DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
A..., LDA, sujeito passivo com o NIPC ..., e sede na Rua ..., ..., vem requerer pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA), nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), e 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que regula o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante RJAT).
Peticionam que seja declarada a ilegalidade e consequente anulação de liquidações de IRC n.º 2021 ... e n.º 2021 ..., ocorridas em 04-08-2021 e 05-08-2021, referentes ao exercício fiscal de 2014 e 2015, respetivamente nos montantes de € 12.889,20 (integrando € 1.172,38, a título de juros compensatórios), e € 36.680,32, as quais após acerto de contas deram origem a uma dívida a pagar no montante total de € 49.569,52 (quarenta e nove mil, quinhentos e sessenta e nove euros e cinquenta e dois cêntimos).
As referidas liquidações de IRC e respetivas notas de acerto de contas foram originadas no seguimento de decisão arbitral proferida no âmbito do processo do CAAD n.º 191/2018-T.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante AT)
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente enviado email à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), a informar da entrada de um pedido de constituição de tribunal arbitral e do n.º do processo atribuído, em 15-11-2021, tendo por sua vez a AT sido notificada, em 19-11-2021.
Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a signatária foi designada pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunal arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
Em 05-01-2022, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.
Síntese da posição das Partes:
1. Da Requerente
Os argumentos apresentados na petição inicial, complementados em alegações escritas, sublinham o seguinte:
Contesta-se a emissão das liquidações controvertidas (§. 22.º a §. 69.º) sustentando que as mesmas devem ser anuladas por se encontrarem feridas de vícios legais (§. 70.º), invocando-se, designadamente que:
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O direito à liquidação dos tributos caducou em virtude de não beneficiar do alargamento do prazo a que se refere o n.º 5 do art.º 45.º da LGT;
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Aos atos tributários de liquidação sob análise carecem de fundamentação própria;
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Se considera que as liquidações apresentam erros, conforme demonstrado nos quesitos 52 a 69, por envolverem correções fiscais de montante errado ou indevidas para 2014 e 2015, o que obrigaria à sua retificação, concretamente no que toca às rúbricas de Gastos com pessoal – Férias e Subsídio de Férias, e Encargos associados a Ativos Fixos Tangíveis em Curso contabilizáveis como gastos do período.
Quanto à alegada incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido respeitante à execução de julgado arbitral, que no entender da AT consubstanciaria uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, bem como à natureza das liquidações contestadas, defende a Requerente que, “as liquidações corretivas a que a Requerida alude foram efetuadas em devido tempo e conduziram à anulação total dos atos tributários impugnados no âmbito do referido Processo nº 191/2018 – T”.
Por sua vez, “as liquidações submetidas à apreciação deste Tribunal Arbitral por via daquele pedido não se enquadram como as alegadas liquidações corretivas, nos termos que a Requerida invoca, antes sendo liquidações adicionais que foram promovidas pela AT em virtude de, supostamente, terem sido cometidos erros em liquidações anteriores”.
“Assim, as liquidações agora impugnadas nada têm a ver com as que foram efetuadas em cumprimento do dever de execução espontânea da decisão arbitral no Processo n.º 191/2018 – T que deriva do art.º 24.º do RJAT, disposição que estabelece a obrigação de desenvolver tais liquidações corretivas no prazo previsto para a execução das sentenças dos tribunais judiciais tributários”.
Deste modo, decorrendo a competência dos tribunais arbitrais do disposto no n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, bem como da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, onde se integra a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, assinala a Requerente “que qualquer liquidação adicional que procura sanar os erros cometidos em liquidação anterior, ainda que esta tenha tido por objeto a execução de julgado, tem perfeito enquadramento em tal competência”.
E conclui a este respeito a Requerente que, as liquidações abrangidas por este pedido de pronúncia configuram novas liquidações, e não, como pretende a Recorrida, a mera execução de julgado, encontrando-se abrangidas pelas competências que se encontram legalmente atribuídas ao Tribunal Arbitral, com a possibilidade da sua contestação relativamente aos erros de que enfermem.
Perante esta conclusão, considera a Requerente estar em presença de liquidações adicionais corretivas de liquidações anteriores, sendo manifesto que, à luz do disposto no art.º 101.º do CIRC, as mesmas estão abrangidas pelos prazos de caducidade, tendo precludido o direito a desenvolver tais liquidações.
Sublinha ainda que o prazo de caducidade de mais um ano que pode acrescer à data de arquivamento do inquérito criminal ou trânsito em julgado da sentença, de acordo com o n.º 5 do art.º 45.º, da LGT, invocado pela AT, só aproveita às situações em que exista identidade dos factos abrangidos pelo inquérito instaurado e pelas correções que conduziram às liquidações, o que considera não se verificar no caso, pelo que este não seria aplicável.
Por sua vez, em cumprimento da decisão arbitral no Processo n.º 191/2018 – T, entende a Requerente que a AT teria que proceder aos procedimentos próprios da avaliação indireta, ao invés de tentar aproveitar parte da liquidação através da persistência em manter, contrariando a decisão arbitral, a forma direta de tributar.
A este respeito recorda que “a decisão arbitral proferida no Processo nº 191/2018 – T também assim concluiu, vindo a afirmar que a AT “(…) teria de proceder, no caso ora em apreciação, ao apuramento da matéria colectável por recurso aos métodos indirectos (…)”.
“Ora, como decorre do art.º 24.º do RJAT, e bem assim dos art.ºs 173.º e seguintes do CPTA, a execução das decisões arbitrais implica a obrigação da AT praticar o ato tributário legalmente devido em substituição do ato objeto da decisão arbitral”.
Acrescenta a Requerente que, “as liquidações de IRC, conforme resulta do art.º 16.º do respetivo código, comportam, em alternativa, duas formas de tributação distintas, as quais derivam de equivalentes procedimentos de avaliação, e que consistem na tributação direta e na tributação indireta”.
No entanto, sublinha que “a tributação de cada exercício é una e, portanto, não admite a coexistência em simultâneo das duas formas de tributação”.
Finalmente e segundo a Requerente, o artigo 85.º da LGT, preconizando que havendo lugar à avaliação indireta, deverão ser aplicadas, sempre que possível e a lei não prescrever em sentido contrário, as regras da avaliação direta, reforça que assim é.
2. Da Requerida
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, invocando em síntese, o seguinte:
Começou por apresentar defesa por exceção, considerando que “os atos tributários impugnados no presente PPA são liquidações corretivas, efetuadas, nos termos do artigo 100.º da LGT, as quais têm como objetivo dar cumprimento à execução do julgado referente à decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 191/2018 – T que, numa primeira fase, foi indevidamente executada.”
E desenvolve: “(…) as liquidações de IRC n.º 2021... (período de 2014) e n.º 2021... (período de 2015) e correspondentes notas de cobrança, objeto do presente PPA, foram emitidas na sequência do poder/dever da AT de executar a decisão emitida no âmbito do Processo n.º 191/2018 – T, em cumprimento do disposto no art.º 100.º da LGT e consubstanciam duas liquidações corretivas.”
Afirma que os vícios apontados pela Requerente “relativos às liquidações corretivas com vista à correta execução do acórdão n.º 191/2018 – T só podem ser discutidos no âmbito de ação de execução de julgado, que possui regras próprias, designadamente quanto aos prazos de caducidade do direito à liquidação”, concluindo que, o meio de reação às liquidações utilizado pela Requerente “não se mostra adequado, na medida em que esta deveria ter feito uso da ação de execução de julgados, nos termos previstos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e não impugnar junto do tribunal arbitral”.
Mais refere a Requerida que, não se inscrevem nas competências dos Tribunais Arbitrais as “questões relacionadas com a execução de julgados, carecendo o Tribunal Arbitral de competência para determinar, impor ou pronunciar-se sobre a forma como foi concretizada uma decisão arbitral ou qualquer outra”.
E acrescenta “Assim, interpretando conjugadamente as normas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 24.º, n.º 1, do RJAT, conclui-se que nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não se inclui a declaração de ilegalidade de actos com fundamento em ilegalidades conexionadas com a execução de decisões arbitrais, pelo menos enquanto não estiverem assentes os termos da execução.
A incompetência material do Tribunal para a apreciação do pedido respeitante à execução de julgado arbitral consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e determina a absolvição da entidade requerida da instância, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do CPC e da alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT”, o que vem requerer.
A Requerida vem ainda responder por impugnação, o que abaixo se resume:
“A exigência de fundamentação dos actos tributários decorre, nomeadamente, dos artigos 268.º, n.º 3.º, da LGT, 77.º da LGT e 124.º e 125.º do CPA.
É incontroverso, atenta a jurisprudência unânime, que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do ato a decidir daquela maneira e não outra”.
“(…) no caso em apreço, a liquidação controvertida é meramente correctiva mas a sua origem reporta-se à execução da decisão arbitral mencionada e também às conclusões vertidas no relatório final de inspecção tributária (…).”
“Sublinhando-se que, conforme jurisprudência do STA, deve considerar-se fundamentado o acto de liquidação «baseado em relatório dos serviços de fiscalização tributária, que, ainda que lhe não faça referência expressa, se situa, indubitavelmente, no respectivo quadro legal e fáctico, perfeitamente claro, esclarecedor e devidamente notificado» (cf. Acórdão do STA, de 05/09/2001, processo n.º 025832).”
“Assim, é de concluir que o acto de liquidação correctiva do imposto e dos respectivos juros compensatórios encontram-se devidamente fundamentados, inexistindo qualquer contradição ou obscuridade que não tenha permitido ao contribuinte sopesar se, com tais liquidações se deveria conformar (…).”
No que respeita à caducidade do direito à liquidação invocado pela Requerente, a AT transcreve o sumário do Acórdão do STA, de 15-06-2016, no processo 01471/15, onde se refere:
“II - A existência de uma “liquidação corrigida”, ou seja, de uma liquidação em que os serviços competentes da AT procedem à correcção de anterior acto da mesma natureza, por exemplo, por efeito de deferimento parcial de reclamação graciosa, não releva para se assumir a eventual ultrapassagem do prazo de caducidade, porque o momento a atender deve ser o da emissão da liquidação inicial e não a data do acto que a corrija. III - De outro modo ficaria a Administração Tributária, uma vez reconhecida administrativamente a ilegalidade (parcial) daquela liquidação, impossibilitada de concretizar a revisão ou reforma do acto de liquidação anteriormente praticado e reconhecidamente ilegal, sendo essa revisão ou reforma favorável ao contribuinte.”
“E conforme se retira da decisão proferida no Processo do CAAD n.º 494/2016 – T:
“Na sequência de uma decisão jurisdicional arbitral anulatória de uma liquidação, a Administração Tributária poderá voltar a ter poder para efetuar uma nova liquidação sem contrariar o julgado, mas esses poderes já não são os de declaração autónoma dos direitos tributários, conferidos por lei para prossecução do interesse público (artigo 266.º, n.º 1, da CRP), que detinha ao praticar o ato anulado, mas sim os que derivam da obrigatoriedade de retirar as consequências jurídicas da decisão judicial anulatória (artigo 205.º n.º 2 da CRP), que se devem traduzir na plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade” (artigo 100.º da LGT), designadamente através da prática de atos dos tipos indicados no artigo 24.º, n.º 1 do RJAT. Isto é, designadamente através da prática de atos dos tipos indicados no artigo 24.º n.º 1 do RJAT. Isto é, na medida em que um ato de liquidação dá execução a uma decisão jurisdicional, em cumprimento do dever de execução que é imposto à Administração Tributária pelos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT, não se está perante uma atividade de natureza declarativa mas sim executiva, pelo que não lhe são aplicadas todas as regras que se preveem para o procedimento tributário destinado a declarar os direitos dos contribuintes. Na sequência da decisão judicial anulatória, a Administração poderá voltar a ter poder para conformar novamente a situação regulada no ato anulado, nos casos em que é viável a renovação do ato, sem ofensa do julgado anulatório. Porém, esses poderes já não são os de conformação autónoma da situação jurídica que detinha ao praticar o ato, conferidos para o desempenho da sua missão de prossecução do interesse público em conformidade com a sua interpretação da legalidade, mas sim poderes dependentes e limitados que derivam da obrigatoriedade de retirar as consequências jurídicas da decisão judicial anulatória, que lhe impõe reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado. (…) Assim, no âmbito da execução de julgado a Autoridade Tributária e Aduaneira não está limitada pelo que decidiu ou podia ter decidido no procedimento tributário que antecedeu o ato anulado, pois é recolocada juridicamente como no momento em que deveria ter praticado o ato em conformidade com o julgado, devendo praticar o novo ato como o deveria ter praticado inicialmente sem a ilegalidade.”
E conclui a AT:
- É inequívoco que o Requerente no processo do CAAD n.º 191/2018 – T contesta no âmbito do IRC, “a parte das liquidações que decorre das correções introduzidas pela AT nas declarações fiscais da Requerente e que surgem identificadas no RIT como “rendimentos omitidos.”;
- A procedência do pedido relativamente ao apuramento da matéria coletável com recurso a métodos indiretos, apenas se aplica às correções relativas a “rendimentos omitidos”, excecionando a que se refere à compra de um veículo automóvel de luxo, conforme decorre da leitura da citada decisão arbitral;
- Em sede de RIT, houve lugar a outras correções fiscais meramente aritméticas à matéria tributável, para além das correções atinentes a “rendimentos omitidos”. (cfr. o RIT);
- A execução da decisão arbitral no processo n. º 191/2018 – T, não foi, inicialmente, bem realizada. Tratou-se de um erro da AT;
- As liquidações de IRC, sob contestação no presente PPA, são liquidações corretivas associadas à reconstituição da situação tributária que existiria caso não tivesse sido cometida a ilegalidade invocada pelo CAAD.”
Nestes termos, afigura-se-lhe ser de manter o ato tributário sob contestação em sede de IRC, “na medida em que as liquidações de IRC impugnadas consubstanciam a prática dos atos tributários legalmente devidos em substituição dos atos objeto da decisão arbitral (liquidações corretivas);
- Donde resulta que as liquidações controvertidas são perfeitamente legais, devendo manter-se na ordem jurídica”.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular, foi constituído em 25-01-2022.
Em 26-01-2022, foi proferido despacho arbitral ordenando a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para apresentar resposta, nos termos e prazo do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, o que efetuou, em 02-03-2022, juntando Processo Administrativo (doravante PA), em 05-03-2022.
Em 07-03-2022, foram notificadas as partes do despacho, de 06-03-2022, proferido pelo Tribunal Arbitral, no qual se dispensava a reunião prevista no artigo 18.º, n.º 1, do RJAT, convidando-se as partes, querendo, a apresentar alegações escritas, fixando-se prazo, e conferindo-se às partes a faculdade de se pronunciarem como se estabelece no 16.º alínea a) do RJAT, em obediência ao princípio do contraditório, sobre a exceção suscitada que seria necessário apreciar e decidir antes de conhecer o pedido, de acordo com a línea b), do n.º 1 do artigo 18.º, do RJAT.
A Requerente efetuou alegações escritas, em 18-03-2022.
Por despacho, de 18-07-2022, o Tribunal Arbitral prorrogou o prazo para proferir decisão arbitral, previsto no n.º 1 do artigo 21.º, do RJAT, por dois meses e motivos justificados, nos termos do n.º 2 do artigo 21.º, do RJAT, efetuando nova prorrogação ao abrigo de despacho arbitral, de 16-09-2022, por idêntico período de dois meses, pelos mesmos motivos.
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SANEAMENTO
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à luz do preceituado no artigo 10.º n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º e 3.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
A cumulação de pedidos admitida pelo artigo 3.º n.º 1, do RJAT, é aqui possível na medida em que a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e dos mesmos princípios ou regras de direito, devendo concluir-se que estão preenchidos os pressupostos de que depende a cumulação de pedidos, no caso.
A este respeito e indo mais longe, referem os Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda (vol. IV, 2012, p. 222), o seguinte: “o legislador admite, igualmente, a cumulação de pedidos que não se inscrevam no âmbito da mesma relação jurídica material, não apresentem qualquer relação de prejudicialidade ou dependência, exigindo somente que a apreciação desses pedidos dependa essencialmente do conhecimento dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (alínea b) do art. 4.º [CPTA], igualmente concretizado na alínea b) do n.º 4 do art. 47.º CPTA). Repare-se que, nestas situações, não se exige que os pedidos cumulados se reportem à mesma causa de pedir ou à mesma relação jurídica mas, tão só, ao mesmo quadro jurídico ou factual.”
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos do artigo 10.º n.º 1, alínea a), do RJAT, conjugado com as alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 102.º, do CPPT.
Na sua Resposta, vem a Requerida suscitar a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido respeitante à execução de julgado arbitral, considerando que consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e determina a absolvição da entidade requerida da instância, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do CPC e da alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Tratando-se de uma exceção dilatória que impede o Tribunal de conhecer do mérito da causa, podendo conduzir à absolvição da instância (artigo 89.º n.º 4, alíneas a) e k, do CPTA), subsidiariamente aplicáveis ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea d), do RJAT, em conjugação com os artigos 89.º n.º 2, do CPTA, e 278.º, do CPC), esta é de conhecimento prioritário, conforme estabelece o artigo 608.º, do CPC, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º n.º 1 alínea e), do RJAT.
Apreciando:
De acordo com a Requerida, carece o Tribunal Arbitral de competência para determinar, impor ou pronunciar-se sobre a forma como foi concretizada uma decisão arbitral ou qualquer outra.
Invoca, pois, a Requerida o n.º 1 do art.º 24.º, do RJAT, para sublinhar que a execução de julgados cabe, em primeira linha, à AT que deve “nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários…” promover os atos jurídicos e materiais necessários à execução do julgado.
“Sendo que, a existir qualquer litígio entre a AT e os sujeitos passivos no que se refere à falta de execução ou à forma como a decisão é executada, como acontece in casu, a competência para a sua resolução compete aos tribunais tributários, no âmbito do processo previsto nos artigos 146.º do CPPT e artigos 173.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), uma vez que não são atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências em sede de execução de julgados.
A determinação dos efeitos da referida decisão arbitral deverá ser efetuada no processo respetivo e subsequente execução a levar a cabo ela Autoridade Tributária e Aduaneira, em conformidade com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, não tendo este Tribunal Arbitral competência para decidir se os efeitos são ou não os que a Requerente pretende.
Na verdade, o artigo 24.º, n.º 1, do RJAT prevê várias possibilidades de execução de julgado, inclusivamente a prática de novos actos em substituição de anteriores, não tendo este Tribunal Arbitral competência para decidir quais os efeitos que essa decisão arbitral deve ter, nomeadamente afastar a possibilidade de renovação total ou parcial do acto impugnado nesse outro processo”.
Notificada para responder à referida exceção, recorda-se que a ora Requerente veio dizer, quanto à alegada incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido respeitante à execução de julgado arbitral, bem como à natureza das liquidações contestadas que, “(…) as liquidações corretivas a que a Requerida alude foram efetuadas em devido tempo e conduziram à anulação total dos atos tributários impugnados no âmbito do referido Processo nº 191/2018 – T.
Concluindo que “(…) as liquidações submetidas à apreciação deste Tribunal Arbitral por via daquele pedido não se enquadram como as alegadas liquidações corretivas, nos termos que a Requerida invoca, antes sendo liquidações adicionais que foram promovidas pela AT em virtude de, supostamente, terem sido cometidos erros em liquidações anteriores.
Deste modo, decorrendo a competência dos tribunais arbitrais do disposto no n.º 1 do artº 2º do RJAT, bem como da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, onde se integra a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, entende-se que qualquer liquidação adicional que procura sanar os erros cometidos em liquidação anterior, ainda que esta tenha tido por objeto a execução de julgado, tem perfeito enquadramento em tal competência.”
Em linha com o invocado pela Requerente, e não contestado pela AT, antecipamos que resulta provado, como abaixo veremos em sede própria, que na sequência da decisão arbitral relativa ao Processo 191/2018 – T, datada de 20-02-2019, e para efeitos de execução do julgado, foram emitidas numa primeira fase, liquidações corretivas de IRC, “as quais anularam (…) a totalidade das liquidações adicionais impugnadas”.
Com efeito, segundo informa a DF do Porto, as liquidações resultantes da execução da decisão arbitral, foram efetuadas em abril de 2019, e os reembolsos ao sujeito passivo (incluindo juros a seu favor), foram pagos, em junho de 2019.
Com referência aos períodos de tributação de 2014 e 2105, foram ainda emitidas as liquidações de IRC n.º 2021... e n.º 2021..., e correspondentes notas de cobrança n.º 2021... e n.º 2021..., respetivamente para os períodos de tributação de 2014 e de 2015, estando as mesmas a ser contestadas no presente PPA.
Como se verá também, resulta provado que as liquidações ora impugnadas, foram notificadas à Requerente acompanhadas da respetiva fundamentação, a qual obteve despacho concordante, de 22 de junho de 2021.
Ora, à data em que foram produzidas estas segundas liquidações de IRC n.º 2021... e n.º 2021..., poderia a Requerente ter feito uso da ação de execução de julgados, nos termos previstos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), conforme defende a Requerida, que considera ser este o meio processual adequado à sua pretensão, de acordo com o artigo 97.º, n.º 2, da LGT?
Ora vejamos:
Recorda-se aqui que a execução espontânea consiste na fase procedimental que segue o trânsito em julgado da decisão, em que se impõe em tempo útil à Administração Tributária, em conformidade com o decidido, a execução da decisão.
Como é sabido, e para efeito de execução de decisões, temos a considerar uma primeira fase em que a Administração Tributária se encontra sujeita à obrigação espontânea de executar a decisão jurisdicional proferida, sem necessidade de intervenção do interessado ou do seu recurso às vias judiciais, e frustrada a execução voluntária, o interessado dá início a uma segunda fase através do recurso às vias judiciais com a apresentação de requerimento de execução junto do tribunal competente.
Tem-se revelado pacífico que o referido mecanismo se estende para lá das decisões judiciais, abrangendo as decisões proferidas em sede arbitral.
Transitada em julgado, e reunindo a estabilidade suficiente para ser executada pela(s) entidade(s) competente(s), a Administração Tributária encontra-se obrigada a cumprir com o conteúdo da sentença proferida no tribunal arbitral, sendo que esgotado o prazo para a execução espontânea, o interessado pode requerer aos tribunais tributários a execução da decisão arbitral através da instauração do processo de execução de julgados.
É com a alteração legislativa ao artigo 146.º, do CPPT, introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, que o legislador tributário veio definir expressamente o trânsito em julgado como sendo o momento a partir do qual surge a obrigação de executar as decisões jurisdicionais.
Nos termos do n.º 1 do artigo 170.º, do CPTA, este prazo será de 30 dias, nos casos em que a execução de julgado se limite ao dever de pagar uma quantia certa (não se encontrando previsto na decisão outro prazo), sendo de 90 dias, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 162.º, do CPTA, sempre que a execução de julgado implique a prática de factos ou entrega de coisas.
Estando em causa a execução de um julgado anulatório, e de acordo com o disposto do n.º 3 do artigo 175.º, do CPTA, consistindo a reconstituição no mero pagamento de quantias, a execução da decisão deverá efetuar-se no prazo de 30 dias, e ainda que o artigo 61.º n.º 1, do CPPT, preveja um prazo especial de 90 dias para o pagamento destas quantias.
Ainda que estas quantias sejam devidas, mas seja possível a renovação do ato de liquidação, o prazo para executar o julgado será de 90 dias, conforme previsto no n.º 1 do artigo 175.º, do CPTA.
Todas as disposições citadas são aplicáveis às decisões arbitrais, por força da aplicação do artigo 29.º, do RJAT, bastando a mera anulação produzida pela sentença para assegurar a reconstituição da situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, de forma automática.
Face ao exposto, e dos elementos coligidos nos autos resulta que, como vimos, as primeiras liquidações produzidas, em 2019, se consolidaram na esfera do Requerente, e considerando a AT ter cometido erro na concretização dessas liquidações corretivas, veio a produzir as liquidações adicionais que foram objeto do presente pedido arbitral.
De acordo com o enquadramento factual e normativo em análise, afiguram-se pois distintas as liquidações agora impugnadas daquelas que foram efetuadas em cumprimento do dever de execução espontânea da decisão arbitral no Processo n.º 191/2018 – T, datada de 20-02-2019, obrigação de desenvolver tais liquidações corretivas no prazo previsto para a execução das sentenças dos tribunais judiciais tributários, que deriva do art.º 24.º, do RJAT. É, pois, entendimento deste tribunal arbitral que, as liquidações controvertidas configuram verdadeiras liquidações adicionais.
Não podemos assim acompanhar as conclusões da Requerida quando afirma que, “(…) o meio de reação às liquidações utilizado pela Requerente “não se mostra adequado, na medida em que esta deveria ter feito uso da ação de execução de julgados, nos termos previstos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e não impugnar junto do tribunal arbitral.”
Acresce que à data da emissão das liquidações de IRC n.º 2021... e n.º 2021..., ocorridas respetivamente, em 04-08-2021 e 05-08-2021, tinham decorrido há muito todos os prazos legais para o efeito.
Agora, pôde a Requerente submeter ao tribunal arbitral, a apreciação destas novas liquidações adicionais.
Em razão dos motivos apontados, improcede a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral, invocada pela AT no âmbito da sua Resposta.
O processo não enferma de nulidades.
Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
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MATÉRIA DE FACTO
1. Factos provados:
Consideram-se provados os seguintes factos:
A A..., LDA, sujeito passivo com o NIPC ..., e sede na Rua ..., ..., ..., ..., tem como objeto social a construção de edifícios (residenciais e não residenciais).
Na sequência da decisão arbitral relativa ao Processo 191/2018-T, datada de 20-02-2019, e para efeitos de execução do julgado, foram emitidas numa primeira fase, liquidações corretivas de IRC, as quais anularam a totalidade das liquidações adicionais impugnadas.
As liquidações resultantes da execução da decisão arbitral, foram efetuadas em abril de 2019, e os reembolsos ao contribuinte (incluindo juros a seu favor), foram pagos, em junho de 2019.
Com referência aos períodos de tributação de 2014 e 2105, foram ainda emitidas as liquidações corretivas de IRC n.º 2021... e n.º 2021..., bem como as correspondentes notas de cobrança n.º 2021... e n.º 2021... .
Para efeitos de correção de matéria tributável, em sede de IRC, foram considerados:
Rendimentos omitidos - No exercício de 2014, o contribuinte não declarou o montante de € 207.179,20, associado a fundos creditados nas contas bancárias tituladas pelo sócio e mulher.
Gastos não aceites fiscalmente - € 58.161,03. A AT não aceitou para efeitos fiscais um conjunto de gastos contabilizados pela Requerente referentes a:
a) Gastos com veículos não pertencentes ao contribuinte (€ 1.790,01);
b) Encargos associados a Ativos Fixos Tangíveis em Curso contabilizados como gastos do período (€ 24.470,50) c) Gastos com o pessoal – Férias e Subsídio de Férias € 31.900,52.
Rendimentos omitidos - No exercício de 2015, o contribuinte não declarou o montante de € 124.420,94, associado a fundos creditados nas contas bancárias tituladas pelo sócio e mulher;
Gastos não aceites fiscalmente - € 176.124,48. A AT não aceitou para efeitos fiscais um conjunto de gastos contabilizados pela Requerente referentes a:
a) Gastos com Depreciações (€6.423,00);
b) Encargos associados a Ativos Fixos Tangíveis em Curso contabilizados como gastos do período (€2.612,20);
c) Gastos com o Pessoal - Outros Benefícios (€154.000,00);
d) Gastos com o pessoal – Férias e Subsídio de Férias (€13.089,28).
Aquelas liquidações foram emitidas na sequência das conclusões constantes do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), em resultado das ações inspetivas realizadas a coberto das ordens de serviços n.º OI 2016..., OI2016..., OI2016... e OI2016... .
As liquidações adicionais, ora impugnadas, ocorridas respetivamente, em 04-08-2021 e 05-08-2021, foram notificadas à Requerente acompanhadas de despacho concordante, de 22-06-2021, da Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças do Porto.
O procedimento inspetivo foi iniciado, em 03/11/2016, e finalizado em 12/10/2017.
O inquérito criminal n.º .../2015... T9PNF, foi iniciado em 2016-02-05, e terminado em 2020-12-16.
2. Factos não provados:
A AT não logrou demonstrar uma relação de identidade entre os factos concretos que justificaram a instauração do processo de inquérito criminal e aqueles que se encontram subjacentes às liquidações efetuadas e que foram considerados pelos Serviços de Inspeção Tributária.
Com relevo para a decisão da causa, não existem outros factos que não tenham ficado provados.
3. Fundamentação da fixação da matéria de facto:
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.
Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e), do RJAT).
Os factos dados como “provados” e “não provados” foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA, e no PA - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, no consenso das partes.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7, do CPPT (aqui aplicável por força do disposto no artigo 29.º n.º 1, alínea a), do RJAT), a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
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DO DIREITO
1. As questões a decidir:
Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral consiste em apreciar a legalidade das liquidações de IRC n.º 2021 ... e n.º 2021 ..., referentes ao período de tributação de 2014 e 2015, as quais após acerto de contas deram origem a uma dívida a pagar no montante total de € 49.569,52 (quarenta e nove mil, quinhentos e sessenta e nove euros e cinquenta e dois cêntimos).
Perante a factualidade dada como provada suscetível de integrar a causa de pedir, e as normas legais em vigor à data dos factos, procede-se ao conhecimento do mérito da causa começando por apreciar:
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A caducidade das liquidações de IRC n.º 2021 ... e n.º 2021 ..., ocorridas respetivamente em 04-08-2021 e 05-08-2021, referentes ao período de tributação de 2014 e 2015;
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A fundamentação das liquidações supra identificadas;
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Os alegados erros de que padeceriam as correções fiscais efetuadas no âmbito das referidas liquidações, no que toca às rúbricas de Gastos com pessoal – Férias e Subsídio de Férias, e Encargos associados a Ativos Fixos Tangíveis em Curso contabilizáveis como gastos do período.
Aqui chegados, faz-se notar que acerca dos alegados erros contemplados pela alínea c), supra, a Requerida não se pronunciou em sede de Resposta.
Caso se venha a concluir pelo alargamento do prazo previsto no artigo 45.º n.º 5, da LGT, sem que haja lugar à caducidade do direito de liquidação do imposto evoluindo-se, nos termos do artigo 124.º do CPPT aqui aplicável, por força do artigo 29.º do RJAT, para um patamar seguinte de análise, impõe-se designadamente a apreciação do pedido de pronúncia arbitral quanto às correções fiscais efetuadas no âmbito das referidas liquidações, no que toca às rúbricas de Gastos com pessoal – Férias e Subsídio de Férias, por um lado, e quanto a Encargos associados a Ativos Fixos Tangíveis em Curso contabilizáveis como gastos do período, por outro.
Neste último, através da análise de alegada ausência de fundamentação de facto para introduzir correções referentes a Encargos associados a Ativos Fixos Tangíveis em Curso contabilizáveis como gastos do período;
Naquele outro, apreciando as correções respeitantes a Gastos com pessoal – Férias e Subsídio de Férias, à luz do disposto no artigo 237.º n.ºs 1 e 2, do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro), na NCRF 28 - Benefícios dos empregados, e bem assim do previsto no artigo 18.º, do Código do IRC (periodização do lucro tributável), considerando que os gastos e os rendimentos devem ser imputados ao período a que efetivamente respeitam, independentemente do momento em que ocorra o seu pagamento ou recebimento, e que o tratamento fiscal, no caso, deverá seguir de perto o tratamento contabilístico.
De acordo com o disposto no citado artigo 124.º do CPPT, não tendo sido estabelecida pelo Requerente qualquer relação de subsidiariedade, e considerando-se que a figura da caducidade do direito à liquidação prevista pelo artigo 45.º, da LGT, não consubstancia uma exceção perentória, podendo vir a afirmar uma ilegalidade ou vício material invalidante do ato tributário impugnado, revela-se necessário decidir em primeiro lugar, a questão da caducidade da liquidação objeto dos presentes autos, na medida em que o seu provimento preclude a análise das demais.
É claro, face à ordem de conhecimento dos vícios prevista no artigo 124.º do CPPT, que julgado procedente um vício que obste à renovação do ato impugnado, não há necessidade de apreciar os outros que lhe sejam imputados.
Cumpre assim apreciar e decidir.
A primeira questão a decidir é, como vimos, a de saber se tem aplicação no caso o regime de alargamento do prazo de caducidade estabelecido no n.º 5 do artigo 45.º, da LGT.
No ponto IV da sua Resposta sob a epígrafe “AS LIQUIDAÇÕES DE IRC N.º 2021... (PERÍODO 2014) e N.º 2021... (PERÍODO 2015)”, concretamente nos quesitos 21 e 22, a AT vem afirmar o seguinte:
“Na sequência da decisão arbitral relativa ao Processo 191/2018 – T e para efeitos de execução do julgado, foram emitidas numa primeira fase, liquidações corretivas de IRC, as quais anularam (…) a totalidade das liquidações adicionais impugnadas – quando na opinião da AT, tal anulação deveria ter sido parcial (negrito nosso).
Agora, perante novas liquidações, considera a Requerente que lhe assiste o direito de invocar todos os erros de que as mesmas padeçam e que foram comprovados no pedido de pronúncia arbitral.
No que respeita à caducidade do direito à liquidação invocado pela Requerente, e concluindo, pelos motivos que acima antecipámos, estarmos perante novas liquidações, retira-se que é permitido à AT voltar a liquidar o imposto que considera devido, na qualidade de novo ato de liquidação (e não em virtude da execução da decisão), o que implica o respeito pelos prazos de caducidade.
Ora, a respeito da caducidade do direito à liquidação, dispõe o artigo 92.º n.º 1 do CIRS, o seguinte: “A liquidação de IRS, ainda que adicional (…) efectua-se no prazo e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária.” Na redação em vigor à data, o artigo 45.º da LGT tinha a seguinte redação:
“1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
2 - Nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo ou de utilização de métodos indirectos por motivo da aplicação à situação tributária do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade previstos na presente lei, o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.
3 - Em caso de ter sido efectuado reporte de prejuízos, bem como de qualquer outra dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito.
4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
5 - Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.
6 - Para efeitos de contagem do prazo referido no n.º 1, as notificações sob registo consideram-se validamente efectuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.”
Estando em causa uma liquidação de IRC relativa aos anos de 2014 e 2015, imposto periódico cujo prazo de caducidade de 4 anos se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, tal prazo ocorreu, respetivamente, em 31-12-2018 e 31-12-2019.
Pelo que a AT tinha de efetuar a liquidação e dela notificar validamente os contribuintes até às datas supra referidas.
Na possibilidade de se estabelecer identidade entre os factos averiguados no Inquérito Criminal n.º .../2015... T9PNF, iniciado em 2016-02-05 e terminado em 2020-12-16, e os factos tributários que, no seguimento do processo inspetivo iniciado, em 03/11/2016, com fim em 12/10/2017, deram origem às liquidações ocorridas em 2021, o prazo de caducidade poderia ser estendido até ao arquivamento do referido inquérito ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.
Como afirmam José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes in Lei Geral Tributária – anotada e comentada, 2015, p. 412:“(…) o n.º 5 (do artigo 45.º da LGT, acrescentado nosso) destina-se a impedir o decurso do prazo de caducidade na pendência do processo criminal por se entender que encontrando-se a liquidação dependente de sentença a proferir no âmbito desse processo tal liquidação não pode ser prejudicada pela demora da decisão judicial. Para o efeito alarga-se o prazo de caducidade até arquivamento do inquérito ou ao trânsito em julgado da sentença acrescido de um ano”. (…)“este prazo de um ano subsequente ao arquivamento do inquérito ou trânsito em julgado do processo crime é, por vezes, designado de prazo técnico de efectuação da liquidação, ou seja, é o prazo que o legislador teve como razoável para que a AT possa levar a cabo todas as diligências que esta acarreta.” (José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes in Lei Geral Tributária – anotada e comentada, 2015, p. 412).
No mesmo sentido encontramos abundante jurisprudência, como seja o Acórdão do STA de 11 de Maio de 2016, rec. n.º 1071/14, em que se consignou que: “A contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45.º n.º 5, da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos”.
Pois bem, secundamos o entendimento afirmado no Processo n.º: 647/2019-T do CAAD, nos seguintes termos:
“(…) como se refere no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18-01-2012, o processo 00670/08.1BEBRG, na esteira do acórdão do mesmo Tribunal de 22-04-2010, que cita, “para que se verifique esse alargamento do prazo de caducidade é imperioso que os factos tributários subjacentes à (s) liquidação (ões) em causa tenham sido objecto de uma investigação criminal “o que se compreende, pois não havendo a exigida identidade dos factos investigados no âmbito do processo penal e aqueles que constituem pressuposto da liquidação, não se vislumbra de que forma a pendência daquele processo possa afectar o exercício do direito de liquidação dos tributos”.
É necessário, assim, que haja uma relação entre a possibilidade de exercício do direito de liquidação e a pendência do processo de inquérito, de forma a poder afirmar-se que o direito não podia ser exercido nos termos correctos sem conhecimento de factos apurados no inquérito.
Na verdade, numa interpretação teleológica, do referido artigo 45.º n.º 5, da LGT que tenha em mente, a par do interesse na cobrança de tributos, o interesse do contribuinte e público da segurança jurídica, ínsito no instituto da caducidade do direito de liquidação de tributos, e o princípio constitucional da necessidade na restrição de garantias dos contribuintes, não se pode entender que, pelo facto de ter sido instaurado um inquérito criminal para averiguar qualquer facto que possa gerar uma dívida tributária, o direito de liquidação relativamente a quaisquer factos ocorridos no mesmo ano se prolongue nos termos daquele artigo 45.º, n.º 5. Com efeito, esta ponderação relativa dos interesses conflituantes da segurança jurídica e da cobrança de tributos tem de conduzir forçosamente à conclusão de que só é aplicável o prazo alargado quando os factos que servem de base à liquidação são averiguados no inquérito criminal, isto é, quando não havia outra forma de a Autoridade Tributária e Aduaneira liquidar no prazo normal, salvaguardando todos os interesses em confronto (negrito nosso).
Por outras palavras, o alargamento do prazo não pode ser entendido como um incompreensível benefício à Autoridade Tributária e Aduaneira ou incentivo para poder actuar com menos diligência do que é normalmente exigida na liquidação de tributos, mas sim como inconveniente para a segurança jurídica que só é tolerável quando o conhecimento dos factos averiguados no inquérito criminal seja necessário para efectuar a liquidação, em termos condizentes com a realidade.” Afigura-se pois, salvo melhor opinião, que deverá verificar-se uma identidade objectiva entre o facto tributário (liquidação do tributo) e o facto objecto de inquérito para se legitimar o alargamento do prazo de caducidade em apreço. Face ao que vem de expor-se, sem necessidade de mais quaisquer outras considerações, e descendo ao caso concreto , “é manifesto que se não pode concluir que os factos apurados no inquérito criminal tenham sido necessários para correcto apuramento do imposto, desde logo, porque a AT não logrou alegar, muito menos, provar ou demonstrar que as correções aritméticas operadas (entre as quais, resultam as liquidações em análise) respeitam a factos que vieram a ser apurados em inquérito criminal, mesmo que neste, esses factos não conduzam a uma acusação material” (negrito nosso).
E no nosso caso?
Vejamos:
Nos presentes autos e como se recorda, os factos tributários traduzem-se nas liquidações adicionais de IRC referentes ao período tributário de 2014 e 2015, cuja notificação à luz do referido n.º 1 do artigo 45.º, da LGT deveria ter ocorrido, respetivamente até 31-12-2018 e 31-12-2019.
As liquidações adicionais, ora impugnadas, foram notificadas à Requerente por ofício datado de 05-08-2021, e acompanhadas da fundamentação que se segue, objeto de despacho concordante, de 22 de junho de 2021, da qual se transcreve, para o que aqui releva, o respetivo ponto 9:
“(…) considerando que as correções a favor do Estado assumidas pela Inspeção da DF do Porto foram objeto do processo de inquérito criminal mencionado no ponto 1 desta informação, o qual apenas foi arquivado em 16-12-2020, então, nos termos do artigo 45.º, n.º 5, da Lei Geral Tributária, o prazo será acrescido de mais um ano após o arquivamento, pelo que o Estado através da AT ainda poderá proceder à correção a seu favor das liquidações corretivas sobre o IRC dos períodos de 2012 a 2015, o que se propõe superiormente.” (negrito nosso).
A este propósito, socorremo-nos do Processo n.º: 682/2019-T do CAAD: “A invocação da existência de processo de inquérito não é suficiente, nem o é o exercício, em abstrato, que os factos do relatório integrarão o âmbito de um processo-crime, para se socorrer o n.º 5 do art. 45.º, da LGT. Desta forma, era essencial, na esteira das decisões referidas, que a AT demonstrasse que as liquidações objeto do presente pedido de pronúncia arbitral respeitam a factos relativamente aos quais tivesse sido instaurado inquérito criminal – no aludido duplo ónus – nos termos do n.º 5 do art. 45.º, da LGT”. (negrito nosso).
Não resulta pois demonstrado pela AT, face à fundamentação acabada de expor, que as correções aritméticas operadas respeitam a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal.
No que toca ao argumentário da Requerida utilizado em sede de Resposta, sublinha-se que decorre do artigo 74.º da LGT, que, “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, pelo que é sobre a Requerida que impende o dever de fazer prova do facto constitutivo do direito a emitir as liquidações adicionais.
Ora, o que fez a AT, in casu?
Responde no âmbito do PPA, nos exatos termos que passamos a reproduzir:
“No que respeita à caducidade do direito à liquidação e porque como plenamente demostrado a liquidação controvertida tem natureza de liquidação correctiva, limitamo-nos a transcrever, com a devida vénia, o sumário do Acórdão do STA de 15-06-2016, processo 01471/15, onde se refere:
«II - A existência de uma “liquidação corrigida”, ou seja, de uma liquidação em que os serviços competentes da AT procedem à correcção de anterior acto da mesma natureza, por exemplo, por efeito de deferimento parcial de reclamação graciosa, não releva para se assumir a eventual ultrapassagem do prazo de caducidade, porque o momento a atender deve ser o da emissão da liquidação inicial e não a data do acto que a corrija. III - De outro modo ficaria a Administração tributária, uma vez reconhecida administrativamente a ilegalidade (parcial) daquela liquidação, impossibilitada de concretizar a revisão ou reforma do acto de liquidação anteriormente praticado e reconhecidamente ilegal, sendo essa revisão ou reforma favorável ao contribuinte.»
E termina nos seguintes moldes, invocando jurisprudência relacionada:
“Com efeito o Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que a caducidade do direito de liquidação a atender reporta-se ao acto inicial anulado, podendo as liquidações em que se efectua a correcção ser praticadas depois do termo do prazo de caducidade do direito de efectuar a liquidação inicial”. (…) “Pelo que também este argumento, no que à caducidade do direito à liquidação concerne, terá que decair”.
Chegados a este ponto, permitimo-nos remeter para o que acima se concluiu, no sentido de que seria permitido à AT voltar a liquidar o imposto que tem para si, ser devido, na qualidade de novo ato de liquidação (e não em virtude da execução da decisão), mas ainda assim no respeito estrito pelos prazos de caducidade legalmente previstos.
Ora, caberia à AT analisar a eventual extensão do prazo de caducidade, nos termos do artigo 45.º, n.º 5 da LGT, e bem assim, proceder à comprovação de que as liquidações em causa estariam dependentes da investigação no processo criminal, e de que o conhecimento dos factos determinantes da liquidação resultaria das investigações no âmbito do processo crime.
Em conclusão:
Acompanhamos as decisões do CAAD n.º 7/2016 – T e n.º 647/2019 – T, quanto à necessidade da referida prova face ao exigido pela letra do n.º 5 do artigo 45.º, da LGT.
Impunha-se à AT proceder à identificação expressa dos factos concretos que justificaram a instauração do processo de inquérito criminal para averiguação da eventual prática de crimes fiscais, comprovando a sua relação de identidade com aqueles que se encontram subjacentes às liquidações efetuadas e que foram considerados pelos Serviços de Inspeção Tributária. O que manifestamente não aconteceu.
Na verdade, a AT não realizou semelhante prova.
Ocorrendo, pelos motivos apontados, a invocada caducidade do direito à liquidação, por falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade, nos termos do artigo 45.º, n.ºs 1, 4 e 5, da LGT, e na medida em que estas liquidações não beneficiam do alargamento do prazo de caducidade.
O incumprimento daquele ónus duplo, resulta na ilegalidade das liquidações adicionais ora impugnadas, incluindo a relativa aos juros compensatórios, por violação dos artigos 45.º, n.º 5, e 74.º, da LGT.
2. Questões prejudicadas:
Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com base no vício de caducidade do direito de liquidação, que assegura a efetiva e estável tutela dos direitos da Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que são imputados ao ato tributário em causa.
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DECISÃO
Termos em que o presente Tribunal Arbitral Singular:
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Declara a ilegalidade e consequente anulação de liquidações de IRC n.º 2021 ... e n.º 2021 ..., ocorridas em 04-08-2021 e 05-08-2021, referentes ao exercício fiscal de 2014 e 2015, no montante total de € 49.569,52 (quarenta e nove mil, quinhentos e sessenta e nove euros e cinquenta e dois cêntimos), dando provimento ao pedido da Requerente;
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De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, do Código do Processo Civil (CPC) e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e), do RJAT, e 3.º, n.ºs 2 e 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 49.569,52 (quarenta e nove mil, quinhentos e sessenta e nove euros e cinquenta e dois cêntimos), atendendo ao valor económico aferido pelo montante total das liquidações de imposto impugnadas;
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Nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas, em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, imputáveis à Requerida AT.
Notifique-se.
Lisboa, 20 de setembro de 2022
A Árbitra
/Alexandra Iglésias/
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.