Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 15/2022-T
Data da decisão: 2022-09-07  IRC  
Valor do pedido: € 341.221,66
Tema: IRC - art. 64.º, n.º 3, al. b), do CIRC; preço de aquisição de imóveis objeto de resolução de contratos de locação financeira imobiliária.
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Sumário:

Em caso de resolução de contrato de locação financeira imobiliária, o art. 64.º, n.º 3, al. b), do CIRC – a diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato – deve ser interpretado no sentido de que se refere ao momento e contrato de aquisição do imóvel pela locadora (para o dar de locação financeira), e não ao momento da resolução.

 

Decisão arbitral

 

Os árbitros, Dr. José Poças Falcão (árbitro-presidente), Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares e Dr. A. Sérgio de Matos, designados pelo CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 22/3/2022, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

A..., SA, NIPC ..., com sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa (doravante A... ou Requerente), apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n,º 1, al. a), e 6.º, n.º 2, al. a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), com vista à declaração de ilegalidade da autoliquidação do IRC de 2018 (melhor identificada infra) e do ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa da respetiva autoliquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT. Todos os árbitros comunicaram a sua aceitação no prazo aplicável. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros.

O tribunal arbitral coletivo foi constituído em 22/3/2022.

A AT respondeu por exceção e impugnação, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente – como se analisará adiante. A Requerente efetuou resposta escrita relativamente à questão da exceção, em respeito do contraditório.

Foi dispensada, por inutilidade, a reunião do art. 18.º, do RJAT. As partes não indicaram prova testemunhal. Foi dado prazo para as partes produzirem alegações escritas, querendo, o que ambas efetuaram, reproduzindo, no essencial, os argumentos esgrimidos nas suas peças anteriores.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

Perante os argumentos das partes, são duas as questões que importa analisar e decidir:

a) Questão prévia: a competência/incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar os pedidos formulados pela requerente;

b) Questão de fundo: determinação do custo fiscal de aquisição para os imóveis alienados em 2018 fruto de anterior resolução de locação financeira imobiliária; em interpretação e aplicação do art. 64.º, n.º 3, al. b), do CIRC, no cálculo da dedução correspondente à diferença positiva entre o (i) Valor Patrimonial Tributário (doravante VPT) e (ii) o valor de aquisição dos imóveis alienados em 2018.

 

2. Exceção de incompetência do Tribunal Arbitral

A AT, na sua resposta, invoca exceção dilatória traduzida na incompetência material do Tribunal arbitral.

A requerente apresentou vários pedidos (principal e subsidiário), a seguir descritos:

Solicita que o Tribunal Arbitral: “Proceda à correção da autoliquidação de IRC em apreço, referente ao período de tributação de 2018, através: i. Da correção acima sustentada relativa à adoção do VPT definitivo para a determinação do lucro tributável de 2018, mediante a dedução do valor de € 1.240.806,14 no Campo 772 do Quadro 07 da declaração Modelo 22 de 2018 da B...; e ii. Do reembolso do montante de IRC pago em excesso no montante de € 341.221,66, acrescido de juros indemnizatórios.”

E subsidiariamente: “Se proceda à correção da autoliquidação de IRC em apreço, referente ao período de tributação de 2018, através: i. Da consideração da correção mencionada nos pontos 144.º e seguintes do presente pedido de pronúncia arbitral, da qual resulta uma dedução de € 100.270,82 no Campo 772 do Quadro 07 da declaração Modelo 22 de 2018 da B...; e ii. Do reembolso do IRC pago em excesso nesse cenário, que ascenderia a € 27,574.45, acrescido de juros indemnizatórios.”

Segundo a AT, o RJAT (art. 2.º, n.º 1, do RJAT) não contempla a possibilidade de apreciação destes pedidos (principal e subsidiários): ou seriam apenas apreciados em execução de sentença (e o Tribunal Arbitral não tem competência para o fazer); e não possuem como objeto a anulação de atos tributários – não se podem conhecer pedidos em que se solicita ao Tribunal que em substituição da AT, conheça os pedidos formulados pela requerente; acresce que um dos pedidos não foi sequer solicitado na reclamação graciosa.

A requerente respondeu indicando que o Tribunal é competente para conhecer os atos de autoliquidação, que efetuou reclamação graciosa prévia, como é mister nesses casos e que importa distinguir a anulação do ato tributário (como solicitado) e as consequências materiais dessa anulação; o pedido subsidiário reproduz a posição da AT na resposta à reclamação graciosa, tendo sido enunciado no processo arbitral apenas por questão de coerência.

Analisadas as posições das partes, importa decidir:

De acordo com o art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT – o tribunal arbitral é competente para conhecer da (i)legalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenções na fonte e de pagamentos por conta.

Por outro lado, em casos de autoliquidação – a ação arbitral tem de ser precedida de reclamação graciosa, nos termos do art. 131.º do CPPT e do 137.º do CIRC (e do art. 2.º, al. a), da Portaria 112-A/2011).

No caso dos autos, não há dúvida que estamos em presença da contestação de um ato de autoliquidação (IRC de 2018); que a requerente formulou uma reclamação graciosa prévia – aliás a ação arbitral é intentada na sequência do seu indeferimento expresso; e não se arguem questões de ultrapassagem de prazos em relação a cada um desses institutos intentados pela requerente.

O tema resume-se apenas ao pedido formulado pela requerente no seu requerimento inicial. Ora, a requerente no pedido principal solicita a anulação, por violação de lei, do ato de indeferimento da reclamação graciosa e da sua autoliquidação (decorre do expressamente solicitado e do contexto da sua argumentação); e depois, para o concretizar, solicita um conjunto de correções e alterações quantitativas à autoliquidação do seu IRC de 2018.

Donde, o tribunal arbitral é competente para conhecer das ilegalidades solicitadas da autoliquidação de IRC de 2018; e reflexamente das ilegalidades da reclamação graciosa. Mas, claro, limitar-se-á a essa questão de legalidade/ilegalidade com base na questão e argumentos factuais e jurídicos esgrimidos pelas partes – e note-se que os valores quantitativos não são disputados entre as partes – deixando os atos materiais de execução dessa decisão, para sede de execução de sentença, se for caso disso. 

Assim, o Tribunal arbitral é materialmente competente, como se dispõe no art. 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT; não existem outras exceções ou nulidades que obstem ao conhecimento do pedido.

 

3. Matéria de facto

3.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

a) A Requerente dedica-se à atividade bancária, como sociedade anónima de capital público.

b) Em 2020, as sociedades B..., SA (doravante B...) e C..., SGPS, SA foram incorporadas, por fusão, na A..., com a transmissão para esta, de todas as posições ativas e passivas detidas pelas incorporadas.

c) A B... dedicava-se, entre outras, à atividade de locação financeira imobiliária – sob supervisão do Banco de Portugal.

d) Em 2018, as demonstrações financeiras da B... foram elaboradas de acordo com a padrão contabilístico IAS/IFRS, nos termos do aviso 5/2015, do Banco de Portugal.

e) A B... entregou tempestivamente a sua autoliquidação de IRC de 2018, com lucro tributável e IRC a pagar – e não colocou qualquer valor no quadro 07 campo 772 [“correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão (art.º 64º, nº 3, al. b)”].

f) Contudo, por entender que havia efetuado um erro, em seu desfavor, no valor de correção ao lucro tributável de 1.240.860,14€ (devia ter inserido essa quantia no citado campo 772 do quadro 07 da sua Modelo 22), relativo à diferença entre o Valor Patrimonial Tributário (doravante VPT) definitivo e o valor de aquisição dos imóveis alienados em 2018, deduziu reclamação graciosa da sua autoliquidação de IRC de 2018.

g) A reclamação graciosa foi totalmente indeferida de forma expressa; a AT não acolheu os argumentos da requerente. Entende que o valor de aquisição dos imóveis alienados em 2018 deve ser apurado com base no VPT vigente na data de aquisição do imóvel pelo locador (Banco/credor) previamente à celebração do contrato de locação financeira com o cliente e não, como pretendia a requerente, com base no valor das rendas vincendas.

h) Discordando do entendimento da requerida, a A... deduziu a presente ação arbitral.

i) A B... (locadora), de acordo com instruções do cliente, adquiria imóveis por certo preço, para os dar em locação financeira: cedia imediatamente o seu uso temporário ao cliente (locatário), contra o pagamento de uma quantia periódica (e no final pode haver ou não uma opção de compra pelo locatário por valor residual).

j) Porém, nalguns casos, os contratos de locação financeira são resolvidos (extinguem-se antes do seu fim) – e, quando assim é, a locadora (B... e agora requerente, por efeito da fusão) “adquire-os” pelo valor das rendas vincendas no momento da resolução.

k) Depois, em 2018, a requerente alienou a terceiros alguns desses imóveis (objeto de resolução).

 

3.2. Factos não provados

Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada (art. 123.º, n.º 2, do CPPT e art. 607.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. a) e e) do RJAT).

Os factos provados baseiam-se em documentos juntos aos autos, incluindo a cópia do processo administrativo junta pela AT,  que não foram impugnados  por qualquer das partes, incluindo um conjunto de factos gerais descritos pela requerente sobre a sua atividade e quanto à resolução de contratos de locação financeira imobiliária e sua subsequente alienação – e aceites, na sua factualidade, pela requerida, inclusive, na vertente quantitativa – reconduzindo-se o litígio tão só e apenas à questão de direito assinalada infra.

 

4. Matéria de direito

4.1. Questão a decidir

A questão decidendi é a determinação do custo fiscal de aquisição para os imóveis alienados em 2018 fruto de anterior resolução do leasing imobiliário; em interpretação e aplicação do art. 64.º, n.º 3, al. b), do CIRC, no cálculo da dedução correspondente à diferença positiva entre o (i) Valor Patrimonial Tributário (doravante VPT) e (ii) o valor de aquisição dos imóveis alienados em 2018:

  1. A AT entende que tal dedução deve ser apurada com base (i) no VPT vigente na data da aquisição do imóvel pelo locador (requerente) previamente (no momento) à celebração do contrato de locação financeira com o cliente (devedor);
  2. Ao invés, a requerente entende que a data relevante é a da resolução: em relação ao VPT vigente nessa data e valor da referida aquisição (rendas vincendas).

 

3.2. As leis aplicáveis

A lei fiscal mobilizada é o art. 64.º do CIRC (sobretudo o n.º 3), que diz o seguinte (os sublinhados são nossos):

1 — Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

2 — Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.

3 — Para aplicação do disposto no número anterior:

a) O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;

b) O sujeito passivo adquirente adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel.

Por outro lado, invoca-se também o princípio de dependência parcial entre a contabilidade e o IRC – descrito sobretudo no art. 17.º do CIRC e as regras de interpretação da lei fiscal, sobretudo o art. 11.º, n.º 3, da LGT – no sentido da prevalência da substância económica dos factos tributários.

São ainda introduzidos outros preceitos relativos ao regime jurídico do contrato de locação financeira (doravante RJCLF) – Dec. Lei 149/95, de 24/6: art. 1.º, 7.º, 10.º, 15.º e 17.º, relativos à noção, direitos e obrigações, riscos por perda ou deterioração, aquisição no final do contrato e resolução. Trazem-se ao processo os preceitos que regulam a contabilização da locação financeira, sobretudo a IAS 17 (ponto 4). Por fim, invocam-se vários preceitos do IMT (para vincar a unidade do sistema jurídico), como art. 12.º, n.º 4, regra 5ª do CIMT e art. 3.º, do Dec. Lei n.º 311/82, de 4/8.

 

4.3. Os argumentos das partes

Sem prejuízo do indicado adiante na “decisão”, sintetizam-se de seguida os argumentos das partes.

A retórica da requerente tem génese jurídico-civil, contabilística e fiscal:

a) No momento inicial, o locador efetua uma mera operação de financiamento – compra e dá o imóvel à locação; e só assume o risco de crédito; e nenhum risco sobre a coisa (imóvel);

b) Em termos jurídicos e contabilísticos, a aquisição pela requerente só se produz no momento da resolução; só então o imóvel passa para o Balanço da requerente; só então assume os riscos da coisa; o imóvel só é propriedade plena do Banco no momento e com a resolução.

c) Seguindo o IRC um modelo de dependência com a contabilidade, só há efeitos fiscais em IRC quando o ativo for contabilizado pela empresa – e isso só acontece no momento da resolução;

d) Antes da resolução, a locação tem um efeito similar a uma concessão de crédito – pela substância sobre a forma, a locadora só adquire a propriedade plena com a resolução do contrato de locação financeira, com a transmissão do imóvel, só nesse momento.

e) Logo, o disposto no art. 64.º, n.º 3, do CIRC relativo à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato – deve ser interpretado no sentido de que se refere ao momento e contrato aquando da sua resolução (por desistência do locatário).

f) o Acórdão do CAAD 371/2017-T decidiu no sentido indicado pela requerente, em questão totalmente similar (e também o Acórdão do CAAD 44/2021).

Ao invés, a AT pugna que a dedução descrita no art. 64º, n.º 3, al. b), do CIRC, em caso de resolução de contrato de locação financeira imobiliária, deve ser apurada com base no VPT vigente na data da aquisição do imóvel pelo locador (requerente) previamente (no momento) à celebração do contrato de locação financeira com o cliente (devedor), com base, em síntese, nos seguintes argumentos.

a) a B... (locadora) adquire o imóvel no momento inicial, e dá-o depois à locação imobiliária.

b) segundo o art. 10.º do RJCLF, no final do contrato o locatário pode adquirir o imóvel – logo, tal significa que antes o imóvel é propriedade da requerente – e que por isso, não o adquire aquando da resolução dos contratos, porque o bem já era seu.

c) o imóvel dado em locação já está inscrito na contabilidade da requerente; com a resolução muda simplesmente a verba contabilística da sua inscrição – e prevalece a natureza jurídica face á inscrição contabilística.

d) o art. 64.º do CIRC dá prevalência e relevância ao VPT na delimitação do facto tributário – seja em IRC, IRS e IMT, e pressupõe uma identidade valorimétrica fiscal para ambas as partes dos contratos.

 

4.4. Decisão

A decisão arranca da análise conjugada do regime civilístico da locação financeira (e resolução dos contratos) e da interpretação e aplicação do regime fiscal do art. 64.º do CIRC, na sua natureza, estrutura e dinâmica na tributação do rendimento das pessoas coletivas.

Os factos tributários em IRC assentam, em geral, nos preços reais e efetivos das transações, tal como são declaradas pelas partes – e documentadas pela contabilidade. A contabilidade (e preços declarados) presume-se verdadeira e serve de base para a tributação (art. 75.º da LGT).

Mas em relação aos imóveis há uma enorme distorção a esta regra geral, descrita no art. 64.º do CIRC. Este preceito tem a natureza de uma cláusula anti abuso específica referente aos rendimentos em IRC relativos a imóveis.

A preocupação de base é dupla, pois os imóveis possuem duas características singulares (não transponíveis para as demais transações):

  1. Trata-se, por regra, de transações com valores elevados (e imposto potencialmente significativo);
  2. E, sobretudo, porque nas transmissões de imóveis, ao contrário do que sucede nas demais transações, os agentes (comprador e vendedor) podem ter um interesse alinhado em potencialmente defraudar o Estado, com enorme dificuldade de controlo: numa inclinação para forjarem o preço, declarando no contrato um preço inferior ao real: com isso, o vendedor poupa IRC e o comprador poupa IMT (e as transações, por regra, estão isentas de IVA).

Nas demais transações comerciais, os agentes (comprador e vendedor) têm interesses divergentes, que compelem invisivelmente à verdade: que se declare a real operação, pelo preço efetivamente efetuado. Com efeito, o vendedor poderia desejar que fosse declarado um preço inferior ao real, para assim poupar IRC e IVA – mas o comprador impõe a verdade, na medida em que a compra pelo preço efetivo tem duas benesses tributárias para ele: paga menos IRC (a compra é um custo do exercício ou amortização de investimento consoante os casos) e pode deduzir o IVA associado a essa transação.

É claro que o instituto da simulação se aplica às transações de bens imóveis – bem como em geral, para todos os bens e ativos, com a tributação pelo preço realmente praticado, eventualmente associado a uma componente penal de fraude fiscal (art. 103.º, n.º 1, al. c), do RGIT). Mas, a aplicação deste instituto pressupõe uma prova difícil e o direito fiscal é um direito de massas – em que se tem de estabelecer um instituto eficaz (o art. 64.º do CIRC) para assegurar a receitas devidas, em processo que privilegie a simplicidade e eficácia na tributação.

Tendo em conta tudo que foi dito, o legislador criou o instituto do art. 64.º do CIRC: que funciona como uma clausula antiabuso específica de preço mínimo nas transações de imóveis.

Essa cláusula afasta-se da contabilidade e do preço declarado pelos contribuintes: indica que o preço de venda (para cálculo das mais valias imobiliárias do vendedor) será o maior entre o VPT e o preço declarado (mesmo que real, evidentemente). Quer dizer: se uma empresa vende um imóvel por 1000, mas o seu VPT é de 2000 – a sua mais valia será calculada com base em 2000 e não por referência a 1000.

Esta medida é muito violenta (não se é tributado pelo preço real e efetivo) e, por isso, por opção do sujeito passivo, este instituto pode assumir-se como uma presunção elidível: o vendedor, querendo, pode ser tributado pelo preço de transação (1000) e não com base no VPT (2000), se provar que foi esse o valor real, com a obrigação acessória de abertura de acesso a informação de contas bancárias próprias e de terceiro (art. 139.º do CIRC).

No caso dos autos, é assumido pelas partes que não se optou por elidir a presunção – e por isso, todos os cálculos dos rendimentos se aferem pelo VPT.

Ora, aplicando-se a tributação com base no VPT, esse critério tem de ser uniforme para as duas partes (comprador e vendedor), para se respeitar o rendimento real e a justiça na tributação.

Assim, o vendedor é tributado em IRC com base no VPT; mas esse valor do VPT (superior ao preço efetivo) tem de ser a base fiscal para o comprador: não só para efeitos de IMT, como também como sendo o preço de aquisição para o cálculo das ulteriores mais valias quando vender esse imóvel no futuro.

Só assim se assegura a justiça na tributação: o VPT (superior ao valor do contrato) é ao mesmo tempo o valor de realização para o vendedor (e paga por isso mais IRC); como é também o custo de aquisição para o comprador, para cálculo das mais valias futuras (menores). Se assim não fosse, o Estado capturaria matéria coletável dupla, em grave injustiça: num sobre preço (VPT) para calculo da mais valia atual; num infra preço (inferior preço de transação) para a quantificação da mais valia futura, que por isso seria muito superior.

Assim, o art. 64.º do CIRC impõe (e bem) este modelo para ambos os contraentes: indica que o VPT (quando superior ao preço do contrato) prevalece, em imposto de rendimento (CIRC), para o “alienante e adquirente” (cfr. n.º 1 e 3).

Apliquemos agora as considerações expostas ao caso concreto:

a) Só há total simetria tributária e encadeamento unitário no momento inicial – quando a B... adquire o imóvel (a terceiro) para o dar à locação (ao cliente): aí adquire-o pelo preço (como bissetriz entre a oferta e a procura) e o vendedor (terceiro) e o comprador (requerente) serão tributados pelo mesmo valor: o preço declarado ou se superior, o VPT. O vendedor nesse exato momento; e o comprador (locadora, requerente) para cálculo dos rendimentos (custo e data de aquisição) aquando da ulterior venda, em 2018, no caso dos autos.

b) A “aquisição”, nos casos de resolução do contrato de locação financeira – não é feita pelo preço como bissetriz entre a oferta e procura (mas pelas rendas vincendas), e por isso não admira que seja inferior ao VPT desse momento. Além disso, nesse momento não existe simetria com o vendedor (terceiro), para o cálculo das suas mais valias. E com isso não se assegura o motivo pelo qual o preceito foi instituído: simetria (identidade) de valor fiscal para o vendedor (terceiro) e comprador (requerente), como funcionamento justo e adequado da clausula anti abuso específica para que este preceito foi criado. A resolução do contrato não tem assim efeitos, em termos fiscais, para efeitos do art. 64.º do CIRC.

c) As rendas vincendas (valor que serve de base ao preço em caso de resolução do contrato de locação financeira imobiliária) podem nada ter que ver (e não terão por norma) com os valores normais de mercado que devem ser adotados pelos alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis, segundo o art. 64.º, n.º 1, do CIRC. Logo, escapam à lógica desta cláusula antiabuso específica e, em muitos casos, podem ser inferiores ao VPT desse momento, em função do tempo que faltar para o término do contrato.

d) A perspetiva civilística confirma o que se diz: segundo o art. 1.º do RJCLF, a locadora adquire um bem (imóvel, no caso), para o ceder ao locatário – que o poderá comprar decorrido o prazo acordado. Logo, a requerente adquiriu os imóveis, que depois os deu em locação; o art. 7.º do mesmo diploma indica que findo o contrato (e não exercendo o locatário a faculdade de compra), o locador (requerente) pode aliená-lo, entre outras coisas. Assim, não há dúvida que os imóveis (dados à locação) são propriedade da requerente.

 e) A resolução dos contratos de locação não provoca a transmissão jurídica da propriedade – que sempre foi do locador (requerente) –, mas a extinção dos direitos e obrigações associados à locação financeira imobiliária: pagamento de rendas, disponibilização da coisa…; ou seja, no momento da resolução do contrato de locação financeira não há qualquer transmissão de direitos reais sobre o imóvel, mas tão-só o retomar da plena posse do mesmo (e não da propriedade plena).

f) É certo que a locação financeira (imobiliária) é como que um negócio híbrido: i) por um lado, há um negócio de aquisição imobiliária, mas sob indicação do cliente (locatário); ii) e, por outro lado, é feito tendo em vista a sua locação financeira, com pagamento de rendas e cedência do risco da coisa, e fixação de valores para resolução e aquisição no final, para evitar eventuais enriquecimentos sem causa.

g) Mas, em termos fiscais (do art. 64.º do CIRC), a cláusula antiabuso só é adequadamente interpretada quando se foca o tema da locação no momento inicial de aquisição do imóvel – para o cálculo do preço de aquisição aquando da sua ulterior venda (em 2018).

h) Quer dizer: uma de duas: ou, em termos civis, a transferência da propriedade, ocorre no momento inicial (aquisição a terceiro pela requerente, para o dar à locação) – e então é esse o valor e momento fiscalmente relevante (para efeitos do art. 64.º, n.º 3, al. b), do CIRC); ou, em termos civis, existem efeitos reais no momento da resolução – mas o art. 64.º do CIRC prevalece (diz coisa diversa) do direito civil, colocando o facto tributário (VPT da aquisição) no momento inicial de aquisição do imóvel pela requerente a terceiro, e não sobre a resolução. Estamos na interpretação fiscal (art. 64.º do CIRC) de situações com base civilística: ora, os conceitos civis têm por regra o mesmo sentido no direito fiscal, salvo se outro decorrer diretamente da lei (art. 11.º, n.º 2, da LGT). E é isso o que sucede nos autos, como se viu: a interpretação holística do art. 64.º do CIRC, na exigência de simetria e identidade do mesmo negócio entre as partes, coloca o momento fiscalmente relevante aquando da aquisição da propriedade pela requerente, no momento inicial – e acrescenta-se, existe aí um momento aquisitivo do imóvel pela requerente, que o adquire a terceiro, que está também sujeito ao disposto no art. 64.º do CIRC.

i) O argumento de base contabilística esgrimido pela requerente não prova a sua tese: a contabilidade opera a ficção de que o imóvel é (considerado) propriedade do locatário – o que não corresponde à realidade do direito, mas à realidade prática, por utilização pacífica do bem e por assunção dos riscos da coisa. E sobretudo, não se pode fazer o silogismo absoluto da dependência do IRC sob a contabilidade. Desde logo, a dependência é parcial – isto é, há situações em que o IRC diverge da solução contabilística, sempre que o indique e tal ocorre quando o interesse fiscal não é tutelado na dependência face à contabilidade, mas em discrepâncias e divergências. O tema das clausulas antiabuso – e o art. 64.º do CIRC é exemplo claro desse tipo de disposições – é um dos campos em que tal acontece: a aceitação acrítica da contabilidade pode desembocar numa menor tributação, melhor dito, numa tributação menos equitativa e justa – e então a lei fiscal afasta-se do comando contabilístico. É neste referencial que se deve ler o art. 64.º do CIRC, aplicado ao caso dos autos – prevalência de um valor normal (VPT) sobre o preço real. Assim, o valor de aquisição refere-se ao momento de compra do imóvel ao terceiro, para o dar à locação – só assim funciona a cláusula anti-abuso, como se viu; ainda que em termos contabilísticos se diga o oposto, assistindo-se a uma autonomia do IRC face à contabilidade, permitida pelo art. 17.º do CIRC. Além disso, a prevalência da substância não é um valor absoluto – o que prevalece é a composição entre a justiça e legalidade na tributação, descrita no art. 64.º do CIRC, ainda que se ceda na prevalência da substância, sendo certo, além disso, que o art. 11.º, n.º 3, da LGT não tem um conteúdo prescritivo, mas ou é considerada letra morta ou quanto muito um tópico para o legislador (e não para o intérprete), de atender à realidade económica na configuração do tipo e regras de incidência (Casalta Nabais, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2014, p. 208 e Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2015, p. 361).

Há um último ponto que tem de ser ponderado e decidido, dada a sua relevância e porque indicado pela requerente. Existem duas decisões arbitrais (proc. 44/2021 e 371/2017) em sentido aparentemente contrário ao apontado na decisão deste processo. Ponderando-se toda a argumentação, cumpre esclarecer e decidir:

a) As decisões judiciais em causa são Acórdãos arbitrais e não Acórdãos do STA em que nestes, mas não naqueles, os demais tribunais devem obediência, por uniformização de jurisprudência e nos termos do art. 8.º, n.º 3, do Código Civil.

b) Isso não invalida, evidentemente, a análise cuidadosa da decisão e fundamentos desses arestos, por ponderação de outras sentenças e previsibilidade e estabilidade do sistema judicial.

Esses acórdãos arbitrais argumentam: i) o direito de propriedade do locador não é pleno, mas está limitado pelo ónus da locação; ii) com a resolução prevalece a recuperação plena daquele direito de propriedade; iii) logo, a resolução do contrato de locação financeira equivale à transmissão onerosa a favor da locadora; iv) o art. 64.º, do CIRC abrange na sua previsão quaisquer transmissões onerosas de direitos reais sobre imóveis – então a extinção do ónus da locação provoca a recuperação plena da propriedade; seria uma transmissão onerosa de direito real sobre imóveis; v) o IRC segue o imperativo constitucional de tributação pelo rendimento real (art. 104.º, n.º 2, da CRP) e a não aceitação da resolução como o facto tributário implicaria que o art. 64.º, do CIRC violaria o art. 104.º, n.º 2, da CRP; vi) por unidade do sistema jurídico: se a resolução da locação financeira produz efeitos jurídicos noutras sedes (é considerada uma aquisição) – por exemplo, no processo civil como critério para fixação do valor das custas em que se discutem contratos de locação financeira – também tem de seguir igual resultado para o caso dos autos, por unidade do sistema jurídico.

Estes argumentos não convencem, salvo o devido respeito: pelo que se disse antes e pela sua subsequente desmontagem, efetuada em três blocos:

Primeiro: como se viu, impõe-se uma análise conjugada e interpenetração dos termos civis (efeitos e características da resolução da locação financeira imobiliária) e da ótica tributária (do valor, lugar sistemático e teleológico do art. 64.º do CIRC). Ora, aqueles acórdãos dão primazia a uma certa leitura civilística da resolução da locação financeira, sendo a leitura oposta possível em termos civis, como se viu; mas descurando, por completo, a natureza e função do art. 64.º do CIRC, como norma anti abuso específica, com exigências de simetria para ambas as partes (comprador e vendedor) em ambiente de preço de mercado (na bissetriz da oferta e procura). Ora, tendo isso em atenção – e seguindo a leitura civilística permitida num contrato misto de locação financeira (o imóvel é propriedade da locadora, isso todos concordam), impõe-se a interpretação agora veiculada, com a não aceitação da argumentação esgrimida nessas decisões arbitrais.

Segundo: a interpretação efetuada do art. 64.º do CIRC não viola o art. 104.º, n.º 2, da CRP. A tributação pelo rendimento real (declarado) é tendencial, como indica o texto constitucional; uma das suas maiores matizações ou divergências face ao rendimento real é, justamente, nas clausulas antiabuso, em que se desconsidera o declarado e atende-se a outro padrão, como medida adequada e proporcional para assegurar a justiça e neutralidade da tributação. É isso o que acontece no caso dos autos: o art. 64.º do CIRC afasta o rendimento real, preço declarado (com presunção elidível) para assegurar a justiça na tributação – e impõe um padrão (preço normal, pelo VPT), que se seguido, o tem de o ser pelas duas partes (comprador e vendedor) para assegurar uma simetria e justiça na tributação. 

Terceiro: o argumento da unidade do sistema jurídico, seja em sede de IMT ou de lugares paralelos civilísticos, cede totalmente quando existam regras fiscais que imponham essa divergência: quando a obtenção da justiça e equidade da tributação implica que se criem regras diversas das seguidas noutros ramos de direito para situações comparáveis. É isto o que sucede no caso dos autos. O art. 64.º do CIRC pode ter interpretação que divirja de outra, noutros ramos de direito ou de outros impostos, em questões jurídicas similares, porque essa medida é necessária e adequada a assegurar a justiça e equidade na tributação. No caso concreto, que a requerente possa ver o seu custo de aquisição artificialmente incrementado (e o vendedor não ter esse mesmo referencial no preço de venda), no caso de resolução de locação financeira.

 

5. Juros indemnizatórios

Se não assiste razão à requerente, não lhe são devidos juros indemnizatórios a seu favor, nos termos do art. 43.º da LGT.

 

6. Decisão

De harmonia com o exposto, acorda este Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar improcedente a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral suscitada pela requerida
  2. Julgar improcedentes os pedidos da requerente
  3. Manter na ordem jurídica o ato de indeferimento da reclamação graciosa citada relativa à  autoliquidação do IRC de 2018 apresentada pela requerente;
  4. Decretar a ilegalidade das correções à autoliquidação promovida pela Reclamação Graciosa indicada nos autos e decretar a legalidade da autoliquidação original do IRC de 2018 da requerente, em relação à matéria objeto deste processo.
  5. Condenar a requerente nas custas deste processo

 

6. Valor do processo

De harmonia com o disposto no art. 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 341.221,66 – como foi indicado pela requerente e aceite pela requerida.

 Notifique-se

Lisboa, 7 de setembro de 2022

Os Árbitros,

 

Dr. José Poças Falcão (Presidente) 

Anexa declaração de voto

 

 

 

Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares (relator)

 

 

Dr. A. Sérgio de Matos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto do árbitro presidente do Tribunal:

 

Foi sufragado, por unanimidade,  na decisão arbitral proferida no processo nº 44/2021-T, por Tribunal Coletivo a que presidi,  o entendimento de que “[...] na resolução do contrato de locação financeira, o locador recupera a propriedade plena do imóvel e, consequentemente, o valor tributário a considerar para determinação do resultado tributário na respetiva transmissão (artigo 64º-3/b), do CIRC) será o correspondente ao das rendas vincendas à data da rescisão antecipada do contrato [...]” (Cfr sumário da citada decisão, publicada no site do CAAD, www.caad.org.pt ).

Decido agora repensar e rever este entendimento e dar a minha adesão à decisão ora proferida e seus fundamentos, considerando, designada e adicionalmente e após melhor reflexão sobre a questão, que, no caso de resolução do contrato de locação financeira, não há, por um lado e  verdadeiramente nenhuma recuperação da propriedade plena do imóvel objeto do contrato, mas tão só e apenas a extinção do ónus correspondente à locação do imóvel e, por outro e principalmente, não pode reconhecer-se, legal ou doutrinariamente relevante o juízo de  equivalência das rendas vincendas em dívida no momento da resolução do contrato ao valor normal de mercado para efeitos de tributação em IMT se a esta houvesse lugar ou, dalgum modo, com relevância para o efeito tributário em causa  – Cfr artigo 64º-1, CIRC.

Sintetizando e abreviando razões: a “devolução” do bem ao locador não é um facto sobre o qual possa incidir o IMT, porque não é uma transmissão onerosa; ao passo que o exercício da opção de compra de imóveis no final do contrato de locação financeira está sujeito a IMT, embora dele isento (art. 3º do D.L. nº 311/82, de 4 de junho), porque é uma transmissão onerosa. O que comprova, adicionalmente, que o imóvel não se transfere para o locatário com a celebração do contrato de locação financeira, mas apenas com o exercício da opção de compra.

Dito doutro modo: na “devolução” de um bem locado em locação financeira, nem o anterior locatário é o alienante daquele bem, nem o locador é o adquirente, pela singela razão de que não se operou, com a resolução do contrato e como consequência dela,   a transmissão de qualquer direito real sobre o imóvel respetivo na medida em que o locatário financeiro só passaria a proprietário se e quando exercesse o seu direito de opção à aquisição, como expressamente determina o artigo 10º, nº 2, alínea f) do D.L. nº 145/95, de 24 de junho, ao reconhecer ao mesmo a possibilidade de «adquirir o bem locado, findo o contrato, pelo preço estipulado».

Recorde-se que, no contrato de locação financeira  cede-se «o gozo temporário de uma coisa» [«Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados». (DL nº 149/95 – artigo 1º)].

Em síntese conclusiva e brevitatis causa: para efeitos de apuramento do lucro tributável (porque é esse o objeto dos autos), não relevam as consequências da resolução do contrato de locação financeira mas tão somente o valor do prédio alienado  calculado pelas regras previstas no artigo 64º, do CIRC: valor normal de mercado, nunca inferior ao VPT definitivo que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT, sem prejuízo do regime especial probatório previsto no nº 5, do citado artigo 64º (que não está aqui em causa) ou, mais concretamente, o valor de aquisição a considerar para efeitos do artigo 64º do CIRC é o valor que serviu de base à liquidação do IMT na aquisição do imóvel pelo locador, tendo  em  vista efetuar a locação financeira que veio a ser rescindida e não o valor das rendas vincendas à data da rescisão, acrescido dos respetivos juros.

E parece ser esta, aliás, a linha jurisprudencial arbitral maioritária e mais recente – Cfr decisão de 26-4-2022, no  Proc nº 464/2021-T, publicada em www.caad.org.pt

 

     Lisboa, 7 de setembro de 2022

 

(José Poças Falcão)

 

 

(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131º nº 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º nº 1 alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária)