrais proferidas nos processos 510/2020-Te 534/2021-T, “(…) para efeitos de dedutibilidade de um custo entendia a doutrina e a jurisprudência que aquele requisito se demonstra através de documentos que comprovem os custos realizados, sendo que esses documentos podem consistir em meros documentos, faturas, recibos ou até uma nota interna da empresa, conquanto se revelem credíveis e consistentes. Só não sendo considerados como custos fiscalmente relevantes os que não são suportados em documentos válidos. Assim sendo, quanto à prova documental, esta é por norma o meio de prova exigido em razão da sua adequação à prática comercial, não sendo, no entanto, de excluir outros meios de prova para comprovar os custos efetivamente realizados, e como complemento da mesma, como, por exemplo, a prova testemunhal ou a prova pericial.”

Por conseguinte, é perfeitamente legítimo usar a prova testemunhal para complementar a documental.

 

Apliquemos então o exposto aos gastos desconsiderados pela Requerida, no caso dos autos.

 

III-2-2 – Análise da legalidade dos atos tributários impugnados

 

A-Quanto à ilegalidade da liquidação em IRC 

 

§1.º Quanto aos custos relacionados com imóveis

 

Como vimos, neste caso, tendo em conta a fundamentação que presidiu à prática do ato tributário impugnado, a relevante para análise das ilegalidades invocadas, não vem questionada a existência do gasto, sendo apenas discutida a verificação do segundo e do terceiro dos requisitos mencionados, a saber, se foi incorrido no interesse da Requerente e se se encontra comprovado. Com efeito, no Relatório de inspeção pode ler-se que alega a Requerida em suma “(…)) «Os gastos em causa referem-se a rendas, do referido imóvel sub-arrendado ao sujeito passivo A..., pelo seu sócio gerente B....»;

c) «O sujeito passivo, em resposta à notificação apenas respondeu “Aluguer de espaço para a empresa A...”, não indicando a sua necessidade para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.»;

d) «Constata-se que no ano em análise não foi exercida qualquer atividade no imóvel acima identificado, uma vez que a atividade do sujeito passivo era exercida na sua sede na Rua..., ...-... Lisboa, não tendo o sujeito passivo comprovado a contribuição destes gastos para a obtenção de proveitos.»;

e) «Assim, os gastos suportados contabilizados como rendas de imóveis no valor de € 130.000,00, não são aceites como gasto fiscal do exercício de 2016, nos termos do disposto no artigo 23º do Código do IRC.».

Na decisão de indeferimento da reclamação, relativamente aos gastos não aceites nos termos do artigo 23.º do CIRC, acrescenta-se: “e) «Nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos recai sobre quem os invoque, (…).»; f) «(…) [Cabia] à reclamante o ónus da prova da indispensabilidade dos gastos objeto de correção no âmbito do procedimento inspetivo, bem como que esses gastos se encontravam diretamente relacionados com a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo.»; g) «(…) [As] correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária se encontram corretas, não sendo tais custos aceites ao abrigo do disposto no art.º 23.º do CIRC, bem como os atos praticados pelos intervenientes do processo não enfermam qualquer ilegalidade.».

Em sua defesa, invoca a Requerente, além de insuficiência de fundamentação, que a mesma é manifestamente errónea e contrária à verdade material. Além do mais, ao contrário da tese da Requerida, entende a Requerente que se verificam os requisitos previstos no artigo 23.º do Código do IRC, concluindo que: i) Os encargos com o subarrendamento do imóvel ocorreram e estão apropriadamente documentados; ii) Os mesmos basearam-se numa decisão legítima de gestão da Requerente, tomada no âmbito da prossecução da sua atividade social e com o intuito de garantir a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC; iii) A AT não cumpriu o ónus da prova que lhe competia, dada a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, prevista no artigo 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”) e o disposto no artigo 74.º, n.º 1 do mesmo diploma.

Em relação à insuficiência de fundamentação valem aqui os argumentos mencionados supra (ponto III-2-1-§1.º). No que concerne à argumentação de que a fundamentação é errónea e contrária à verdade material, esta alegação afigura-se decorrer, por um lado, do sentido alcance do artigo 23.º do CIRC levada a efeito pela Requerida e, por outro lado, do facto de a Requerente defender erradamente que o ónus de prova incumbe, no caso, à Requerida. 

            Isto posto, importa averiguar se se verificam os requisitos do artigo 23.º do CIRC questionados e se o SP cumpriu o ónus da prova.

            

            No caso dos autos, como ficou provado, a Requerente desenvolve a sua atividade ligada à publicidade, desde 2010, incluindo a promoção comercial, pelo que, segundo alegação sua os órgãos sociais entenderam relevante e proveitoso para a atividade empresarial e maximização de rendimentos futuros, dispor de um apartamento no centro de Lisboa, com o intuito de proporcionar receções e pequenos eventos a stakeholders (e.g. clientes, fornecedores), atividades de team-building (internos e externos) e até estadias de curta duração.

A Requerente alega que tais atividades não poderiam ocorrer na sua sede, por se tratar espaço de coworking (centro comercial que alberga várias empresas), insuscetível de personalização e que é utilizado apenas como sede social.

Defende, ainda, a Requerente que é, pois, livre nas suas escolhas, nomeadamente para decidir sobre os encargos por ela tidos por convenientes para a prossecução da sua actividade económica (decisão que não pode ser passível de sindicância de mérito, necessariamente subjetiva). 

A provar o alegado a Requerente junta um contrato por si celebrado em 1 de agosto de 2016 (um Contrato de Subarrendamento Comercial de Duração Limitada, com o seu sócio-gerente B...), cujo objeto se destina ao prosseguimento da sua atividade social. Como ficou dito, em relação ao este contrato a Requerente incorreu em 2016 num custo total de € 130.000, relativo a 5 rendas referentes aos meses de agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2016, contabilizadas na conta 626154-Out.Rendas Isentas e documentalmente suportadas, nos termos fixados no probatório.

A Requerente junta, igualmente, cópia do contrato de Prestação de serviços de Utilização de Espaço e Serviços acessórios -Cláusulas gerais Cowork-, através do qual é disponibilizada à Requerente um serviço integrado de salas de escritório e um conjunto de serviços de back office. A Cláusula 1, segundo o objeto do contrato, o mesmo confere à Requerente o direito a utilizar os espaços comuns do C..., a saber de receção e zonas de espera, 2 salas de reunião, mediante marcação prévia e faturação autónoma.  

A complementar a prova documental, a Requerente apresentou prova testemunhal, decorrendo do probatório que pelo menos duas testemunhas corroboraram que conheciam o apartamento no qual tiveram reuniões de trabalho, tendo identificado produtos que lhe foram expostos e outros que se encontrariam armazenados. 

Ambas as testemunhas também corroboraram que o imóvel, atendendo à importância de um contato mais próximo com clientes e fornecedores para o sucesso do negócio, oferecia essa potencialidade e que o sócio da Requerente não habitava o imóvel.  

Aliás, a própria Requerida reconhece nas contra-alegações que, da prova produzida, as testemunhas mencionadas no probatório estiveram no apartamento e que este disporia de sala “com a exposição de alguns produtos na mesa (…)”. E “Sendo que, como as testemunhas apenas puderam (por maioria de razão), testemunhar que tais produtos estavam em cima da mesa, durante as visitas que fizeram ao imóvel, (…).” Ou seja, dos depoimentos testemunhais afigura-se resultar, para o que releva no caso, que o referido apartamento terá estado ao serviço da atividade promocional da Requerente, como se conclui no probatório. 

Em suma, no contexto deste processo e atenta a prova produzida não se percebe o argumento da Requerida quanto à inexistência de conexão entre o gasto e a sua atividade. Sobretudo tendo em conta o artigo 23.º do CIRC impor uma ponderação entre a exigência de ligação entre os custos e a atividade da empresa, por um lado, e a liberdade de gestão dos seus órgãos sociais, por outro, com vista a encontrar o equilíbrio entre ambos os vetores. Afigura-se que, nesta sequência, defender-se a inadequação do subarrendamento de um imóvel para complemento da sua atividade, porque a Requerente podia contratar serviços adicionais, nos termos permitidos pelo contrato no C..., e, assim, contribuir para a redução de custos, iria contra a liberdade empresarial, nos termos supra expostos. Por outro lado, tratar-se-ia de um juízo alheio ao conceito de indispensabilidade. Repete-se que “O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos era e é exclusivo do empresário. Se ele decidisse fazer despesas tendo em vista prosseguir o objeto da empresa, mas fosse mal sucedido e essas despesas se revelassem, por último, improfícuas, não deixavam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilizasse como custo e se mostrasse estranho ao fim da empresa não era custo fiscal, porque não indispensável. (…)”Como ficou consignado em Acórdão do STA “Entendemos (...) que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa.” (Acórdão proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05).

 A resposta poderia ser eventualmente diferente se a Requerida tivese demonstrado que os gastos foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa” ou tivesse enquadrado a questão na disciplina dos preços de transferência (artigo 63.º do CIRC), o que não acontece.

Termos em que deve proceder o pedido da Requerente nesta sede.  

 

§2.º Despesas com outros serviços -€4.727,00 

 

Esta despesa compreende: i) - € 4.152,00 – valor referente à aquisição de presentes de Natal para clientes e potenciais clientes; ii) - € 120,00 – valor referente a atividade com parceiros da empresa D...em Portugal; iii) - € 500,00 - valor referente a atividade com parceiros da empresa D... em Portugal.

Como vimos, da análise efetuada aos documentos mencionados, os SIT puderam verificar que o primeiro registo está suportado na Fatura-recibo n.º 59 emitida em 06/01/2016 por J..., com a atividade de “Comissionista”, com a descrição de “Prestação de serviços”, sendo a data da prestação de serviços de 31/12/2015.

Relativamente aos outros dois registos, que a Requerente refere tratar-se de atividade com parceiros da empresa D... em Portugal, os documentos de suporte são as faturas FAC I/5 e FAC I/6 de junho de 2016 do fornecedor I..., Lda, com a descrição de “Passeio por Belém” e “Passeio a Fátima” respetivamente.

Segundo a Requerente, o valor de € 4.152,00 refere-se a despesas com a aquisição de ofertas de Natal para clientes e potenciais clientes e que os outros dois valores, € 120,00 e € 500,00, são despesas com o parceiro D..., de acordo com os usos comerciais.

Vejamos. 

 

         Como ficou dito no ponto anterior, também aqui impendia sobre a Requerente o ónus de prova quer da relação entre esta despesa e a sua atividade, por um lado, e, por outro lado, fazer prova desse gasto. 

          A Requerente apresenta faturas paras as despesas em causa ponto é que tais faturas contenham o descritivo adequado a fazer prova de que os gastos tenham sido incorridos no interesse da empresa.

Da análise efetuada aos documentos mencionados os SIT puderam verificar que o primeiro registo está suportado na Fatura-recibo n.º 59 emitida em 06/01/2016 por J..., com a atividade de “Comissionista”, com a descrição de “Prestação de serviços” sendo a data da prestação de serviços de 31/12/2015.

Relativamente aos outros dois registos, que a Requerente refere tratar-se de atividade com parceiros da empresa D... em Portugal, os documentos de suporte são as faturas FAC I/5 e FAC I/6 de junho de 2016 do fornecedor I..., Lda, com a descrição de “Passeio por Belém” e “Passeio a Fátima” respetivamente.

           Para Requerida os elementos de prova apresentados não são suficientes, uma vez que, em relação às despesas com a aquisição de artigos para ofertas de Natal, “não se percebe em que medida um “recibo verde” emitido por um sujeito passivo com a atividade de “Comissionista” e com a descrição de “Prestação de serviços” “possa justificar tal aquisição”.

           Na verdade, da prova produzida não é possível identificar o tipo de prendas e os eventuais clientes beneficiários nem são fornecidos outros dados que tornassem possível aferir que se trata efetivamente de gastos incorridos no exercício da atividade da Requerente, com vista a obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC.

Quanto aos outros dois registos, que o sujeito passivo refere tratar-se de atividade com parceiros da empresa D... em Portugal, os documentos de suporte são as faturas do fornecedor I..., Lda, com a descrição de “Passeio por Belém” e “Passeio a Fátima”, a Requerida conclui igualmente no sentido de que “não é produzida qualquer prova de que exista uma ligação entre esses gastos e a atividade desenvolvida pela Requerente.”

Por sua vez, a Requerente limita-se a referir que os gastos foram incorridos “com parceiros da empresa D... em Portugal”, desconhecendo-se a que parceiros se refere.

Também aqui assiste razão à Requerida, uma vez que, mais uma vez, nada se adianta, por exemplo, sobre os beneficiários dos passeios ou quaisquer outros elementos caraterizadores do gasto de modo a permitir a formulação de um juízo quanto a terem sido incorridos em linha com os usos comerciais da atividade desenvolvida e, deste modo, sobre a sua efetiva indispensabilidade.         

Como se pode ler na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 534/2020-T «O lucro tributável para efeitos de IRC tem como suporte o resultado apurado na contabilidade (art. 17.º, n.º 1 do CIRC), o que implica que esta esteja organizada de modo a permitir o respectivo controlo, o que impõe, precisamente, que todos os lançamentos estejam apoiados em documentos justificativos e susceptíveis de apresentação sempre que necessário. Os registos contabilísticos, para que possam ser compreendidos e aceites, têm de estar devidamente sustentados em documentação que forneça os dados concretos necessários ao perfeito conhecimento da operação ou operações que os justificam na plenitude dos seus elementos constitutivos. Surge aqui o denominado princípio da documentação, que visa assegurar a verificabilidade externa dos registos contabilísticos e dos respectivos suportes.». (negrito nosso). 

Em suma, como vimos supra não estava a Requerente impedido de apresentar outra documentação mesmo interna ou até mesmo socorrer-se da prova testemunhal para suprir os elementos em falta, o que não aconteceu.

         Neste contexto, temos de concluir que a Requerente não logra, assim, fazer prova que permita retirar dos dados probatórios a convicção quanto à conexão com a sua atividade, impossibilitando, desta forma, a formulação de um juízo positivo sobre a indispensabilidade desses gastos para a geração do rendimento sujeito a imposto.

 

§3.º Despesas com deslocações e estadas - € 1.839,59;

 

Esta rubrica compreende: i) € 275 em despesas com a participação com clientes e potenciais clientes em evento no Hotel ...; e ii) € 1.564,59 em despesas com passagem aérea à Índia para prospeção de mercado, de novos parceiros e fornecedores.

Também aqui, a Requerida  entendeu que os referidos gastos não seriam aceites como custo fiscal do exercício de 2016, nos termos do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, porque a Requerente “não comprovou a sua contribuição para a obtenção de proveitos”.

Em sua defesa alega a Requerente que, quanto à despesa com a participação no evento no Hotel..., são igualmente despesas incorridas com clientes, inerentes aos usos sociais e comerciais e necessárias à prospeção comercial.

Em relação à viagem à Índia a Requerente acrescenta a viagem se justificou por se situarem na Índia quer prestadores de serviços de IT, quer igualmente produtores de merchandising capazes de substituir, com vantagem, os tradicionais fornecedores chineses 

Ora, também aqui da consulta dos autos resulta que da documentação junta não é possível extrair ligação entre as viagens e os clientes ou reuniões ao serviço da Requerente, não bastando para cumprir o ónus de prova, que sobre si impende, as considerações de ordem genérica em que sustenta os gastos em causa. Os elementos identificadores e caracterizadores da despesa, por exemplo, a identificação dos beneficiários das viagens, revelam- se cruciais para permitir a triagem das despesas, entre aquelas que possam eventualmente ter natureza privada e aquelas que efetivamente se enquadram na atividade empresarial, não sendo suficiente a alegação abstrata de que se trata de custos inerentes aos usos sociais e comerciais e necessários à prospeção comercial. 

Neste contexto, temos de concluir que o Requerente não logra, assim, fazer prova que permita retirar dos dados probatórios a convicção quanto à conexão com a sua atividade, impossibilitando, desta forma, a formulação de um juízo positivo sobre a indispensabilidade desses gastos para a geração do rendimento sujeito a imposto.

Em conclusão ante a argumentação da Requerente e a ausência de elementos de prova para justificar que os gastos em causa tenham sido incorridos no interesse da empresa, afigura-se improceder o pedido da Requere, nesta parte. 

                                                                                                                     

§4.º Gastos com trabalhos especializados - € 100.000,00.

 

Segundo a Requerente, os gastos em causa, no valor de €100.000,00, reportam-se à contraprestação pelos serviços prestados pela sociedade E..., Unipessoal, Lda. (doravante “E...”), com o número de identificação pessoa coletiva..., e que se referem ao apoio prestado na concretização da parceria comercial com a sociedade D..., BV, estabelecida nos Países Baixos, e a rede de supermercados ... .

A este propósito, podemos ler no RIT: 

“b) «O documento de suporte ao referido movimento é a fatura FA 2016/1 de outubro de 2016 da Sociedade E... Unipessoal, Lda, NIF: ..., com a descrição de “Projeto ... Shop”.»;

c) «(…) [A] sociedade E... Unipessoal, Lda, conforme Certidão Permanente foi constituída em 29/09/2016, verificando-se que o serviço prestado no âmbito do projeto “... Shop” foi efetuado (campanha decorreu entre 12/09 a 20/11) e faturado antes da constituição da sociedade E... Unipessoal, Lda, logo não se entende a explicação do sujeito passivo.»;

d) «(…) [O] sujeito passivo não apresentou os documentos solicitados, nomeadamente, os contratos de prestação de serviços e, não comprovou que os mesmos contribuem para a realização de proveitos conforme estatuído no artigo 23.º do CIRC.»;

e) «Assim, os gastos suportados contabilizados como Trab.Especial.c/IVA Dedutível, no valor de € 100.000,00, não são aceites como gasto fiscal do exercício de 2016, nos termos do disposto no artigo 23º do Código do IRC.».”

Por conseguinte, mais uma vez, não é posto em causa o gasto nem que o serviço foi efetivamente prestado, no âmbito de uma campanha publicitária desenvolvida pela Requerente. Por sua vez, o gasto encontra-se documentado pela fatura que descreve, entre o mais, a natureza do serviço prestado (“Projeto ... Shop”), que corresponde aos serviços prestados por G... e F..., sócios da sociedade “E..., Ldª. 

Ante estes factos e a prova produzida não se percebe o argumento quanto à ausência de ligação entre o gasto em causa e a atividade da Requerente. 

Os principais argumentos da Requerida residem ainda no facto de não haver contrato de prestação de serviços e de o serviço ter sido faturado antes da constituição da sociedade “E... Unipessoal, Ldª.

Ora, do exposto resultando demonstrado o gasto efetivo e a conexão do serviço prestado com a atividade da Requerente, afigura-se que assiste razão à Requerente quando afirma que “   

“Quanto à data de constituição da sociedade E... ser posterior à campanha “... Shop”, a Requerente pagou os honorários devidos aos seus prestadores de serviços porque não tinha qualquer motivo para duvidar da prestação do serviço (efetivamente realizado e com sucesso), sendo alheio à Requerente a forma como F...G... e as sociedades que a seu mando intervieram na prestação dos serviços (de promoção comercial), incluindo a sociedade E..., Lda., repartiram a execução dos serviços e, portanto, os honorários devidos, assim como é alheia a quem sub-contratou quem para fazer o quê – posto que o serviço havia sido prestado, (...).

 

Logo, a existir alguma irregularidade, o que se pensa não ser o caso, mas que sendo é facto alheio à Requerente, o que de modo algum se concede, sempre seriam as contrapartes da Requerente, e não esta, a terem de esclarecer o que quer que seja e se fosse o caso a serem eventualmente responsabilizadas (....)”.

 

 Afigura-se, pois, de concluir que no contexto exposto, a haver qualquer irregularidade a mesma deve ser investigada do lado da sociedade que recebeu o pagamento dos serviços pagos pela Requerente, por um lado, e, por outro, qualquer irregularidade quanto à constituição da sociedade E... deve considerar-se irrelevante para a aceitação de dedutibilidade do custo para efeitos do artigo 23.º do CIRC

Termos em que procede, nesta parte, o pedido da Requerente.

 

B- Quanto à ilegalidade da liquidação adicional de IVA 

 

Nesta sede, verifica-se que, como vimos, “a IT verificou que, relativamente às despesas contidas na fatura FA 2016/1, de outubro de 2016, no valor de € 100.000,00, emitida pela sociedade E... Unipessoal, Lda, NIF ..., com a descrição “Projeto ... Shop”, a Requerente «não apresentou os documentos solicitados, nomeadamente, os contratos de prestação de serviços e, não comprovou que os mesmos contribuem para a realização de proveitos conforme estatuído no artigo 23.º do CIRC.» (Cf. página 15 do RIT)”. “Em consequência, a IT veio a concluir que «os gastos suportados contabilizados como Trab.Especial.c/IVA Dedutível, no valor de € 100.000,00, não são aceites como gasto fiscal do exercício de 2016, nos termos do disposto no artigo 23º do Código do IRC.» (Cf. página 15 do RIT)”.

Nesta sequência, “veio a IT a retirar a conclusão de que, em sede de IVA, não se tendo comprovado a sua relação direta com os rendimentos obtidos pelo sujeito passivo, nos termos do artigo 20.º do Código do IVA, o IVA contido na referida fatura FA 2016/1, de outubro de 2016, no valor de € 100.000,00 não poderia ser deduzido.”

Assim sendo, tendo-se concluído pela legalidade da dedutibilidade do gasto para efeitos de IRC, temos de concluir, nesta sequência, pela ilegalidade da liquidação adicional de IVA.   

 

C-   Tributações autónomas 

 

No Pedido arbitral a Requerente limita-se a argumentar de forma abstrata que as tributações autónomas incidem sobre os gastos da Requerente sendo, por isso independentes do seu rendimento acréscimo, sendo a sua exigência inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva medida pelo lucro real, não sendo por isso devidas. 

Como ficou dito, a este propósito, no RIT -“ VI -  Subponto “III.1.2 – Tributações Autónomas (do subponto “III.1 – IRC”)” pode ler-se:

“a) «De acordo com o mapa de reintegrações e amortizações o sujeito passivo possuía no ano em análise o veículo ... Touring, matrícula ... com valor de aquisição superior a €24.250,00.»;

b) «(…) [Verifica-se] que o sujeito passivo registou como gasto na conta 64241 – Amort.Equipamento de Transporte o valor de € 6.062,50.»;

c) «Como referido anteriormente, todos os encargos com viaturas ligeiras de passageiros são tributadas autonomamente à taxa de 10%, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 88º do Código do IRC (…)»;

d) «Em consequência, procede-se à correção técnica do imposto em falta, no montante de: € 602,25.».”

O Tribunal Constitucional já se pronunciou, por Acórdão n.º 197/2016, de 13 de abril de 2016, sobre a temática da eventual inconstitucionalidade das tributações autónomas, em particular a inconstitucionalidade do artigo 88.º do Código do IRC à luz do princípio da capacidade contributiva do modo que passamos a transcrever:

“A introdução do mecanismo de tributação autónoma é justificada, por outro lado, por se reportar a despesas cujo regime fiscal é difícil de discernir por se encontrarem numa “zona de interseção da esfera privada e da esfera empresarial” e tem em vista prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respetivos beneficiários, tendo também o objetivo de combater a fraude e a evasão fiscais (SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra, pág. 407).

Para além disso, a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal.

Naquelas situações especiais elencadas na lei, o legislador optou, por isso, por sujeitar os gastos a uma tributação autónoma como forma alternativa e mais eficaz à não dedutibilidade da despesa para efeitos de determinação do lucro tributável, tanto mais que quando a empresa venha a sofrer um prejuízo fiscal, não haverá lugar ao pagamento de imposto, frustrando-se o objetivo que se pretende atingir que é o de desincentivar a própria realização desse tipo de despesas. (...)

3. Como resulta do já anteriormente exposto, torna-se claro que a tributação autónoma não põe em causa o princípio da tributação das empresas segundo o rendimento real e o princípio da capacidade contributiva.

Com efeito, como se fez notar, o IRC e a tributação autónoma são impostos distintos, com diferente base de incidência e sujeição a taxas específicas. O IRC incide sobre os rendimentos obtidos e os lucros diretamente imputáveis ao exercício de uma certa atividade económica, por referência ao período anual, e tributa, por conseguinte, o englobamento de todos os rendimentos obtidos no período tributação. Pelo contrário, na tributação autónoma em IRC – segundo a própria jurisprudência constitucional -, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, caracterizando-se como um facto tributário instantâneo que surge isolado no tempo e gera uma obrigação de pagamento com caráter avulso. Por isso se entende que estamos perante um imposto de obrigação única, por contraposição aos impostos periódicos, cujo facto gerador se produz de modo sucessivo ao longo do tempo, gerando a obrigação de pagamento de imposto com caráter regular (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 310/2012).

Como é de concluir, a tributação autónoma, embora prevista no CIRC e liquidada conjuntamente com o IRC para efeitos de cobrança, nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa, uma vez que incidem sobre certas despesas que constituem factos tributários autónomos que o legislador, por razões de política fiscal, quis tributar separadamente mediante a sujeição a uma taxa predeterminada que não tem qualquer relação com o volume de negócios da empresa (acórdão do STA de 12 de abril de 2012, Processo n.º 77/12).

Em todo este contexto, como é bem de ver, as normas dos n.ºs 13 e 14 do artigo 88.º do CIRC não violam o princípio da tributação das empresas segundo o rendimento real, consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição. Este princípio reflete o direito do contribuinte de ser tributado sobre os lucros efetivamente verificados, e que são variáveis de ano para ano, e não sobre os lucros normais, isto é, sobre os lucros que a empresa poderia obter operando em condições normais e que poderiam exceder ou ficar aquém dos efetivamente obtidos. E pressupõe que a determinação do lucro tributável seja efetuada de acordo com a contabilidade da empresa, com base na documentação e comprovação das receitas e dos custos do sujeito passivo.

Mas, como se viu, a tributação autónoma não interfere no método destinado a determinar os resultados empresariais, nem implica que a matéria coletável que servirá base à tributação em IRC passe a incluir lucros ou rendimentos que a empresa não tenha efetivamente auferido.

Por identidade de razão, as disposições impugnadas não põem em causa o princípio da capacidade contributiva. Como o Tribunal Constitucional tem afirmado, o princípio da capacidade contributiva, apesar de se não encontrar expressamente consagrado na Constituição, mais não será do que «a expressão (qualificada) do princípio da igualdade, entendido em sentido material, no domínio dos impostos, ou seja, a igualdade no imposto». E, nesse sentido, constitui o corolário tributário dos princípios da igualdade e da justiça fiscal e do qual decorre um comando para o legislador ordinário no sentido de arquitetar o sistema fiscal tendo em vista as capacidades contributivas de cada um (cfr. o acórdão n.º 187/2013 e a jurisprudência aí citada).

Cabe recordar que a tributação autónoma incide sobre certas despesas tipificadas na lei fiscal que tenham sido efetuadas pela empresa, e apenas sobre essas despesas, e não visa a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respetivo exercício económico. E o objetivo do legislador - como se referiu – é o de desincentivar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa. (...)

A despesa constitui um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável em IRC no mesmo período de tributação. E, assim, o facto revelador da capacidade contributiva é a própria realização despesa.  

4. A específica configuração da tributação autónoma conduz também, necessariamente, à improcedência da invocada violação do princípio da proporcionalidade e do direito de propriedade.

Alega a este propósito a recorrente que a tributação globalmente considerada resultante da aplicação da taxa incidente sobre os rendimentos sujeitos a IRC e da taxa incidente sobre as despesas tem natureza confiscatória, pondo em causa o direito de propriedade e a exigência constitucional da proporcionalidade das medidas fiscais. 

De facto, a questão das taxas confiscatórias tem sido analisada, no domínio tributário, no âmbito do princípio da proporcionalidade ou proibição de excesso: o tributo não pode assumir uma tal dimensão quantitativa que absorva «a totalidade ou a maior parte da matéria coletável», nem pode ter um efeito de estrangulamento, impedindo «o livre exercício das atividades humanas» ou pondo em causa que «a cada um seja assegurado um mínimo de meios ou recursos materiais indispensáveis (cfr. o acórdão n.º 187/2013 e as referências doutrinais aí indicadas).

Ora, a variável quantitativa que poderá conferir caráter confiscatório a um imposto não se coloca, evidentemente, quando estão em causa dois tributos com distinta base de incidência. A taxa aplicável às despesas abrangidas pelo disposto no artigo 88.º, n.º 13, não se adiciona à taxa prevista para a tributação em IRC, pela linear razão, já antes explicitada, de que estamos aí perante factos tributários distintos e que são objeto de um tratamento fiscal diferenciado. A tributação autónoma não tem um qualquer efeito cumulativo em relação ao IRC e só incide sobre as despesas concretamente efetuadas e não sobre os rendimentos empresariais sujeitos a imposto, e, por conseguinte, ela não tem a consequência que a recorrente lhe atribui de ampliar a taxa sobre a tributação global relativa aos rendimentos da empresa. Com efeito, a tributação autónoma não pode ser entendida como um adicional ao imposto que o contribuinte deva pagar a título de IRC.

E, por outro lado, o índice percentual mais elevado que é aplicável à realização de despesas (e que é suscetível de ser agravado no caso de empresas com prejuízo fiscal) é justificado justamente por se tratar de uma medida fiscal penalizadora do contribuinte e destinada a evitar a realização de despesas excessivas e desnecessárias do ponto de vista do interesse empresarial. E como se trata de uma taxa que recai, não sobre os rendimentos empresariais, mas sobre uma despesa que o contribuinte pôde realizar e que se contém na sua disponibilidade financeira, não pode naturalmente atribuir-se-lhe um efeito confiscatório.

(…).”

Termos em que improcede, nesta parte, o pedido da Requerente. 

 

 

III- 3- Litigância de má-fé 

 

Como ficou dito, nas alegações veio a Requerente pedir a condenação da Requerida em litigância de má-fé alegando, em suma, que a AT terá, durante o processo administrativo e contencioso, omitido dados essenciais à descoberta da verdade material que era do seu conhecimento, com violação dos deveres de descoberta da verdade material e os princípios da legalidade, da cooperação e boa-fé na atuação do credor tributário.

 A Requerida nas contra-alegações nada disse.

 Independentemente da questão de saber se este seria o tempo adequado a suscitar este pedido, a verdade é que o mesmo deve manifestamente improceder.

 Senão vejamos. 

O regime da litigância obedece, em sede tributária, a regime especial, no essencial constante do artigo 104.º da Lei Geral Tributária, nos termos do qual: 

“1 - Sem prejuízo da isenção de custas, a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má-fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas.

2 - O sujeito passivo poderá ser condenado em multa por litigância de má-fé, nos termos da lei geral.”

       As regras, de natureza especial, assim relevantes neste domínio respeitam, exclusivamente, à entidade Requerida.

       Incumbirá, porém, ao Sujeito Passivo, alegar e provar a factualidade suscetível de concretizar o conteúdo da norma em causa (n.º 1 do referido artigo 104.º da LGT).

       Na presente ação, porém, a Requerente não enunciou, nem fez prova, da existência de quaisquer informações vinculativas, de sentido diverso, que a Autoridade Tributária e Aduaneira houvesse anteriormente prestado aos interessados, nem invocou situações idênticas em que aquela tenha adotado procedimento diverso daquele que adotou no processo em análise. 

       A pretensão formulada pela Requerente carece, assim, de fundamento.

Nestes termos, julga, o Tribunal, improcedente o pedido, formulado pela Requerente, no sentido da condenação da Requerida como litigante de má-fé, sendo esta absolvida de tal pedido.

 

III- 3- Pedido de indemnização por prestação indevida de garantia 

 

Como vimos veio a Requerente suscitar pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.

Na resposta a Requerida defende que o mesmo deve ser indeferido por não verificação dos pressupostos do artigo 53.º da LGT. Na verdade, não ficou provado, que, na pendência desta ação, a Requerente tenha prestado efetivamente garantia num processo de execução fiscal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 53.º da LGT.

Termos em que improcede o pedido de indemnização por prestação indevida de garantia, sem prejuízo da sua apreciação em sede de execução de sentença.

 

IV- DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal:

a)     Julgar parcialmente procedente o pedido quanto à ilegalidade da liquidação em IRC, no que respeita aos custos relacionados com imóveis (€130.000,00) e os custos relacionados com trabalhos especializados (€100.000, 00), com a consequente anulação da liquidação impugnada nesta parte;    

b)    Julgar parcialmente improcedente o pedido da Requerente quanto à ilegalidade da liquidação em IRC quanto às despesas com outros serviços (€4.772,00) e despesas com deslocações e estadas (€1.839,59), com a consequente manutenção da liquidação nesta parte;

c)     Julgar procedente o pedido quanto à ilegalidade da liquidação de IVA, com a consequente anulação;

d)    Julgar improcedente o pedido quanto à ilegalidade das tributações autónomas;   

e)     Julgar improcedente o pedido, formulado pela Requerente, no sentido da condenação da Requerida como litigante de má-fé, sendo esta absolvida de tal pedido;

f)     Julgar improcedente o pedido de indemnização por prestação indevida de garantia.

 

V- VALOR DA CAUSA

Fixa-se o valor do processo em € 79.101, 19 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT

 

VI- CUSTAS

Custas no montante de € 2 448, 00 a cargo da Requerida e da Requerente na percentagem do respetivo decaimento (97% e 3%)[1] em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 12 de setembro de 2022           

 

Os árbitros

                        

 

Respetivamente de Fernanda Maçãs

 

 

Rita Guerra

 

 

Hugo Freire Gomes

 

 

 

 



[1] Valor retificado por despacho arbitral de 8 de dezembro de 2022