SUMÁRIO:
I. A exceção ao princípio da impugnação unitária que permite a impugnação contenciosa, direta e autónoma, dos atos de fixação do VPT, consiste numa faculdade concedida aos sujeitos passivos que não preclude a sindicância das suas ilegalidades no âmbito do ato final do procedimento, isto é, no âmbito da impugnação do ato de liquidação subsequente;
II. O disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT permite a revisão oficiosa do ato de liquidação de IMI no prazo de quatro anos com base em erro na fixação do VPT que seja imputável aos serviços;
III. O artigo 45.º do Código do IMI, na redação anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, não previa a aplicação na determinação do VPT dos terrenos para construção dos coeficientes de afetação, de localização e/ou de qualidade e conforto previstos no artigo 38.º do Código do IMI.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Carla Castelo Trindade (árbitro-presidente), Luís Menezes Leitão e David Oliveira Silva Nunes Fernandes (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-03-2022, acordam no seguinte:
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RELATÓRIO
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A..., S.A. (anteriormente, com a firma. B..., S.A.), titular do número de identificação fiscal..., com sede na ..., n.º ..., ..., ..., ...-... Carnaxide, apresentou pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral, com vista à anulação parcial dos atos de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) n.ºs 2017..., 2018..., 2019 ... e 2020..., referentes, respetivamente, aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, no valor agregado de 219.314,97 EUR (duzentos e dezanove mil trezentos e catorze euros e noventa e sete cêntimos), no seguimento da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado a 27 de agosto de 2021, junto do Serviço de Finanças de Oeiras – ... .
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O presente tribunal arbitral foi constituído no dia 29 de março de 2022.
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Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante, “RJAT”), a Requerida foi notificada em 30 de março de 2022, para, no prazo de 30 (trinta) dias, (i) apresentar resposta, (ii) juntar cópia do processo administrativo e (iii) requerer, querendo, a produção de prova adicional.
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Em 11 de maio de 2022, a Requerida apresentou a sua resposta, no âmbito da qual pugna pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, mais tendo invocado uma exceção correspondente à inimpugnabilidade dos atos de liquidação controvertidos, por entender que os vícios assacados pela Requerente no âmbito do pedido de pronúncia arbitral respeitam a ato tributário destacável de fixação do valor patrimonial tributário.
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Em face da exceção invocada pela Requerida, foi Requerente notificada, em 11 de maio de 2022, para, querendo, exercer o seu direito de contraditório.
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A Requerente exerceu o seu direito de contraditório em 27 de maio de 2022, sufragando o entendimento segundo o qual os vícios subjacentes aos atos de fixação da matéria tributável poderão ser invocados em sede impugnatória, enquanto elementos invalidantes de atos de liquidação subsequentes que naqueles se ancorem, ainda que o próprio ato de fixação da matéria coletável não haja sido autonomamente impugnado.
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Ao abrigo do disposto nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT, entendeu o Tribunal Arbitral, por despacho exarado a 2 de junho de 2022, dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como as alegações finais, por considerar (i) que não existem factos controvertidos que convoquem a necessidade de produção de prova testemunhal, podendo as questões de direito suscitadas nos presentes autos ser apreciadas com base na prova documental junta pelas partes, (ii) que à Requerente foi assegurado o exercício do contraditório em relação à matéria da exceção invocada pela Requerida, no âmbito da sua resposta, e (iii) que as posições das partes se encontravam já devidamente definidas e assentes nos articulados apresentados.
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Em observância do disposto no artigo 18.º, n.º 2, do RJAT, mais se designou naquela sede o dia 29 de setembro de 2022 como data-limite para a prolação e notificação da decisão arbitral final.
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O supra aludido despacho foi notificado às partes no dia 3 de junho de 2022.
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POSIÇÃO DAS PARTES
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Fundamentalmente, a Requerente sustenta a ilegalidade parcial das liquidações de AIMI n.ºs 2017..., 2018..., 2019... e 2020..., referentes, respetivamente, aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, no valor agregado de 219.314,97 EUR (duzentos e dezanove mil trezentos e catorze euros e noventa e sete cêntimos), por entender que os atos de fixação do valor patrimonial tributário dos imóveis subjacentes às liquidações controvertidas padecem do vício de violação de lei.
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Como ponto de partida, a Requerente entende que o Tribunal Arbitral é competente para apreciar, a título imediato, pedidos de revisão oficiosa tacitamente indeferidos e, consequentemente, competente para apreciar mediatamente a legalidade dos atos de liquidação subjacentes aos pedidos de revisão oficiosa.
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Seguidamente, a Requerente alega que a Requerida, ao invés de aplicar estritamente a norma ínsita no artigo 45.º do Código do Imposto Municipal sobre Bens Imóveis (doravante, “CIMI”) – na redação anterior à entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro –, relativamente à avaliação dos terrenos para construção subjacentes às liquidações controvertidas, aplicou erroneamente os coeficientes de afetação, localização e de qualidade e conforto, os quais se encontram previstos no artigo 38.º do mesmo diploma legal, referente à determinação do valor patrimonial tributário de prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços.
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Partindo desse pressuposto, a Requerente procura demonstrar o impacto resultante da desconsideração daqueles coeficientes para efeitos de fixação do valor patrimonial dos terrenos para construção em questão, mais calculando aquele que é, em seu entender, o quantitativo de imposto liquidado em excesso, quanto a cada uma das liquidações individualmente consideradas.
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Alegando a inaplicabilidade dos coeficientes de afetação, de localização, de qualidade e conforto e/ou de vetustez previstos para a avaliação dos prédio urbanos, na aferição do valor patrimonial dos terrenos para construção, a Requerente considera que aplicação das regras vertidas no artigo 38.º do CIMI a estes prédios apenas poderia ter lugar via integração analógica, a qual é vedada, no que às normas de incidência tributária concerne, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária (doravante, “LGT”).
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Mais entende a Requerente que aplicação aos terrenos para construção do coeficiente de localização previsto nas regras referentes aos prédios urbanos habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, implicava uma dupla valoração da mesma realidade, porquanto as regras de cálculo do valor patrimonial tributário aplicáveis aos terrenos para construção já tinham em conta certas características de localização.
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A Referente invoca também o normativo constante dos artigos 135.º‐B e 135.º-G, ambos do CIMI, nos termos do qual, respetivamente, (i) apenas estão sujeitos ao adicional os terrenos para construção, sendo excluídos do seu âmbito de incidência objetiva os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” e (ii) o adicional é liquidado anualmente com base nos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, tal como determinados pela Requerida.
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Enfatiza ainda a Requerente circunstância de a própria Requerida ter já reconhecido a aplicação errónea da fórmula de cálculo conexa com o apuramento do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, sem que, embora, haja corrigido os atos de liquidação que a montante praticou com base naqueles valores.
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A Requerente postula, em complemento, que sempre seria inconstitucional, por violação do princípio da legalidade tributária no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º e no n.º 2, do artigo 103.º, ambos da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, quando interpretada no sentido de os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo código serem aplicáveis – por analogia ou outra técnica de interpretação –, na determinação do valor patrimonial tributário de terrenos para construção.
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Como tal, entende a Requerente que os vícios assacados aos atos de fixação dos valores patrimoniais tributários em causa se refletem, diretamente, nos atos de liquidação que sobre os aqueles se ancoram, conduzindo à respetiva invalidade parcial, conducente ao apuramento de imposto em excesso, no montante agregado de 219.314,97 EUR (duzentos e dezanove mil trezentos e catorze euros e noventa e sete cêntimos), o qual se decompõe nos seguintes montantes segregados:
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Liquidação n.º 2017...: 18.487,89 EUR (dezoito mil quatrocentos e oitenta e sete euros e oitenta e nove cêntimos);
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Liquidação n.º 2018...: 78.942,54 EUR (setenta e oito mil novecentos e quarenta e dois euros e cinquenta e quatro cêntimos);
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Liquidação n.º 2019...: 60.232,39 EUR (sessenta mil duzentos e trinta e dois euros e trinta e nove cêntimos).
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Liquidação n.º 2020...: 61.652,15 EUR (sessenta e um mil seiscentos e cinquenta e dois euros e quinze cêntimos).
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Finalmente, alegando ter procedido ao pagamento integral dos montantes vertidos nas liquidações impugnadas, a Requerente sufraga entendimento segundo o qual a liquidação de imposto em montante superior ao legalmente previsto se fica a dever a erro imputável aos serviços da Requerida, razão pela qual peticiona a condenação desta no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos do disposto o artigo 43.º da Lei Geral Tributária (doravante, “LGT”).
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Por seu turno, entende a Requerida que a Requerente não imputa aos supra referidos atos de liquidação qualquer vício específico, limitando-se a contestar os atos de fixação do valor patrimonial tributário, enquanto atos destacáveis.
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Do ponto de vista da Requerida, os vícios assacados pela Requerente àqueles atos de fixação do valor patrimonial tributário não são suscetíveis de ser impugnados nos atos de liquidação subsequentes, na exata medida em que o ordenamento jurídico admite a sua impugnação autónoma, sob pena da violação do princípio constitucional da igualdade (consubstanciada num benefício dos contribuintes que em tempo não contestaram os atos de fixação de valores patrimoniais tributários que lhes foram notificados, face àqueles que o fizeram no prazo legalmente estipulado).
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Considera a Requerida que a origem do diferendo que a opõe à Requerente diz respeito à fórmula de cálculo do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção identificados no pedido de pronúncia arbitral, reconhecendo, ademais, ter já acolhido o entendimento dos tribunais superiores no sentido de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, não sendo considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e de conforto.
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Donde, partindo da referida inimpugnabilidade, a Requerida alega que aqueles atos de fixação do valor patrimonial tributário se consolidaram na ordem jurídica, por não terem sido objeto de impugnação autónoma.
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Para além da inimpugnabilidade do ato de fixação dos valores patrimoniais tributários, a Requerida sustenta que os atos de liquidação controvertidos não padecem de qualquer ilegalidade, tendo sido praticados em observância do normativo legal aplicável.
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Com base naquele entendimento, a Requerida argumenta que o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente é inadmissível, porquanto o elemento literal do artigo 78.º da LGT não abrange os atos de avaliação patrimonial, os quais não são atos tributários, nem atos de apuramento da matéria tributável.
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Sem prejuízo da alegada inadmissibilidade do meio procedimental empregue pela Requerente – pedido de revisão oficiosa –, mais considera a Requerida que, pelo menos em parte, o pedido de revisão oficiosa apresentado seria intempestivo.
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Para o efeito, a Requerida pugna pela aplicabilidade do disposto no artigo 78.º, n.º 4, da LGT, nos termos do qual o prazo para ser autorizada a revisão da matéria coletável pelo dirigente máximo do serviço é de três anos posteriores ao do ato tributário.
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No mais, a Requerida alega que os atos de liquidação não podem serem impugnados, quer em sede judicial, quer em sede arbitral, com fundamento em vícios próprios dos atos de fixação de valores patrimoniais tributários.
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Adicionalmente, a Requerida sustenta ainda que em face do prazo previsto no artigo 168.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (doravante, “CPA”) – aplicável ex vi artigo 2.º, c), da LGT – a anulação dos atos de fixação de valores patrimoniais tributários apenas é possível nos casos em que não tenha decorrido cinco anos desde a respetiva emissão.
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Quanto à inconstitucionalidade invocada pela Requerente, entende a Requerida que a questão não se suscita ao nível da alegada violação do princípio da legalidade tributária, mas outrossim na constitucionalidade do regime da consolidação dos atos administrativos tributários por falta da sua impugnação atempada.
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Alega também a Requerida que o pedido formulado pelo Requerente não estava fundamentado na lei, sendo que o Tribunal Arbitral está obrigado a julgar de acordo com o direito constituído, estando impedido de julgar o processo de acordo com critérios da equidade.
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Mais refere a Requerida estar vinculada ao princípio da legalidade previsto nos artigos 266.º da CRP, 55.º da LGT e 3.º do CPA e que não podia deixar de cumprir com as normas vigentes no ordenamento jurídico.
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Finalmente, a Requerida postula pela improcedência dos pedidos aduzidos pela Requerente, incluindo o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, por considerar que não está preenchida a previsão do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.
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No contexto da sua resposta à exceção invocada pela Requerida, a Requerente esclarece que o objeto do pedido de pronúncia arbitral são os atos tributários de liquidação de AIMI referentes aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 e não, como alega a Requerida, os atos de fixação dos valores patrimoniais tributários.
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No mesmo contexto, a Requerente estabelece a diferença entre a impugnação de atos de fixação do valor patrimonial tributário e a impugnação de atos de liquidação de AIMI, referindo, por um lado, que estes produzem efeitos distintos, e, por outro lado, que a circunstância de se prever a impugnabilidade dos atos de fixação dos valores patrimoniais tributários não visa limitar a impugnação dos atos de liquidação subsequentes, tanto mais que o artigo 99.º, a), do CPPT alude à “errónea (…) quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais, e outros factos tributários”.
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Atento o exposto, a Requerente conclui pela procedência do pedido de pronúncia arbitral, com a inerente improcedência da exceção invocada pela Requerida.
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QUESTÕES A DECIDIR
Compulsando a posição vertida pelas partes nas respetivas peças processuais, as questões que o Tribunal Arbitral deve apreciar são as seguintes:
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Se a Requerente pode assacar o vício de violação de lei aos atos de liquidação de AIMI n.ºs 2017..., 2018..., 2019 ... e 2020..., referentes, respetivamente, aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, com base nos vícios de atos de fixação do valor patrimonial tributário praticados a montante ou se, contrariamente, deverá entender-se que tais atos se consolidam na ordem jurídica caso não sejam autonomamente impugnados;
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Se o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente é admissível e se foi, ou não, tempestivamente apresentado;
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Se os atos de liquidação de AIMI n.ºs 2017..., 2018..., 2019 ... e 2020..., referentes, respetivamente, aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, padecem, ou não, do vício de violação de lei, por inobservância do disposto no artigo 45.º do CIMI, na redação anterior à entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, e se devem, ou não, ser anulados no valor agregado de 219.314,97 EUR (duzentos e dezanove mil trezentos e catorze euros e noventa e sete cêntimos);
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Se a eventual invalidade dos atos de liquidação supra referidos fica a dever-se a erro imputável aos serviços e se, nessa medida, estão reunidos os pressupostos de que depende a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT.
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SANEAMENTO
O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
A exceção invocada pela Requerida será conhecida a título prévio no âmbito da fundamentação de direito.
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FUNDAMENTAÇÃO
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Factos provados com relevância para os autos e respetiva fundamentação
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A Requerente é uma sociedade anónima, tendo como objeto social a compra e venda de imóveis.
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No âmbito da sua atividade, a Requerente é proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para construção.
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A Requerente foi notificada dos seguintes atos tributários de liquidação de AIMI (cfr. documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral):
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Liquidação n.º 2017..., referente a 2017, no montante total de 124.286,12 EUR (cento vinte e quatro mil duzentos e oitenta e seis euros e doze cêntimos);
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Liquidação n.º 2018..., referente ao ano de 2018, no montante total de 124.508,38 EUR (cento e vinte e quatro mil quinhentos e oito euros e trinta e oito cêntimos);
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Liquidação n.º 2019..., referente ao ano de 2019, no montante total de 124.508,38 EUR (cento e vinte e quatro mil quinhentos e oito euros e trinta e oito cêntimos);
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Liquidação n.º 2020..., referente ao ano de 2020, no montante total de 96.070,64 EUR (noventa e seis mil e setenta euros e sessenta e quatro cêntimos).
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A Requerente procedeu ao pagamento integral e atempado das liquidações de AIMI supra referidas (cfr. documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
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À data a que se referem as liquidações de AIMI n.ºs 2017... e 2018..., referentes, respetivamente, a 2017 e 2018, a Requerente era proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de Lisboa, distrito de Lisboa, sob o artigo matricial ..., descrito na matriz como terreno para construção.
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O referido prédio foi objeto de avaliação em 5 de agosto de 2011, titulada pela ficha n.º ..., tendo sido fixado o valor patrimonial tributário de 7.245.780,00 EUR (sete milhões duzentos e quarenta e cinco mil setecentos e oitenta euros) (cfr. documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
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Na avaliação deste prédio foram aplicados pela Requerida os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e de conforto (cfr documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
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A referida inscrição matricial encontra-se desativada desde 1 de junho de 2018.
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Na liquidação de AIMI n.º 2017..., referente a 2017, o valor patrimonial tributário deste prédio que serviu de base à liquidação, relativamente a este prédio, ascendia a 7.408.810,05 EUR (sete milhões quatrocentos e oito mil oitocentos e dez euros e cinco cêntimos) (cfr. documentos n.º 2 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
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Na liquidação de AIMI n.º 2018..., referente ao ano de 2018, o valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação, relativamente a este prédio, ascendia a 7.464.376,13 EUR (sete milhões quatrocentos e sessenta e quatro mil trezentos e setenta e seis euros e treze cêntimos) (cfr. documentos n.º 2 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
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À data a que se referem as liquidações de AIMI n.ºs 2017..., 2018..., 2019... e 2020..., referentes, respetivamente, a 2017, 2018, 2019 e 2020, a Requerente era proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia da ..., concelho de Lisboa, distrito de Lisboa, sob o artigo matricial ..., descrito na matriz como terreno para construção.
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O referido prédio foi objeto de avaliação em 4 de outubro de 2016, titulada pela ficha n.º ..., tendo sido fixado o valor patrimonial tributário de 23.662.720,00 EUR (vinte e três milhões seiscentos e sessenta e dois mil setecentos e vinte euros) (cfr. documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
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Na avaliação deste prédio foram aplicados pela Requerida os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e de conforto (cfr. documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
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Na liquidação de AIMI n.º 2018..., referente ao ano de 2018, e na liquidação de AIMI n.º 2019..., referente ao ano de 2019, o valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação, relativamente a este prédio, ascendia a 23.662.720,00 EUR (vinte e três milhões seiscentos e sessenta e dois mil setecentos e vinte euros) (cfr documentos n.º 2 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
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Na liquidação de AIMI n.º 2020..., referente ao ano de 2020, o valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação, relativamente a este prédio, ascendia a 24.017.660,80 EUR (vinte e quatro milhões, dezassete mil seiscentos e sessenta euros e oitenta cêntimos) (cfr. documentos n.º 2 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
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A referida inscrição matricial encontra-se desativada desde 7 de outubro de 2020.
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A Requerida acolheu, entretanto, o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI, não sendo considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e de conforto.
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Relativamente aos terrenos para construção detidos pela Requerente, a Requerida não retificou qualquer coleta de AIMI referente às liquidações supra referidas.
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No dia 27 de agosto de 2021, a Requerente apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, um pedido de revisão oficiosa com o seguinte petitório (cfr. documentos n.º 1 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral):
“Nestes termos, requer-se a V. Exa. que seja:
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Deferido o presente pedido de revisão oficiosa e que, consequentemente, se proceda à anulação parcial dos atos de liquidação de AIMI sub judice referentes a 2017, 2018, 2019 e 2020, porque manifestamente ilegais em resultado de errónea colecta de imposto relativamente a valores patrimoniais tributários de terrenos para construção determinados com uma fórmula que, ao aplicar os coeficientes acima mencionados, não lhes era legalmente aplicável; e
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Seja efetuado o reembolso à Requerente dos respetivos montantes de imposto liquidado e pago em excesso, no valor de € 219.314,97, acrescido de juros indemnizatórios, com as demais consequências legais.”
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O pedido de revisão oficiosa não foi objeto de decisão por parte da Requerida.
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Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não constam dos autos elementos que permitam considerar provados os seguintes factos:
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A notificação dos atos de fixação dos valores patrimoniais tributários à Requerente.
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Fundamentação da fixação da matéria de facto
Ao Tribunal Arbitral incumbe selecionar os factos que interessam à boa decisão da causa, segregando e discriminando aqueles que considera provados e os que entende como não provados, como resulta do disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (doravante, “CPC”), (aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Considerando as posições assumidas pelas partes nas respetivas peças processuais e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados.
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O DIREITO
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Questão prévia – da exceção de inimpugnabilidade invocada pela Requerida
No quadro da sua resposta, a Requerida alegou, sinteticamente, que a Requerente se limitava, nesta sede, como em sede revisão oficiosa, a fundar exclusivamente os vícios dos atos de liquidação controvertida nos vícios dos atos de fixação de valores patrimoniais tributários que os precederam. Como tal, entende a Requerida que à Requerente está vedada, nesta fase, a invocação de quaisquer vícios dos atos de fixação dos valores patrimoniais tributários, enquanto vícios invalidantes dos atos de liquidação de AIMI, na exata medida em que: (i) os atos de fixação de valores patrimoniais tributários são atos destacáveis, suscetíveis de impugnação autónoma e, (ii) não tendo sido impugnados, consolidaram-se na ordem jurídica, não podendo os seus vícios ser invocados nesta sede. Quer isto significar que, no entender da Requerida, a falta de impugnação autónoma dos atos de fixação de valores patrimoniais tributários tem um efeito preclusivo sobre a possibilidade de invocar os seus vícios no contexto da impugnação dos atos de liquidação subsequentes.
O cerne da questão controvertida radica no disposto no artigo 54.º do CPPT, preceito legal que consagra o princípio da impugnação unitária nos seguintes termos: “[s]alvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”.
Em face daquela norma, deverá entender-se que, por via de regra, os atos interlocutórios não podem ser autonomamente impugnados, devendo quaisquer vícios a respeito dos mesmos ser invocados em sede de impugnação deduzida contra a decisão final do procedimento, refletindo-se tais vícios nesta. Excecionalmente, porém, o artigo 54.º do CPPT prevê a possibilidade de impugnação autónoma de atos interlocutórios em duas circunstâncias, a saber: (i) o ato interlocutório ser imediatamente lesivo dos direitos do contribuinte ou (ii) existir disposição expressa que preveja a impugnabilidade autónoma do ato interlocutório.
Importa assinalar que as exceções previstas no artigo 54.º do CPPT não têm por objetivo fazer impender sobre os contribuintes um ónus impugnatório, atenta a natureza garantística que preside à norma. Donde, os casos em que a impugnação autónoma de atos interlocutórios é admitida não são estabelecidos em atenção à consolidação desses mesmos atos, mas antes em função dos especiais e legítimos interesses dos contribuintes. Assim, nos termos do artigo 54.º do CPPT, mais particularmente das exceções ali mencionadas, os contribuintes gozam da faculdade de, querendo, impugnar os atos interlocutórios. Não se prevê, porém, qualquer consequência negativa decorrente do não exercício dessa faculdade. Dir-se-á, inclusivamente, que o elemento literal aponta precisamente no sentido oposto, porquanto o enunciado normativo termina nos seguintes termos: “sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”.
Para uma adequada interpretação do enunciado normativo, deverá atender-se ao princípio da tutela jurisdicional efetiva – vertido no artigo 20.º da CRP e no artigo 2.º do CPTA –, considerando-se os casos de impugnação de atos interlocutórios sempre estabelecidos em benefício dos contribuintes. Também o elemento sistemático poderá operar como um cânone útil nestas matérias. Desde logo, porque o artigo 99.º, a), do CPPT prevê como fundamento da impugnação a “errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários”. Por outro lado, o próprio CIMI permite, no artigo 115.º, a revisão oficiosa da liquidação de IMI (e por inerência de AIMI), nomeadamente com fundamento em erro de que tenha resultado coleta de montante diferente do legalmente devido.
Outro argumento decisivo que aponta neste sentido foi já plasmado no acórdão arbitral, proferido em 9 de Agosto de 2022, no âmbito do processo n.º 11/2022-T:
“Por outro lado, porque os actos de liquidação de IMI podem ser proferidos com base em actos de fixação do VPT realizados há vários anos e que já não são passíveis de impugnação contenciosa directa e autónoma, pelo que os vícios destes actos interlocutórios/intermédios iriam inquinar os actos de liquidação subsequentes sem que existisse a possibilidade de serem sindicados e sanados da ordem jurídica. Isto sendo certo que os destinatários dos actos de liquidação podem ser contribuintes que nem sequer tiveram a possibilidade de impugnar os actos que determinaram o VPT por não serem à data os proprietários dos prédios urbanos em questão.
Portanto, se a «discussão antecipada da legalidade» do acto interlocutório de fixação do VPT não for entendida como uma faculdade mas antes como um efectivo ónus de impugnação, ao qual está associado um efeito preclusivo da sindicância futura dessas ilegalidades, o legislador não estaria a excepcionar a ratio subjacente à previsão do princípio da impugnação unitária de forma a assegurar e incrementar a tutela jurisdicional efectiva”.
Ora, um dos casos legalmente previstos de impugnação autónoma de atos interlocutórios consiste precisamente no ato de fixação de valores patrimoniais tributários, o qual é suscetível de produzir efeitos lesivos externos e imediatos na esfera dos contribuintes, ao fixar a base tributável para efeitos de apuramento do imposto a pagar, designadamente do Adicional ao IMI.
A impugnação contenciosa direta destes atos está especificamente prevista nos artigos 86.º da LGT e 134.º do CPPT, nos quais se dispõe o seguinte:
“Artigo 86.º
Impugnação judicial
1 – A avaliação directa é susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa.”
2 – A impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão.”
“Artigo 134.º
Objecto da impugnação
1 – Os actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade.
(…)
7 - A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.”.
Importa salientar que a impugnação autónoma destes atos está dependente do prévio esgotamento dos meios de tutela graciosos previstos no procedimento de avaliação, tal como decorre do artigo 97.º, n.º 1, alínea f), do CPPT. Note-se, porém, que tal exigência de esgotamento prévio daqueles meios tem que se encontrar expressamente prevista na lei – por força do disposto artigo no artigo 185.º do CPA aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c), da LGT.
Tal com se verteu no acórdão arbitral proferido no processo n.º 11/2022-T, já anteriormente citado, “deste regime consagrado nos artigos 54.º e 134.º ambos do CPPT e do artigo 86.º da LGT que consagra uma excepção à “regra” decorrente do princípio da impugnação unitária não resulta, portanto, uma impossibilidade de impugnação futura dos vícios próprios dos actos de fixação do VPT no âmbito da impugnação dos actos de liquidação de IMI subsequentes. Assim sendo, esta excepção ao princípio da impugnação unitária tem de ser entendida enquanto faculdade ou garantia de tutela adicional antecipada das posições jurídicas dos contribuintes – que pode ou não ser por estes utilizada –, e já não um ónus que preclude o direito de impugnação dos vícios próprios na determinação do VPT no âmbito das liquidações subsequentes.
(…)
Ao contrário do que sucede com os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta, cuja impugnação contenciosa directa é limitada por via dos artigos 131.º a 133.º-A do CPPT, não resulta da lei semelhante limitação quanto aos actos de liquidação de IMI, precedidos ou não da impugnação dos actos de fixação do VPT. Tudo isto sem contar que o carácter facultativo da impugnação de actos interlocutórios/intermédios do procedimento resulta expressamente do disposto no artigo 51.º, n.º 3, do CPA aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c), da LGT.”
Em consonância com o que se expôs supra está o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n.º 2765/12.8BELRS, em 31 de Outubro de 2019, no qual se plasmou o seguinte entendimento:
“[a] fixação do VPT constitui, como se disse, um acto administrativo em matéria tributária, destacável e, por isso, passível de impugnação autónoma. A impugnação autónoma dos actos destacáveis tem como propósito oferecer uma maior garantia aos administrados, permitindo-lhes reagir atempadamente de molde a evitar a produção de efeitos lesivos, que se projectam no acto final do procedimento ou em actos externos a este.
A impugnabilidade autónoma constitui um desvio ao princípio da impugnação unitária (cfr. artigo 54.º do CPPT), que postula que em princípio só é possível impugnar o acto final do procedimento tributário, por só este apresentar efeitos lesivos na esfera jurídica do contribuinte. Este artigo prevê a possibilidade de impugnabilidade autónoma dos actos imediatamente lesivos e a possibilidade de, na impugnação do acto final de liquidação, serem invocados todos os vícios de que padeçam os actos prévios a essa liquidação (actos instrumentais, preparatórios ou prodrómicos dessa decisão final).
Como assim, sendo a fixação do VPT um acto destacável, ele goza de possibilidade de impugnação autónoma, independentemente da existência ou não de liquidação (…)”.
Também neste sentido, referiu o Tribunal Arbitral no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 760/2020-T, em 22 de julho de 2021, que:
“A nosso ver, a questão não é a de saber se a lei configura a fixação do VPT como um ato destacável, prevendo a sua impugnação judicial autónoma – o que é um facto –, mas sim saber se existem razões que obstem a que tal ato, quando surja como instrumental relativamente a um ato de liquidação, possa, também, ser objeto de apreciação em processo dirigido à impugnação desta. Há, pois, que ponderar sobre a ratio das normas que preveem a impugnabilidade judicial autónoma de atos administrativos que constituem pressuposto de outros atos administrativos.
Estas razões serão, essencialmente, três:
(i) O ato ser imediatamente lesivo, produzir diretamente efeitos negativos na esfera do particular, o que não é o caso, pois a ablação do património pela via do imposto só acontece após a prática de um ato de liquidação.
(ii) A sindicância judicial imediata oferecer maiores garantias ao particular: é o caso, desde logo porquanto o decidido em tal recurso produzirá efeitos de caso julgado relativamente a todas as liquidações que tiverem por base o VPT impugnado.
Está, pois, presente uma intencionalidade garantística (consagração de meio de garantia mais abrangente) e não um intuito de restrição dos normais meios de garantia, como resultaria do acolhimento do pensamento sufragado pela Requerida)
(iii) Previsão legal de um “filtro” pré-judicial que possa contribuir para reduzir o número de casos que os tribunais sejam chamados a apreciar, quando a decisão dependa essencialmente de conhecimentos técnicos próprios de outras áreas do saber, que não a jurídica (o “filtro” aqui existe - a segunda avaliação dos prédios urbanos).
Porém, atenta a razão de ser destes sistemas, há que entender que a previsão da impugnabilidade direta e imediata, em processo a tal diretamente dirigido, do «resultado das segundas avaliações», como diz a lei, só se mostra «indispensável» quando esteja em causa o resultado da aplicação da lei (das normas que regulam o procedimento de avaliação) num caso concreto, pois é em tal aplicação que poderão estar envolvidos conhecimentos técnicos, não jurídicos, e não, como acontece no presente caso, quando esteja em causa a determinação da lei aplicável à avaliação. Esta é uma questão exclusivamente jurídica, para a qual, por definição, um tribunal é mais qualificado para a precisar que uma comissão de peritos avaliadores.”.
O entendimento ora sufragado encontra ainda respaldo em múltiplas decisões arbitrais, tais como as proferidas no âmbito dos processos n.ºs 615/2021-T, 663/2021-T, 672/2021-T,
Em face do exposto, considera-se a exceção invocada pela Requerida improcedente, por se entender que à Requerente assistia a faculdade de, querendo, impugnar os atos de fixação de valores patrimoniais tributários relativamente aos terrenos para construção em questão, sendo que, na falta de tal impugnação, não operou qualquer efeito preclusivo que a impeça de suscitar, no quadro da discussão da legalidade dos atos de liquidação subsequentes, a legalidade daqueles primeiros atos.
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Da alegada intempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente
No âmbito da sua resposta, a Requerida alegou ainda a intempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, por considerar ultrapassado o prazo de três anos previsto no artigo 78.º, n.º 4, da LGT, contados sobre a data dos atos tributários em causa. Mais considerou a Requerida que a Requerente apenas poderia, naquela sede, solicitar a revisão de atos de determinação da matéria coletável. Vejamos.
Dispõe o artigo 115.º do CIMI:
“Artigo 115.º
Revisão oficiosa da liquidação e anulação
1 – Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas:
a) Quando, por atraso na actualização das matrizes, o imposto tenha sido liquidado por valor diverso do legalmente devido ou em nome de outrem que não o sujeito passivo, desde que, neste último caso, não tenha ainda sido pago;
b) Em resultado de nova avaliação;
c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido;
d) Quando, havendo lugar, não tenha sido considerada, concedida ou reconhecida isenção”
Em face do enunciado normativo supra citado, impõe-se concluir ser possível apresentar pedidos de revisão oficiosa cujo objeto consista na liquidação de IMI (e por inerência, de AIMI), não só nas situações ali especificamente previstas (o que inclui casos de erro de que derive coleta em montante diferente do legalmente devido, como decorre da alínea c)), bem como ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, ali expressamente referido.
Atendendo ao sentido da decisão deste Tribunal Arbitral quanto à exceção de inimpugnabilidade dos vícios dos atos de fixação de valores patrimoniais tributários no contexto da impugnação dos atos de liquidação praticados a jusante, terá de admitir-se, por imperativo de coerência lógica, que a Requerente podia requerer, como aliás fez, a revisão dos atos de liquidação controvertidos, com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos do disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT. Para tanto, dispunha a Requerente de um prazo de quatro anos.
Na exata medida em que os valores patrimoniais tributários subjacentes às liquidações de imposto controvertidas foram determinados pela Requerida, assim como por esta foram emitidos os subsequentes atos de liquidação, é incontroverso que qualquer vício inerente a essa determinação de valor patrimonial tributário, suscetível de inquinar a validade dos atos de liquidação, se deve considerar como imputável aos serviços, para efeitos do disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT.
Releva, a este propósito, o entendimento vertido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 2765/12.8BELRS, em 31 de outubro de 2019:
“(…) ciente da natureza agressiva das leis fiscais, que afectam coercivamente o património dos contribuintes, criou válvulas de escape para as situações de ilegalidade, permitindo que a própria Administração reveja as suas decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que porventura tenha cometido.
É o que sucede com o artigo 78.º da LGT, que prevê a possibilidade de revisão dos actos tributários com fundamento em ilegalidade ou erro, mecanismo que se encontra presente na legislação tributária de outros países, como sucede em Espanha com o artigo 219.º da Ley General Tributária.
O artigo 78.º da LGT consagra um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respectivos montantes, que não estejam previstos na lei.
Todavia, como já se disse, o artigo 78.º é inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação e qualquer tributo(2). O que não quer dizer que seja de todo imprestável para o caso sub judice, visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida. Ora, ultrapassada que está actualmente a questão de saber se a iniciativa de revisão pela administração pode ser desencadeada a impulso do interessado, da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços.”. (destaque nosso)
Em face do exposto, impõe-se concluir que a Requerente podia apresentar um pedido de revisão oficiosa cujo objeto consistisse nos atos de liquidação controvertidos, ainda que os vícios assacados se reportem ao ato de fixação dos valores patrimoniais tributários que servem de base àqueles. Mais se conclui que, tendo apresentado o pedido de revisão oficiosa antes de decorrido o prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, fê-lo tempestivamente. Por inerência, e na medida em que apresentado no prazo legalmente previsto após a formação da presunção de indeferimento tácito, igualmente tempestivo é o pedido de pronúncia arbitral apresentado nos presentes autos. Em suma, também quanto a esta matéria improcede a exceção invocada pela Requerida.
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Da invalidade dos atos de liquidação controvertidos por errónea aplicação do artigo 38.º do CIMI para fixação do valor patrimonial tributário de terrenos para construção
Atendendo à improcedência das exceções invocadas pela Requerida, cumpre apreciar a legalidade dos atos de liquidação controvertidos, tendo presente os vícios alegados pela Requerente no âmbito do seu pedido de pronúncia arbitral.
De acordo com a factualidade dada como provada nos presentes autos, o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção abrangidos pelas liquidações postas em crise pela Requerente foi determinado pela Requerida com aplicação dos coeficientes de afetação, de localização e/ou de qualidade e conforto.
À data dos factos, dispunha o artigo 38.º do CIMI, a propósito da determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços:
“Artigo 38.º
Determinação do valor patrimonial tributário
1 – A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:
Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv
em que:
Vt = valor patrimonial tributário;
Vc = valor base dos prédios edificados;
A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;
Ca = coeficiente de afectação;
Cl = coeficiente de localização
Cq = coeficiente de qualidade e conforto;
Cv = coeficiente de vetustez.
2 – O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos apurado é arredondado para a dezena de euros imediatamente superior.
3 – Os prédios comerciais, industriais ou para serviços, para cuja avaliação se revele desadequada a expressão prevista no n.º 1, são avaliados nos termos do n.º 2 do artigo 46.º
4 – A definição das tipologias de prédios aos quais é aplicável o disposto no número anterior é feita por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sob proposta da Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos.”.
Diferentemente, a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção encontrava-se prevista no artigo 45.º do CIMI, o qual tinha, à data, a seguinte redação (anterior à Lei n.º 75-B/2020):
“Artigo 45.º
Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção
1 – O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2 – O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3 – Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º
4 – O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.
5 – Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.”.
Compulsando os enunciados normativos citados, constata-se que a fórmula de cálculo do valor patrimonial tributário diferia em função da tipologia de prédio urbano em questão, sendo certo que o artigo 45.º do CIMI não previa, diretamente ou por remissão, a aplicação dos coeficientes de afetação, de localização, de qualidade e conforto e/ou de vetustez, previstos exclusivamente para apuramento do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como para “habitação, comércio, indústria e serviços”. A aplicação de tais coeficientes aos terrenos para construção passou a ser prevista no artigo 45.º do CIMI por intermédio da redação que lhe foi dada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, passando o respetivo enunciado normativo a ser o seguinte:
“Artigo 45.º
Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção
1 – A determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção resulta da seguinte expressão:
Vt = Vc x A x Ca x Cl x % Veap
em que:
Vt = valor patrimonial tributário;
Vc = valor base dos prédios edificados;
A = [Aa + Ab x 0,3] x Caj + Ac x 0,025 + Ad x 0,005
Aa = área bruta privativa autorizada ou prevista;
Ab = área bruta dependente autorizada ou prevista;
Caj = coeficiente de ajustamento de áreas;
Ac = área do terreno livre que resulta da diferença entre a área total do terreno e a área de implantação das edificações autorizadas ou previstas, até ao limite de duas vezes a área de implantação, sendo a área de implantação a situada dentro do perímetro de fixação das edificações ao solo, medida pela parte exterior;
Ad = área do terreno livre que excede o limite de duas vezes a área de implantação;
Ca = coeficiente de afetação das edificações autorizadas ou previstas;
Cl = coeficiente de localização;
% Veap = percentagem do valor das edificações autorizadas ou previstas com terreno incluído.
2 – A percentagem do valor das edificações autorizadas ou previstas com terreno incluído varia entre 15 % e 45 %.
3 – Na determinação da percentagem a que se refere o número anterior têm-se em consideração as variáveis que influenciam o nível de oferta e de procura de terrenos para construção em cada zona homogénea do município, designadamente a quantidade de terrenos infraestruturados e as condicionantes urbanísticas decorrentes dos instrumentos de gestão territorial vigentes, sendo determinada pelo quociente entre o valor de mercado do terreno e o valor de mercado do conjunto terreno mais edificações autorizadas ou previstas.
4 – (Revogado.)
5 – Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.”
Quanto a esta alteração à redação do artigo 45.º do CIMI, dir-se-á, por um lado, que a mesma apenas entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2021 (por força do disposto no artigo 445.º da Lei 75‑B/2020, de 31 de dezembro) e, por outro, que a mesma evidencia a inaplicabilidade daqueles coeficientes até então, sendo que no caso dos presentes autos a totalidade das liquidações controvertidas são anteriores a 1 de janeiro de 2021.
No mais, a questão de saber se tais coeficientes seriam aplicáveis à determinação do valor patrimonial tributário de terrenos para construção antes da entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro tem sido amplamente apreciada pela jurisprudência.
Por intermédio de acórdão uniformizador de jurisprudência, proferido no âmbito do processo n.º 0183/13, em 21 de setembro de 2016, o Supremo Tribunal Administrativo sufragou o seguinte entendimento:
“(…) na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados”.
Em sentido similar se pronunciou novamente o Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo proferido no processo n.º 0170/16.6BELRS, em 23 de outubro de 2019, tendo então decidido que “os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)”.
O entendimento supra exposto, e a que este Tribunal Arbitral adere, foi ainda reiterado no quadro de outros arestos, tais como os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo n.º 0165/14.4BEBRG, em 9 de outubro de 2019, e no processo 0732/12.0BEALM, em 13 de janeiro de 2021, bem como os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, proferidos no âmbito do processo n.º 830/13.3BELRA, em 9 de julho de 2020 e no âmbito do processo 117/14.4BELLE, em 8 de fevereiro de 2018.
Mais recentemente, e em idêntico sentido, foi prolatado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 0118/09.4BEVIS 01293/17, em 6 de outubro de 2021, no qual se plasmou o seguinte entendimento:
“I - O método de determinação do valor patrimonial (VPT) dos terrenos para construção adoptado pelo CIMI, e que constava do art. 45.º, na redacção anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2012), era muito semelhante ao dos edifícios construídos, partindo-se da avaliação das edificações autorizadas ou previstas.
II - No entanto, na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção, era de afastar, para além do mais, a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor já está contemplado na percentagem prevista no n.º 3 do art. 45.º do CIMI.”.
Esta posição viria a ser reiterada pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0653/09.4BELLE, em 23 de março de 2022, no qual se verteu o seguinte entendimento:
“III - O método de determinação do valor patrimonial (VPT) dos terrenos para construção adoptado pelo CIMI, e que constava do art. 45.º, na redacção anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2012), era muito semelhante ao dos edifícios construídos, partindo-se da avaliação das edificações autorizadas ou previstas.
IV - No entanto, na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção, era de afastar a aplicação dos coeficientes de afectação, de localização e de qualidade e conforto, previstos na fórmula do art. 38.º do CIMI, relacionados com o prédio a construir.”
A jurisprudência do CAAD aponta igualmente no mesmo sentido, sendo exemplo disso mesmo as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.ºs 697/2019-T, 807/2021-T, 297/2021-T e 11/2022-T.
Deverá igualmente valorar-se, como de resto se considerou na matéria de facto dada como provada, a admissão da Requerida no sentido de ter dado acolhimento ao entendimento jurisprudencial supra detalhado.
Pelo exposto, julga-se procedente a ilegalidade invocada pela Requerente no seu pedido arbitral, impondo-se a anulação parcial dos atos de liquidação do Adicional ao IMI relativos aos terrenos para construção impugnados nos presentes autos.
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Questões de conhecimento prejudicado
Considerando tudo quanto se expôs supra, do qual decorre que se consideram ilegais, e nessa medida parcialmente anuláveis, os atos de liquidação controvertidos, entende o Tribunal Arbitral que fica prejudicado o conhecimento do vício de inconstitucionalidade invocado pela Requerente, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
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Reembolso do imposto devidamente liquidado e juros indemnizatórios
Como decorre do acervo factual dado como provado, o Tribunal Arbitral considera que a Requerente juntou aos autos documentos que atestam o pagamento das liquidações controvertidas, sem que, no entanto, fosse possível atestar a data efetiva de pagamento. Por conseguinte, em decorrência das ilegalidades subjacentes às aludidas liquidações, tem o Requerente direito a ser reembolsado dos montantes pagos em excesso.
No que respeita ao quantitativo de imposto pago em excesso, entende o Tribunal Arbitral que o respetivo montante ascende a 219.314,97 EUR (duzentos e dezanove mil trezentos e catorze euros e noventa e sete cêntimos), na medida em que:
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O valor patrimonial tributário do terreno para construção inscrito na matriz sob o artigo ..., sem considerar os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e de conforto, ascenderia a 2.786.838,13 EUR (dois milhões setecentos e oitenta e seis mil oitocentos e trinta e oito euros e treze cêntimos) (cfr documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
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Que o valor patrimonial tributário do terreno para construção inscrito na matriz sob o artigo..., sem considerar os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e de conforto, ascenderia a 8.604.623,43 EUR (oito milhões seiscentos e quatro mil seiscentos e vinte e três euros e quarenta e três cêntimos);
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Que a taxa de imposto aplicável ascende a 0,4%, nos termos do disposto no artigo 135.º-F, n.º 1, do CIMI.
No que concerne ao pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, aduzido pela Requerente, importa atender ao enunciado normativo do artigo 43.º da LGT, o qual se transcreve, nos segmentos relevantes:
“Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – (…).
3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
(…)
c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.”.
Cumpre assinalar, a priori, que o enunciado normativo do artigo 43.º, n.º 1, da LGT não alude, especificamente, ao pedido de revisão oficiosa (ou revisão do ato tributário). Em contraponto, a alínea c), do n.º 3, do mesmo preceito legal contempla uma referência específica ao pedido de revisão oficiosa desencadeado por iniciativa do contribuinte (como sucede no presente caso), ali se prevendo que os juros apenas são devidos transcorrido que seja mais de um ano após a apresentação do pedido pelo contribuinte.
Sobre esta temática em concreto a jurisprudência prevalente aponta no sentido de que, sendo deduzido pedido de revisão oficiosa ao abrigo do disposto na 2.ª parte, do n.º 1, do artigo 78.º, da LGT, o direito a juros indemnizatórios se processa, apenas, nos termos da alínea c), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT, afastando-se a aplicabilidade do n.º 1 do mesmo preceito legal.
São exemplos dessa jurisprudência os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: (i) acórdão proferido no âmbito do processo n.º 022/18.5BALSB, em 27 de fevereiro de 2019; (ii) acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0630/18.4BALSB, em 20 de maio de 2020; (iii) acórdão proferido no âmbito do processo n.º 040/19.6BALSB, em 30 de setembro de 2020; (iv) acórdão proferido no âmbito do processo n.º 093/21.7BALSB, em 29 de junho de 2022.
Como se referiu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 038/19.4BALSB, em 4 de Novembro de 2020, os juros indemnizatórios “são devidos depois de decorrido um ano contado da apresentação do pedido de revisão, por aplicação do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT, e não desde a data do pagamento indevido do imposto, porque o contribuinte poderia ter «obtido anteriormente anulação do acto», e ao não fazê-lo «desinteressou-se temporariamente pela recuperação do seu dinheiro», o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte, suscita a questão da ilegalidade do acto de liquidação imediatamente”.
Assim sendo, e considerando que pedido de revisão foi apresentado pela Requerente em 27 de agosto de 2021, apenas serão devidos juros no período compreendido entre 27 de agosto de 2022 e a data do efetivo reembolso dos montantes de imposto pagos em excesso.
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DECISÃO
Considerando o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Anular parcialmente os atos de liquidação do AIMI objeto de impugnação nos termos acima evidenciados;
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Condenar a Requerida nas custas do processo.
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VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, e 306.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, bem como no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 219.314,97 EUR (duzentos e dezanove mil trezentos e catorze euros e noventa e sete cêntimos).
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CUSTAS
Nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 4.284,00 EUR (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros), nos termos do previsto na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 15-09-2022
O Tribunal Arbitral Coletivo
Carla Castelo Trindade
Luís Menezes Leitão
David Oliveira Silva Nunes Fernandes
(Relator)