Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 737/2021-T
Data da decisão: 2022-09-23  IVA  
Valor do pedido: € 40.036,37
Tema: IVA - Direito à dedução- Prova da materialidade das Operações. Ónus da prova. Arts. 19.º do CIVA e 74.º da LGT.
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Sumário:

I. O acto tributário considera-se devidamente fundamentado se der a conhecer ao seu destinatário, de forma clara, acessível, congruente e suficiente, as razões de facto e de direito subjacentes à tomada de decisão da AT;

II. Quando a Administração Tributária desconsidera faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação;

III. O quadro factual apurado, no caso, coloca-nos perante indícios que, com elevado grau de probabilidade, permitem concluir que a Requerente não tinha capacidade empresarial para prestar os serviços que constam das faturas desconsideradas;

IV. Tendo a Administração cumprido o ónus que sobre si impendia, competia ao Impugnante ter apresentado prova capaz de destruir esses indícios, demonstrando que as prestações de serviços descritas nas faturas ocorreram, ou seja, que aquelas faturas têm subjacentes reais e efetivas operações económicas.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

         O árbitro Júlio Tormenta designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar Tribunal Arbitral Singular, acorda no seguinte:

 

I. RELATÓRIO       

 

1. A..., LDA (“A...”), NIF..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Vila Nova de Gaia, doravante designada por Requerente, vem requerer a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), com vista à pronúncia deste Tribunal, em cumulação, relativamente à declaração de ilegalidade do indeferimento dos recursos hierárquicos que interpôs contra o indeferimento das reclamações graciosas relativa às liquidação adicionais de IVA respeitantes ao último trimestre do ano de 2014 (201412T) e do primeiro trimestre de 2015 (201503T) e dos respetivos juros compensatórios num montante total de 40.036,37 €.

 

            2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), aqui Requerida.

 

            3. As Requerentes (Requerente e Requerida) não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 5 de janeiro de 2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 25 de janeiro de 2022.

 

5. A Requerente sustentou a procedência do seu pedido, em síntese, tendo em conta os seguintes argumentos:

Foi notificada das liquidações adicionais de IVA referente ao último trimestre de 2014 (liquidação n.º 2018 ...) no montante de 34.224,01€[1] e dos respetivos juros compensatórios no montante de 5.209,55€, tendo procedido ao respetivo pagamento. Igualmente foi notificada de uma liquidação adicional referente ao 1.º trimestre de 2015 para efeitos de IVA (liquidação n.º 2018 ...) no montante de 276€[2] e dos respetivos juros no montante de 50,82€, tendo procedido ao respetivo pagamento nos montantes de, respetivamente, 275,99€ e 50,82€ As liquidações adicionais supra tiveram por base as correções plasmadas no relatório de inspeção tributária (RIT), elaborado no âmbito do procedimento inspetivo externo credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2018... levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças do Porto. A Requerente não concorda com o teor do RIT pelo que considera não haver fundamentos de ordem formal e substancial constantes no RIT que estiveram na origem nas liquidações adicionais acima identificadas em termos de imposto (IVA) e respetivos juros compensatórios. A Requerente apresentou reclamações graciosas quanto às liquidações adicionais efetuadas referentes ao último trimestre de 2014 e 1.º trimestre de 2015, para efeitos de IVA e dos respetivos juros compensatórios, tendo as mesmas sido indeferidas. Do indeferimento das reclamações graciosas apresentadas, interpôs recursos hierárquicos que igualmente foram indeferidos. Defende a cumulação de pedidos quanto ao IVA e respetivos juros compensatórios por estarem reunidas as condições previstas no n.º 1 do artigo 3.º do RJAT.

            A Requerente defende que existem vícios a nível das liquidações adicionais supra e por isso pede a anulabilidade das mesmas assim como dos despachos de indeferimento dos recursos hierárquicos interpostos. Segundo a Requerente, o RIT refere factos e conclusões relativos a outro sujeito passivo - sociedade “B...” - que desconhece, e, por isso não concorda com o facto de a AT por ter concluído que a sociedade “B...” não cumpriu com as respetivas obrigações declarativas e fiscais, daí se conclua que aquela entidade, não lhe possa ter prestado serviços e dê origem a liquidações adicionais em sede de IVA pela desconsideração de IVA debitado pela sociedade “B...” por serviços prestados e pelo indeferimento dos recursos hierárquicos interpostos em sede IVA e respetivos juros compensatórios. A Requerente entende que pelas razões acima referidas, as liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios assim como os respetivos despachos de indeferimento dos recursos hierárquicos interpostos pelos mesmos, devem ser anulados devido ao vício de violação de lei.

Entende que o que é relevante é saber se a sociedade “B...” prestou ou não serviços técnicos à Requerente com vista a esta poder exercer o direito ao exercício da dedução do IVA nas faturas emitidas pela sociedade “B...”.

Em defesa da sua posição afirma que a decisão de subcontratar a sociedade “B...” foi uma decisão de gestão. Os anos de 2012, 2013 e 2014 foram anos de crise no setor da construção civil, e, embora o volume de negócios da Requerente tivesse em 2014, um crescimento de 450%, não queria correr o risco de nos anos seguintes não ter encomendas suficientes para dar trabalho aos trabalhadores contratados e daí ter-se optado pela subcontratação.

Assim, relativamente às faturas emitidas, em 2014, pela sociedade “B...”, em particular as emitidas em dezembro de 2014, entende que os serviços descritos nessas faturas foram prestados e que os mesmos estão devidamente documentados, uma vez que a “B...” reunia as competências técnicas para os serviços técnicos de que precisava, tendo-se aprofundado durante o ano de 2014 o contacto comercial e profissional entre as duas entidades.

Deste modo, a Requerente defende que a sociedade “B...” prestou os serviços contratualizados entre as duas entidades, e, por isso não concorda e contesta a posição da Requerida quanto à não dedutibilidade do IVA. Igualmente  contesta a liquidação de juros compensatórios referente à não dedutibilidade dos IVA e indeferimento das reclamações graciosas e recursos hierárquicos referentes às liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios dos períodos de 201412T e 201503T, uma vez que a sociedade “B...” prestou os serviços contratualizados entre as duas entidades (Requerente e B...),  conforme documentos que foram remetidos aquando da inspeção comprovando a existência dos serviços prestados reiterando a sua posição em sede de reclamação graciosa e recurso hierárquico. Adicionalmente, refere a existência de documentos enviados aquando da inspeção e que os SIT não tiveram em consideração aquando da elaboração do RIT, quer a nível das reclamações graciosas quer a nível dos recursos hierárquicos interpostos relativos aos períodos de 201412T e 201503T.

Em conclusão, defende a dedutibilidade do IVA e a consequente anulação das liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios e das decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos, pugnando igualmente pelo direito a juros indemnizatórios por erro imputável aos serviços.

 

            6. Tendo sido devidamente notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua Resposta/Contestação e juntou aos autos o Processo Administrativo (“PA”), em 3 de março de 2022, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) tendo-se defendido por impugnação e requerido a dispensa de produção de prova testemunhal e da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com base nos seguintes argumentos:

            Começou a Requerida por defender que se devem considerar como factos assentes os seguintes:

- a Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo externo devidamente credenciado para o efeito;

- o procedimento inspetivo externo à Requerente surge na sequência de um procedimento inspetivo à sociedade “B...” com o NIPC ... tendo o mesmo concluído que nas faturas emitidas em 2014  pela sociedade B... no montante de 220.000€, às quais acresce IVA liquidado, no montante de 50.600€, o IVA deduzido pela Requerente referente aos terceiro trimestre de 2014 (16.400€) e quarto trimestre de 2014 (34.500€) foi indevidamente deduzido porque as faturas emitidas não titulam operações económicas efetivas, e por isso, infringiram o artigo 19.º n.º3 do IVA, (cf. fls. 60 e pg. 22 do RIT);

- os SIT aquando da inspeção à sociedade “B...” recolheram evidências que a mesma não tinha capacidade para o exercício de uma atividade económica;

- o montante de 34.500€ de IVA deduzido pela Requerente diz respeito às faturas emitidas, em dezembro de 2014, pela sociedade “B...”: FT 1400/000011; FT 1400/000012; FT 1400/000013; FT 1400/000015, respetivamente;

- foram apresentados por parte da Requerente como evidência das prestações de serviços prestadas pela sociedade “B...” relativas às faturas emitidas, em dezembro de 2014, que deram origem a uma dedução de IVA no montante 34.500€, os seguintes documentos:

  • um trabalho escrito designado de “Medição e Conceção de Nova Metodologia de Obra “(doravante designado por “Trabalho”) e que o mesmo resultou da análise e medição da metodologia, equipamentos e materiais para o diagnóstico e consequente melhoria de procedimentos em cinco obras: ...-... Alcanena, Centro Comercial ...- ..., Lojas ... .../...-Loteamento de ..., remodelação da Loja ...-Matosinhos e nas Lojas ...-Madeira;
  • um documento chamado “Mapa de Quantidades” relativo à obra “...” que segundo o sócio-gerente da Requerente consiste na quantificação dos trabalhos a realizar pela Requerente, sendo um trabalho normalmente efetuado por medidores;

 

A Requerida refere que os SIT concluíram que da descrição das faturas acima referidas se constata que as mesmas contemplam trabalhos alegadamente efetuados em quatro obras (... Alcanena, Centro Comercial ... - ..., Lojas .../...-Loteamento de ..., remodelação da Loja ...-Matosinhos) não havendo nenhuma fatura que contemple trabalhos efetuados na obra Lojas ...-Madeira. Por outro lado, do descritivo das faturas, há uma referência a uma equipa de diagnóstico, metodologia e medição, não sendo identificadas outras pessoas relacionadas com a sociedade “B...” para além do seu sócio-gerente – G... . Também se pode concluir que o valor dos serviços varia em função das “UTS/unidades de custo[3]”.

Relativamente ao conteúdo do “Trabalho” os SIT concluíram que o mesmo coincide com um trabalho de mestrado do Instituto Superior de Engenharia de ... na área de especialização em engenharia civil e que se encontra disponível num endereço da internet: htpps:repositório... . Tendo em conta o acima descrito, os SIT concluíram que as faturas emitidas não titulam operações efetivas praticadas pela “B...” tendo como documento de suporte o “Trabalho”.

Prossegue a Requerida que relativamente ao “Mapa de Quantidades” (Obra ...), não seja crível que a Requerente que tem pessoal qualificado na área da engenharia civil, recorresse a uma entidade externa sem experiência na área da construção civil para a elaboração de “Mapas de Quantidades” em quatro obras a seu cargo. Adicionalmente, os SIT constataram que fazendo uma comparação entre o valor dos serviços de medição efetuados pela “B...” com o valor contratado pela Requerente junto do cliente final para a realização da totalidade dos serviços em cada obra, se verifica que os serviços imputáveis à sociedade “B... assumem uma parcela relevante do preço praticado (variando entre 48,70% e 144,74%). Assim tendo em conta o descrito acima, é convicção dos SIT que as faturas emitidas pela “B...” não titulam operações efetivas e que face ao n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, a Requerente deduziu indevidamente o IVA num montante de 34.500€ constante nas faturas atrás descritas emitidas pela “B...” em dezembro de 2014.

Prossegue a Requerida que a questão substancial a dirimir na presente ação arbitral é saber se é legal a liquidação adicional do período 201412T efetuada pelos SIT através da desconsideração do IVA dedutível relativo a alegadas prestações de serviços prestadas pela sociedade “B...” à Requerente ou não.

            A Requerida chama à colação alguns argumentos utilizados pela Requerente no exercício das suas garantias tributárias. Assim, a Requerente alegou quer em sede de direito de audição a nível do procedimento administrativo (inspeção), quer na reclamação graciosa deduzida, quer no recurso hierárquico interposto na sequência da referida reclamação, bem como no PPA da presente ação arbitral, que as liquidações adicionais em causa padecem de vícios porquanto o RIT nas palavras da Requerente:

“Releva factos que são desconhecidos da Requerente e com os quais não tem qualquer relação” referindo ademais que “o relatório, sintomaticamente, da página 9 a 12 refere factos e conclusões relativos à “B...”, ou seja, logo após a apresentação da Requerente e indicação da sua actividade, o que o relatório releva em primeiro lugar são diversas características e especificidades da “B...”

posição que não colhe vencimento por parte da Requerida uma vez que a fundamentação usada pela Requerente quer em sede de procedimento inspetivo, através do exercício do direito de audição previsto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT)[4], quer em sede de reclamação graciosa, quer em sede de recurso hierárquico, levou a que a AT não alterasse o sentido da posição assumida pelos SIT no RIT. Assim, segundo a Requerida, o RIT dá a conhecer à Requerente (então, Reclamante) as razões de facto e de direito em que a AT fundou a sua atuação e o convencimento de que essas razões correspondem à realidade e são suficientes para legitimar a atuação administrativa na origem das liquidações reclamadas.

            Prossegue a Requerida por salientar que os atos tributários reclamados por parte da Requerente não são uma mera repercussão do procedimento de inspeção tributária levado a cabo junto da emitente - sociedade “B...” - mas, sim nos factos averiguados junto da Requerente. Refere que do procedimento inspetivo levada a cabo junto da emitente - sociedade “B...” - tendo-se recolhido prova de que devido à falta de capacidade empresarial a par da falta de credibilidade produtiva patenteada por aquela, foram detetados vários indícios que analisados à luz das regras da experiência comum, levam a que se esteja perante sérias e credíveis evidências da existência de acordo simulatório entre a sociedade emitente - sociedade “B...” - das faturas n.º 1400/000011, 1400/000012, 1400/000013 e 1400/000015 e a Requerente, ao abrigo do qual a sociedade “B...” liquidou IVA à Requerente, tendo esta deduzido o montante de IVA liquidado. Deste modo, deveria ser desconsiderado o IVA deduzido pela Requerente, ao abrigo do artigo 19.º n.º 3 do IVA porque as faturas em questão não traduzem quaisquer prestações de serviços levadas a cabo por parte da sociedade “B...” junto da Requerente. No reforço desta ideia de que a sociedade “B...” não tinha uma estrutura em termos de recursos humanos, técnicos e empresariais, de molde a levar a cabo a prestação de serviços conforme a Requerente defende no artigo 56 da Resposta, a prova indiciária recolhida a nível da sociedade “B...” que consta no RIT (pgs. 9-12), leva a que se possa concluir que a probabilidade das faturas acima identificadas emitidas pela sociedade “B...”, não titulem reais prestações de serviços, é elevada. Assim sendo, pode ser posta em causa a veracidade das declarações fiscais da Requerente (então, Reclamante) assim como dos dados da contabilidade previstos no artigo 75.º da LGT. Adicionalmente, defende que tendo a AT cumprido o ónus probatório que sobre si impendia, competia à Requerente (então Reclamante) o direito à relevação dos gastos titulados pelas faturas em causa emitidas pela sociedade “B...” ao abrigo do artigo 74.º da LGT (em coerência com o principio geral plasmado no n.º1 do artigo 342.º do Código Civil), isto é, a Requerente deveria ter provado que a prestação de serviços por parte da sociedade “B...” ocorreu e como tal, tinha direito a deduzir o IVA correspondente a esse serviço, como adquirente do mesmo, e não o fez.       

A Requerida afirma que no presente PPA a Requerente vem pugnar pela existência de vícios das liquidações adicionais em causa, em virtude de, nas suas palavras “serem relevados factos que são desconhecidos da Requerente e com os quais não tem qualquer relação”, em virtude do RIT referir factos e conclusões relativos à sociedade “B...” e os analisar em pormenor, nomeadamente, aspetos conexos com recursos humanos, contabilidade, gestão, instalações e perfil fiscal e que já tinha sido utilizado em sede de Recurso Hierárquico tendo merecido a improcedência dos argumentos por parte da Direção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado (DSIVA). Defende que a Requerente não tem razão, uma vez que as técnicas de auditoria tributária usada pelos SIT tem respaldo na Teoria de Auditoria Financeira quanto à avaliação da asserção “Ocorrência” relativamente a uma ou mais classes de transações (gastos) constantes das Demonstrações Financeiras da A..., resultantes da emissão de faturas por parte da sociedade “B...”. O objetivo que se pretendia atingir era verificar se as transações registadas na contabilidade da A... ocorreram e dizem respeito à entidade auditada (A...).

A Requerida enfatiza o facto de que a Requerente não conseguiu provar mas tão só alegar a existência de serviços técnicos (remedição de MTQ[5]) na área da engenharia e construção civil prestados pela “B...” pela simples razão daquela entidade não ter estrutura económica (recursos humanos, instalações, capacidade técnica em termos de “expertise” / ”(know how”) que lhe permitisse prestar aqueles serviços técnicos.

Adicionalmente refere que em termos de repartição do ónus da prova em operação simulada, como no caso controvertido, cabe à AT demonstrar indícios da sua existência, cabendo depois ao sujeito passivo provar a materialidade das operações tituladas pelas faturas consideradas falsas. Concluindo a Requerida que o entendimento perfilhado pela AT se encontrava em plena conformidade com a jurisprudência dos Tribunais Tributários Superiores (STA e Tribunal Central Administrativo Sul). Defende que de acordo com a jurisprudência consolidada no nosso ordenamento jurídico-tributário, uma vez que a AT considere haver faturas falsas, há lugar à aplicação das regras do ónus da prova previstas no artigo 74.º da LGT segundo o qual, compete à AT provar que existe indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade competindo ao sujeito passivo a prova de que a operação existiu mesmo.

Conclui pela não existência de qualquer direito a juros indemnizatórios por parte da Requerente, uma vez que os atos tributários praticados são válidos e legais devendo manter-se as liquidações adicionais efetuadas pela AT, não havendo qualquer erro imputável aos serviços que justifique a existência de juros indemnizatórios.

 

            7. Por despacho arbitral foi agendada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT para o dia 25 de março de 2022, pelas 15:00 horas. A reunião realizou-se na data indicada, tendo sido inquiridas as testemunhas arroladas pela Requerente e notificadas as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas, em simultâneo, direito que estas vieram a exercer e no qual sublinharam os argumentos anteriormente aduzidos.

 

8. Tendo em conta razões de saúde do árbitro, já sanadas, e a interposição de períodos de férias judiciais, foi proferido despacho em 21 de julho de 2022 no qual se prorrogou por dois meses (decisão a ser tomada até 25-9-2022) o prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT.

 

II. Questão prévia

 

9. No âmbito do depoimento da testemunha C..., o Jurista designado pela AT referiu que a mesma deveria prestar declarações de parte, nos termos do artigo 452.º do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas e), do RJAT, uma vez que é sócio.

A testemunha em causa não é sócio-gerente da Requerente, pelo que, não está em representação da Requerente, nem existe nos autos qualquer documento a investir a testemunha de qualquer mandato de representação, pelo que a mesma nunca poderia ser parte e por isso prestar declarações de parte.

 

III. SANEAMENTO

 

            10. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

            A cumulação de pedidos é legítima (artigo 3.º do RJAT e 104.º do CPPT[6]).

O processo não enferma de nulidades processuais, nem existem excepções dilatórias ou quaisquer outros entraves à apreciação do mérito da causa.

 

IV. DIREITO

 

IV.1. MATÉRIA DE FACTO

 

IV.1.1. Factos provados

 

            11. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A A..., LDA. (“A...”), NIF..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Vila Nova de Gaia é um sujeito passivo que se enquadra no regime geral de tributação de IRC e no regime geral de IVA com periodicidade trimestral, tendo como  CAE principal 71120-atividades de engenharia e técnicas afins e como CAE’s secundários: 71110 - Atividades de arquitetura; 41100-Promoção imobiliária(desenvolvimento de projetos de edifícios); e 41200-Construção de edifícios (residenciais e não residenciais).
  2. A “A...” realiza o acompanhamento e gestão de obras, isto é, assume perante o investidor e dono de obra o compromisso de acompanhar e gerir o desenrolar da obra, dispondo para o efeito de parcerias (através da subcontratação) que lhe permitem prestar serviços e assessorar os clientes nas mais diversas áreas necessárias a nível de engenharia civil;
  3.  A Requerente foi sujeita a um procedimento de inspeção externo credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI 2018... de âmbito parcial em sede de IRC e IVA, referente ao exercício fiscal de 2014, tendo o âmbito do procedimento externo sido posteriormente alterado para geral, devidamente fundamentado, e a Requerente notificada;
  4. Do procedimento inspetivo externo acima referido, a Requerente foi notificada de uma liquidação adicional de IVA no montante de 34.224,01€ referente ao período 201412T correspondente à liquidação n.º 2018..., cf. Doc. 1 anexo à petição inicial (PI) do presente PPA e da Demonstração de Acerto de Contas, cf. Doc.2 anexo à PI, o montante a pagar ascendeu a 34.224,01€, o que veio a ser pago pela Requerente, cf. Doc. 5 anexo à PI; e  
  5. de uma liquidação adicional de juros compensatórios, resultante da liquidação mencionada em d), no montante de 5.209,55€, cf. Doc. 3 anexo à PI do presente PPA e da Demonstração de Acerto de Contas, cf. Doc.4 anexo à PI, o montante a pagar ascendeu a 5.209.55€, o que veio a ser pago pela Requerente, cf. Doc. 6 anexo à PI; e
  6. de uma liquidação adicional de IVA no montante de 276€ referente ao período 201503Tcorrespondente à liquidação n.º 2018..., cf. Doc. 7 anexo à PI do presente PPA e da Demonstração de Acerto de Contas, cf. Doc.8 anexo à PI, o montante a pagar ascendeu a 275,99€, o que veio a ser pago pela Requerente, cf. Doc. 11 anexo à PI; e
  7. de uma liquidação adicional de juros compensatórios, resultante da liquidação mencionada em f), no montante de 50,82€, cf. Doc. 9 anexo a PI do presente PPA e da Demonstração de Acerto de Contas, cf. Doc.10 anexo à PI, o montante a pagar ascendeu a 50,82€, o que veio a ser pago pela Requerente, cf. Doc. 12 anexo à PI;
  8. As liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios referentes ao primeiro trimestre de 2015 (201503T) resultaram das correções referentes ao último trimestre de 2014 (201412T) cujos pressupostos de facto e de direito se encontram vertidos no RIT e se dá por inteiramente reproduzido para os devidos efeitos no PA;
  9. Em 6/6/2019, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa (n.º ...20190...-n.º GPS ...2019...) requerendo a anulação das liquidações adicionais de IVA (n.º 2018...) e respetivos juros compensatórios (n.º 2018 ...) nos montantes respetivamente de: 34.224,01€ e de 5.209,55€, num total de 39.4333,56€, referentes ao 4.º trimestre de 2014 (201412T) e a restituição dos valores já pagos, acima identificados, acrescidos de juros indemnizatórios;
  10. A Requerente foi notificada para exercer o direito de participação na decisão sobre a Reclamação Graciosa (n.º... -n.º GPS ...2019...), na modalidade de audição prévia;
  11. A Requerente exerceu o direito de audição no âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa (n.º ...2019...-n.º GPS ...2019...);
  12. A Requerente foi notificada do indeferimento da Reclamação Graciosa (n.º ...-n.º GPS ...2019...) através do Ofício n.º 2019...datado de 17/12/2019;
  13. Em 20/1/2020, a Requerente interpôs Recurso Hierárquico (n.º ...2020...) requerendo a anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa (n.º ...2019...-n.º GPS ...2019...) relativa ao último trimestre de 2014 (201412T) com a consequente anulação das liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios;
  14. A Requerente foi notificada para exercer o direito de participação na decisão sobre o Recurso Hierárquico, na modalidade de audição prévia, o que o fez;
  15. A Requerente foi notificada, através do Ofício n.º ..., datado de 11 de agosto de 2021, do indeferimento do Recurso Hierárquico relativo à Reclamação Graciosa (n.º ...2019...-n.º GPS ...2019...) referente ao último trimestre de 2014 (201412T);
  16. Em 6/6/2019, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa (n.º ...2019...-n.º GPS ...2019...) requerendo a anulação das liquidações adicionais de IVA (n.º 2018...) e respetivos juros compensatórios 2018 ...) nos montantes respetivamente de: 275,99€ e de 50,82€, num total de 326,81€, referentes ao 1.º trimestre de 2015 (201503T) e a restituição dos valores já pagos, acima identificados, acrescidos de juros indemnizatórios;
  17. A Requerente foi notificada para exercer o direito de participação na decisão sobre a Reclamação Graciosa (n.º ...2019...-n.º GPS ...2019...), na modalidade de audição prévia;
  18. A Requerente exerceu o direito de audição no âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa (n.º ...2019...-n.º GPS ...2019...);
  19. A Requerente foi notificada do indeferimento da Reclamação Graciosa (n.º ...2019...-n.º GPS ...2019...) através do Ofício n.º 2020 ... datado de 05/02/2020;
  20. Em 9/3/2020, a Requerente interpôs Recurso Hierárquico (n.º ... 2020...) requerendo a anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa (n.º ...2019...-n.º GPS ...2019...) relativa ao primeiro trimestre de 2015 (201503T) com a consequente anulação das liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios;
  21. A Requerente foi notificada para exercer o direito de participação na decisão sobre o Recurso Hierárquico, na modalidade de audição prévia, o que o fez;
  22. A Requerente foi notificada, através do Ofício n.º..., datado de 11 de agosto de 2021, do indeferimento do Recurso Hierárquico relativo à Reclamação Graciosa (n.º ...2019... n.º GPS ...2019...) referente ao primeiro trimestre de 2015 (2015-03T);
  23. A Requerente registou na sua contabilidade referente ao ano de 2014, as faturas emitidas em nome de “B...” que constam no ponto III.1.2 “Faturas registadas na contabilidade da “A... do RIT, tendo como base um montante de 220.000€ a qual acresce um montante de IVA liquidado de 50.600[7]€ correspondendo a um total de 270.600€, cf. fls. 55 e pg. 12 do RIT;
  24. Das faturas constantes no ponto III.1.2 “Faturas registadas na contabilidade da “A... do RIT, constam no ponto III.1.2.3 “Faturas n.º 1400/000011, 1400/000012, 1400/000013 e 1400/000015” as faturas emitidas pela sociedade “B...”, em dezembro de 2014 à Requerente, cf. fls.58 e pg. 18 do RIT, que estão na origem das liquidações adicionais de IVA (pela não aceitação da dedutibilidade do IVA por parte da AT a nível da Requerente) e respetivos juros compensatórios, bem como, do indeferimento de reclamações graciosas e recursos hierárquicos interpostos pela Requerente e que estão em análise no presente PPA e que abaixo se identificam:

 

  1. A Requerente respondeu a pedidos de esclarecimentos e elementos relativos às faturas constantes do ponto no ponto III.1.2 “Faturas registadas na contabilidade da “A...”, cf. fls. 55 e seguintes e pg. 12 e seguintes do RIT;
  2. Existência dum documento chamado Anexo II do RIT que tem o titulo “Medição e  Concepção de Nova Metodologia de Obra (Elaborado por B...) Versus “Acompanhamento de uma Empreitada de Remodelação e Reconversão de um Edifício em Lisboa” (Trabalho Final de Mestrado de D..., Instituto Superior de Engenharia de ...) em que os SIT efetuaram  uma análise comparativa entre o primeiro documento -“Medição e Concepção de Nova Metodologia de Obra (Elaborado por B...)” e um segundo documento -“Acompanhamento de uma Empreitada de Remodelação e Reconversão de um Edifício em Lisboa” (Trabalho Final de Mestrado de D..., Instituto Superior de Engenharia de...), cf. fls. 65 e seguintes do RIT;
  3. Conforme email, datado de 19/9/2019 às 19:13m, enviado pelo Eng. E... (sócio-gerente) da Requerente aos SIT na pessoa da Senhora Inspetora Dra. F..., credenciada pela OI2018..., informou que:

“ (…)

  • O fornecedor B... (B...) surge em meados do ano 2014, por sugestão da contabilidade (B... seria parceira de um outro cliente da nossa contabilidade) como resposta ao objetivo identificado no primeiro subponto anterior (além da publicidade em eventos e associada distribuição de flyers, o Senhor G... da B... transmitiu ser muito bom conhecedor de um conjunto de países/mercados na América Latina);
  • posteriormente, nos contactos pontuais tido com o Sr. G...  da B..., o mesmo transmitiu ser capaz de participar como fornecedor subcontratado no desenvolvimento de alguns trabalhos relacionados com a atividade técnica da A..., nomeadamente na elaboração de medições(trabalho de gabinete normalmente efetuado por medidores) - situação que veio a ocorrer em 4 trabalhos, adjudicados à B..., desenvolvidos com sucesso na medida em que a satisfação dos clientes da A... não foi posta em causa. No que diz respeito a esta matéria todos os 4 trabalhos desenvolvidos pela B... correspondem à verificação/remedição dos mapas de trabalhos e quantidade dos respeitantes aos projetos respetivos e constantes dos mesmos;
  • a relação comercial entre a A... e a B... terminou por volta do início do ano 2015, por decisão de E..., devido ao estranho comportamento da B... no que diz respeito aos pagamentos respetivos;
  • a troca de informações entre a A... e a B... ocorria de forma presencial, através de visitas pontuais do Sr. G... da B... ao escritório da A... para entrega/e ou recolha de documentação;
  • Os dossiers técnicos desenvolvidos pela B... (os tais 4 trabalhos de gabinete) foram, entretanto, localizados (…) “, cf. pg 2/8 do Doc. 41 anexo à PI;

 

  1. A sociedade “B...” com o NIF..., encontra-se registada para a atividade de “Comércio a Retalho de Outros Produtos Novos, Estabelecimento Especializado” com o CAE 47784;
  2. Em 14 de novembro de 2021 a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral.

 

III.1.2. Factos não provados

 

            12. Com relevo para a decisão da causa, não se considerou provado que os serviços descritos nas faturas abaixo descritas foram prestados pela sociedade “B...”:

 

 

 

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

13. Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência de vida (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e da prova testemunhal.

Quanto à concreta motivação subjacente à matéria de facto dada como não provada, cumpre sublinhar que o Tribunal teve presente as regras de distribuição do ónus da prova e a presunção de boa-fé e veracidade das declarações que resultam, respectivamente, dos artigos 74.º e 75.º da LGT. Sucede que a referida presunção não se verifica no presente caso quanto às faturas constantes do ponto X dos Factos Provados e constantes do ponto IIII.1.2.3 apresentadas pela Requerente, já que se considera preenchida a alínea a), do n.º 2, do artigo 75.º da LGT que afasta a presunção consagrada no n.º 1 daquele mesmo artigo nos casos em que as “[a]s declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.

A este respeito cumpre ter presente que devido à recolha de prova por parte dos SIT na esfera da sociedade “B...” e na Requerente, não foi provado a existência dos serviços por parte da sociedade “B...”.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

 

IV.1 Delimitação das questões a decidir:

 

            Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:

  1. Ilegalidade das liquidações de IVA impugnadas (201412T e 201503T) e respetivos juros compensatórios e indeferimento das reclamações graciosas e recursos hierárquicos relativos às liquidações adicionais impugnadas de imposto (IVA) e juros compensatórios anteriormente referidos, e
  2. Direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.  

 

IV.2 Ilegalidade das liquidações de IVA impugnadas (2014 12T e 201503T) e respetivos juros compensatórios e indeferimento das reclamações graciosas e recursos hierárquicos relativos às liquidações adicionais referidas no ponto IV.1 alínea a)

 

14. A Requerente fundamenta o pedido de ilegalidade das liquidações de IVA impugnadas (201412T e 201503T) e respetivos juros compensatórios e indeferimento das reclamações graciosas e recursos hierárquicos relativos às liquidações adicionais referidas no ponto IV.1 alínea a) arguindo vícios decorrentes de erro nos pressupostos de facto e direito que estão na origem dos atos controvertidos, a saber:

 

- Violação do Direito de Audição

 

- Vícios das liquidações adicionais e, em consequência, do indeferimento dos recursos hierárquicos

 

Violação do Direito de Audição

 

15. A este respeito cumpre referir que a Requerente em sede de reclamações graciosas pediu a inquirição da testemunha H... relativos a pontos concretos das mesmas, sendo o mesmo indeferido.

Convém referir que os pontos das reclamações graciosas para as quais foi pedida prova testemunhal, dizem respeito às faturas n.º 1400/0000011,12,13 e 15 - serviços técnicos de medição - emitidas pela sociedade emitente “B...”, em 2014, cf. Docs. 13 e 17 anexos à PI. 

Em síntese, a Requerente justifica a subcontratação da sociedade emitente “B...” pelo rápido crescimento do seu volume de negócios entre 2013 e 2014 de 450% aliado a uma opção de gestão de subcontratar em vez de contratar quadros técnicos, devido à incerteza quanto ao futuro em termos de evolução do setor da construção civil, uma vez que os anos de 2012, 2013 e 2014 foram anos de crise naquele setor. Considera que a opção tomada foi a correta.

Defende que foram prestados serviços técnicos (medição de obras) pela sociedade “B...”, através da subcontratação, aos seus clientes e que os serviços prestados pela sociedade “B...” não mereceram qualquer reclamação por parte destes e que foram enviados para os SIT documentos comprovativos dos mesmos, não tendo os mesmos sido relevados no RIT.

Não entende como é que a haver falta de cumprimento das obrigações fiscais (principal e acessórias) da sociedade “B...” pode pôr em causa a prestação de serviços por aquela entidade, uma vez que os serviços foram efetivamente prestados.

 Adicionalmente refere que o documento “Medição e Conceção de Nova Metodologia de Obra” (designado por “Trabalho”) constante nas páginas 18 e 19 do RIT, era apenas um caderno de encargos que foi facultado aos SIT e que não tem nada a ver com as faturas emitidas pela sociedade “B...”, em dezembro de 2014, que estão na origem das liquidações adicionais impugnadas em sede de IVA. Argui que os serviços que constam nas ditas faturas foram prestados e dizem respeito a medições de projetos de obras e não de caderno de encargos e ignora se o “Trabalho” apresentado pela sociedade emitente “B...” foi plagiado ou não, não tendo a mínima importância para o caso controvertido. Lamenta que os SIT só tenham analisado o “Trabalho” e não os restantes documentos enviados para os SIT que sustentam os trabalhos prestados correspondentes às faturas emitidas em 2014, nomeadamente, as referentes a dezembro de 2014 pela sociedade “B...”.

Por outro lado, refere que a comparação entre os valores constantes das faturas emitidas pela sociedade “B...” e os valores totais das quatro obras constante da página 20 é enganosa e baseada em factos falsos. Que o valor das prestações de serviços da Reclamante (Requerente) das quatro obras constantes da página 20 do RIT não espelha a realidade porque a comparação que é feita é só relativamente a 2014, quando a duração das obras não se cingiu só a 2014, e, consequentemente, os pressupostos utilizados no RIT não traduzem essa realidade.

Tendo em conta a factualidade descrita acima, torna-se necessário saber se a atuação da AT ao abrigo do artigo 69.º do CPPT a indeferir a inquirição de testemunha arrolada pela Reclamante violou a lei ou não.

 

Vejamos

 

 A fundamentação por parte da AT tem em conta todo o material probatório recolhido pelos SIT quer junto da sociedade emitente - “B...” – que indiciavam a falta de existência de uma estrutura empresarial que justificasse a realização da prestação de serviços, em 2014, nomeadamente, as faturas emitidas, em dezembro de 2014, constantes no ponto III.1.2.3 Faturas n.º 1400/000011,12,13 e 15 do RIT, pela sociedade “B...” à Requerente. Assim, quando a Requerente foi interpelada pelos SIT acerca das faturas emitidas pela sociedade “B...”, em dezembro de 2014, constantes no ponto III.1.2.3 Faturas n.º 1400/000011,12,13 e 15, a mesma apresentou um documento chamado “Medição e Conceção de Nova Metodologia de Obra” (designado por “Trabalho”) que seria o suporte das ditas faturas. Da análise efetuada ao dito documento “Trabalho” e às faturas emitidas, em dezembro de 2014, pela sociedade “B... verificou-se que o conteúdo do “Trabalho” não tem qualquer conexão com o descritivo das faturas em questão, tendo os SIT concluído que “Do descrito, conclui-se que o documento apresentado não resulta do acompanhamento das obras referenciadas nas faturas”, conforme é referido a fls. 58 e seguintes e pg. 19 do RIT. Aliás, os SIT vieram provar que o referido “Trabalho” tem um conteúdo quase igual a um trabalho de mestrado consultável na internet, datado de março de 2013 e que não poderia suportar as faturas emitidas, em dezembro de 2014, pela sociedade “B...”, cf. Anexo II ao RIT.  Ora, a Requerente aquando da apresentação da Reclamação Graciosa com vista ao esclarecimento do conteúdo do documento “Trabalho” arguiu que o referido documento era “ (…) apenas um caderno de encargos geral (…)“ e “Este documento não foi utilizado nas faturas em causa, até porque era um exemplo de mapa de encargos, pois os serviços que constam das faturas e que foram prestados são relativos a medições de projetos de obra e não de caderno de encargos”, conforme considerandos 35 e 36 da reclamação graciosa.” Sendo assim, cabia à Requerente apresentar documentos que suportassem os débitos efetuados pela sociedade “B...” referente às faturas constantes do ponto III.1.2.3 e que justificassem a realização desses serviços. Ainda em sede PI no considerando 162, a Requerente alega que “É manifesto que o RIT não teve em consideração os documentos que foram remetidos para a inspeção e que comprovam, claramente, que os serviços foram prestados”, o que após uma análise quer à reclamação graciosa quer ao RIT, fica no ar a pergunta: Que documentos provam a existência de serviços prestados à Requerente que estão na base das faturas constantes no ponto III.1.2.3 do RIT? 

16.Tendo em conta todo o material probatório carreado para os autos relativo à inspeção e reclamações graciosas referentes aos períodos 201412T e 201503T, a resposta é a de que não foram arrolados pela Requerente, documentos que documentassem a prestação de serviços de suporte às faturas identificadas no ponto III.1.2.3 do RIT. Em termos de ónus da prova, ao abrigo do artigo 74.º n.º 1 da LGT, a AT deu pleno cumprimento ao ónus de provar que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação de considerar que existem indícios sérios de que as operações constantes das faturas (constantes do ponto III.1.2.3 do RIT) emitidas, em dezembro de 2014, pela sociedade “B...” não correspondem à realidade.

Relativamente à reclamação graciosa de 201503T, a Requerente argui nos considerandos 3 e 4, respetivamente, que “Da inspeção, nada é referido quanto a alterações e/ou modificações de IVA de 2015. Todavia,” e “A Reclamante foi notificada das liquidações identificadas infra, sem qualquer fundamento ou justificação. Não obstante,”, cf. Doc.17 anexo à PI.

A Requerente relativamente à liquidação adicional de IVA e respetivos juros compensatórios referente ao período de 201503T, argumenta com os mesmos fundamentos que foram utilizados na reclamação graciosa relativamente à liquidação adicional de IVA de 201412T que compreendeu uma correção, a favor do Estado, resultante da desconsideração de IVA deduzido pela Requerente no montante de 34.500€. Deste modo, a Requerente mostra estar ciente da conexão existente entre os factos que estão na origem das correções aritméticas relativas a 201412T e as consequências dessas correções no período de 2015, pelo que não colhe o arguido/defendido pela Requerente nos considerandos 3 e 4 da reclamação graciosa de 201503T. Além disso, a Requerente não podia ter utilizado o procedimento previso no artigo 37.º do CPPT?

 De facto, no último trimestre de 2014, a Requerente tinha apurado um montante de imposto a reportar de 275,99€ dando origem em 2014 a um crédito de imposto de 275,99€ para o primeiro trimestre de 2015. Assim, relativamente ao último trimestre de 2014, devido às correções aritméticas no montante de 34.500€, o IVA apurado para o último trimestre de 2014 foi de 34.224,01€ (34.500€-275,99€) tendo o IVA relativo ao primeiro trimestre de 2015 sido corrigido no montante de 275,99€, isto é, o “valor do excesso a reportar do período anterior”(campo 61 da DP do primeiro trimestre de 2015) sido corrigido dando origem à liquidação de IVA e respetivos juros relativos a 201503T constantes nos presentes autos, cf. pg. 2 da Informação 1732/2021 relativo ao Recurso Hierárquico relativo ao período 201503T e Doc.20 anexo à PI. 

Atendendo ao material probatório carreado para os autos em sede de inspeção e reclamações graciosas por ambos os sujeitos processuais (Requerente e AT), o ónus probatório foi cumprido por parte da AT, mas já não, pela Requerente. Alegar, como o fez a Requerente, no considerando 29 da reclamação graciosa relativa a 201412T ou no considerando 31 da reclamação graciosa relativa a 201503T (“Foram juntos diversos documentos comprovativos da existência dos serviços, os quais não foram sequer relevados no relatório”), não significa provar, uma vez que como se disse acima, não existindo documentos em concretos a documentar os serviços prestados pela sociedade “B...”, não se pode identificar qual a sua relevância para demonstrar a existência da prestação de serviços. Aliás a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Norte (TCN) no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 3317/19.7BEPRT[8], de 16 de outubro de 2020 veio pronunciar-se no sentido de que alegar não é provar

“ (…) perante a mera alegação de um facto, tal não determina que o Tribunal tenha de o dar por assente, uma vez que alegar não é provar (…)”.

 

É convicção deste Tribunal que quando a AT indeferiu a inquirição da testemunha em sede de reclamação graciosa com o fundamento de falta de motivos de facto ou de direito relativos às correções previstas no RIT que tornassem a inquirição da testemunha arrolada não apenas pertinente ou útil, mas “manifestamente indispensável” (artigo 69.º do CPPT), na descoberta da verdade material a que a AT está sujeita por lei, a AT não fez mais do que aplicar a lei.

Com o indeferimento das reclamações graciosas, a Requerente interpôs recursos hierárquicos relativos aos períodos 201412T e 201503T. Arrolou a testemunha H... sendo deferido o seu pedido. As declarações da testemunha dizem respeito a factos contemplados no item referente à desconsideração do IVA dedutível: faturas 1400/000011,12,13 e 15 – emitidas pela sociedade “B...” – serviços técnicos de medições, que será analisado abaixo. Em termos do exercício de garantias que a Requerente tinha ao seu dispor, nomeadamente, através do uso da prova testemunhal, não foi beliscado o exercício das mesmas, por parte da AT no exercício dos seus poderes vinculados.  

De referir ainda que em ambos os recursos hierárquicos, a Requerente voltou a usar os mesmos argumentos usados em sede de reclamações graciosas, isto é, a defender no que toca ao ónus da prova por parte da Requerente, que os SIT não tiveram em linha de conta aquando do procedimento inspetivo, os inúmeros documentos enviados pela Requerente a comprovar a existência da prestação de serviços técnicos e que devem ser considerados como prova documental às faturas emitidas pela sociedade “B...” relativamente a 2014. No entanto, a Requerente em sede de Recurso Hierárquico não identifica, não arrola, nem discrimina quais os documentos que servem de suporte às faturas controvertidas constantes no ponto IIII.1.2.3 do RIT que provem a existência de serviços prestados pela sociedade “B...” e que os SIT aquando da inspeção não terão tido em consideração.

Pelas razões já analisadas acima em termos de procedimento inspetivo e de reclamação graciosa e que se aplicam integralmente em sede de recurso hierárquico aos períodos em referência, uma vez que a fundamentação usada pela Requerente nos recursos hierárquicos são rigorosamente iguais aos usados em sede de inspeção e reclamação, improcede o pedido de nulidade pedido pela Requerente por violação do direito de audição.  

Chegados aqui, como já referido, foram arguidos vícios pela Requerente a nível das liquidações adicionais referentes a 201412Te 201503T e, consequentemente, inquinando os despachos de indeferimento dos recursos hierárquicos.

 

Assim,

 

Vícios das liquidações adicionais e, em consequência, do indeferimento dos recursos hierárquicos

 

A Requerente defende que o RIT apresenta vícios inquinando em termos de legalidade as liquidações adicionais de IVA assim como o indeferimento dos recursos referentes aos períodos 201412T e 201503T, devendo por isso, esses atos tributários serem anulados com os seguintes fundamentos:

 

  1. Factos descritos no RIT relativos à sociedade “B...” que são desconhecidos à Requerente e irrelevantes para efeitos do RIT

 

  1. Erro nos pressupostos de facto para desconsideração do IVA dedutível: faturas 1400/000011,12,13 e 15 – emitidas pela sociedade “B...” – serviços técnicos de medições

 

Tendo ficado assente em termos de matéria de Direito os fundamentos que são invocados pela Requerente para defender a anulabilidade das liquidações adicionais de IVA e dos indeferimentos dos recursos hierárquicos referentes aos períodos 201412T e 201503T, há que analisar os mesmos:

 

  1. Factos descritos no RIT relativos à sociedade “B...” que são desconhecidos à Requerente e irrelevantes para efeitos do RIT

 

17. Quanto a este ponto a Requerente considera quer em sede de inspeção, reclamações graciosas e recursos hierárquicos referentes aos períodos de 201412T e 201503T, que os “factos e conclusões”, contantes nas pgs. 9 a 12 do RIT, relativas à sociedade “B...” descrevendo as suas atividades, recursos humanos (foi identificado como sócio-gerente o Sr.G...), materiais (instalações), aspetos ligados ao perfil fiscal, contabilístico, gestão e organização, são irrelevantes, uma vez que dizem respeito a outro sujeito passivo - sociedade “B...” – e não à Recorrente.

 

18. Convém não esquecer que o RIT é um documento que resulta dum procedimento administrativo, vulgarmente conhecido como auditoria tributária, cujo regime jurídico está plasmado no Regime Complementar de Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA)[9]. Ora, estando-se perante uma auditoria tributária, como é o caso do procedimento externo à Requerente que deu origem ao RIT e subsequentemente às liquidações adicionais de IVA, reclamações graciosas e recursos hierárquicos controvertidos, há que averiguar, nomeadamente, entre outros aspetos previstos no RCPITA, qual a metodologia seguida. É preciso não esquecer que no RCPITA está previsto no seu artigo 57.º “Nos actos de inspeção podem ser utilizadas, quando aplicáveis, técnicas de auditoria contabilística”. A Requerida, nomeadamente, nos artigos 70 a 83 da Resposta densifica parcialmente, dum ponto de vista concetual, o que está previsto no RCPITA no artigo 57.º em termos sintéticos. É preciso não esquecer que ficou provado que a sociedade “B...” emitiu faturas (cf. ponto X dos Factos Provados e constantes do ponto do III.1.2.3 do RIT) as quais vão ter implicações a nível das demonstrações financeiras reportadas a 2014, em termos de reconhecimento de gastos e de IVA (devido à natureza do facto patrimonial – prestação de serviço)  a nível da Requerente, uma vez que o âmbito do procedimento externo levado a cabo é geral, abrangendo o IRC, IVA e outros impostos, embora este Tribunal apenas se tenha que pronunciar sobre o IVA (dedutível ou não) por parte da Requerente nos períodos de 201412T e 201503T. Assim sendo, como é referido pela Requerida no artigo 76 da Resposta, o que os SIT pretenderam avaliar foi a asserção[10] da “Ocorrência” para efeitos de auditoria tributária, a nível da Requerente, que se traduz em responder relativamente às alegadas transações tituladas pelas faturas constantes no ponto X dos Factos Provados e ponto III.1.2.3 do RIT ao seguinte: ocorreram? dizem respeito à Requerente?

Através do procedimento inspetivo, os SIT recolhem prova de molde a formar uma convicção quanto ao cumprimento das obrigações (principal e acessórias) quer da sociedade “B...” quer da Requerente, onde, nomeadamente, terá de se fazer uma avaliação da asserção “Ocorrência” a nível da Requerente quanto à existência das prestações de serviços efetuadas pela sociedade “B...”. Ora, se assim é, torna-se importante em termos de auditoria tributária entrar em linha de conta com o aspeto de avaliação de risco que terá de ser tomada em linha de conta em qualquer tipo de auditoria, seja tributária, financeira, etc. O risco presente nos autos é saber se o IVA associado aos gastos decorrentes dos potenciais serviços prestados pela sociedade “B...” tem subjacente prestações de serviços e por isso estão reunidos os requisitos previstos no artigo 19.º do CIVA, para que esse IVA possa seja dedutível a nível da Requerente e esteja devidamente registado a nível das demonstrações financeiras.

Por outro lado, o procedimento de avaliação de risco dum sujeito passivo pressupõe o conhecimento do negócio desse sujeito passivo e o seu meio envolvente. No caso controvertido temos dois sujeitos passivos - sociedade “B...” e a Requerente- relativamente aos quais os SIT, em obediência à descoberta da verdade material, começa por identificar os aspetos de índole empresarial de ambos os sujeitos passivos, conforme consta, respetivamente, nos pontos II.3.1, II.3.2, II.3.3 e II.3.4 (todos referentes à Requerente) e III.1.1(referentes à sociedade “B...”), todos do RIT.

Assim, tornava-se necessário fazer o enquadramento dos aspetos de natureza financeira e não financeira da sociedade “B...”. 

Da recolha de dados de índole empresarial a nível de ambos os sujeitos passivos-sociedade “B...” e a Requerente, os SIT tiveram de adotar uma estratégia de auditoria em termos de definição da extensão e profundidade de procedimentos de auditoria (em termos de procedimentos analíticos e testes de detalhe de transações) a efetuar a nível da Requerente.

Assim, tornava-se necessário a recolha de prova a nível da sociedade “B...”, prova essa que abrangia diferente tipo de aspetos de índole empresarial, conforme ponto III.1.1 (pgs. 9-12) do RIT. Os SIT puderam recolher prova indiciária objetiva de diferente natureza (financeira e não financeira) no sentido de que as faturas contabilizadas pela Requerente não corresponderem a operações económicas efetivamente praticadas.

No entanto, como acima foi referido, a recolha de prova por parte dos SIT teve que ser complementada a nível da Requerente através de procedimentos substantivos sob a forma de testes de detalhe aos saldos e ás transações, como acima se afirmou, acompanhados de indagações junto da Requerente e da respetiva recolha de documentação e respostas a essas indagações, conforme é referido no ponto III.1.2 (fls. 55 a 50 e pgs.12 a 21 ) do RIT, tendo em atenção os indícios recolhidos relativos à sociedade “B...”.

Pelas razões acima expostas, é convicção deste Tribunal que a análise feita pelos SIT à sociedade “B...” em termos de estrutura empresarial, conforme ponto III.1.1, era imprescindível para os procedimentos de auditoria tributária referidos nos pontos III.1.2.1, III.1.2.2, III.1.2.3. complementado com a análise financeira referida no ponto III.1.3.   

Adicionalmente, a Requerente quer em sede de contraditório de inspeção tributária quer em sede de reclamações graciosas quer de recursos hierárquicos referentes aos períodos de 201412T e 201503T, defende que o não cumprimento das obrigações declarativas e fiscais por parte da sociedade “B...” não implica que não tenha havido a prestação de serviços relativamente às faturas constantes do ponto X dos Factos Provados e do ponto III.1.2.3 do RIT, conforme é defendido pelos SIT.

Relativamente a este aspeto, acompanhamos a posição da AT ao negar essa causalidade arguida pela Requerente com a fundamentação da AT constante nos considerandos 91 a 97 da Informação 1731/2021 relativo ao Recurso Hierárquico referente ao período 201412T (pgs. 21 e 22 do dito Recurso), cf. Doc. 16 anexo à PI, tendo a Requerente sido notificada para os devidos efeitos. Assim, através de recolha de indícios a nível da sociedade “B...” de que a mesma não tinha uma estrutura empresarial que suportasse os serviços descritos nas faturas controvertidas constantes no ponto X dos Factos Provados e no ponto III.1.2.3, torna-se relevante a avaliação de risco em termos de auditoria tributária os gastos e IVA relevado nas demonstrações financeiras da Requerente decorrente das alegadas prestações de serviços. Deste modo, tornava-se necessário aprofundar a auditoria tributária em termos de procedimentos e recolha de prova a nível da Requerente para se confirmar se houve ou não as alegadas prestações de serviços, tendo os SIT adotado esse procedimento, conforme acima descrito.

Do acima exposto, é convicção deste Tribunal que a atuação da AT se pautou pela prossecução do interesse público no respeito da CRP e da lei ao abrigo do artigo 266.º da CRP, artigo 63.º da LGT e RCPITA, pelo que improcede o pedido de anulação das liquidações adicionais de IVA referentes aos períodos 201412T e 201503T e do indeferimento das reclamações graciosas e dos recursos hierárquicos.

 

 

  1. Erro nos pressupostos de facto para desconsideração do IVA dedutível: faturas 1400/000011,12,13 e 15 – emitidas pela sociedade “B...” – serviços técnicos de medições

 

19. Chegados aqui convém delimitar a questão relevante que tem a ver com a legalidade ou não, da liquidação adicional de IVA do período de 201214T efetuada pelos SIT no âmbito do procedimento inspetivo externo do qual resultou a desconsideração de IVA (IVA dedutível) relativo a alegadas prestações de serviços faturadas à Requerente pela sociedade “B...”.

Convém referir que a sociedade “B...” com o NIPC... está registada na AT com o CAE 47784, tendo como atividade “Comércio a Retalho de Outros Produtos Novos, Estabelecimento Especializado”, não entregou declarações periódicas de IVA referentes a períodos posteriores ao 2.º trimestre de 2014[11].

Relativamente à sociedade “B...” a AT tinha recolhido indícios[12] (num procedimento inspetivo à mesma[13]) concluindo que a mesma não possuía capacidade empresarial para o exercício de uma atividade económica e apesar disso, a sociedade “B...” emitiu faturas à Requerente, nomeadamente, as faturas controvertidas constantes no ponto X dos Factos Provados e do ponto III.1.2.3 do RIT que estão na origem às liquidações adicionais de IVA referentes aos períodos 201412T e 201503T.

A Requerente em sede de inspeção quando indagada pelos SIT quanto à realização dos serviços prestados pela sociedade “B...” descritos nas faturas controvertidas constantes no ponto X dos Factos Provados e do ponto III.1.2.3 do RIT, esclareceram os SIT com a apresentação do documento “Medição e Concepção de Nova Metodologia de Obra” (“Trabalho”), cuja autoria seria da sociedade “B...”, e que seria o documento justificativo do acompanhamento por parte da sociedade “B...” às obras ...– Base..., “Centro Comercial ... – ...”, Lojas .../.../... – Loteamento de ..., “Remodelação da loja ...– Matosinhos”, “Lojas ...-Madeira”[14], num total de 5 obras. Ora as faturas controvertidas constantes no ponto X dos Factos Provados e do ponto III.1.2.3 do RIT dizem respeito a quatro obras e não a cinco obras.

 Os SIT procederam à análise do conteúdo do referido documento, tendo chegado à conclusão da coincidência do mesmo com um trabalho de mestrado em Engenharia Civil do Instituto Superior de Engenharia de ..., disponível na Internet, cf. Anexo II e pg. 19 do RIT. Adicionalmente diga-se que da comparação de conteúdos do “Trabalho” com o descritivo das faturas controvertidas constantes no ponto X dos Factos Provados e do ponto III.1.2.3 do RIT, não se vislumbra qualquer conexão.

Posteriormente no decorrer da inspeção, o sócio-gerente da Requerente - Eng. E...– informou que os serviços prestados pela sociedade “B...” consistiam na verificação/remedição de mapas de trabalho e quantidade (chamados na área da Engenharia Civil de “MTQ”)[15] a pedido da Requerente. Adicionalmente, como exemplo do trabalho de medição desenvolvido pela sociedade”B...”, foi apresentado um “MTQ” relativo à obra ...-Portimão que segundo o sócio-gerente (da Requerente) - Eng. E... consistiu na quantificação (medição) dos trabalhos a realizar pela “A...” na obra acima referida, trabalho de gabinete, normalmente efetuado por medidores, com base no programa do cliente “I...”. Consultando o material probatório carreado para os autos, verifica-se que:

  • Foi celebrado um “Contrato de Prestação de Serviços de Fiscalização e Coordenação da Empreitada de Construção Civil”, em 5/6/2013, entre a Requerente e a I..., UNIPESSOAL, LDA (I...) com o NIPC ... no montante de 9.950€, ao abrigo do qual a Requerente tem de prestar serviços de coordenação e fiscalização para a empreitada de obras de urbanização, movimentação de terras e muros de contenção que a I... pretende levar a efeito no concelho de Portimão, cf. cláusula Primeira - Objeto e Âmbito da Prestação de Serviços, no ponto 1.1; igualmente no  ponto 1.2 2 alínea d) estabelece-se como atividades levadas a cabo pela Requerente “Verificação das medições dos projetos”, cf. Doc.27 anexo à PI.
  • Foi celebrado um “Contrato de Prestação de Serviços de Fiscalização e Coordenação da Empreitada de Construção Civil”, em 19/6/2013, entre a Requerente e a I..., UNIPESSOAL, LDA (I...) com o NIPC ... no montante de 14.750€, ao abrigo do qual a Requerente tem de prestar serviços de coordenação e fiscalização da empreitada de construção de estabelecimento comercial ..., incluindo estacionamento e respetivos arranjos exteriores, que a I... pretende levar a efeito no concelho de Portimão, cf. cláusula Primeira - Objeto e Âmbito da Prestação de Serviços, no ponto 1.1; igualmente no  ponto 1.2 2 alínea d) estabelece-se como atividades levadas a cabo pela Requerente “ Verificação das medições dos projetos”, cf. Doc.28 anexo à PI fls. 1043.
  • O total dos “Contrato de Prestação de Serviços de Fiscalização e Coordenação da Empreitada de Construção Civil”, acima referidos, celebrados entre a Requerente e a I..., UNIPESSOAL, LDA (I...), totalizam o montante de 24.700€, ao qual acresce o IVA, valor constante apresentado no ponto III.1.2.3 do RIT a fls. 59 e pg.20 do RIT;
  • A sociedade “B...” apresentou um orçamento à Requerente para o serviço de análise e medição de equipamentos e materiais e consequente melhoramento de procedimentos referente à obra da Loja ... no concelho de Portimão acima referida, no montante de 35.750€, ao qual acresce o IVA, cf. Doc. 30 anexo à PI;
  • Segundo a Requerente, a sociedade “B...” executou o serviço, tendo sido entregue à Requerente uma “pen” onde consta o MTQ referente à Loja ... no concelho de Portimão, cf. Doc. 31 anexo à PI e dando origem à emissão da fatura n-º 1400/000012, de 8/12/2014, no montante de 35.750€ ao qual acresce IVA a 23% no montante de 8.222,50€ totalizando 43.972,50€, por parte da “B...”, cf. ponto X dos Factos Provados e ponto III.1.2.3 do RIT.
  • Da leitura e análise das faturas controvertidas constantes no ponto X dos Factos Provados e ponto III.1.2.3 do RIT, os SIT constataram que o valor dos serviços descritos nas mesmas variavam em função de UTS (segundo os SIT poderá significar “Unidades de Tempo e Serviço”) de uma equipe de técnicos da sociedade “B...” tendo indagado o sócio-gerente da Requerente-Eng. E...- como seriam calculados os UTS que esclareceu que não sabia como era calculado o preço dos serviços por parte da sociedade “B...”, cf. fls. 58 e pg. 18 do RIT. Adicionalmente, segundo os SIT, não foi possível identificar outras pessoas da sociedade “B...” para além do sócio-gerente G..., cf. fls. 58 e pg. 18 do RIT.
  • Em sede quer de reclamação graciosa quer de recursos hierárquicos referentes aos períodos 201412T e 201503T, a Requerente veio arguir que o documento “Trabalho” era apenas um caderno de encargos geral apresentado pela sociedade “B...” e que este documento não podia ser considerado o suporte das faturas controvertidas constantes no ponto X dos Factos Provados e ponto III.1.2.3 do RIT, uma vez que os serviços que constam das faturas e que foram prestados por aquela dizem respeito a medições de obra e não a caderno de encargos.      

 

            20. Chamando à colação a prova testemunhal apresentada pela Requerente, refira-se que no exercício do direito de audição referente ao projeto de relatório da inspeção tributária elaborado na sequência do procedimento em respetivo junto da Requerente, foi ouvida a testemunha J... que, em síntese, veio justificar a subcontratação da sociedade “B...” na medida em que a Requerente era uma empresa jovem e que devido ao volume de trabalho em 2014, foi necessário subcontratar a sociedade “B...” e os trabalhos efetuados por esta eram no âmbito da medição de projetos. A medição de projetos era uma componente muito importante a nível de trabalhos a executar por parte da Requerente no controlo e fiscalização de obras de engenharia civil e que se podia traduzir numa poupança de vários milhares ou centenas de milhares de euros aos clientes da Requerente.

Também foi ouvida a testemunha – H...- aquando da apresentação dos Recursos Hierárquicos referentes aos períodos 201412T e 201503T. Em síntese declarou que desempenhava funções técnicas na Requerente no âmbito da coordenação e fiscalização de projetos de engenharia, não participando na gestão da Requerente. Declarou que acompanhou as obras relativas ao Centro Comercial ..., em ... . Relativamente a essa obra, declarou que tinha informado a gestão da Requerente da necessidade de recorrer a uma entidade externa para efetuar o trabalho de remedição porque a Requerente não disponha nos seus quadros de meios humanos habilitados disponíveis para o efeito. Entregou ao sócio-gerente da Requerente os MTQ do projeto relativo ao Centro Comercial ... efetuados pela Requerente, tendo recebido posteriormente os MTQ retificados com a confirmação das medições constantes do projeto relativo ao Centro Comercial ... . Não teve contato com os técnicos que intervieram na elaboração dos MTQ remedidos, sabendo apenas que quem elaborou os MTQ remedidos foi a sociedade “B...” porque constava o nome da mesma nos referidos MTQ remedidos como autor. Declarou que não conhece ninguém da esfera da sociedade “B...”, que não tem conhecimento de qualquer relação comercial entre a Requerente e a sociedade “B...” e a responsabilidade da contratação da sociedade “B...” foi exclusivamente da gerência da Requerente. Do descrito anteriormente, pode concluir-se que as testemunhas apresentadas pela Requerente, não apresentaram qualquer prova objetiva no sentido de que os serviços descritos nas faturas emitidas pela sociedade “B...” constantes no ponto X dos Factos Provados e do ponto III.1.2.3 do RIT tinham sido prestados pela sociedade “B...”.

 

21. Aqui chegados, e tendo por base o acima exposto, é convicção deste Tribunal que a AT recolheu prova suficiente quer a nível da sociedade emitente “B...” quer a nível da Requerente, no sentido de considerar que não foram prestados os serviços constantes das faturas controvertidas mencionada no ponto X dos Factos Provados e identificadas no ponto III.1.2.3. De facto, no RIT os SIT no ponto III.1.1 fls. 53 e seguintes e pg. 9-12, do RIT, recolheram indícios de que a sociedade emitente das faturas supra (“B...) não tinha uma estrutura empresarial adequada aos serviços que aquelas faturas descreviam como prestados à Requerente. Adicionalmente, os SIT foram investigar a existência ou não dos serviços prestados pela sociedade “B...” à Requerente na esfera desta. E como? Aplicando o que está plasmado, nomeadamente, no artigo 57.º do RCPITA e no artigo 63.º da LGT. Em termos concretos, estão identificados no RIT procedimentos típicos de auditoria tributária – teste de detalhe às transações, ao saldo das contas, indagações através de pedidos de esclarecimento, cf. se pode constatar por exemplo nos Docs. 40 e 41 anexos à PI e pontos II e III do RIT. Os SIT fizeram aquilo que é vulgar chamar-se “cruzamento de informação”, através da recolha de prova quer junto da entidade emitente “B...” quer junto da Requerente. Aprofundando este aspeto, os SIT perante as faturas constantes do ponto III.1.2.3 quiseram confirmar aquilo que em direito tributário se chama “substância” das transações/operações, isto é, traduzido para o caso controvertido, se há evidência de que os serviços foram efetivamente prestados ou não pela sociedade “B...”?

 

22. Inicialmente, a Requerente apresentou um documento “Trabalho” como sendo o suporte das faturas controvertidas no ponto X dos Factos Provados e no ponto III.1.2.3 do RIT, tendo os SIT feito a prova que o referido documento – “Trabalho” – consistia num trabalho académico de mestrado, cf. Anexo II do RIT e fls. 58 e seguintes e pgs. 18 e 19, do RIT. Posteriormente, a Requerente em sede de reclamação graciosa e recursos hierárquicos referentes a 201412T e 201503T, veio arguir que o documento não era mais do que um caderno de encargos. Daqui resulta que houve fornecimento de informação contraditória e não convincente, por parte da Requerente, quanto à prestação de serviços por parte da sociedade “B...”. Num primeiro momento era um trabalho de cariz concetual (“Medição e Concepção de Nova Metodologia da Obra”), aliás, o nome do documento indicia isso mesmo, como mais tarde se veio a confirmar, e, é a própria Requerente que vem defender que se trata de um caderno de encargos e como tal, as faturas constantes do ponto X dos Factos Provados e ponto III.1.2.3 não suportavam o dito documento “Trabalho”. Mais, da descrição das ditas faturas, não há qualquer conexão com o conteúdo do referido documento intitulado “Trabalho”. Por outro lado, a Requerente apresentou como exemplo dum trabalho de medição levado a cabo pela sociedade “B...”, um MTQ relativo ao centro comercial ... de ... que teria dado à emissão da fatura 1400/000015, de 15/12/204, onde no descritivo (diga-se, semelhante às faturas correspondentes às outras três obras, a saber, em ..., Portimão e Matosinhos em que varia apenas as UTS e a localização das mesmas) aparece “Equipe de diagnóstico, metodologia e medição. Projeto analisado e medição”, o que levanta a questão de efetivamente se saber se a sociedade “B...” em termos de recursos humanos e de “expertise” tem uma equipa com capacidade técnica necessária para elaborar um MTQ? Nos autos quer em sede inspetiva, através de prova documental e testemunhal, quer na diligência de inquirição de testemunhas e alegações escritas em sede arbitral,  apareceram referenciadas as pessoas do sócio-gerente G... e o Senhor K... como as pessoas da sociedade “B...” que contactavam a Requerente, através de reuniões (tendo sido afirmado pela Requerente que havia muita informalidade nos contactos comerciais), e este último (Senhor K...) o autor de algumas explicações mais concretas relativas ao trabalho técnico das medições. No entanto não houve evidência (apenas alegações) desses contactos constantes nos autos, nos MTQ apresentados como sendo de autoria da sociedade “B...” não aparece qualquer nome de pessoas nem data. Não se pode entender que, quando indagado o sócio-gerente da Requerente acerca de como foi calculado o preço dos alegados serviços a prestar pela sociedade “B...”, não saiba como os mesmos foram calculados. Quem contrata serviços e tem de os pagar, não sabe ou pelo menos não tem uma ideia de como os mesmos foram calculados?

 Por outro lado, a Requerente teve oportunidade de apresentar prova convincente no sentido de comprovar a existência dos serviços prestados pela sociedade “B...” e o que é que aconteceu?

Numa linguagem muito simples: alegou e não provou. Repare-se que a Requerente quer em sede inspetiva quer em sede de reclamações graciosas quer de recursos hierárquicos referentes aos períodos 201412T e 201503T arguiu que enviou documentos justificativos que atestam os serviços prestados descritos nas faturas controvertidas no ponto X dos Factos Provados e ponto III.1.2.3 do RIT, mas, não identificou esses mesmos documentos, quem foram os autores, datas dos mesmos e evidência de receção dos mesmos por parte da Requerente. Alegar não é provar, como anteriormente foi referido.

 Não está em causa uma opção de gestão por parte da Requerente de querer subcontratar prestadores de serviços em vez de quadros técnicos, nem que realizou trabalhos de gestão, coordenação e fiscalização de empreitadas na área da engenharia civil (aliás como consta de documentos anexos à PI), mas, tão só relativamente às faturas controvertidas constantes no ponto X dos Factos Provados e ponto III.1.2.3 que os serviços aí descritos tinham sido efetuados pela sociedade “B...”.

Resulta de todo o material probatório constante nos autos recolhido junto da sociedade “B...” e da Requerente, que estão reunidas as condições para se poder afirmar que relativamente às faturas constantes do ponto X dos Factos Provados e do ponto III.1.2.3 do RIT os serviços aí descritos não foram prestados pela sociedade “B...” e estar-se perante faturas emitidas pela sociedade “B...” que não titulam operações económicas efetivas e as operações referidas nessas faturas serem simuladas. Assim, segundo os SIT, as faturas eram falsas, tendo aliás sido o fundamento para alterar o procedimento inspetivo com âmbito de IRC e IVA para um âmbito geral a nível da Requerente.

23. Tendo em conta o que até aqui se referiu, há que analisar as regras do ónus da prova plasmada no ordenamento jurídico-tributário português plasmadas no artigo 74º n.º1[16] da LGT e que já mereceu pronúncia por parte da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores. Assim, na decisão proferida no processo 165/09.6BESNET no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) de 24-02-2022[17],

 

Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, quando a Administração Tributária desconsidera faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação – vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.
Assim sendo, importa analisar se a AT fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às apontadas facturas contabilizadas pela Impugnante, ora Recorrente, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respetiva emissão.


Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efetue uma prova direta da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indireta, a ¯factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém diretamente, mas indiretamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova – cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT).


Ou seja, a AT não tem que demonstrar a falsidade das faturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada da(s) operação(ões) referida(s) na(s) fatura(s) ser(em) simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.
Como se refere no acórdão do TCAN, de 23 de Novembro de 2012 (proc. nº 1523/05.0 BEVIS-Aveiro), no que concerne à prova que compete à Administração – (…) - o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (expressão de Castro Mendes citado por Saldanha Sanches), pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela fatura”.

Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das faturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.”

 

            24. É convicção deste Tribunal que a AT cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia ao abrigo do artigo 74.º n.º1 da LGT pois competia-lhe fazer a prova de  que estão verificados os pressupostos legais que legitimaram a sua conduta, isto é, de que existem indícios sérios de que os serviços constantes das faturas controvertidas constantes do ponto X dos Factos Provados e ponto III.1.2.3 do RIT não correspondem à realidade e como tal, ter o direito a efetuar as liquidações adicionais para efeitos de IVA, como o fez. Assim, através da recolha de prova junto da sociedade “B...” provou haver indícios sólidos e objetivos de que aquela entidade não tinha uma estrutura empresarial capaz de desenvolver uma atividade económica, em particular a atividade de remedição/medição de obras, como acima explanado. De facto, a AT invocou factos que traduzem uma probabilidade elevada das operações referidas nas faturas controvertidas constantes do ponto X dos Factos Provados e do ponto IIII.1.2.3 serem simuladas e desse modo abalar a presunção legal da veracidade das declarações periódicas da Requerente e dos dados da contabilidade, conforme previsto no artigo 75.º da LGT. Adicionalmente, através da “fiscalização cruzada”, nas palavras do aresto acima referido, através dum procedimento inspetivo externo à Requerente onde através de prova recolhida identificada acima, chegou à conclusão que se estava perante operações simuladas e por isso competia à Recorrente o ónus da prova da veracidade das transações constantes das faturas controvertidas o que não o fez, conforme detalhadamente analisado acima.

            À AT só lhe restava cumprir com a lei, pois, está adstrita a um poder vinculado à lei e CRP. No artigo 19.º n.º 3 do IVA está previsto que “Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente”, o que implica que relativamente ao IVA liquidado incluído nas faturas constantes no ponto X dos Factos Provados e ponto III.1.2.3 emitidas pela sociedade “B...” à Requerente, esse IVA não podia ser deduzido por esta (Requerente).

            Tendo em conta o acima descrito é convicção deste Tribunal que não houve erro nos pressupostos de facto e de direito para a desconsideração do IVA dedutível: faturas 1400/000011,12,13 e 15 – emitidas pela sociedade “B...” – serviços técnicos de medições por parte da AT. As liquidações adicionais referentes a 201412T e 201503T devem manter-se na ordem jurídica uma vez que não estão feridas de qualquer ilegalidade.

 

25. Em face de tudo o exposto, considera-se que assistia razão à AT ao indeferir a reclamação graciosa e os recursos hierárquicos referentes aos períodos 201412T e 201503T apresentada pelas Requerente, sendo assim improcedentes os vícios invocados por esta última a este respeito no âmbito do pedido arbitral que apresentou.

 

IV.5. Juros indemnizatórios

 

            26. No pedido arbitral peticionou ainda a Requerente o pagamento de juros indemnizatórios. Sucede que o direito a juros indemnizatórios previsto no artigo 43.º da LGT tem como antecedente lógico e necessário o pagamento da prestação tributária em montante superior ao legalmente devido. Por conseguinte, ao não se terem julgado ilegais os actos contestados nos presentes autos, não se encontra preenchida a condição de ter ocorrido o pagamento da prestação tributária em montante superior ao legalmente devido pelo que improcede o peticionado pela Requerente a este respeito.

 

V. DECISÃO

 

Nestes termos, acorda este Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar improcedente o pedido arbitral formulado pela Requerente; e
  2. Condenar a Requerente nas custas do processo arbitral.

 

 

VI. VALOR DO PROCESSO

 

Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 40.036,37€.

 

VII. CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de 2.142,00€, a cargo da Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 23 de setembro de 2022.

 

O Árbitro,

 

 

 

                                                                Júlio Tormenta

                                                                       Relator

                                                                                  

 

 

 



[1] O montante de 34.224,01€ resultou do seguinte: foi realizada um procedimento inspetivo externo à Requerente a coberto da Ordem de Serviço OI2018... em que que as correções aritméticas resultantes ao último trimestre de 2014(201412T) ascenderam a 34.500€ tendo levado à alteração do valor do IVA apurado pela Requerente na declaração periódica(DP) de -275,99€ (crédito de imposto reportado para o período 201503T), para 34.224,01€(valor apagar), cf. considerando 2 da Informação 1732/2021, de 23/7/2020 relativa ao indeferimento do recurso hierárquico do período 201412T.  

[2] A liquidação adicional de IVA referente ao primeiro período de 2015 (201503T) resultou da correção do valor “excesso a reportar do período anterior” (campo 61 DP) inscrito pela Requerente na declaração periódica desse período no montante de 275,99€, cf. considerando 2 da Informação 1732/2021, de 23/7/2020 relativa ao indeferimento do recurso hierárquico do período 201412T.

[3] Segundo os SIT poderá responder a “Unidade de Tempo de Serviço”.

[4] Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo DL 398/88, 17/12 tendo sofrido posteriores atualizações.

 

[5] MTQ-Mapas de Trabalho e Quantidades.

[6] Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), de 26/10/1999, tendo sofrido posteriores atualizações.

[7] O montante de 50.600€ é decomposto em: 16.100€ - IVA referente ao 3.º trimestre de 2014; 34.500€ - IVA referente ao 4.º trimestre de 2014.

[8] Disponível em www.dgsi.pt.

[9] O RCPITA foi aprovado pelo DL 413/98, de 31 dezembro, tendo estado sujeito a diversas atualizações.

[10] Asserções dizem respeito aos pressupostos que estão subjacentes nas demonstrações financeiras.

[11] Cf. Ponto III.1.2.3 fls. 53 e seguintes do RIT e pgs. 9-12, do RIT.

[12] Cf. Ponto III.1.2.3 fls. 53 e seguintes do RIT e pgs. 9-12, do RIT.

[13] Cf. Ponto II.2 do RIT (fls. 51 e seguintes e pgs. 4-5, do RIT.

[14] Cf. ponto III.1.2.3 fls. 58 e pg. 26 do RIT e ponto IX. Direito de Audição em sede inspetiva, fls.62 e pg.26 do RIT.

[15] Cf. ponto IX. Direito de Audição em sede inspetiva, fls.62 e pg.26 do RIT.

[16] O artigo 74.º n.º 1 da LGT dispõe: “O Ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque

[17] Disponível em www.dgsi.pt.