Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 28/2022-T
Data da decisão: 2022-09-01  IMI  
Valor do pedido: € 11.895,52
Tema: IMI -Terrenos para construção. Impugnação do valor patrimonial tributário. Revisão do ato tributário.
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SUMÁRIO:

  1. Os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.
  2. Não sendo impugnado tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, torna-se definitiva a avaliação, sendo então o imposto anual liquidado com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeita.
  3. Porém, o artigo 78º da LGT, nos seus nºs 4 e 5, prevê a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excecional, no prazo de 3 anos posteriores ao do ato tributário, com base em injustiça grave ou notória e desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
  4. Não se encontrando esgotado o referido prazo de 3 anos, pode o dirigente máximo do serviço ainda autorizar o pedido de revisão da matéria tributável, e, consequentemente, corrigir as respetivas liquidações em conformidade com a revisão autorizada.
  5. O Tribunal é competente para apreciar o pedido de impugnação do indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa da liquidação de IMI, mesmo que tenha por único fundamento erro na fixação dos valores patrimoniais tributários resultantes da avaliação.
  6.  

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. A... S.A., com o número de identificação fiscal ..., e com sede na ..., ..., ...‐... Carnaxide, doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) no dia 23/09/2021 e solicitou a constituição de tribunal arbitral ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante abreviadamente designado “RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112‐A/2011, de 22 de Março,  na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado pela Requerente, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), em 27 de Agosto de 2021.
  2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida”, ou “AT”).
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 2022/01/21.
  4. A Requerente prescindiu de nomear árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou em 2022/03/08 o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo legalmente previsto;
  5. Nesta mesma data, foram as partes notificadas da designação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, que não manifestaram qualquer oposição à nomeação.
  6. O Tribunal foi constituído em 2022/03/28 de conformidade com o previsto na alínea c) do nº 1 do artº 11º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) constante do Decreto-Lei nº 20/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes.
  7. A Autoridade Tributária e Aduaneira – entidade Requerida – depois de notificada para o efeito, apresentou Resposta em 2022/05/06 e juntou o processo administrativo.
  8. E, porque não foi requerida a produção de prova adicional, foi dispensada a realização da reunião a que se reporta o art.º 18.º do RJAT, e, por despacho de 2022/05/12, as Partes notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias.
  9. Só a Requerente apresentou alegações nas quais reiterou o entendimento de que a liquidação impugnada sofre de ilegalidades insanáveis que só podem conduzir à sua anulação.

 

II - Do pedido

 

Constitui objeto imediato do pedido de pronúncia arbitral a ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de Revisão Oficiosa interposto em 27 de Agosto de 2021 e, objeto mediato, a ilegalidade parcial dos atos tributários de liquidação de IMI constantes das notas de cobrança nºs 2018..., 2018..., 2018..., referentes ao ano de 2018 e 2019..., 2019... e 2019..., com referência aos anos de 2019, cujo montante ascende, no entender da Requerente, ao montante global de € 11.895,52.

 

  1. Matéria de facto

 

  1. No âmbito da sua atividade, a Requerente é proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para construção.
  2. A Requerente era proprietária em 2018 e 2019 de 3 três terrenos para construção sitos na União das Freguesias de ..., ..., ... e ..., a saber:

 

 

  1. O mencionados VPT resultaram de:

a) Avaliação realizada em 07-05-2018 ao artigo U-... da União das freguesias de..., ..., ... e ... (...), que fixou o VPT do terreno em 1.567.830,00 € e teve em consideração o coeficiente de localização de 1,60 e de afetação de 1,10 – ficha de avaliação n.º..., com origem na declaração modelo 1 do IMI n.º..., rececionada em 27-04-2018;

b) - Avaliação realizada em 07-05-2018 ao artigo U-... da União das freguesias de..., ..., ... e ... (...), que fixou o VPT do terreno em 1.537.930,00 € e teve em consideração o coeficiente de localização de 1,60 e de afetação de 1,10 – ficha de avaliação n.º..., com origem na declaração modelo 1 do IMI n.º..., rececionada em 27-04-2018;

c) - Avaliação realizada em 07-05-2018 ao artigo U-... da União das freguesias de..., ..., ... e ... (...), que fixou o VPT do terreno em 1.546.390,00 € e teve em consideração o coeficiente de localização de 1,60 e de afetação de 1,10 – ficha de avaliação n.º..., com origem na declaração modelo 1 do IMI n.º..., rececionada em 27-04-2018.

  1. Com base nos referidos VPT.s a Requerente foi notificado para efetuar o pagamento do IMI constante das notas de cobrança (doc. 2) - n.ºs 2018..., 2018 ... e 2018..., referentes ao ano 2018, no montante total de € 13.956,45; e
  2. Das liquidações com as notas de cobrança (doc.2) nº.s 2019..., 2019... e 2019..., referentes ao ano 2019, no montante total de € 13.956,45.
  3. Em 22/06/2021 a AT efetuou novas avaliações destes imóveis, a saber:

a) -Artigo U-... da União das freguesias de ..., ..., ... e ... (...), que fixou o VPT do terreno em 1.575.090,00 € e teve em consideração o coeficiente de localização de 1,50 e de afetação de 1,20 – ficha de avaliação n.º ..., com origem na declaração modelo 1 do IMI n.º ..., rececionada em 15-06-2021;

b) - Artigo U-... da União das freguesias de ..., ..., ... e ... (...), que fixou o VPT do terreno em 1.565.730,00 € e teve em consideração o coeficiente de localização de 1,50 e de afetação de 1,20 – ficha de avaliação n.º..., com origem na declaração modelo 1 do IMI n.º ..., rececionada em 15-06-2021;

c) - Artigo U-... da União das freguesias de ..., ..., ... e ... (...), que fixou o VPT do terreno em 1.568.380,00 € e teve em consideração o coeficiente de localização de 1,50 e de afetação de 1,20 – ficha de avaliação n.º ..., com origem na declaração modelo 1 do IMI n.º ..., rececionada em 15-06-2021.

  1. A própria AT na sua Resposta admite que efetuou estas novas avaliações uma vez que “…acolheu o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido que na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, não sendo considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto”.
  2. Porém, as liquidações de IMI impugnadas tiveram por base o VPT determinado em 07/05/2018 que considerou para o seu apuramento os fatores de localização, de afetação de qualidade e conforto, como emerge das cadernetas prediais que constituem o Doc. 4.
  3. Expurgados os VPT da consideração daqueles fatores previstos no artº 45º do CIMI, os valores a tomar em conta nas liquidações impugnadas teriam sido:

   2018                                                     2019

            

 

  1. Assim sendo, a coleta a liquidar foi superior à que resultaria destes últimos VPT.s no montante global de €11 895,52.
  2. A Requerente efetuou o pagamento das liquidações notificadas pela AT, conforme Doc. 5.
  3. Dada esta divergência a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa nos termos do artº 78º da LGT em 2021/08/27 (doc.1 e 3).
  4. Até ao final do prazo previsto no artº 57º, nº 1 da LGT, quatro meses após a apresentação, a Requerente não foi notificada de qualquer decisão sobre o seu pedido de revisão oficiosa.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

  1. A Requerente juntou 5 documentos comprovativos dos factos alegados que não foram impugnados.
  2. A Requerida não juntou o processo administrativo, ao que a Requerente não se opôs, juntando à sua Resposta apenas algumas decisões proferidas em sede de tribunais arbitrais que funcionaram junto do CAAD.
  3. O Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, no que tange à matéria de facto, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. a) e e), do RJAT).
  4. Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).
  5. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, consideraram-se provados, com relevo para a decisão à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, com base na prova documental junta aos autos, os factos acima elencados.
  6. Não se consideram não provados quaisquer outros factos relevantes para o conhecimento da causa.

 

III . SANEAMENTO

 

  1. O processo não enferma de nulidades.
  2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  3. O PPA apresentado pela Requerente a 2022/01/20 é tempestivo, porque interposto no prazo de 90 dias a contar da data em que se presumiu o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.

 

IV – DA POSIÇÃO DAS PARTES

 

A Requerente pretende a apreciação da legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa supra referido e dos atos tributários a ele subjacentes, i.e., de parte das liquidações do Imposto Municipal sobre Imóveis referente ao ano de 2018 constante das notas de cobrança n.ºs 2018..., 2018 ... e 2018 ... e nº 2017 ..., e das as notas de cobrança n.ºs 2019..., 2019 ... e 2019, referentes ao ano de 2019 e, consequentemente, que sejam parcialmente anuladas essas liquidação de IMI, no montante parcial de no montante global de € 11 895,52; que a AT seja condenada a reembolsar a Requerente daquele montante correspondente ao valor do IMI pago em excesso; e que a AT seja condenada no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, sobre o montante indevidamente pago, até ao reembolso integral do mesmo.

Subsidiariamente pede ainda a Requerente a desaplicação do art.º 45º do CIMI, nestas liquidações, quando interpretado no sentido de que os coeficientes previstos no art.º 38º do mesmo Código devem também ser considerados no cálculo do VPT dos terrenos para construção e nas liquidações de IMI, por manifesta inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do nº 1 do art.º 165º, e no nº 2 do art.º 103º, ambos da CRP.

Alega a Requerente no seu pedido de revisão oficiosa, e o mesmo faz no presente pedido de pronúncia arbitral, em síntese, que a liquidação de IMI identificada é ilegal por os valores patrimoniais tributários (“VPT”) dos terrenos para construção abrangidos pela mesma terem sido erroneamente determinados pela AT e por deste erro, imputável (exclusivamente) aos serviços, terem resultado coletas de IMI de montante superior ao IMI legalmente devido pela Requerente nos anos de 2018 e 2019.

Tendo-se verificado o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado nos termos do art.º 78º da Lei Geral Tributária, considera a Requerente que o Tribunal Arbitral, nos termos do nº 1 alínea a) do art.º 10º do RJAT competente para apreciar o pedido arbitral.

No entender da Requerente “…, para além de ser pacífico o entendimento de que um acto de indeferimento expresso de um pedido de revisão oficiosa (que se tenha pronunciado sobre a legalidade do tributo que o consubstancia) é um acto passível de apreciação pelo Tribunal Arbitral, foi também já colocada (e reiteradamente esclarecida, em sentido afirmativo) a questão de saber em que medida o indeferimento tácito daquele pedido pode também ser apreciado no âmbito de um processo arbitral”.

“…, Resulta inequívoco da jurisprudência … que a impugnação judicial é o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o acto silente da AT, nas situações em que esta não tenha decidido, dentro do prazo que dispunha para o efeito, quanto ao pedido de revisão oficiosa formulado por um contribuinte, e que, nos termos do n.º 5 do artigo 57.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), fez presumir o indeferimento (tácito) desse mesmo pedido.

Finalmente, cumpre salientar que também o presente pedido arbitral é tempestivo, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, na medida em que a presunção do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa em análise se formou em 28 de dezembro de 2021, nos termos do artigo 57.º da LGT.

Reitera na PI a argumentação jurídica que apresentou no pedido de revisão oficiosa que assenta, resumidamente no seguinte:

Em primeiro lugar a Requerente considera que se verificou uma errónea determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” resultante da aplicação ilegal dos coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto aos imóveis em causa por os mesmos serem terrenos para construção.

De facto, relativamente à determinação dos valores patrimoniais tributários de prédios urbanos, o Código do IMI prevê, de forma clara e expressa, diferentes métodos de avaliação consoante as espécies de prédios urbanos definidas nos termos da classificação estatuída no artigo 6.º deste mesmo Código, a saber:

a) Método de avaliação para a “determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços”, regulamentado no artigo 38.º e seguintes do Código do IMI – i.e. método aplicável a prédios urbanos definidos nos termos da alínea a) e b) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 6.º deste Código;

b) Método de avaliação para “terrenos para construção”, regulamentado no artigo 45.º do

Código do IMI – i.e. método aplicável a prédios urbanos definidos nos termos da alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 6.º deste Código;

c) Método de avaliação para a “determinação do valor patrimonial tributário dos prédios

[urbanos] da espécie «Outros»” regulamentado no artigo 46.º do Código do IMI – i.e. método aplicável a prédios urbanos definidos nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.

Nos termos do n.º 1 do referido artigo 45.º, na redação vigente à data dos factos tributários em apreço, “[o] valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor dos terrenos adjacentes à implantação.

À luz do n.º 2 do referido preceito legal na redação vigente à data destes factos tributários, “[o] valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas”.

Refere‐se, ainda, no n.º 3 do artigo 45.º, igualmente na redação vigente à data dos factos

tributários relevantes in casu, que «[n]a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º».

Deste modo, é inegável que os coeficientes de afetação (estabelecido no artigo 41.º), de localização (definido no artigo 42.º), de qualidade e conforto (regulado no artigo 43.º) e de vetustez (consagrado no artigo 44.º) não eram aplicáveis aos “terrenos para construção”, não fazendo parte da fórmula de cálculo consagrada no n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI na redação vigente à data dos factos tributários relevantes para efeitos dos atos tributários de liquidação de IMI sub judice.

Entende ainda que “… a jurisprudência do STA tem sido constante e reiterada no sentido de que a fórmula de cálculo / determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” não deve considerar (i) o coeficiente de localização, (ii) o coeficiente de afetação, e (iii) o coeficiente de qualidade e conforto, jurisprudência esta que foi fundamental para a recente alteração do paradigma da fórmula final que deverá ser aplicada para a avaliação dos prédios que integram a espécie de terrenos para construção, introduzida recentemente pela AT”.

Nestes termos, no cálculo do correspondente valor patrimonial tributário de “terreno para

construção”, deverão ser desconsiderados os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto, e adotado, em regra geral, a seguinte fórmula de cálculo: Vt = Vc x A x %  do valor das edificações autorizadas ou previstas, conforme resulta claro do método de determinação deste valor para “terrenos para construção” nos termos do artigo 45.º do Código do Página 21 de 31 IMI na redação vigente à data dos factos tributários para efeitos destes imposto – i.e. em cada dia 31 de Dezembro dos anos 2018 e 2019.

Neste contexto, os valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção” detidos pela Requerente nos anos 2018 e 2019 ainda consideravam a aplicação (errónea, conforme supra demonstrado) dos coeficientes de localização, de afetação e / ou de qualidade e conforto, existindo um erro flagrante nos pressupostos de facto e de direito quanto à determinação dos valores patrimoniais tributários dos mesmos, erro este da responsabilidade exclusiva da AT, e que, conforme infra demonstrado, teve repercussões prejudiciais para a Requerente quanto ao IMI devido (e pago) nos anos em apreço.

Alega também a Requerente que os atos tributários impugnados sempre seriam anuláveis porquanto “…qualquer erro nos pressupostos de facto e / ou de direito do qual resulte um erróneo cálculo dos valores patrimoniais tributários dos imóveis sobre os quais incide o ato tributário de liquidação de IMI e que, consequentemente, faz com que seja determinado um montante de imposto, superior ou inferior ao legalmente devido nos termos das normas do Código de IMI aplicáveis, constitui um vício que impõe a anulabilidade desse mesmo acto tributário”.

Resulta expressa e diretamente da alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do Código do IMI que as liquidações deverão ser oficiosamente revistas quando “tenha havido erro de que tenha

resultado coleta de montante diferente do legalmente devido”.

Ora, do erro na determinação da matéria tributável para efeitos de IMI – i.e. erro na determinação do(s) valor(es) patrimonial(is) tributário(s) do(s) prédio(s) – resulta, inquestionavelmente, numa coleta de imposto diferente ao legalmente devido, estando assim preenchido o requisito para a revisão oficiosa (e respetiva retificação / anulação) das liquidações de IMI incorretamente emitidas.

Acresce que, considerando que é a AT a entidade responsável pela determinação concreta dos valores patrimoniais tributários dos prédios, tais erros nesta determinação são “erros imputáveis aos serviços” que justificam plenamente a admissibilidade de pedidos de revisão oficiosa nos termos gerais do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Deste modo, em resultado da aplicação ilegal e indevida dos coeficientes acima elencados, os terrenos para construção objeto de tributação de IMI nos anos in casu tinham, à data das liquidações sub judice, valores patrimoniais tributários estabelecidos em montantes superiores àqueles que lhe seriam fixados caso tais coeficientes não tivessem sido considerados na fórmula de cálculo destes valores.

Assim, em regra, os valores patrimoniais tributários destes terrenos para construção encontravam‐se “sobrevalorizados”, e, nesta sequência, a coleta de IMI para cada um destes terrenos foi apurada em montante superior ao que seria legalmente devido caso os valores desta matéria tributável tivessem sido fixados de acordo com o artigo 45.º do Código do IMI na redação aplicável e não segundo a fórmula erroneamente aplicada aos terrenos pela AT nos anos de tributação em discussão.

Por conseguinte, é de concluir que foi efetuada uma liquidação (e pagamento) em excesso de IMI nos seguintes montantes, consoante detalhado nas Tabelas supra expostas:

a) Com referência aos atos tributários de liquidação de IMI relativos ao ano 2018, foi liquidado imposto em excesso no montante total de € 6.026,66;

b) Com referência aos atos tributários de liquidação de IMI relativos ao ano 2019, foi liquidado imposto em excesso no montante total de € 5.868,86.

Quanto à inconstitucionalidade invocada, alega a Requerente que “…, sempre será de referir que a aplicação do artigo 38.º do Código do IMI – em concreto, a aplicação dos coeficientes de avaliação ali previstos – na determinação do VPT de terrenos para construção sempre será manifestamente contrária ao princípio da legalidade tributária, conforme consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”). “da norma do art.º 38º nos termos.

Com efeito, nos termos supra expendidos e demonstrados, a determinação do VPT de terrenos para construção sempre deverá ser efetuada (exclusivamente) com base no regime consagrado no artigo 45.º do Código do IMI (à data dos factos tributários).

Pelo que, a interpretação do artigo 45.º do Código do IMI, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do Código do IMI devem ser atendidos no apuramento do VPT deste tipo de prédios – por analogia ou outra técnica de interpretação –, sempre atentará contra o princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP”.

Nestes termos, sempre será inconstitucional a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, quando interpretada no sentido de os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio terem aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção.

 

 

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Notificada, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) veio responder, resumidamente o seguinte:

A Requerente pretende a anulação do ato impugnado com fundamento em vícios, não do ato de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o Valor patrimonial Tributário (VPT).

Na verdade, a presente ação não é nem se fundamentada em qualquer vício dos atos de liquidação ou da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

Aos atos impugnados não é imputado qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento, o que está em causa, ou seja, o que a Requerente contesta é, apenas e só, o ato destacável de fixação do VPT e não o ato de liquidação.

Acontece que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.”

Assim, no entender da AT, colocam-se as seguintes questões a serem apreciadas pelo doutro tribunal arbitral:

− A questão de saber se o ato que fixou o VPT em vigor no período de tributação dos presentes autos está consolidado na ordem jurídica;

− A questão de saber se eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo;

− Sobre a admissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais.

 “Não tendo a Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido em 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo consolidou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação a existência, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação, ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação que não na posterior liquidação consequente.

Na ausência durante um certo lapso de tempo de contestação ou de qualquer manifestação de oposição, o valor patrimonial tributário consolida-se na ordem jurídica, por força do princípio da segurança jurídica”.

Alega também a Requerida que constitui jurisprudência assente, quer dos Tribunais judiciais quer dos Tribunais arbitrais, bem como da mais abalizada doutrina, o entendimento de que o ato de avaliação do valor patrimonial tributário é um ato destacável, autonomamente impugnável, pelo que os vícios da fixação do VPT, não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica.

Os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação, são atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis.

Ao estabelecer a sindicância direta destes atos, qualificando-os como atos destacáveis com autonomia e lesividade própria, o legislador teve em vista alcançar a desejável estabilização e consolidação da matéria tributável em momento anterior ao da efetivação da liquidação.

Sendo assim, não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação, ou da decisão de indeferimento tácito que não se pronuncie sobre o ato de liquidação.

“Em face de todo o exposto fácil é de concluir que, por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação ser anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT”.

No entender da AT o Tribunal Arbitral está limitado pelo princípio do pedido, vide n.º 1 do art.º 609º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 29.º do RJAT.

Constitui jurisprudência assente, quer dos Tribunais judiciais quer dos Tribunais arbitrais, bem como da mais abalizada doutrina, o entendimento de que o ato de avaliação do valor patrimonial tributável é um ato destacável, autonomamente impugnável.

Ora, os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação, são atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis.

Ao estabelecer a sindicância direta destes atos, qualificando-os como atos destacáveis com autonomia e lesividade própria, o legislador teve em vista alcançar a desejável estabilização e consolidação da matéria tributável em momento anterior ao da efetivação da liquidação.

Uma vez que os vícios da fixação do VPT, não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação.

Por outro lado, alega a AT que “a letra da lei não abrange os atos de avaliação patrimonial, que não são atos tributários, previstos no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, nem são atos de apuramento da matéria tributável; nem se verifica qualquer erro no ato de liquidação, o qual em cumprimento da lei foi calculado com base no VPT constante na matriz predial.

Assim como também não é posta em causa a validade dos atos administrativos ou tributários de diversa natureza que para diferentes efeitos assumem como referencial o valor patrimonial tributários de um imóvel constante da matriz predial.

O eventual erro do ato de liquidação consubstanciar-se-ia na consideração, à data, de um qualquer VPT diferente do que, à data, constava na matriz predial, o que não se verifica no caso em apreço.

Por outro lado, mesmo que assim não se entendesse, o fundamento da injustiça grave ou notória do nº 4 do art. 78° da LGT, não é invocável quando a liquidação do IMI tenha sido efetuada de acordo com o nº 1 do artigo 113º do CIM.”

A Requerida considera, por outro lado que não se verifica a alegada inconstitucionalidade uma vez que “sendo inatacável ato que fixe o VPT a lei veda a possibilidade de se tornear a falta de impugnação contenciosa tempestiva reabrindo a usa impugnabilidade no sentido de vir a obter por esta via os efeitos típicos da impugnação que não foi efetuada no devido tempo.”

Considera, por fim, a Requerida que “… o Tribunal Arbitral está obrigado a julgar de acordo com o direito constituído, estando impedido de julgar o processo de acordo com critérios da equidade” e que a atuação dos Serviços  AT por estar vinculada “ ao principio da legalidade previsto no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e concretizado nos artigos 55.º da Lei Geral Tributária e no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo não pode deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou em vigor no ordenamento jurídico, conforme se verificou no caso em apreço”.

 

 

 

 

 

 

V . MATÉRIA DE DIREITO

 

As questões de direito alegadas pelas partes têm sido objeto de diversas decisões dos tribunais judiciais e dos tribunais arbitrais que funcionam junto CAAD[1], merecendo vencimento pacífico a tese da não impugnabilidade normal de atos de liquidação com fundamento em vícios imputáveis aos atos de avaliação de valores patrimoniais, admitindo-se, contudo, com fundamento nos n.ºs 4 e 5 do art. 78.º da LGT, a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excecional, «com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte».

 

  1. Da competência do Tribunal Arbitral

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da incompetência do Tribunal para apreciar vícios de atos de fixação do valor patrimonial porque se trata de atos que são destacáveis e autonomamente impugnáveis e se encontram consolidados na ordem jurídica.

Como refere a Requerida, “Na verdade, a presente ação não é fundamentada em qualquer vício dos atos de liquidação ou da decisão de indeferimento da revisão oficiosa”.

Ou seja, a AT parte do pressuposto que o objeto imediato da impugnação, fundamentado no indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, não possui em si nenhuma apreciação de um ato tributário e ainda menos de um ato tributário de liquidação e, por isso, não é sindicável em sede judicial ou arbitral, aqui enquanto meio alternativo aos tribunais, tendo em conta a norma do artº 2º, nº do RJAT.

Na verdade, secundando a Requerida, a impugnante não imputa ao ato de liquidação qualquer vício direto, mas tão só questiona a legalidade do VPT fixado antes da liquidação e que foi considerado nessa mesma liquidação do IMI de 2018 e 2019, originando um valor de imposto liquidado em excesso.

Assim, o pedido de revisão oficiosa não pode ser objeto de impugnação judicial, nos termos do artigo 97.º, n.º 1 do CPPT, para o que invoca, em confirmação da sua tese, a doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e arbitral.

Mas como assinala a decisão proferida no Procº 486/2020-T “a posição da Requerida não é de sufragar, nem a doutrina citada e a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo se pronunciam no sentido por esta indicado”.

“… A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo manifesta-se no sentido de que o meio de reação contra a decisão de um pedido de revisão que não comporte a apreciação o ato de liquidação é a ação administrativa e não a impugnação judicial, como ambas as Partes reconhecem. No entanto, tal jurisprudência refere-se a situações em que esse pedido de revisão é indeferido de forma expressa com fundamento exclusivo em extemporaneidade, extraindo-se a mesma conclusão quanto a qualquer outro ato de segundo ou de terceiro grau, como a decisão de uma reclamação graciosa ou de um recurso hierárquico que sejam rejeitados (unicamente) por serem intempestivos. Não permite, contudo, que se extrapole tal argumentação para as situações de omissão do dever de decidir (ato silente)”.

Importa, em primeiro lugar, aferir se os vícios de atos de avaliação de valores patrimoniais podem ser invocados em impugnação de atos de liquidação de IMI que os têm como pressupostos.

Como vimos, a Requerida defende, em síntese, que os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação, são atos autónomos e individualizados, com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis, pelo que não é legal nem admissível a apreciação da correção do VPT em impugnação do ato de liquidação que nesta sede deve ter-se já como pressuposto o valor fixado na avaliação.

Tendo em conta apenas esta perspetiva, acompanhamos o entendimento da Requerida porquanto, de acordo com o artigo 15.º do CIMI, a avaliação dos prédios urbanos é direta e, por isso, suscetível de impugnação contenciosa direta ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 86.º da Lei Geral Tributária (“LGT”). Além de que, e atendendo ao disposto no n.º 2 do mesmo preceito, deve ter-se em conta que “A impugnação da avaliação direta depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão”.[2]

A este respeito, importa notar que, conforme decorre dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT, a impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais pode ser feita no prazo de três meses e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação. Ora, daqui decorre, então, que está afastada a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indireta, na sequência dos atos de liquidação que venham a ter lugar e que tenham tal valor patrimonial como pressuposto, sem observância do preceituado nos aludidos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

Assim, e seguindo o referido na decisão arbitral referente ao Processo n.º 487/2020-T: “isto significa que os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos. Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes atos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT. Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação (…) A natureza de atos destacáveis que é atribuída aos atos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (…)”.

É de concluir, portanto, que os atos de fixação do VPT configuram atos destacáveis, diretamente impugnáveis, e não podem os vícios de que padeçam vir a ser invocados posteriormente, aquando da impugnação da liquidação.

Apesar da impossibilidade de impugnação dos referidos atos de fixação dos valores patrimoniais nos termos expostos, haverá agora que apreciar a possibilidade de revisão desses atos ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78.º da LGT, expediente que a Requerente, aliás, usou, e cuja pretensão viu tacitamente indeferida.

Vejamos, então, se existe possibilidade de tal revisão ocorrer ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

De acordo com tal preceito, a revisão dos atos tributários “(…) pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade” e, fora desses casos, apenas será admissível “no prazo de quatro anos ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

Na presente ação arbitral não se pode aceitar que tenha havido erro imputável aos serviços no que respeita ao ato de liquidação em sentido estrito porquanto, e conforme dispõe o n.º 1 do artigo 135.º-G do CIMI, o AIMI “(…) é liquidado anualmente, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 1 de janeiro do ano a que o mesmo respeita”.

Deste modo, as liquidações foram efetuadas com base nos valores patrimoniais que constavam nas matrizes naquela data de referência (no final de dezembro de 2018 e 2019), pelo que não é verdadeiro afirmar que tenha existido erro da AT ao efetuar as liquidações e, portanto, o indeferimento tácito do pedido não enfermará de ilegalidade.

Fica afastada, pois, a possibilidade de revisão oficiosa nos termos previamente expostos, pelo que que devemos aferir da possibilidade de tal revisão ocorrer ao abrigo do disposto nos n.ºs 4 e 5 do referido artigo 78.º da LGT, tendo em conta a invocação por parte da Requerente de erro e injustiça grave na tributação por efeito da utilização de um VPT determinado de forma ilegal que levou ao pagamento de uma coleta significativamente superior à devida e que esse erro na determinação do VPT não é devido a conduta negligente do sujeito mas que, antes, é imputável à Requerida.

Primeiramente temos de relevar que as situações previstas naqueles nº 4 e 5 do artº 78º remetem para atos de fixação da matéria coletável, categoria em que se integram os atos de fixação de valores patrimoniais.

Na verdade, sem prejuízo de a lei consagrar a via da impugnação contenciosa direta do ato destacável de fixação do VPT e a condicionar ao esgotamento dos meios administrativos (aqui significando o pedido de segunda avaliação de prédios urbanos) com efeitos preclusivos, não pode acolher-se, sem mais, a consequência de que as liquidações a coberto desse VPT fariam caso decidido, consolidando-se juridicamente.

Tem aqui perfeito enquadramento a jurisprudência decisões dos tribunais superiores, de que se destaca o acórdão do TCA Sul de 31 de outubro de 2019, no processo n.º 2765/12.8BELRS, quando diz que “o legislador tributário, ciente da natureza agressiva das leis fiscais, que afetam coercivamente o património dos contribuintes, criou válvulas de escape para as situações de ilegalidade, permitindo que a própria Administração reveja as suas decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que porventura tenha cometido.”

É a esta luz que tem de apreciar-se o mecanismo de revisão dos atos tributários, conformado, em geral, pelo artigo 78.º da LGT, e, em matéria de IMI, pelo preceituado no artigo 115.º do Código deste imposto.

Como refere o Proc.º 486/2020-T do CAAD, que vimos seguindo, “A inclusão de normas deste tipo nos compêndios tributários é justificada pelo reforço das garantias de defesa dos contribuintes e elevação dos meios de tutela das respetivas posições substantivas, sem que tal colida com o princípio fundamental da segurança jurídica, inerente ao Estado de Direito, pois é circunscrita a um quadro temporal pré-definido, de 4 ou 3 anos, consoante esteja em causa a aplicação do n.º 1 ou do n.º 4 do artigo 78.º da LGT”.

Tem sido entendimento da jurisprudência do CAAD que, nestes casos, a revisão não depende de um erro imputável aos serviços, mas apenas que se esteja perante uma situação de injustiça grave ou notória e que o erro não possa ser imputável a um comportamento negligente do contribuinte.

Na verdade, dispõe o n.º 4 do artigo 78.º da LGT: “O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”.

Por sua vez, o n.º 5 do mesmo preceito esclarece que “(…) apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional”.

Ora, daqui decorre que a admissibilidade da revisão oficiosa ao abrigo daquelas disposições depende da verificação de certos requisitos, como sejam: i) a sua realização nos três anos posteriores ao ato tributário, ii) o erro não ser imputável ao contribuinte e iii) o seu fundamento radique na injustiça grave ou notória, em termos de resultar numa injustiça ostensiva e inequívoca e numa tributação manifestamente exagerada e desproporcionada.

Passemos, então, à verificação do preenchimento requisitos previstos para a admissibilidade da revisão oficiosa ao abrigo do preceituado nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT.

Importa, em primeiro lugar, referir que o prazo para a presentação do pedido de revisão oficiosa se esgota no dia 31 de dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o ato tributário, o que no caso concreto se verifica em relação a ambos os anos.

Seguidamente, temos de considerar que o ato de fixação da matéria coletável (determinação do VPT) foi levado a cabo pela AT sem que se tenha demonstrado que o Requerente haja fornecido qualquer informação errada, nomeadamente, quanto à natureza dos prédios.

Assim, o eventual erro na aplicação da fórmula de avaliação invocado pela Requerente não lhe pode ser imputado, pelo que é inviável poder assacar-se-lhe qualquer comportamento negligente da sua parte.

Ao contrário, na medida em que a AT utilizou na fixação do VPT dos terrenos para construção em causa normas que não são aplicáveis a este tipo de prédios urbanos, será de concluir que o erro só pode ser imputável à AT.

Acompanhamos aqui, mais uma vez, toda a jurisprudência do CAAD já citada que não prescinde de imputar o erro à AT afastando qualquer negligência do contribuinte em casos similares de determinação do VPT nos terrenos para construção.

Finalmente, o citado artº 78º acrescenta ainda o pressuposto de que se verifique uma situação de injustiça grave ou notória

É curial admitir, sem grandes dificuldades, tendo em conta o previamente exposto, que o erro na fixação do VPT que serviu de base às liquidações ora em discussão conduziu a atos de liquidação desproporcionalmente superiores aos legalmente exigíveis, o que se traduz em injustiça grave.

Assim, em virtude da verificação dos pressupostos legais, designadamente o “erro imputável aos serviços” ou a “injustiça grave ou notória”, admite-se a revisão dos atos tributários no quadro do artigo 78.º, n.ºs 4 da LGT.

Acompanhamos a decisão tomada no Procº 123/2016-T quando entendeu que o sentido da de para a criação dos tribunais arbitrais  a “autorização legislativa em que se baseou a aprovação do RJAT pelo Governo é o de as competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrangerem as competências que são atribuídas aos tribunais tributários em processo de impugnação judicial (artigo 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3‐B/2010, de 28 de Abril), incluindo as decisões de indeferimento de pedidos de revisão do ato tributário e atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação - n.º 4, alínea a), do mesmo artigo”  e que “…o artigo 2.º, alínea b) da Portaria n.º 112‐A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjetivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, não inviabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a atos de liquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa”.

Deste modo, conclui-se pela competência do tribunal arbitral para a apreciação do ato de indeferimento tácito de um recurso hierárquico em sede de IMI quando se pretenda a apreciação da legalidade do ato de liquidação que tenha sido suportado em erróneos valores patrimoniais tributários para cálculo da respetiva coleta.

 

  1. Da aplicação do artº 38º do CIMI no caso de terrenos para construção

 

O STA vem decidindo desde há uns tempos no sentido de que a fórmula contemplada no artigo 38.º do Código do IMI apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí identificados para habitação, comércio, indústria e serviços, não tendo o legislador incluído os terrenos para construção, embora também os classifique como prédios urbanos no artigo 6.º, n.º 1, alínea c) do mesmo Código.

Na verdade, como refere o STA no acórdão de 23 de outubro de 2019, processo n.º 0170/16.6BELRS 0684/17,

I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq). II – O artigo 45º do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção. III – O coeficiente de qualidade e conforto, fator multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser suscetível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto”.[3]

Todos os acórdãos enumerados relativos ao tema da avaliação de terrenos para construção regulado pelo artigo 45.º do Código do IMI julgam não ser de aplicar na avaliação dos terrenos para construção os coeficientes ou características que não se encontrem especificamente previstas neste preceito, nomeadamente os contemplados no artigo 38.º deste Código, suscetíveis de alterar a base tributária e de interferir na incidência do imposto, por tal configurar aplicação analógica.

Por outro lado, considera-se, também, ser de afastar o coeficiente de localização, em virtude de este fator já estar contemplado na percentagem prevista no artigo 45.º, n.º 3 do Código do IMI, pois, de outro modo tal fator [de localização] relevaria, por duas vezes, na determinação do VPT dos terrenos para construção (v. também a decisão arbitral n.º 500/2020-T).

Secundando esta jurisprudência temos que concluir que a avaliação dos terrenos para construção devia ter sido efetuada sem aplicação dos coeficientes não especificamente previstos no artº 45º do CIMI, entre os quais os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afetação, pelo que a fixação dos valores patrimoniais considerados na liquidação impugnada enferma dos erros que a Requerente lhe imputa, erros esses que são exclusivamente imputáveis à administração tributária que levou a cabo os atos de avaliação.

Ademais com a prática desses erros na avaliação dos imóveis em causa no presente pedido de pronúncia arbitral estamos perante uma situação de grave injustiça na tributação porquanto se está a exigir ao sujeito passivo um valor superior ao devido calculado em 11 895,52€.

Em resumo, dão-se como verificados, pois, todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, pelo que, em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter apreciado o pedido de revisão e anulado parcialmente as liquidações de IMI relativas aos anos de 2018 e2019, pelo que se justifica a anulação do indeferimento tácito, bem como a anulação parcial destas liquidações, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

  1. Questões de conhecimento prejudicado

 

Em resultado desta decisão fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocada, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), nomeadamente a questão suscitada pela Requerida de não verificação dos requisitos legais do regime da anulação administrativa de atos administrativos.

 

VI. JUROS INDEMNIZATÓRIOS e PEDIDO DE REEMBOLSO

O direito a juros indemnizatórios é regido pelo artigo 43.º da LGT.

No caso ora em apreço, importa referir o preceituado na al. c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que determina que existe direito a juros indemnizatórios “Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

Ora, conforme decorre da matéria de facto fixada, a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa a 27/08/2021, o que leva a concluir que serão devidos juros indemnizatórios, com base na aludida al. c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, a partir de 27/08/2022 até ao reembolso do IMI indevidamente pago, calculados à taxa legal supletiva nos termos previstos no n.º 4 do artigo 43.º e n.º 4 do artigo 35.º da LGT, no artigo 61.º do CPPT, no artigo 559.º do Código Civil e na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.

O reembolso peticionado pela Requerente é uma decorrência da anulação da liquidação nos casos em que o imposto tenha sido pago, o que é o caso.

 

VII . DECISÃO

 

Face ao exposto, o Tribunal decide:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Declarar ilegal o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente a 27/08/2021, e anular parcialmente as liquidações de IMI do ano de 2018 e 2019, no total de €11 895,52;
  3. Julgar procedente o pedido de reembolso no montante global de € 11 895,52;
  4. Julgar procedente o direito a juros indemnizatórios, a calcular sobre o valor de € 11 895,52, desde 27/08/2022, até ao integral reembolso do montante pago em excesso.
  5. Condenar a Requerida no pagamento da taxa arbitral.

 

VIII.  VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 305.º do CPC, al. a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, e n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 11 895,52.

 

IX. CUSTAS

Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante de custas arbitrais em € 918,00, nos termos da Tabela I anexo ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

            Notifique-se.

            Lisboa, 1/09/2022

O Árbitro do Tribunal Singular

 

José Ramos Alexandre

 

 

 



[1] Entre outros, vide P480/2020-T; P486/2020-T; P487/2020-T; P395/2021T; P410/2021-T; P411/2021-T; P407/2021-T; P553/2021-T; P541-2021-T; P615/2021-T; P664/2021-T; P664/2021-T; P676/2021-T; P676/2021-T; P835/2021-T;11/2022-T;27/20222-T;29/2022-T;52/2022-T:53/2022-T;55/2022-T;57/2022-T.

[2] Procº 487/2020-T citado

[3]Outros acórdão do STA decidiram de forma similar, nomeadamente o  processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17, de 13 de janeiro de 2021  − processo n.º 0165/14.4BEBRG, de 9 de outubro de 2019 − Pleno – Processo n.º 016/10.9BELLE, de 3 de julho de 2019 − processo n.º 0398/08.2BECTB, de 14 de novembro de 2018 − processo n.º 0986/16, de 16 de maio de 2018 − processo n.º 01461/17, de 31 de janeiro de 2018 − processo n.º 0897/16, de 28 de junho de 2017 − processo n.º 01107/16, de 5 de abril de 2017 − processo n.º 0127/15, de 15 de março de 2017 − Pleno – processo n.º 01083/13, de 21 de setembro de 2016 − processo n.º 0824/15, de 20 de abril de 2016 − processo n.º 0765/09, de 18 de novembro de 2009