Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 193/2022-T
Data da decisão: 2022-08-29  IRC  
Valor do pedido: € 286.205,13
Tema: IRC - Caducidade do direito de liquidação. Factos objecto de processo criminal.
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DECISÃO ARBITRAL
 
 
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.º Doutor Luís Baptista e Dr. Henrique Nogueira Nunes (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 31-05-2022, acordam no seguinte:
 
 
1. Relatório
 
A..., LDA, (doravante, requerente), pessoa colectiva n.º ..., com sede na Avenida ..., ...-..., ..., apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação dos seguintes actos:
- liquidação adicional do IRC n.º 2021 ... de 27-01-2021 e dos juros compensatórios n.º 2021 ... e respectiva Demonstração de acerto de contas n.º 2021..., referentes ao exercício de 2014, para pagamento voluntario até 16.03.2021, do montante global de € 145.681,27; 
- liquidações adicionais do IVA e dos juros compensatórios, para pagamento voluntário até ao dia 16-03-2021, referentes a cada um dos períodos de imposto seguintes:
 
– decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida com o pedido de anulação das referidas Liquidações de IRC, do IVA e dos juros compensatórios.
 
A Requerente pede ainda a restituição de quantias indevidamente pagas, no valor de 286.205,13, com juros indemnizatórios desde a data do pagamento até a data da emissão da correspondente nota de crédito (artigo 137.º do pedido de pronúncia arbitral).
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 22-03-2022.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 13-05-2022, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 31-05-2021.
Em 22-06-2022, a Autoridade Tributária e Aduaneira comunicou a revogação dos «atos tributários referentes ao período 2014-06, relativamente aos quais se procedeu à anulação da correção de IVA no valor de €1.150,00, com as devidas e legais consequências, nomeadamente a anulação da correção negativa em sede de IRC relativamente ao ano de 2015 (de igual montante)». No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira não juntou ao processo qualquer documento comprovativo da prolação de um despacho de revogação ou emissão de nova liquidação quanto a esse período de Junho de 2014.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 06-07-2022, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
 
2. Matéria de facto 
2.1. Factos provados 
 
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
 
 
A) A Requerente é uma sociedade comercial por quotas constituída para o exercício da actividade de indústria de calçado (CAE 15201);
B) A Requerente está enquadrada, para efeitos de IRC, no regime geral de tributação e para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade mensal;
C) A Requerente dispõe de contabilidade organizada;
D) Em 12-03-2019, pelo ofício n.º 2019..., foi a Requerente notificada, por correio registado, “(…) de que a muito curto prazo, se deslocará à morada, técnico dos Serviços de Inspecção Tributária … “ com a finalidade de “(...) verificação do cumprimento das correspondentes obrigações tributárias (IVA e IRC) do exercício de 2014…” (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
E) Em 25-03-2019, credenciada pela ordem de serviço n.º OI 2016... a AT deu início a um procedimento inspectivo, de natureza externa de âmbito parcial (IVA e IRC) e incidência temporal ao exercício de 2014, (cópia da ordem de serviço que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
F) Em 20-05-2019, a Requerente foi notificada, nos termos do n.º 6 do art.º 36.º do RCPITA, de que “(…) os prazos para a conclusão do procedimento de inspecção, que decorre ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2016... (iniciada em 2019-03-25) se encontram suspensos atendendo a que se encontra instaurado o processo de inquérito n.º .../16...T9PRT, o que constitui fundamento previsto na alínea c) do n.º 5 do artigo 36.º do mesmo diploma legal, para suspensão dos prazos para a conclusão dos procedimentos de inspecção” (cópia da notificação que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
G) Em 28-11-2019, a Requerente foi notificada da alteração do âmbito do procedimento credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2016... de parcial para geral “(…) com a finalidade de verificação da situação tributária global do SP de acordo com a alínea a) do art.º 14.º do RCPITA” (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
H) Em 11-03-2020, pelo ofício n.º 2020..., remetido por carta registada, a Requerente foi notificada de que “(…) na notificação efectuada em 2019-05-20 foi por lapso identificado o processo de inquérito n. .../16...T9PRT quando deveria ser o n.º .../16...T9FLG” (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
I) No procedimento inspectivo referido foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que, relativamente ao exercício de 2014, foram efectuadas correcções com recurso a métodos indirectos em sede de IRC, no valor de € 629.855,83, e em sede de IVA, no valor de € 144.866,88, além de uma correcção relativa a IVA indevidamente deduzido, no montante de € 1.150,00 e correcções relativas a retenções na fonte de IRS, no valor de € 233.128,00 (quadro que consta da página 6 do RIT e documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
J) No RIT refere-se, além do mais o seguinte:
II.1. Credencial e período em que decorreu a ação 
Ação de inspeção externa efetuada para cumprimento das Ordens de Serviço n.º OI2016..., OI2016... e OI2016..., iniciada em 2019-03-25 através da assinatura das Ordens de Serviço pelo funcionário B... . 
Foi o sujeito passivo notificado pessoalmente, em 2019-05-20, que o prazo para conclusão dos procedimentos de inspeção se encontram suspensos atendendo a que se encontra instaurado o Processo de Inquérito n.º .../16...T9FLG, o que constitui fundamento para suspensão do prazo para conclusão dos procedimentos de inspeção, nos termos da alínea c) do n.º 5 do artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA). 
E por se encontrar instaurado o Processo de Inquérito n.º .../16...T9FLG, por indícios de crime de fraude fiscal, o direito à liquidação é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano, nos termos do n.º 5 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária (LGT). 
 
 II.2. Motivo, âmbito e incidência temporal 
a) Motivo: Apuramento de existência de fraude fiscal. 
b) Âmbito: Inicialmente IRC/IVA, e posteriormente alterada para Geral (notificada em 2019-11-28) 
c) Incidência temporal: - OI2016...: Ano 2014; 
(...)
 
II.3.2.6.3. Comparação com Rácios do setor 
Dado que o setor de atividade de fabricação de calçado encontra-se fortemente implementado no distrito do Porto, principalmente no concelho de Felgueiras, procedeu-se a uma comparação dos rácios do sujeito passivo com a média da unidade orgânica (distrito do Porto), tendo-se concluído que: 
 - o sujeito passivo apresenta valores inferiores nos rácios de Margem Bruta I, II, III e IV 
comparativamente à medida estatística da média dos rácios disponíveis no sistema informático da AT dos restantes sujeitos passivos do distrito no mesmo setor de atividade.
(...)
 
IV. Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos 
IV.1. Não cumpre com a obrigação de adotar o Sistema de Inventário Permanente (SIP) 
IV.1.1. Enquadramento legal 
Nos termos do Decreto-Lei n.º 158/2009, o sujeito passivo é considerado uma Média Entidade, e está obrigado a adotar o sistema de inventário permanente na contabilização dos inventários, e de acordo com o entendimento da AT estipulado no Ofício-circulado n.º 20193 de 2016-06-23, a adoção do SIP implica necessariamente que as entidades procedam ao registo contabilístico das entradas e das saídas de inventários ao longo do período contabilístico, de forma que seja possível: 
- Conhecer, a todo o momento, o valor dos inventários, e 
- Apurar o custo dos inventários vendidos e dos consumidos. 
O facto de uma entidade não adotar a sistema de inventário permanente, estando a tal obrigada, não é só por si razão para se concluir que não foi adotado o Sistema de Normalização Contabilística (SNC) e que a contabilidade não se encontra regularmente organizada. 
De acordo com Parecer da Comissão de Normalização Contabilística: “a aplicação do sistema de inventário permanente na escrituração comercial digráfica, pode basear-se em registos extra contabilísticos, os quais deverão identificar os bens quanto à natureza, quantidade e custos unitários e globais, suscetíveis de permitirem o controlo da correspondência entre os valores constantes dos registos contabilísticos e os valores apurados com base nas contagens tisicas dos inventários.” 
Estes registos extra contabilísticos constituem o suporte dos registos contabilísticos do SIP, os quais, por sua vez, permitem revelar a situação tributária dos contribuintes. 
 
IV.1.2. Explicações efetuadas pelo sujeito passivo 
Conforme explicações prestadas pelos gerentes, em Auto de Declarações lavrado em 2019-11-13, não se encontra implementado o sistema de inventário permanente, e nos anos de 2014 a 2016 apenas registavam no programa de stocks as faturas de compra e efetuavam uma contagem física no final de cada ano para determinar o Inventário Final do período. Essas contagens físicas efetuadas foram transcritas para ficheiros no formato MSExcel, que foram entregues pelo sujeito passivo por correio eletrónico em 2019-11-07. 
O sujeito passivo informou, em resposta à notificação efetuada em 2019-10-28, que não conserva em arquivo, por um período tão longo, os elementos relativos a: 
- Encomendas recebidas nos anos de 2014 a 2016; 
- Planos de fabrico elaborados nos anos de 2014 a 2016; 
- Ficheiros de controlo de produção/entrega elaborados nos anos de 2014 a 2016; 
- Outros ficheiros de produção/documentos de controlo de produção e entregas. 
 
IV.1.3. Análise ao programa de stocks 
Nos anos em análise, no programa informático utilizado pelo sujeito passivo (NAVISION), existe a possibilidade de utilizar a movimentação de stocks, no entanto o sujeito passivo só regista as faturas de compras, não efetuando qualquer movimento de saída ou de inventário, conforme se comprova nas imagens seguintes, retirada do programa e ampliada: 
(...)
 
IV.1.4. Conclusão sobre a adoção do SIP 
No decurso da ação verificou-se que o sujeito passivo não adotou o sistema de inventário permanente na contabilização dos inventários, nem possui contabilidade analítica/de custos ou registos extra contabilísticos que possibilitem conhecer, a todo o momento, o valor dos inventários, e apurar o custo dos inventários vendidos e dos consumidos. Pelo que é impossível verificar em que quantidades, em que produtos, e em que faturas, foram as matérias consumidas e as mercadorias vendidas. 
(...)
IV.2.2. Ligação dos inventários de produção com vendas 
Atendendo que não se conseguiu efetuar a ligação entre as referências e inventário e as faturas emitidas no ano seguinte, foi o sujeito passivo notificado, em 2019-11-13, a identificar as faturas de vendas referentes aos produtos acabados e em curso, constantes nos inventários finais dos anos de 2013 a 2016. 
Da análise das respostas recebidas, verificou-se que o sujeito passivo não justificou a saída dos artigos discriminados nos pontos seguintes, ou as justificações apresentam erros. 
 
(...)
IV.2.3. Análise das Margens de Lucro Brutas dos Produtos Acabados em Inventário Final 
Conforme referido anteriormente, o sujeito passivo foi notificado a identificar as faturas de vendas referentes aos produtos acabados constantes nos inventários finais dos anos de 2013 a 2016. 
O sujeito passivo apresentou a identificação da fatura de venda, bem como a linha respetiva nessa fatura, tendo apresentado cópia das faturas identificadas. 
Com estes elementos é possível determinar, para cada referência de produto acabado, a sua Margem Bruta, obtida através da fórmula MB = [(Preço Venda – Custo Industrial dos Produtos Acabados) / Preço Venda], sabendo que: 
- os produtos acabados em inventário final encontram-se valorizados ao seu custo industrial, que inclui os custos diretos (matéria-prima e mão-de-obra direta) e indiretos (gastos gerais de fabrico), conforme determina o Sistema de Normalização Contabilística (SNC) na Norma Contabilística e de Relato Financeiro n.º 18 (NCRF 18); 
- os preços de venda praticados encontram-se discriminados nas faturas apresentadas. 
Apuram-se nos pontos seguintes as Margens de Lucro Brutas dos Produtos Acabados em Inventários Final.
(...)
 
IV.2.4. Conclusão da análise aos inventários de Produtos Acabados e Em Curso 
Da análise efetuada verifica-se que existem, nos inventários finais de produtos acabados, referências em que não foram determinadas as respetivas faturas de venda, e sendo de realçar que: 
- Foi identificada uma fatura de venda da entidade FLAJ, no ano de 2014, para uma referência constante no inventário final de 2013 do sujeito passivo, não existindo a correspondente fatura de venda para a FLAJ. 
- Da comparação entre as Margens Brutas por produto obtidas entre o custo industrial do produto acabado registado no inventário (que inclui o consumo das matérias, mão-de-obra direta e gastos gerais de fabrico) e a correspondente faturas de venda, com a “Margem Bruta I” obtida através das demonstrações financeiras anuais (que só inclui o custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas e as vendas), seria expetável que as Margem por produto obtidas fossem inferiores à “Margem Bruta I”. Essa expetativa decorre dos seguintes factos: 
 - É utilizado o rácio R16 da Margem Bruta I, pois conforme descrito no ponto II.3.2.6, encontraram-se erros que impossibilitam a comparação dos Rácios R01 e R02 do sujeito passivo com os do setor de atividade (erro no cálculo do CMV e do CMC, bem como não se encontram contabilizadas vendas de mercadorias que justifiquem as compras, impossibilitando assim uma análise por tipo de bem (mercadoria ou produto). 
 - A Margem Bruta por Produto incorpora mais custos além do custo das matérias consumidas, e a “Margem Bruta I” só inclui o custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas. 
 - O peso das mercadorias que influencia a “Margem Bruta I” além de não ser significativo (atendendo ao valor total das compras e CMV de mercadorias comparativamente com o valor das vendas), será de percentagem ainda superior, dado que os rácios R01 da medida estatística média dos restantes sujeitos passivos, referente a mercadorias, serem superiores ao rácio R02, referente a produtos acabados. 
- No entanto da comparação efetuada entre as Margens Brutas por produto com a “Margem Bruta I” não se verificou o expetável (que as Margem por produto obtidas fossem inferiores à “Margem Bruta I”), mas sim o contrário, pois: 
- No ano de 2014: a “Margem Bruta I” é de 39,59% e a Margem Brutas por produto mais 
baixa encontrada foi de 65,38%;
(...)
Atendendo aos valores declarados e justificados pelo sujeito passivo no decurso da presente análise, bem como das situações acima descritas, conclui-se pela existência de indícios de omissão de vendas.
 
IV.3. Mercadorias 
IV.3.1. Compras de mercadorias e Custo das Mercadorias Vendidas (CMV) 
Da análise aos movimentos registados nas contas de compras de mercadorias, dos anos de 2014 a 2016, verificou-se que a quase totalidade dos valores registados na conta 311-Compras de Mercadorias referem-se a faturas emitidas pela entidade FLAJ, conforme se discrimina no quadro seguinte. 
(...)
IV.3.2. Relação entre as faturas de compras e vendas 
Com o objetivo de confirmar que essas mercadorias foram vendidas, e atendendo a que os inventários iniciais e finais não apresentam qualquer valor referente a “Mercadorias”, procurou-se encontrar as respetivas faturas de venda através da consulta das referências constantes nas faturas da FLAJ nos ficheiros SAF-T de faturação do sujeito passivo, tendo-se constatado que: 
 - Todas as referências constantes nas faturas da FLAJ constam nos ficheiros SAF-T de 
faturação do sujeito passivo; 
 - Apenas um pequeno número de referências constam nos ficheiros SAF-T com data de fatura do sujeito passivo posterior à data das faturas emitidas pela FLAJ 
Pelo que se notificou o sujeito passivo a identificar as faturas de venda correspondentes a cada compra efetuada, e para justificar as eventuais incoerências/irregularidades encontradas, comprovando documentalmente. 
O sujeito apresentou a seguinte resposta:
(...)
 
IV.3.2.1. Análise efetuada à resposta referente ao ano de 2014 
Verificou-se que todas as faturas de venda têm data anterior às faturas emitidas pela FLAJ. 
Todas as operações relacionadas se encontram distanciadas em mais de 5 dias entre as datas das faturas, com exceção das referências constantes na fatura n.º FTR1400181 da FLAJ de 2014-05-30, que foram relacionadas com a fatura de venda IN1400217 de 2010-05-28. 
De realçar que existem muitas operações que são justificadas com diferenças superiores a um mês, como por exemplo: 
 - Fatura n.º FTR1400099 emitida pela FLAJ em 2014-04-15, relacionada com as faturas de venda n.º IN1400037/ 41/42 todas de 2014-01-22. 
 - Fatura n.ºFTR1400194 emitida pela FLAJ em 2014-07-15, relacionada com as faturas de venda n.º IN1400243/4 de 2014-06-06. 
Verificou-se também que os preços unitários de venda, constantes nas faturas identificadas pelo sujeito passivo, são no mesmo valor ou apenas superiores em €1,00 do que os preços unitários das faturas de compra.
 
(...)
IV.3.3. Conclusão da análise às Mercadorias 
As justificações apresentadas pelo sujeito passivo não se mostram credíveis, bem como não apresentou quaisquer elementos que comprovem a relação efetuada entre as faturas de compra de mercadorias e as faturas de venda que identificou, e, como se verificou no ponto anterior, não existem elementos contabilísticos e extra contabilísticos que permitam associar a compra de mercadorias com a sua venda. 
Da análise efetuada nos diversos anos, verificou-se que em grande número das operações a data da fatura de venda é anterior à de compra, em certos casos com diferenças superiores a vários meses, e de anos diferentes, o que é incompreensível atendendo às obrigações legais para a emissão de fatura por parte de todos os sujeitos passivos (o mais tardar no quinto dia útil ao do momento em que os bens são postos à disposição do adquirente). 
Apesar da entidade FLAJ se tratar de uma entidade relacionada, nada justifica esta diferença de datas, bem como não justifica o facto das diferenças de preço praticadas (nulos, negativos, ou muito reduzidos). 
Der realçar que os rácios disponíveis no sistema informático da AT apresentam a medida estatística da média do rácio “R01- Margem Bruta da Venda de Mercadorias” dos restantes sujeitos passivos do distrito no mesmo setor de atividade, com os seguintes valores: 
 - Ano de 2014: 64,98%; 
(...)
Pelo exposto, se conclui que não é verosímil que as faturas de venda relacionadas pelo sujeito passivo sejam as reais ou que os preços unitários de venda sejam os reais. 
 
(...)
 
 
IV.4.2. Análise dos movimentos com a entidade “C...Unipessoal, Lda” 
IV.4.2.1. Faturas emitidas por “C... Unipessoal, Lda” 
As faturas emitidas pela entidade “C... Unipessoal, Lda” (doravante designada por “C... Lda”) nos anos em análise, respeitam a serviços prestados de corte e costura, e identificam a referência do produto do sujeito passivo, conforme exemplos abaixo.
(...)
 
IV.4.2.2. Diferenças encontradas entre as quantidades dos serviços adquiridos a “C... Lda” com as faturas de venda 
Após comparar as quantidades totais anuais, por referência, dos serviços de corte e costura (em pares), constantes nas faturas emitidas pela entidade “C... Lda”, com as mesmas referências registadas nos ficheiros SAF-T da faturação do sujeito passivo (referências identificadas nos campos “Line/Description” e/ou “Line/ProductCode”), constatou-se que existem diversas referências em que as quantidades faturadas pelo fornecedor, são superiores às faturadas pelo sujeito passivo aos seus clientes, conforme discriminado no quadro seguinte. 
(...)
 
IV.4.2.4. Referências não justificadas 
Não foram objeto de qualquer esclarecimento, por parte do sujeito passivo, as seguintes referências:
(...)
 
IV.5. Conclusão 
Conforme exposto nos pontos anteriores, no decurso da ação de inspeção verificou-se que: 
Da análise efetuada aos rácios das Margens Brutas, conforme descrito no ponto II.3.2.6., verificou-se que o sujeito passivo: 
- Contabilizou corretamente compras de mercadorias, no entanto não contabilizou as vendas como vendas de mercadorias, dado que não tem, nem declarou, inventários finais de mercadorias, e só contabilizou um reduzido valor de vendas de mercadorias no ano de 2014. 
- Apresenta valores inferiores nos rácios de Margem Bruta I, II, III e IV comparativamente à medida estatística da média dos rácios disponíveis no sistema informático da AT dos restantes sujeitos passivos do distrito no mesmo setor de atividade. 
Assim, tornou-se imperativo testar o setor produtivo e aferir da veracidade das margens brutas declaradas. Para tal torna-se necessário relacionar: 
- As mercadorias compradas com as respetivas vendas, e analisar a sua margem bruta. 
- Em que produtos fabricados foram consumidas as matérias adquiridas, para assim determinar o seu custo das matérias consumidas. 
- Os produtos fabricados com as respetivas vendas, e analisar a sua margem bruta.
 
 - O sujeito passivo não adotou o sistema de inventário permanente na contabilização dos inventários, nem possui elementos extra contabilísticos que possibilitem conhecer, a todo o momento, o valor dos inventários, e apurar o custo dos inventários vendidos e dos consumidos (conforme descrito no ponto IV.1.), pelo que é impossível verificar em que quantidades, em que produtos, e em que faturas, as matérias foram consumidas e as mercadorias vendidas. 
Como não foi possível verificar o consumo de matérias por produtos, e assim determinar as margens brutas obtidas por produto vendidos pelo sujeito passivo, procedeu-se a uma análise dos inventários finais de produtos acabados e em curso (conforme descrito no ponto IV.2.), tendo-se constatado que: - A Margem Bruta por produto obtida, entre o custo industrial do produto acabado registado no inventário final dos anos de 2014, 2015 e 2016 (que inclui o consumo das matérias, mão-de-obra direta e gastos gerais de fabrico) e as correspondentes faturas de venda, é bastante superior (em mais de 12%) ao rácio da “Margem Bruta I” obtida através das demonstrações financeiras anuais (que só inclui o custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas e as vendas), sendo de esperar o contrário. 
- Existem produtos em que não foram identificadas as correspondentes faturas de venda, e já não constam no inventário final do período seguinte. 
Da análise efetuada à conta de compras de mercadorias, e à relação entre as faturas de compra e de venda apresentadas pelo sujeito passivo (conforme descrito no ponto IV.3.), verificou-se que: 
 - Os valores registados na conta de compras respeitam na quase totalidade a faturas emitidas pela entidade FLAJ; 
 - Em grande número das operações, a data da fatura de venda é anterior à de compra, em certos casos com diferenças superiores a vários meses; 
 - As diferenças entre o preço unitário de compra e o de venda são normalmente nulas ou muito reduzidos (menores ou iguais a €1,00), tendo-se encontrados casos de diferenças negativas. 
- Não existem elementos que permitam aferir da veracidade das justificações prestadas pelo sujeito passivo. 
Sabendo que neste setor de atividade a subcontratação é comum e pode atingir valores significativos, como é o caso do sujeito passivo que recorre à subcontratação de serviços de corte, costura e montagem de calçado, testaram-se os dois principais subcontratados de corte e costura, procurando ligar os serviços prestados com as faturas emitidas pelo sujeito passivo (conforme descrito no ponto IV.4.) ou com os inventários finais em cada ano. 
Como resultado dessa análise foram encontradas uma vasta quantidade de serviços em que não foi possível identificar as respetivas faturas de venda, e nas justificações apresentadas pelo sujeito passivo, este alega que essas diferenças derivam de erros de faturação do subcontratado por não identificarem corretamente as referências e de existirem faturas emitidas que apenas indicam a referência do cliente e não a referência do sujeito passivo. 
Dada a inexistência do sistema de inventário permanente, e de registos extra contabilísticos, não é possível comprovar a quase totalidade das justificações apresentadas pelo sujeito passivo, para esclarecer essas diferenças, pois não nos foram apresentados os planos de fabrico, as encomendas de clientes, os documentos de transporte de matérias não identificam para que produtos/planos de fabrico se destinam, o sujeito passivo ter capacidade para produzir produtos (apenas subcontrata uma parte). 
No entanto foi possível verificar que existem serviços faturados pelos subcontratados nos meses de novembro e dezembro de cada ano, e os produtos respetivos não foram faturados pelo sujeito passivo aos seus clientes nesse ano nem constam no inventário final de produtos acabados e em curso. 
 
Estas análises, que se encontram discriminadas e fundamentadas ao longo do presente capítulo, permitiram concluir da existência de omissão vendas de mercadorias e produtos, que não foram contabilizadas nem declaradas para efeitos fiscais, o que origina uma diminuição da matéria tributável em sede de IVA e IRC. 
Os factos enunciados retiram a credibilidade à contabilidade, e consequentemente aos valores declarados como vendas, e, que por inexistência de elementos, é impossível determinar de forma direta e exata a matéria tributável para efeitos do IRC e IVA, encontrando-se reunidos os pressupostos para realização de avaliação indireta de tributação para os períodos de 2014, 2015 e 2016, de acordo com alínea b) do artigo 87.º e alínea a) do artigo 88.º, ambos da Lei Geral Tributária (LGT), conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 57.º do CIRC e no artigo 90.º do CIVA.
 
V. Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos 
Para a aplicação dos métodos indiretos, vão ser considerados os seguintes pressupostos e critérios: 
 
V.1. Critério 
Atendendo ao disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 90.º da LGT, é possível estabelecer uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte, pelo que, para a quantificação das vendas se utiliza os seguintes critérios: 
 - As vendas serão determinadas por recurso à utilização da medida estatística média da unidade orgânica (distrito do PORTO) do rácio da R17-MB II, calculado da seguinte forma: (Volume de Negócios - CMVMC - FSE) / Volume de Negócios * 100. 
Este rácio é considerado o mais apropriada, atendendo que: 
- entra em consideração com os gastos do CMVMC e FSE, este último inclui a rúbrica de 
subcontratos que é comum e materialmente relevante neste setor de atividade; 
- os motivos que justificam a aplicação de métodos indiretos encontram-se ligados com as contas de gastos com CMVMC e FSE; 
- o setor de atividade de fabricação de calçado encontra-se fortemente implementado no distrito do Porto, principalmente no concelho de Felgueiras; 
- A proximidade entre os valores obtidos na aquisição de matérias e subcontratos entre os diversos sujeitos passivos deste setor; 
 - Aceitam-se os restantes gastos e rendimentos declarados pelo sujeito passivo. 
 
V.2. Cálculo das vendas 
Conforme descrito no ponto anterior, para determinar as vendas omitidas vai-se recorrer à utilização da medida estatística média da unidade orgânica (distrito do PORTO) do rácio da MB II. 
Os valores das vendas não faturadas encontram-se determinados no quadro seguinte: 
 
 
V.3. Correção em sede de IRC 
Tendo em consideração as correções descritas neste capítulo e no capítulo III, apura-se o seguinte Lucro Tributável Corrigido, discriminado no quadro seguinte.
 
 
V.4.Correção em sede de IVA - IVA não liquidado 
Relativamente às vendas corrigidas com recurso a métodos indiretos, discriminadas nos pontos anteriores, incide IVA à taxa normal de 23%, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA. 
Na falta de outros elementos, considera-se que o valor da omissão de vendas se repartiu 
equitativamente ao longo do ano pelo que se apura o montante de imposto que não foi entregue nos cofres do Estado, nos termos dos artigos 27.º e 41.º do CIVA, discriminado nos quadros que a seguir se apresentam: 
Ano de 2014
 
 
K) O processo de inquérito criminal com o n.º .../16...T9FLG foi iniciado com base numa denúncia anónima que consta do documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte: 
Quero denunciar a firma C... UNIPESSOAL, LDA com sede na rua ...- ..., pelos seguintes motivos:
1- A firma está registada em nome da filha mais velha que nunca exerceu qualquer cargo na empresa, assinando somente os documentos oficiais; os seus verdadeiros patrões e gerentes sempre foram e são seus pais, D... e E...;
2- Estes dois senhores foram os sócios gerentes da firma F..., LDA, com sede nas mesmas instalações que, depois da falência fraudulenta desta, fundaram nova firma em nome da filha mais velha, ao tempo, a única com maioridade G..., desviando todos os bens para o nome desta e os ativos da firma F..., Lda para a nova empresa C... Unipessoal, Lda;
3- O senhor D... nunca esteve desempregado, trabalhou sempre a tempo inteiro em C... Unipessoal, Lda exercendo a gerência conjuntamente com sua esposa E..., mas nunca declarou com o objectivo de enganar a AT e a Segurança Social e, como a esposa declarou sempre o salário mínimo assim só não pagavam as dividas ao fisco e, ao mesmo tempo, toda a família beneficiava de todos os apoios sociais, em prejuízo de outros que, com menores rendimentos, nada beneficiavam;
4- São estes dois senhores os verdadeiros proprietários da casa, das instalações fabris e dos carros registados ora no nome da filha ora no nome da firma C... Unipessoal, Lda;
5- A filha, G..., aquando da criação da firma da qual é, supostamente, única sócia, habitava para os lados da cidade do Porto num apartamento que sempre foi pago por seu pai, onde começou a sua atividade profissional por conta de outrem, trabalhando atualmente para a H..., vendendo café (consultem no Facebook);
6- A firma C... Unipessoal, Lda, faz concorrência desleal porque grande parte da sua produção de corte e costura de gáspeas para calçado é para o mercado nacional e a firma para quem trabalha possibilita-lhe a não faturação de grande da sua produção, rondando os 400 pares por dia; A empresa em questão denomina-se A... e tem sede em ..., ..., cuja maioria da produção se destina a ser vendida, sem fatura, no mercado nacional; isto é uma prática normal das empresas do ramo do calçado, mesmo daquelas que exportam para Espanha, porque usam o método da entrega direta ao cliente, durante a noite ou ao fim de semana; são muitas as empresas que utilizam este esquema de fuga ao fisco; HÁ EMPRESAS QUE TÊM PROGRAMAS DE FATURAÇÃO PARALELA, cuja fatura só entra na contabilidade oficial em caso de a mercadoria ser fiscalizada durante o trajeto ou no destino;
L) As competências de investigação no âmbito do referido inquérito foram, atribuídas aos «serviços de investigação criminal das Finanças do Porto», sendo na sequência dessa atribuição que foi efectuada a inspecção que está subjacente às liquidações impugnadas (cópia do despacho de arquivamento a consta do processo administrativo, página 33);
M) O processo de inquérito criminal referido terminou com arquivamento quanto à ora Requerente «por não haver indícios suficientes» de responsabilidade criminal, nos termos do despacho cuja cópia consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido; 
N) Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu os seguintes actos:
- Liquidação adicional do IRC n.º 2021 ... de 27-01-2021 e dos juros compensatórios n.º 2021 ... e respectiva Demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., referentes ao exercício de 2014, para pagamento voluntário até 16-03-2021, do montante global de € 145.681,27; 
-Liquidações adicionais do IVA e dos juros compensatórios, para pagamento voluntário até ao dia 16-03-2021, referentes a cada um dos períodos de imposto 
seguintes: 
 
(documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
O) Em 15-03-2021, a Requerente pagou as quantias liquidadas (documento n.º 4 e documentos n.ºs 1, 2 e 3, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
P) A Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas, que foi indeferida por despacho de 22-12-2021, cujo teor se dá como reproduzido, em cuja fundamentação se refere, além do mais, o seguinte:
O despacho de arquivamento do referido processo de inquérito tem data de 2021-05-17, sendo que necessariamente a data de transito em julgado é posterior a esta. Assim, os tributos a que se refere o despacho de arquivamento poderiam ser liquidados, nos termos do n.° 5 do artigo 45° da LGT, no mínimo até 2022-05-17.
Ao contrário do que tenta fazer crer a reclamante, a identidade objetiva e subjetiva do processo de inquérito face aos factos descritos no RIT não oferece qualquer dúvida como se verifica pelos seguintes extratos do despacho de arquivamento que se transcrevem:
..." Os presentes autos tiveram o seu início com a denúncia anónima a qual refere em síntese que:
«há empresas que têm programas de faturação paralela, cuja fatura só entra na contabilidade oficial em caso da mercadoria ser fiscalizada durante o trajeto ou no destino;
Na maioria dos casos, isto é, do conhecimento dos TOCs e dos gabinetes de contabilidade que, com a ajuda de programadores informáticos lhes ensinam a montar o esquema; é um polvo enorme em torno desta indústria, na região, envolvendo fornecedores, fabricantes, armazenistas de calçado, feirantes, comerciantes a retalho, fornecedores de serviços, etc"...
"É nos fabricantes ara o mercado nacional onde a fuga ao fisco e o recurso às ajudas do estado fraudulentas são mais generalizadas, onde também é permitido trabalharem pessoas com baixa médica ou auferindo o subsídio de desemprego...»
"... Tal queixa refere que os envolvidos são pelo menos 3 empresas do setor de calçado nomeadamente.... e A..., Lda..."
..." Tais factos, em abstrato e tal e qual foram participados são suscetíveis de integrarem a prática do crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. nos termos do disposto no art° 103° e 104° do RGIT."...
..." Foi ordenada a abertura do presente inquérito tendo sido, atenta a matéria em causa, as competências de investigação diferidas nos serviços de investigação criminal das Finanças do Porto." ... Leia-se: " da Direção de Finanças do Porto".
E ainda:
..." Como referimos a sociedade "A..., Lda" foi sujeita a um procedimento inspetivo externo credenciado pelas Ordens de Serviço n.°OI2016..., OI2016... e OI2016... de âmbito parcial em sede de IRC e IVA, posteriormente alterada para geral, com incidência respetivamente, sobre os exercícios fiscais de 2014, 2015 e 2016, e que decorreu entre 25.03.2019 e 19.10.2020".....
... "Pois bem, aqui chegados, conforme refere o relatório final da AT, no que tange à "A..., Lda" temos duas situações que importa dissecar, para efeito de eventual imputação penal tributária:
a) As correções em sede de IRC e IVA que se sustentaram, em termos fiscais, na aplicação de métodos indiretos via aplicação de rácios do setor e
b) As correções que assentaram na aplicação da presunção que sujeita a retenção a retenção na fonte os rendimentos considerados adiantamentos por conta de lucros
1) Da aplicação de métodos indiretos para efeitos de cálculo do lucro tributável / matéria coletável da indiciada.
Como se referiu a inspeção tributária recorreu à aplicação de métodos indiretos para estimar as vendas emitidas pela indiciada.
Assim, quer os valores de IRC dos anos fiscais de 2014, 2015 e 2016, quer os valores de IVA que integram os períodos desses anos, como apontado, foram quantificados com recurso a indicadores do setor." ...
"Ora, não obstante o recurso a esse método para quantificação do rendimento tributável em sede de IRC e consequentemente do IVA omitidos, encerrar um meio perfeitamente legítimo para fins de tributação, a sua utilização para determinar ou sustentar uma acusação e/ou condenação penal, tem de ser avaliada «cum grano salis» ...
E, conclui: ... "Nessa conformidade, com os elementos reunidos nos autos não é possível quantificar (nem sequer em termos aproximados) da eventual vantagem patrimonial dos arguidos, pelo que não é possível garantir, com a certeza exigível para a condenação da mesma em sede de julgamento, pois estamos face ao que acima se expôs, perante uma margem de erro que não admite o funcionamento da presunção."..."
.... "Pelo exposto, no que concerne a responsabilidade criminal da A..., Lda determino o arquivamento dos autos, por não haver prova de indícios suficientes da prática do mesmo, nos termos do disposto no artigo 277°, n.°2, do Código do Processo Penal." Face ao ora transcrito e do seu confronto com o teor do relatório de inspeção tributária, resulta translúcido que:
a) os factos insertos no RIT relativos ao ano de 2014 fazem parte do processo de Inquérito n.° .../16..T9FLG e não incide apenas sobre factos do ano de 2016 e seguintes como alega a reclamante;
b) o inquérito criminal em referência foi dirigido contra a reclamante e tem como objeto a averiguação de factos que são também factos atinente às liquidações reclamadas (designadamente, omissão de vendas).
Nestes termos, o prazo para o exercício de liquidar IRC e IVA do ano de 2014 por parte da AT ficou assim alargado.
Por outro lado, tendo o inquérito criminal sito instaurado em 2016 [tal como resulta do seu próprio número], dúvidas também não restam que há data ainda faltavam mais de 2 anos para o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação do IRC e do IVA do ano de 2014.
Ademais, para o alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, previsto no n.° 5 do art. 45.° da LGT, é indiferente que no correspondente processo crime não venha, posteriormente, a ser proferida condenação.
Mais se refere, que o despacho de arquivamento do qual transcrevemos o segmento que importa para os presentes autos, por se reportar a procedimento criminal que lhe é dirigido, é certamente do seu conhecimento.
Face ao exposto não colhe aceitação a alegação da caducidade do direito à liquidação dos tributos relativos ao ano de 2014 incluídos nos referidos procedimentos inspetivo e de liquidação. (processo administrativo);
Q) Em 21-03-2022, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
 
 
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto 
 
2.2.1. Não se provou que do processo de inquérito criminal não conste terem sido ordenadas quaisquer diligências de investigação e recolha de provas sobre a existência do crime denunciado e as pessoas que o praticaram (quando, por quem e de que modo foi praticado o crime indiciado). 
Na verdade, depreende-se do despacho de arquivamento que as competências para investigação foram atribuídas «às Finanças do Porto» e, relativamente a aqui Requerente, as diligências efectuadas são as que constam do procedimento inspectivo.
 
2.2.2. Não se provou que do processo de inquérito criminal não consta ter sido promovida pelo Ministério Publico a intervenção da AT, enquanto órgão de polícia criminal, para o coadjuvar na realização das diligências de investigação e prova no âmbito daquele concreto inquérito.
Na verdade, embora não conste do presente processo todo o conteúdo do inquérito referido, o que se infere do despacho de arquivamento é que terão sido atribuídas competências para investigação «às Finanças do Porto» e que na sequência dessa atribuição foram realizadas as diligências que se referem no Relatório da Inspecção Tributária que consta dos autos.
 
2.2.3. Não se provou em que termos terá sido revogada a liquidação de IVA relativa ao período de Junho de 2014, que a Autoridade Tributária e Aduaneira comunicou em 22-06-2022.
A Autoridade Tributária e Aduaneira comunicou a revogação de «atos tributários referentes ao período 2014-06, relativamente aos quais se procedeu à anulação da correção de IVA no valor de €1.150,00, com as devidas e legais consequências, nomeadamente a anulação da correção negativa em sede de IRC relativamente ao ano de 2015 (de igual montante)», mas não juntou ao processo qualquer documento comprovativo da prolação de um despacho de revogação ou emissão de nova liquidação quanto a esse período de Junho de 2014.
A correcção referida reporta-se a IVA deduzido em duplicado em Junho de 2014.
A liquidação de IVA relativa ao período de Junho de 2014 tem o valor de € 1.412,88 e, relativamente a este período, foram liquidados juros compensatórios no valor de € 342,34, o que perfaz € 1.755,22. 
Não é claro, à face do que consta dos autos, em que termos a Autoridade Tributária e Aduaneira terá, eventualmente, reflectido ou não nas liquidações de IVA e juros compensatórios relativas ao período de Junho de 2014 a anulação que comunicou ter efectuado. Designadamente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, na comunicação da revogação, nem sequer alude à liquidação de juros compensatórios.
 
2.2.4. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.
 
 
3. Matéria de direito
 
A Requerente restringe o pedido de pronúncia arbitral às correcções efectuadas em sede de IRC e IVA relativas ao período de 2014.
A Autoridade Tributária e Aduaneira comunicou a revogação da liquidação de IVA relativa ao período de Junho de € 1.150,00, mas não juntou ao processo cópia de qualquer decisão administrativa sobre essa matéria. 
A Requerente imputa às liquidações vício de caducidade do direito de liquidação e de violação «dos princípios constitucionais da boa-fé e da segurança jurídica».
 
3.1. Questão da caducidade do direito de liquidação
 
O prazo geral de exercício do direito de liquidação de IRC é de quatro anos a contar do termo do ano em que se verificou o facto tributário (artigo 45.º, n.ºs 1 e 4, da LGT).
No caso dos autos, os factos tributários a que se reportam as liquidações impugnadas ocorreram no ano de 2014 e as liquidações impugnadas foram emitidas em 2021, todas elas depois do decurso do respectivo prazo geral referido.
No entanto, no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, reintroduzido pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, estabelece-se que «sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano». 
Em consonância com esta norma, o artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA) estabelece que «o procedimento de inspecção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou do procedimento sancionatório, sem prejuízo do direito de exame de documentos relativos a situações tributárias já abrangidas por aquele prazo, que os sujeitos passivos e demais obrigados tributários tenham a obrigação de conservar» (n.º 1) e que «o prazo para conclusão do procedimento de inspeção suspende-se quando (...) seja instaurado processo de inquérito criminal sem que seja feita a liquidação dos impostos em dívida, mantendo-se a suspensão até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença».
Como resulta do próprio texto do referido artigo 45.º, ao exigir que o direito a liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, para aplicação do alargamento do prazo é necessário, desde logo, que se prove que o direito de liquidação se baseia em factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o que pressupõe o conhecimento dos factos concretos que foram alvo da investigação criminal. (   )
Por outro lado, como se refere no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18-01-2012, processo 00670/08.1BEBRG, na esteira do acórdão do mesmo Tribunal de 22-04-2010, que cita, «para que se verifique esse alargamento do prazo de caducidade é imperioso que os factos tributários subjacentes à (s) liquidação (ões) em causa tenham sido objecto de uma investigação em sede criminal e quanto a eles instaurado inquérito criminal “o que se compreende, pois não havendo a exigida identidade dos factos investigados no âmbito do processo penal e aqueles que constituem pressuposto da liquidação, não se vislumbra de que forma a pendência daquele processo possa afectar o exercício do direito de liquidação dos tributos”».
É necessário, assim, que haja uma relação entre a possibilidade de exercício do direito de liquidação e a pendência do processo de inquérito, de forma a poder afirmar-se que o direito de liquidação não podia ser exercido nos termos correctos sem conhecimento de factos apurados no inquérito.
Esta conclusão sobre a restrição do alargamento do prazo de caducidade do direito de liquidação aos casos em que o correcto apuramento do imposto dependente de factos apurados em inquérito criminal está em consonância com a intenção legislativa expressamente publicitada pelo Governo na p. 30 da Actualização de Dezembro de 2005 ao Programa de Estabilidade e Crescimento 2005-2009, apresentada à Assembleia da República em sintonia com a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2006 (   ), em que veio a ser introduzido na LGT a norma referida:
 
No Orçamento de Estado para 2006 foi alterado o regime da caducidade do direito à liquidação dos tributos (em regra, nos impostos periódicos, 4 anos a contar do ano seguinte àquele em que ocorreu o facto tributário e nos impostos de obrigação única, a contar da data da ocorrência do facto tributário) no sentido de se prever que, estando o correcto apuramento do imposto dependente de factos apurados em inquérito criminal, aquele prazo é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da respectiva sentença, acrescido de um ano. Com tal alteração visa-se, no essencial, prevenir que aqueles que são indiciados ou até acusados da prática de ilícitos criminais de natureza tributária não beneficiem, por virtude do decurso do prazo de caducidade, da não liquidação de imposto, com a inerente desobrigação de proceder ao seu pagamento, por virtude da prática daqueles ilícitos. Pretende-se, assim, a moralização do ordenamento jurídico-tributário e um mais eficaz combate à fraude e evasão fiscal; (destaque nosso).
 
É, assim, claro que, na perspectiva legislativa, o alargamento do prazo referido apenas se justifica em situações em que «o correcto apuramento do imposto (esteja) dependente de factos apurados em inquérito criminal».
À face desta clarificação da ratio legis do alargamento do prazo de caducidade do direito de liquidação, é de concluir, como se concluiu no acórdão arbitral de 18-11-2015, proferido no processo n.º 199/2015-T que «só operará a extensão do prazo de caducidade do direito à liquidação de tributos, a que se refere o artigo 45.º/5 da LGT, caso se demonstre que aquele direito estava – efectivamente e em concreto – condicionado pelo resultado da investigação criminal».
Assim, os elementos racional e histórico da interpretação apontam decisivamente no sentido de o alargamento do prazo apenas se verificar quando a liquidação não poderia ter sido efectuada sem prévio apuramento de factos que foram objecto de averiguação em inquérito criminal, mesmo que esses factos não conduzam a uma acusação criminal.
 
3.1.1. Questão da caducidade do direito de liquidação quanto ao valor de € 1.150,00 de IVA deduzido em duplicado em Junho de 2014.
 
No caso em apreço, os factos que foram objecto da denúncia que deu origem ao inquérito criminal, relativamente à aqui Requerente, reportam-se a esta possibilitar à firma C... Unipessoal «a não faturação de grande da sua produção, rondando os 400 pares por dia» e a maioria da produção se destinar «a ser vendida, sem fatura, no mercado nacional».
Não se engloba, manifestamente, no âmbito do inquérito criminal o apuramento da dedução de IVA em duplicado que a Autoridade Tributária e Aduaneira detectou no procedimento inspectivo, relativamente ao período de Junho de 2014.
 Assim, é evidente que, quanto a esta correcção, não há fundamento para aplicação do prazo alargado previsto no n.º 5 do artigo 45.º como a própria Autoridade Tributária e Aduaneira já reconheceu, ao afirmar que revogou a liquidação nessa medida.
Por isso, tendo a liquidação de IVA relativa ao período de Junho de 2014 sido emitida em 2021, é forçoso concluir que ocorreu, quanto a esta correcção, caducidade do direito de liquidação, o que constitui vício de violação de lei que justifica a anulação desta liquidação na parte respectiva, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT. 
A liquidação de juros compensatórios relativa ao período de Junho de 2014 tem como pressuposto a respectiva liquidação de IVA, pelo que enferma do mesmo vício que afecta, o justifica também a sua anulação, na parte correspondente.
 
 
3.1.2. Questão da caducidade do direito de liquidação quanto às liquidações de IRC e IVA baseadas em métodos indirectos.
 
Como se referiu, na denúncia anónima que deu origem ao inquérito criminal, no que concerne à aqui Requerente, refere-se que esta possibilitou à firma C... Unipessoal «a não faturação de grande da sua produção, rondando os 400 pares por dia» e a maioria da sua produção se destinar «a ser vendida, sem fatura, no mercado nacional».
Ora, excepto na parte referente ao valor de € 1.150,00 de IVA deduzido em duplicado em Junho de 2014, as liquidações de IRC e IVA que são objecto deste processo arbitral baseiam-se, precisamente, na venda de mercadorias sem facturação, que, com base em presunções, a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou ter ocorrido e que levou a que a matéria tributável fosse determinada com base em métodos indirectos, tendo em vista determinar o valor presumível da facturação omitida.
Está-se perante uma situação que se enquadra na letra do n.º 5 do artigo 45.ºda LGT, pois as liquidações assentam na (presumida) omissão de emissão de facturas pela Requerente, para cujo apuramento foi instaurado o inquérito criminal, isto é, as liquidações baseiam-se em factos (venda de mercadorias sem facturação) «relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal».
Aliás, como se infere do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, em que se refere que «foi ordenada e abertura do presente inquérito tendo sido, atenta a matéria em causa, as competências de investigação diferidas (SIC) nos serviços de investigação criminal das Finanças do Porto» e que «nessa sequência foram desencadeados os respectivos procedimentos inspectivos» e não se faz alusão a qualquer outras diligências, a única actividade de investigação efectuada no âmbito do inquérito criminal foi a levada a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira através da inspecção tributária que está na base das liquidações impugnadas, pelo que os factos que foram objecto de averiguação no processo criminal são os mesmos que estão subjacentes às liquidações. (   )
Por outro lado, a relação do procedimento de inspecção com o inquérito criminal e sua natureza de investigação de crime fiscal é expressamente referida no Relatório da Inspecção Tributária, em que se indica como «Motivo: Apuramento de existência de fraude fiscal» (página 7 do RIT).
E, como se concluiu no RIT «atendendo aos valores declarados e justificados pelo sujeito passivo no decurso da presente análise, bem como das situações acima descritas, conclui-se pela existência de indícios de omissão de vendas», que era um objectivo da instauração do processo criminal, quanto à aqui Requerente.
Por isso, é forçoso concluir que os factos que servem de base às liquidações de IRC e IVA baseadas em métodos indiretos foram apurados em inquérito criminal, pois o próprio procedimento inspectivo, neste contexto de atribuição de competências investigatórias à Autoridade Tributária e Aduaneira, é parte do processo de inquérito criminal e consubstancia a sua essência.
Isto é, todos os factos que a Autoridade Tributária e Aduaneira apurou no procedimento inspectivo foram também apurados no processo criminal que lhe deu origem, de que aquele procedimento faz parte.
Por outro lado, a omissão de facturação, tanto em processo criminal como em procedimento tributário, pode ser considerada provada com base em presunções (   ) e os factos que estão subjacentes as estas foram apurados no âmbito do inquérito criminal, em que se insere o procedimento inspectivo. É a omissão de facturação pela Requerente que foi objecto do inquérito que no procedimento de inspecção se considerou demonstrada, com base em presunções.
O facto de o Ministério Público ter entendido que os factos que, com base em presunções, levaram a concluir, no procedimento de inspecção, pela existência de vendas de mercadorias feitas pela Requerente sem facturação não podem servir de base a uma acusação criminal é irrelevante para efeitos de afastamento do alargamento do prazo de caducidade do direito de liquidação, pois este não depende da dedução no processo criminal de uma acusação, como se infere da referência que no n.º 5 do artigo 45.º da LGT se faz ao alargamento do prazo «até ao arquivamento». Da mesma forma, não é exigido por este n.º 5 do artigo 45.º, para aplicação do alargamento do prazo de caducidade do direito de liquidação, que o sujeito passivo seja constituído arguido no processo criminal.
Assim, tem de se concluir que é de aplicar o prazo de caducidade do direito de liquidação alargado nos termos daquele n.º 5 do artigo 45.º da LGT, e que, consequentemente, o procedimento de inspecção podia ser iniciado dentro deste prazo alargado, nos termos do n.º 1 do artigo 36.º do RCPITA.
Improcede, assim, o vício de caducidade do direito de liquidação quanto às liquidações de IRC e IVA, nas partes em que se basearam na avaliação da matéria tributável com base em métodos indirectos.
 
3.2. Questão da violação do princípio da boa-fé.
 
O artigo 266.º, n.º 2, da CRP e o artigo 55.º da LGT impõem à Autoridade Tributária e Aduaneira que actue com observância do princípio da boa-fé.
O artigo 10.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, esclarece que, no cumprimento do princípio da boa-fé «devem ponderar-se os valores fundamentais do Direito relevantes em face das situações consideradas, e, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa e o objetivo a alcançar com a atuação empreendida». 
A Requerente imputa à Autoridade Tributária e Aduaneira violação do princípio da boa-fé por: 
– ter dado início a um procedimento inspectivo para além do prazo de caducidade (artigo 88.º do pedido de pronúncia arbitral);
– ter omitido referência à relação do procedimento inspectivo com um inquérito criminal o que obstou a que «a Requerente para que pudesse aproveitar do direito ao silêncio à não autoincriminação» (artigo 89.º do pedido de pronúncia arbitral).
 
Relativamente ao primeiro fundamento invocado, já foi referido no ponto anterior que o procedimento inspectivo foi instaurado dentro do prazo de caducidade do direito de liquidação, ampliado nos termos do artigo 45.º, n.º 5, da LGT.
No que concerne ao segundo fundamento invocado, se é certo que na carta-aviso datada de 12-03-2019 e na nota de diligência de 25-03-3019 que constam dos documentos n.ºs 5 e 6 juntos pela Requerente não se faz referência à relação do procedimento inspectivo com um inquérito criminal, também o é que a Requerente foi notificada da existência dessa relação através da notificação efectuada em 20-05-2019, que consta do documento n.º 7, e não há qualquer indício nos autos de que entre essas duas datas tenha ocorrido qualquer colaboração da Requerente no procedimento inspectivo que pudesse pôr em causa o direito ao silêncio que invoca. Na verdade, não é referido no RIT qualquer acto de colaboração da Requerente antes da prestação da notificação de 28-10-2019, que se refere na página 28 do RIT. (   )
Por outro lado, para efeito de protecção dos direitos de defesa dos sujeitos passivos, essa informação sobre a existência de relação do procedimento inspectivo com um inquérito criminal não tem de ser efectuada na carta aviso e notificação do início da inspecção, mas apenas antes ou no momento em que é pedida a colaboração do sujeito passivo, o que é objecto de notificação autónoma, como se prevê no artigo 37.º, n.º 1, do RCPITA.
Assim, não se demonstra violação do princípio da boa-fé, designadamente por falta de informação que pudesse prejudicar os direitos de defesa da Requerente.
Por isso, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a esse vício.
 
3.3. Questão da violação do princípio da legalidade.
 
A Requerente imputa ainda às liquidações impugnadas vício de violação do princípio da legalidade, cuja observância lhe é imposta pelos artigos 3.º e 266.º, n.º2, da CRP e que se traduz em que «a Administração Pública só pode fazer o que lhe é permitido pela Constituição e a lei, e nos exatos termos em que elas o permitem».
No caso em apreço, não ocorreu violação deste princípio, pois, como se referiu, tem suporte legal a aplicação do prazo alargado de caducidade do direito de liquidação.
 
3.4. Questão do ónus da prova. 
 
No âmbito desta questão suscitada pela Requerente, defende que cabia à Autoridade Tributária e Aduaneira «o ónus de provar que não se mostrava caducado o direito a liquidação invocado», por força do preceituado no artigo 74.º da LGT.
A questão do ónus da prova só se coloca em situações em que, após a produção da prova, se chega a uma situação de non liquet quanto a qualquer facto relevante a decisão.
No caso em apreço, provaram-se os factos que justificam a aplicação do prazo alargado de caducidade do direito de liquidação, pelo que não ocorre violação daquele artigo 74.º da LGT.
 
3.5. Questão da violação dos princípios da certeza e segurança jurídicas, da confiança legitima e da proporcionalidade.
 
Na conclusão que formula no pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alude aos princípios da certeza e segurança jurídicas, da confiança legítima e da proporcionalidade.
A invocada violação destes princípios está relacionada com a caducidade do direito de liquidação que invocou.
Como se referiu, não ocorreu a caducidade do direito de liquidação e, sendo o procedimento inspectivo instaurado dentro do prazo alargado de caducidade do direito de liquidação previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT e as liquidações emitidas dentro deste prazo não ocorre violação dos princípios da certeza e segurança jurídicas e da confiança legítima, pois estas apenas se podem justificar depois de decorrido o prazo legal de caducidade do direito de liquidação.
No que concerne ao princípio da proporcionalidade, a Requerente defende apenas que pelas liquidações impugnadas foi imposto «à Requerente um sacrifício desproporcionado, quer no que se refere ao esforço exigido durante o procedimento quer dos efeitos a dos atos tributários praticados e controvertidos».
A colaboração dos sujeitos passivos com a Autoridade Tributária e Aduaneira no âmbito do procedimento de inspecção, através da «prestação dos esclarecimentos que esta lhes solicitar sobre a sua situação tributária», está prevista no n.º 4 do artigo 59.º da LGT.
No caso em apreço, os esclarecimentos e a documentação solicitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira afiguram-se adequados para averiguar a existência de omissão de facturação que justificou a instauração do procedimento inspectivo, não explicando a Requerente, nem se vislumbrando, qualquer razão para considerar que lhe foi imposto um sacrifício desproporcionado ou desnecessário para apuramento os factos que eram objecto do inquérito criminal e do procedimento de inspecção.
No que concerne aos «efeitos a dos atos tributários praticados e controvertidos», a tributação, na parte em que assenta na aplicação de métodos indirectos, é que resulta da quantificação efectuada no âmbito do procedimento de revisão, quantificação esta que não é questionada no presente processo e cuja apreciação não se insere nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, por força do disposto no artigo 4.º, n.º 1, do RJAT e artigo 2.º, alínea b) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Assim, sendo exigida à Requerente a tributação que corresponde a essa quantificação da matéria tributável, não se pode considerar que lhe seja imposto um sacrifício desproporcionado.
Improcede, assim o pedido de pronúncia arbitral quanto a estes vícios.
 
 
4. Pedido de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios.
 
A Requerente pagou as quantias liquidadas e pede reembolso do imposto indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.
Resulta do exposto que o pedido de pronúncia arbitral apenas procede parcialmente, quanto à liquidação de IVA relativa ao mês de Junho de 2014, com o n.º 2021 ... (demonstração de acerto de contas n.º 2021 ...), quanto ao valor de € 1.150.00,e respectiva liquidação de juros compensatórios, com o n.º 2021 ... (demonstração de acerto de contas n.º 2021 ...), na parte correspondente àquela correcção, que é de € 278,64 (foram liquidados juros compensatórios no valor de € 342,34 relativamente à liquidação de IVA de € 1.412,88, pelo que a parte da liquidação de juros compensatórios que corresponde à referida correcção de € 1.150,00 é de € 278,64).
Assim, na sequência da anulação parcial das liquidações de IVA e juros compensatórios relativas ao mês de Junho de 2014, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia de € 1.428,64 (€ 1.150.00 + € 278,64), o que é consequência da anulação.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte: 
 
Artigo 43.º
 Pagamento indevido da prestação tributária
 
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos; 
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
 
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.
 
No que concerne à referida correcção no montante de € 1.150,00, por IVA indevidamente deduzido, os erros que afectam as correspondentes liquidações de IVA e juros compensatórios são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi esta que as emitiu, apesar de estar caducado o direito de liquidação. 
Por isso, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia € 1.428,64, que devem ser contados, desde a data em que o pagamento foi efectuado (15-03-2021), até ao integral reembolso ao respectivo Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
 
 
5. Decisão
 
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
 
a) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular parcialmente a liquidação de IVA relativa ao mês de Junho de 2014, com o n.º 2021 ... (demonstração de acerto de contas n.º 2021 ...), quanto ao valor de € 1.150.00 indevidamente deduzido;
c) Anular parcialmente a liquidação de juros compensatórios, com o n.º 2021 ... (demonstração de acerto de contas n.º 2021 ...), relativa ao período de Junho de 2014, quanto ao valor de € 278,64;
d) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações de IRC e às restantes liquidações de IVA e de juros compensatórios e ainda às partes restantes das liquidações de IVA e juros compensatórios relativas ao período de Junho de 2014;
e) Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso de quantias pagas, quanto ao valor de € 1.428,64 (€ 1.150.00 + € 278,64) e julgá-lo improcedente na parte restante;
f) Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão, e condenar a Administração Tributária a pagá-los à Requerente.
 
 
 
6. Valor do processo
 
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 286.205,13, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
 
7. Custas
 
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 99,5% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 0,5%.
 
 
 
Lisboa, 29-08-2022
 
Os Árbitros
 
 
(Jorge Lopes de Sousa)
(Relator)
 
 
(Luís Baptista)
 
 
(Henrique Nogueira Nunes)