DECISÃO ARBITRAL
1.RELATÓRIO
No dia 29 de dezembro de 2021, A..., contribuinte fiscal nº..., residente na ..., ...-... Tavira, veio, nos termos do disposto no artigo 10º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), requerer a constituição de tribunal arbitral, com vista à declaração de ilegalidade e respetiva anulação, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020..., apresentada em relação à liquidação do IRS nº 2020..., do ano de 2016, no montante de € 42 684,17 (quarenta e dois mil seiscentos e oitenta e quatro euros e dezassete cêntimos), bem como em relação aos juros compensatórios, no montante de € 327,37 (trezentos e vinte e sete euros e trinta e sete cêntimos) e custas, no montante de € 216,12, tudo num total de € 43 227,66 (quarenta e três mil, duzentos e vinte e sete euros e sessenta e seis cêntimos).
No Pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro tendo sido designado, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o signatário, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.
O tribunal arbitral ficou constituído no 02 de março de 2022.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, de ora em diante a AT, apresentou a respetiva resposta no dia 30 de março de 2022.
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo n.º: 589/2016-T
Tema: IRS – mais-valias – alienação de habitação própria e permanente e
reinvestimento - exclusão de tributação – artigo 10º, nº 1, alínea a) e nº 5.
No dia 27 de junho de 2022 realizou-se a inquirição da testemunha arrolada e o tribunal fixou o prazo para apresentação de alegações escritas, simultâneas, que vieram a ser apresentadas nos dias 1 e 6 de julho de 2022, indicando-se que a sentença arbitral seria proferida até ao dia 2 de setembro de 2022.
O Requerente pretende que seja anulado o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), os juros compensatórios e as custas, com fundamento em errónea qualificação dos factos tributários.
SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer do ato de liquidação de IRS impugnado, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”).
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Não foram identificadas questões prévias a apreciar ou nulidades processuais.
MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
-
O Requerente adquiriu no dia 31 de outubro de 2013, por € 200.120,00 um imóvel, sito em ..., ..., em Tavira, inscrito sob o artigo matricial nº ..., da União de freguesias de ... e ..., em Tavira.
-
O Requerente efetuou obras no imóvel, no montante de € 24 600.
-
O Requerente mudou a sua residência para a ..., ..., ...-... Tavira, no dia 8 de junho de 2015, morada que corresponde ao imóvel adquirido em 2013.
-
No dia 17 de fevereiro de 2016, o Requerente declarou junto da AT a alteração do seu domicílio fiscal para a ..., ..., ...-... Tavira.
-
O Requerente procedeu à venda do imóvel adquirido em 2013, identificado no ponto A, no dia 3 de maio de 2016, pelo preço de € 423 000.
-
No dia 9 de junho de 2016, o Requerente procedeu à aquisição de um lote de terreno para construção por € 83 000, sito na Rua ..., ... em ..., na União das freguesias de ... e ..., em Tavira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o nº ... e inscrito na matriz predial sob o artigo ... .
-
No dia 3 de novembro de 2017, o Requerente declarou junto da AT a alteração do seu domicílio fiscal para a Rua ..., ..., ...-... Tavira, morada que coincide com a do terreno para construção que havia adquirido no dia 9 de junho de 2016.
-
Na declaração modelo 3 do IRS de 2016, o Requerente declarou, no anexo G, a intenção de proceder ao reinvestimento do valor de realização proveniente da venda do imóvel que havia adquirido em 2013.
-
No ano de 2019, o Requerente concluiu a construção do imóvel e, no dia 23 de maio desse mesmo ano, entregou a declaração modelo 1 do IMI, com vista à inscrição do novo prédio na matriz.
-
Como consequência da entrega do modelo 1, a AT efetuou a avaliação do imóvel, que ficou inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias de ... sob o artigo ... .
-
Em outubro de 2020, a AT efetuou a liquidação adicional do IRS do ano de 2016, a que corresponde o nº 2020 ..., no montante de € 42 684,17 e, mediante a demonstração do acerto de contas nº 2020 ..., notificou o Requerente para proceder ao respetivo pagamento, acrescido dos juros de mora no montante de € 327,37 e das custas referentes ao processo executivo, no montante de € 216,12, tudo num total de € 43 227,66.
-
O Requerente apresentou uma reclamação graciosa no dia 18 de novembro de 2020, a qual veio a ser indeferida por despacho do dia 28 de setembro de 2021.
-
No dia 1 de outubro de 2021, o Requerente efetuou o pagamento da liquidação, dos juros e das custas, no montante de € 43 227,66.
FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a decisão não foram identificados outros factos.
QUESTÃO DECIDENDA
A questão que importa apreciar respeita ao preenchimento dos pressupostos de aplicação do artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS, que prevê a não sujeição a imposto das mais-valias imobiliárias provenientes da alienação de imóveis que tenham sido destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo e do seu agregado familiar, estando em causa, precisamente, aferir se o imóvel transmitido pelo Requerente constituía a sua habitação própria permanente à data da transmissão.
Sobre esta questão, existem várias decisões proferidas no âmbito do CAAD, pelo que iremos seguir muito de perto a fundamentação utilizada no âmbito do processo nº 85/2021-T.
QUADRO LEGAL
A matéria em discussão nos autos é regida pelo disposto no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS que dispõe o seguinte:
“5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
-
O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
-
O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
-
O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação d) (Revogada).”
A Requerida recusou a aplicação do regime de não sujeição a IRS, por considerar que o imóvel não correspondia à habitação própria e permanente do Requerente, pelo que interessa proceder à análise deste conceito.
Interessa começar por verificar a este respeito o disposto no artigo 19.º, n.º 1, alínea a) da LGT, que estabelece que quando o sujeito passivo seja pessoa singular o domicílio fiscal é o local da residência habitual.
Por sua vez, o artigo 13.º, n.º 12 do Código do IRS determina que “[o] domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário.” De referir ainda que os sujeitos passivos têm a obrigação de comunicar qualquer alteração do seu domicílio, no prazo de 15 dias, por força do disposto no artigo 43.º, n.º 1 do CPPT.
A demonstração dos pressupostos de aplicação da disciplina contida no artigo 10.º, n.º 5 do Código cabe em primeira linha, como sustenta a AT, ao Requerente, nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, segundo o qual “[o] ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, aliás, em sintonia com a regra geral do ónus da prova prevista no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil.
Neste sentido, também se pronuncia o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), no processo n.º 0415/10.6BEPNF, de 25 de fevereiro de 2016, que reforça que “o imóvel de ‘partida’ e o de ‘chegada’ têm de ser destinados à habitação própria e permanente. Qualquer outro destino de ambos, ou de só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão de incidência e a mais valia realizada no imóvel de ‘partida’ será tributável (Cf., neste sentido, José Guilherme Xavier de Basto, IRS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, pags. 413/414.) . Cfr ainda acórdão 0892/08 de 11.02.2009 e TCAS n.º 07529/14 de 15.05.2014 e 07073/13 de 12.12.2013.”
Sobre o conceito de habitação própria e permanente para efeitos do citado artigo 10.º, n.º 5, a decisão arbitral no processo n.º 225/2020-T, de 20 de abril de 2021, salienta que a lei não o faculta diretamente e que “[a] razão de ser da consagração do regime do reinvestimento pelo legislador há-de necessariamente ser convocada para a respectiva interpretação. O legislador visou, através do regime, uma finalidade de natureza extrafiscal, qual seja a de incentivar e/ou diminuir ou eliminar obstáculos à aquisição de habitação própria pelas famílias, e em conformidade com a protecção da família e a ponderação das necessidades e rendimentos do agregado familiar que perpassa a nossa Lei Fundamental e, em especial ao que ora nos ocupa, a tributação em IRS. Na qual se tem em consideração a situação pessoal e familiar do SP. O que seja habitação própria decorre sem dificuldade da lei, por força do regime do direito de propriedade, diremos. Os ganhos de mais-valias na transmissão onerosa de bens imóveis hão-de decorrer desde logo da transmissão do direito real de propriedade sobre os mesmos. Será então, o bem imóvel em causa, propriedade do SP. Que é o que sucede nos autos. Já o que seja habitação permanente do SP e/ou do seu agregado familiar passará por identificar o local - habitação - onde se vive habitualmente, com carácter de estabilidade, regularidade, permanência, onde, se se quiser, seja possível afirmar que se centra a vida pessoal/doméstica dos indivíduos e/ou seus agregados familiares. Para o que haverá que recorrer à verificação de circunstâncias de facto, caso a caso. […]
A respeito da finalidade do regime se refere Rui Duarte Morais, assim: “O objectivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias.”, in “Sobre o IRS”, 3.ª Ed., Almedina, 2016””.
Neste âmbito, refere ainda JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO[1] que “[o] objectivo geral do regime de exclusão da incidência é, pois, não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata, de habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de um outro imóvel a que fora dado o mesmo destino. Usa-se uma técnica de roll over, que torna não tributáveis essas mais-valias enquanto os valores de realização forem reinvestidos em imóveis também destinados à habitação […]. A exclusão referida só vale pois para as mais-valias de imóveis destinados à habitação própria e permanente quando o reinvestimento se opera em imóveis com o mesmo destino”.
Por fim, com idêntica posição, PAULA ROSADO PEREIRA considera que “[o] regime de reinvestimento prevê a possibilidade de excluir de tributação as mais-valias decorrentes da transmissão onerosa de um bem imóvel afeto a habitação própria e permanente, mediante o reinvestimento do valor de realização do imóvel transmitido, efetuado dentro dos prazos e condições previstos no artigo 10.º, n.ºs 5, 6 e 7 do CIRS. […]
O propósito do regime de reinvestimento consiste em eliminar os obstáculos, relacionados com a tributação do rendimento, à mudança de habitação por parte dos indivíduos e famílias que disponham de casa própria. […]
Relativamente à natureza da norma do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS – que constitui a base do regime de reinvestimento –, esta é a de uma norma de delimitação negativa de incidência (apesar de o artigo 10.º do CIRS, no qual se insere, ser uma norma de incidência). O n.º 5 do artigo 10.º do CIRS é, normalmente, referido como sendo uma norma de exclusão de incidência tributária. Sem nos afastarmos dessa designação geral, […], não podemos deixar de precisar que, em rigor, nos casos de reinvestimento posterior, se está perante uma suspensão de tributação aplicável mediante a simples manifestação, da declaração de rendimentos referente ao ano de realização, da intenção de proceder ao reinvestimento (artigo 57.º, n.º 4, alínea a) do CIRS). […]
A efetiva exclusão tributária apenas se verifica se e quando ocorrer o reinvestimento, efetuado nos termos e dentro dos prazos estabelecidos legalmente. […] […] a limitação do âmbito de aplicação do regime de reinvestimento aos imóveis para habitação permanente do sujeito passivo ou do agregado familiar (excluindo a sua aplicação a habitação esporádica, por exemplo, a habitações de férias) foi expressamente prevista na Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro. A exclusão de tributação da mais-valia passou, portanto, a ser aplicável apenas nos casos em que tanto o imóvel transmitido como o adquirido são imóveis para habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do agregado familiar. Caso algum dos imóveis em causa tenha outro destino, não se verificam todas as condições necessárias à aplicação do regime de reinvestimento e, consequentemente, a mais-valia obtida na venda do imóvel antigo é tributável.” – v. Manual de IRS, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 202 a 206 e 208.
Na comprovação da residência habitual e permanente opera uma presunção legal, pois, como acima assinalado, de acordo com o preceituado no artigo 13.º, n.º 12 do Código do IRS “o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo”.
Assim, competia ao Requerente provar o facto conhecido em que assenta a presunção, no caso, o domicílio fiscal, para firmar o facto presumido, a sua residência habitual e permanente (v. artigo 349.º do Código Civil).
Determina a lei que quem tem a seu favor a presunção não tem de provar o facto a que ela conduz, invertendo-se o correspondente ónus, o que significa que, comprovando-se, como se comprovou e é consensual, que o domicílio fiscal do Requerente se situava na Urbanização dos Pezinhos, Lote 8, em Tavira, que corresponde à morada do imóvel cuja transmissão gerou as mais-valias em discussão no presente processo, este deve assumir-se como habitação própria e permanente do agregado familiar do Requerente, por via do disposto nos artigos 344.º, n.º 1 e 350.º, n.º 1 do Código Civil.
Esta presunção pode ser ilidida mediante prova do contrário, sendo certo, porém, que, tendo ficado assente que, à data da emissão da licença de utilização, pela Câmara Municipal, no dia 10 de março de 2019, o domicílio fiscal do Requerente era no imóvel sito na Rua ..., em Tavira, imóvel esse que foi construído no terreno que havia sido adquirido no ano de 2016, o afastamento do regime de não sujeição a IRS preconizado pela Requerida fica na dependência da demonstração, por parte desta, de que essa morada não correspondia à habitação própria e permanente do Requerente à data da transmissão, por via do disposto nos artigos 73.º da LGT e 350.º, n.º 2 do Código Civil.
Deste modo, a questão central reside em saber se a Requerida logrou fazer prova do contrário, ou seja, de que o Requerente não habitava de forma permanente na fração sita na Rua ..., em Tavira.
Salvo o devido respeito, a AT não só não efetuou a prova de que o Requerente não habitava no imóvel supra referido, como evidenciou de forma clara e inequívoca que, à data da alienação do imóvel cuja construção ficou concluída em 2019, o Requerente nele tinha o seu domicílio fiscal, por via da alteração comunicada no dia 3 de novembro de 2017.
Assim sendo, dúvidas não existem que, à data da alienação, efetuada no dia 6 de dezembro de 2019, o domicílio fiscal constante do cadastro da AT, coincidia com a morada do imóvel alienado, uma vez que o Requerente, segundo o mesmo cadastro, comunicou uma nova alteração no dia 18 de dezembro de 2019.
DECISÃO
De harmonia com o supra exposto, decide o Tribunal Arbitral julgar o pedido de pronúncia procedente, com as legais consequências.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 43.227,66, correspondente ao valor da liquidação de IRS impugnada, incluindo os juros e as custas, por via do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
CUSTAS
Custas no montante de € 2.142,00, a cargo da Requerida, em razão do decaimento, de acordo com o disposto na Tabela I anexa ao RCPAT e nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 02 de setembro de 2022
O Árbitro singular
Paulo Lourenço
[1] No manual antes citado, IRS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, a pp. 413-414.