Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 763/2021-T
Data da decisão: 2022-09-07   
Valor do pedido: € 17.520,59
Tema: IRS – Caducidade do direito à liquidação – preterição de formalidade essencial – Residência fiscal no território português.
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SUMÁRIO

 

  1. Nos termos do art. 45.º da LGT, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, têm que ocorrer dentro do prazo de quatro anos contados do facto tributários, sob pena de operar a caducidade de tal direito.
  2. As notificações dos atos de alteração dos rendimentos declarados e dos atos de fixação pela Administração Tributária dos rendimentos sujeitos a tributação, liquidados oficiosamente, têm de ser efetuadas por meio de carta registada com aviso de receção.
  3. Não tendo sido cumprida formalidade da carta registada com aviso de receção a Administração Tributária não pode prevalecer-se de qualquer presunção legal de notificação.
  4. O ónus da prova da notificação da liquidação recai sobre a Administração Tributária e deve ser observado através da junção de elementos externos à mesma que comprovem o ingresso da carta de notificação na esfera de cognoscibilidade efetiva do contribuinte.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra Marisa Almeida Araújo, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 1 de fevereiro de 2022, decide:

 

  1. Relatório

 

A..., contribuinte fiscal n.º..., com morada no ..., Paredes de Coura, doravante designado apenas por “Requerente” veio, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante apenas designado por RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, requerer a constituição de tribunal arbitral.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “Requerida” ou “AT”).

 

O Requerente pretende que o Tribunal reconheça a ilegalidade da decisão de indeferimento expresso tomada pela Autoridade Tributária e Aduaneira no procedimento tributário de reclamação graciosa que correu termos sob o n.º ...2021..., bem como seja reconhecida a ilegalidade da liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), ano de 2016, com o n.º 2020..., efetuada a 2 de dezembro de 2020, com o valor total a pagar de imposto, incluindo juros compensatórios, fixado em € 17.520,59 (dezassete mil quinhentos e vinte mil euros e cinquenta e nove cêntimos), determinando-se, por esse motivo, a anulação de ambas e, em conformidade, que seja determinada a restituição integral ao Requerente do valor pago a este título e a que deverá acrescer os juros indemnizatórios peticionados, caso a procedência desta ação arbitral tenha por base o pedido subsidiário efetuado supra, à taxa legal aplicável, a liquidar a final, no momento do reembolso do imposto pago indevidamente, bem como com todas as demais consequências legais.

 

O Requente alega que a 27 de outubro de 2020 recebeu a notificação expedida pela AT, mediante correio registado simples, com o assunto “Declaração de IRS Modelo 3 de 2016”, na qual aquela entidade enunciou, com respeito àquele, que: “Face ao disposto no artigo 57.º do Código do IRS, está V. Exa. obrigado à apresentação da declaração de rendimentos Modelo 3. Não constando da base de dados a sua entrega, deve regularizar a situação entregando a respetiva declaração no prazo de 30 dias, nos termos do n.º 3 do artigo 76.º do Código do IRS, contados a partir do 3.º dia posterior ao do registo, ou do 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil, como estabelece o n.º 1 do artigo 39.º do Código de Procedimento de Processo Tributário. (…). Caso não proceda à entrega da declaração no prazo acima referido, proceder-se-á à liquidação nos termos do n.º 3 do artigo 76.º do Código do IRS, como não casado, salvo se fizer prova da sua entrega ou de que não se encontra obrigado à sua apresentação (…)”.

Em face disto, o Requerente apresentou a sua resposta sustentando não se encontrar obrigado à apresentação da declaração de rendimentos em causa. Segundo o Requerente a divergência ter foi registada como “Regularizada” mas AT emitiu uma liquidação oficiosa do IRS/2016, tendo, para tal, a 27 de novembro de 2020, preenchido uma declaração oficiosa sob o n.º 2016-..., na qual identificou como motivo para o efeito, conforme quadro 10 da sua folha de rosto, o de uma alegada falta na entrega da declaração por parte do aqui Requerente, fundando-se no artigo 76.º, n.1, alíneas b) e c), do Código do IRS. Já no quadro 13 da mesma folha de rosto, a AT assinala o campo 13, determinando que o motivo para a emissão da declaração seria “Outros”.

Segundo o Requerente, a sobredita declaração oficiosa apenas integra o anexo J – rendimentos obtidos no estrangeiro, no qual foram oficiosamente inscritos, no quadro 4A, rendimentos do trabalho dependente (categoria A), no valor de € 69.021,00, e imposto pago no estrangeiro no valor de € 9.657,00, tendo os Países Baixos sido identificados como sendo o País da fonte (código 528) do rendimento. Como informações complementares para os rendimentos da categoria A, a AT inscreveu, no quadro 4B, que os dias de permanência no país de exercício do emprego teriam sido inferiores ou iguais a 183 dias.

Em resultado desta declaração oficiosa gerou-se a liquidação de IRS/2016 com o n.º 2020.... de 2 de dezembro de 2020, enviada ao Requerente, por correio, mediante registo simples, identificado sob o código RY...PT, de 10 de dezembro de 2020.

A referida liquidação tinha um valor total a pagar, incluindo, portanto, juros compensatórios, de € 17.520,59, tendo sido fixada, como data-limite para esse pagamento, o dia 13 de janeiro de 2021. O Requerente procedeu ao pagamento integral deste montante.

O Requerente, por não concordar de todo com esta liquidação oficiosa de IRS/2016 e respetivos juros compensatórios, apresentou um procedimento tributário de reclamação graciosa a 7 de maio de 2021, que correu termos junto da Direção de Finanças de Viana do Castelo sob o n.º ...2021... .

A 15 de junho de 2021, foi proferido pela AT um projeto de decisão de indeferimento do pedido e, mediante despacho emanado a 2 de setembro de 2021, pelo Diretor de Finanças da Direção de Finanças de Viana do Castelo, e na ausência do exercício do direito de audição pelo Requerente, aquela Direção de Finanças indeferiu a pretensão do Requerente.

O Requerente suscita, em primeiro lugar, o vício da caducidade da liquidação oficiosa do IRS/2016 por falta de notificação válida dentro do prazo legal. Sumariamente, o Requerente invoca que, no caso concreto, não foi observada a formalidade legal, porquanto o envio da notificação da liquidação ocorreu mediante correio registado simples, ao invés, de carta registada com aviso de receção.

Por outro lado, invoca o Requerente que foi violado o direito de participação no procedimento administrativo uma vez que a AT, segundo o Requerente, não garantiu a audição prévia que, sendo aspeto essencial daquele direito, radica num vício de forma passível de implicar a anulação da liquidação aqui visada.

Por fim, invoca o Requerente erro sobre os pressupostos de direito, concretamente a falta de residência fiscal no território nacional. Suscita que esteve fora do território português mais do que seis meses pelo que não deve ser considerado residente fiscal em Portugal.

Peticionando que, em qualquer caso, deve ser determinada a anulação total da liquidação oficiosa de IRS/2016, bem como da decisão de indeferimento expresso tomada no âmbito do procedimento tributário de reclamação graciosa que sobre ela incidiu.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado a 21 de novembro de 2021 tendo sido aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD a 23 de novembro de 2021 e seguiu a sua normal tramitação.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou a árbitra do Tribunal Arbitral Singular, aqui signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes, notificadas dessa designação em 12 de janeiro de 2022, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 1 de fevereiro de 2022.

 

Em 9 de março de 2022, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação e pugna pela manutenção na ordem jurídica da liquidação impugnada por entender que a mesma consubstancia uma correta aplicação do direito aos factos.

Na mesma data juntou o processo administrativo.

 

Sumariamente, a Requerida alega que o Requerente não apresentou qualquer declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS relativamente ao ano de 2016 dentro do competente prazo legal para o efeito e, em conformidade com a informação recebida das autoridades holandesas, naquele ano, foram colocados à disposição do reclamante rendimentos de trabalho dependente, pagos pela entidade B... BV, no montante total de 69.021,00€, sobre o qual já havia pago no estrangeiro imposto no montante total de 9.657,00€.

O Requerente consta registado como residente em território nacional e, segundo a Requerida, aqueles rendimentos obtidos em 2016 deveriam ter sido declarados em Portugal em sede de IRS, nos termos do n.º 1 do artigo 15.º do CIRS.

Foi aberto procedimento de divergência, pela falta da competente declaração de rendimentos de IRS relativamente ao ano de 2016, no âmbito do qual foi expedida a notificação nos termos do n.º 3 do artigo 76.º do CIRS (ofício nº GIC-..., com registo postal RY...PT, recebido em 27.10.2020, convidando o Requerente a apresentar a declaração em falta ou a justificar a respetiva dispensa.

Em resposta, o Requerente veio através do Portal das Finanças justificar a divergência, referindo “Não tenho salário em Portugal, mas na Holanda. Pago impostos (IRS) na Holanda”.

No âmbito do mesmo procedimento, através do Portal das Finanças (divergências), foi o Requerente informado de que “Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território. Não sendo- residente, deverá proceder à alteração da residência fiscal em Portugal para o país de efetiva residência com efeitos retroativos a 2016.”.

Segundo a Requerida, na ausência de qualquer reação por parte do Requerente, a AT promoveu a competente liquidação oficiosa, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 76.º do CIRS.

O Requerente apresentou reclamação graciosa e foi proferido despacho de indeferimento expresso do pedido formulado proferido pelo Diretor de Finanças de Viana do Castelo em 2021.09.02.

Discordando deste entendimento, e com os mesmos fundamentos aduzidos na reclamação apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.

Face às questões suscitadas pelo Requerente, a Requerida invoca, sumariamente que:

No que tange à caducidade da liquidação suscita que, para além do preceituado n.º 1 do art. 39.º do CPPT, importa ter em conta o n.º 3 do mesmo preceito que, segundo a Requerida, assevera a perfeição da notificação, através de carta registada, nos casos em que o contribuinte tenha sido consultado em audição prévia e que é o Requerente que confessa que a notificação foi efetuada através de registo simples.

Acrescenta ainda a Requerida que, apesar da notificação se ter realizado através de carta registada, foi alcançado o fim que as formalidades preteridas visavam assegurar, que era levar ao conhecimento do Requerente a liquidação objetada. O que, segundo a perspetiva da Requerida, o fim foi cumprido, apesar de não terem sido observadas todas as exigências legais previstas para a sua efetivação.

Por outro lado, no que concerne à preterição do direito de participação entende a Requerida que o Requerente labora num equívoco factual e jurídico já que o procedimento de divergências, identificado sob o número de irregularidade ...1, possibilitou, precisamente, a justificação da preterição da entrega da declaração modelo. Neste âmbito, o Requerente procedeu à fundamentação da susodita postergação, nos termos agora citados: “Não tenho salário em Portugal, mas na Holanda Pago impostos (IRS) na Holanda.

Por isto entende a Requerida que é manifesto que foi conferida a oportunidade ao Requerente, de pronunciar-se em momento anterior à liquidação objetada.

Acrescenta ainda a Requerida que, mesmo que tivesse sido preterido o direito de audição, tão pouco, essa circunstância teria consequências invalidantes para a liquidação, objeto do presente pedido. Neste âmbito entende sumariamente a Requerida, na senda de diversos acórdãos que sempre se poderá convalidar o “(...) ato primário que enferme de vício de violação do direito de audição se o interessado veio a utilizar meios de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) e neles acabou por ter oportunidade de se pronunciar sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau.”

Por fim, quanto à residência em território nacional entende a Requerida que o Requerente não logrou demonstrar a sua não residência em Portugal, mormente tendo em conta que o documento não tem qualquer título identificativo, não revela o objeto e revela incongruências.

Mas, ainda que ultrapassados os requisitos da norma do artigo 16.º, n.º 1 al. a), do CIRS, que pontifica com critério primeiro da aferição da residência do contribuinte em Portugal, não é menos verdade, segundo a Requerida, que essa putativa circunstância, não afasta a verificação do preceituado no artigo 16.º, n.º 1 al. b), do mesmo Diploma.

Concluindo a AT que os rendimentos são suscetíveis de serem tributados.

 

A 18 de março de 2022 foi dispensada a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT e foi concedido prazo para apresentação das alegações.

A Requerida apresentou as suas alegações a 5 de abril de 2022 e a Requerente a 6 de abril de 2022 em que reiteram, no geral, as posições já assumidas nas suas doutas peças processuais.

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Não há nulidades ou outra matéria de exceção para conhecer passando-se para a análise do mérito da causa.

 

  1. Questões a apreciar

Constituem questões a apreciar no presente processo arbitral:

1.ª questão: Caducidade do direito à liquidação por falta de notificação válida da mesma dentro do prazo legal;

2.ª questão: Preterição de formalidade essencial – violação do direito de participação;

3.ª questão: Erro sobre os pressupostos de direito – da falta de residência fiscal no território português do Requerente.

 

  1. Fundamentação

 

IV.I. Matéria de facto

 

  1. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

  1. O Requerente, no ano de 2016, esteve embarcado fora de Portugal durante 204 dias (Documento N.º 7 junto com o PPA) 
  2. O Requerente não apresentou qualquer declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS relativamente ao ano de 2016 dentro do competente prazo legal para o efeito (Admitido pelo Requerente e provado pelo processo administrativo).
  3. No ano de 2016 foram colocados à disposição do Requerente, rendimentos de trabalho dependente, pagos pela entidade B... BV, no montante total de € 69.021,00, sobre o qual já havia pago no estrangeiro imposto no montante total de € 9.657,00 (Admitido pelo Requerente e provado pelo processo administrativo).
  4. O Requerente consta registado como residente em território nacional, com domicílio fiscal no Lugar de..., Paredes de Coura desde 2009, no prédio urbano que adquiriu em 2006 (Admitido pelo Requerente e provado pelo processo administrativo).
  5. Foi aberto procedimento de divergência, pela falta da competente declaração de rendimentos de IRS relativamente ao ano de 2016 (Provado pelo processo administrativo).
  6. Foi expedida a notificação nos termos do n.º 3 do artigo 76.º do CIRS (ofício nº GIC-..., com registo postal RY...PT) (Provado pelo processo administrativo).
  7. O Requerente veio através do Portal das Finanças justificar a divergência referindo “Não tenho salário em Portugal, mas na Holanda. Pago impostos (IRS) na Holanda” (Admitido pelo Requerente e provado pelo processo administrativo).
  8. No âmbito do mesmo procedimento, através do Portal das Finanças (divergências), foi o Requerente informado a 18 de novembro de 2020 que “Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território. Não sendo residente, deverá proceder à alteração da residência fiscal em Portugal para o país de efetiva residência com efeitos retroativos a 2016.” (Provado pelo processo administrativo).
  9. A AT promoveu a liquidação oficiosa do IRS/2016, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 76.º do CIRS (Provado pelo processo administrativo).
  10. A 27 de novembro de 2020 preencheu uma declaração oficiosa sob o n.º 2016-... (Provado pelo processo administrativo).
  11. Em resultado desta declaração oficiosa gerou-se a liquidação de IRS/2016 com o n.º 2020..., de 2 de dezembro de 2020 (Provado pelo processo administrativo).
  12. A liquidação foi enviada ao Requerente, por correio, mediante registo simples, identificado sob o código RY...PT, de 10 de dezembro de 2020 (Admitido pelas partes e provado pelo processo administrativo).
  13. A liquidação referida no ponto anterior não foi enviada com aviso de receção (Admitido pela Requerida e provado pelo processo administrativo).
  14. A liquidação tinha um valor a pagar de € 17.520,59, incluindo juros compensatórios, tendo como data limite para pagamento o dia 13/01/2021 (Provado pelo processo administrativo).
  15. O Requerente procedeu ao pagamento do imposto (Documento n.º 6 junto com o PPA).
  16. O Requerente apresentou reclamação graciosa a 7 de maio de 2021 que correu termos junto da Direção de Finanças de Viana do Castelo sob o n.º ...2021... (Admitido pelas partes e provado pelo processo administrativo).
  17. A 15 de junho de 2021, foi proferido pela AT um projeto de decisão de indeferimento do pedido, com os seguintes fundamentos:

 

IV. APRECIAÇÃO DOS FACTOS

1. O reclamante tem nacionalidade holandesa e foi inscrito como residente em Portugal em 2006 [fls. 13-14].

2. Consta do cadastro da AT que em 2009, junto do SF ..., o reclamante comunicou o seu atual domicílio fiscal à AT: ..., Paredes de Coura [fls. 15].

3. Esta morada corresponde à do imóvel adquirido pelo reclamante em 2006 [fls. 16-17].

4. Dispõe o artigo 16º do CIRS que: «1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;

d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português. …»

5. Dispõe também o artigo 16º da Convenção celebrada entre Portugal e a Holanda para evitar a dupla tributação (CDT) que «1 - Com ressalva do disposto nos artigos 16º, 18º, 19º, 20º e 21º, os salários, vencimentos e outras remunerações similares obtidos de um emprego por um residente de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que o emprego seja exercido no outro Estado Contratante. Se o emprego for aí exercido, as remunerações correspondentes podem ser tributadas nesse outro Estado. 2 - Não obstante o disposto no nº 1, as remunerações obtidas por um residente de um Estado Contratante de um emprego exercido no outro Estado Contratante só podem ser tributadas no primeiro Estado Contratante mencionado se:

a) O beneficiário permanecer no outro Estado durante um período ou períodos que não excedam, no total, 183 dias, em qualquer período de 12 meses com início ou termo no ano fiscal em causa; e

b) As remunerações forem pagas por uma entidade patronal ou por conta de uma entidade patronal que não seja residente do outro Estado; e

c) As remunerações não forem suportadas por um estabelecimento estável ou por uma instalação fixa que a entidade patronal tenha no outro Estado.

3 - Não obstante as disposições anteriores deste artigo, as remunerações de um emprego exercido a bordo de um navio ou de uma aeronave explorados no tráfego internacional podem ser tributadas no Estado Contratante em que estiver situada a direção efetiva.»

6. Aqui chegados cumpre aferir se o reclamante se considera ou não residente fiscal em Portugal no ano de 2016, importando também distinguir o local de morada com o conceito de residência para efeitos fiscais.

7. E a resposta não poderá ser outra senão a de que o reclamante ERA, nos termos da legislação aplicável, em sede de IRS, RESIDENTE fiscal em Portugal no ano de 2016.

8. De facto, o reclamante inscreveu-se como residente em território nacional em 2006, e desde então sempre comunicou à AT um domicílio fiscal aqui localizado.

9. O facto de as autoridades fiscais holandesas terem comunicado à AT os rendimentos pagos ao reclamante, constitui prova de que também aquela entidade o considerou, naquele ano, residente em Portugal.

10. O contribuinte alegou não ser residente em Portugal em 2016, mas não indicou em que país entende ser residente naquele ano, não tendo junto qualquer certificado de residência fiscal que pudesse fazer referência a esse facto.

11. Por outro lado, o artigo 15º da CDT acima indicado estipula que a competência para a tributação dos rendimentos de trabalho dependente auferidos por um residente em território português se encontra atribuída à autoridade fiscal nacional, podendo os rendimentos ser tributados no país da fonte dos rendimentos, como foi (imposto pago no estrangeiro também foi comunicado), cabendo a eliminação da dupla tributação, nos termos do artigo 24º da mesma CDT, a Portugal.

12. Efetivamente, a liquidação oficiosa ora contestada teve em conta esse imposto pago no estrangeiro, tendo sido concedida uma dedução à coleta igual àquele montante de imposto, ao abrigo do artigo 81º do CIRS.

13. Entende-se, por isso, que, o reclamante se considera residente fiscal em Portugal no ano de 2016, e deveria aqui ter declarado os rendimentos auferidos na Holanda, pagos por entidade com sede naquele país.

14. Quanto à alegação de que se encontrava a bordo de um navio por mais de 185 dias no ano de 2016, e que, por esse motivo, não pode ser considerado residente em Portugal, veja-se o que a CDT refere a esse respeito, no nº 3 do seu artigo 16º, acima transcrito.

15. De facto, as remunerações auferidas podem ser tributadas no país onde se encontra a sede da entidade pagadora dos rendimentos, no caso em concreto, seria na Holanda; efetivamente, a Holanda tributou esses rendimentos, e comunicou a Portugal, país de residência, os respetivos valores.

16. Quanto às irregularidades apontadas ao procedimento de fixação do rendimento tributável, com o devido respeito, não assiste qualquer razão ao contribuinte.

17. Conforme já ficou descrito, conhecidos os rendimentos auferidos, comunicados pelas autoridades fiscais holandesas, e verificada a falta de apresentação de qualquer declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, foi o ora reclamante notificado nos termos do nº 3 do artigo 76º do CIRS.

18. Esta notificação foi remetida através de registo postal, efetivamente recebido de acordo com a informação que consta do sistema informático, tendo previamente sido remetido um mail para o endereço fiabilizado no Portal das Finanças, prevenindo para a breve remessa de tal notificação.

19. No texto dessa notificação, constava a indicação das normas legalmente aplicáveis, e o alerta para a consequência da falta de entrega voluntária da declaração em falta, ou seja, a emissão da competente liquidação oficiosa; quanto ao montante dos rendimentos auferidos, o mesmo era já do conhecimento do reclamante, que o auferiu.

20. Esta notificação prévia à liquidação do imposto constitui o direito de audição previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 60º da LGT, que o reclamante alega ter faltado; de facto, o direito de audição foi concedido, e o reclamante exerceu-o de uma forma breve; posteriormente, foi ainda enviado novo mail, para o endereço fiabilizado no Portal das Finanças, ao qual o reclamante não reagiu.

21. Portanto, não pode o reclamante invocar falta de abertura da AT na procura da colaboração do contribuinte no sentido da regularização da situação em défice.

22. Não foi alegada falta de notificação no âmbito do referido procedimento de divergência.

23. Quanto à fundamentação, a mesma consta também da referida notificação expedida nos termos do nº 3 do artigo 76º do CIRS, bastando a letra da lei para fundamentar que os rendimentos auferidos por residentes em território nacional devem ser declarados para efeitos de tributação em sede de IRS.

24. Já o ónus da prova de que não era residente em Portugal no ano de 2016 cabe, nos termos do nº 1 do artigo 74º da LGT, ao ora reclamante, que não logrou juntar aos presentes autos prova suficiente de que, a não ser residente em Portugal, o era noutro país, e em qual.

25. Acresce que, através de ofício com registo postal de 24.05.2021, foram solicitados ao reclamante elementos adicionais de prova das alegações na petição inicial, notificação que foi devolvida a este Serviço com a indicação de não ter sido reclamada junto dos serviços postais [fls. 33-35].

26. Finalmente, quanto à alegada caducidade, verifica-se que a liquidação de IRS foi emitida em 04.12.2020, e notificada através de registo postal de 10.12.2021, que consta como recebido [29- 32].

27. Nos termos do artigo 39º do CPPT, as cartas registadas presumem-se feitas no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil, não tendo o ora reclamante despoletado qualquer procedimento para ilidir aquela presunção, a não ser no âmbito dos presentes autos, sem, porém, apresentar qualquer prova do alegado, bastando-se com a mera indicação de datas e do local onde se encontrava.

28. Não ocorreu, por isso, a invocada caducidade do direito á liquidação, porquanto a mesma foi validamente notificada ao ora reclamante dentro do prazo previsto no artigo 45º da LGT.

29. Conclui-se, assim, pela inexistência dos vícios apontados pelo reclamante à liquidação oficiosa de IRS de 2016, não houve violação do direito de audição, os rendimentos auferidos na Holanda são tributáveis em Portugal, e o reclamante é considerado residente em Portugal no ano de 2016, não tendo sido apresentada prova em contrário. (Provado pelo processo administrativo).

 

  1. O despacho de indeferimento expresso do pedido formulado na reclamação graciosa n.º ...2021..., foi proferido pelo Diretor de Finanças de Viana do Castelo em 2021/09/02. (Provado pelo processo administrativo).
  2. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado a 21 de novembro de 2021 (conforme consta do registo no CAAD).

 

  1. Factos relevantes para esta decisão arbitral que não ficaram provados.

 

  1. Data em que a notificação da liquidação referida no ponto 12. dos factos dados como provados chegou ao efetivo conhecimento do Requerente.

 

  1. Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes e nos documentos juntos pelas Partes, mormente processo administrativo.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

 

Por sua vez, quanto ao facto que não foi dado como provado, não foi produzida prova que permitisse ao tribunal concluir em que data é que o Requerente teve efetivo conhecimento da liquidação em apreço nos presentes autos nem, dos demais elementos constantes dos autos, se pode concluir, com exatidão, em que data é que efetivamente esse conhecimento sobreveio.

 

 

III.II Discussão de Direito

 

No presente processo arbitral tributário, o Requerente peticiona ao tribunal que aprecie as três questões indicadas, a saber:

1.ª questão: Caducidade do direito à liquidação por falta de notificação válida da mesma dentro do prazo legal;

2.ª questão: Preterição de formalidade essencial – violação do direito de participação;

3.ª questão: Erro sobre os pressupostos de direito – da falta de residência fiscal no território português do Requerente.

 

Cumpre indicar a ordem de conhecimento dos vícios alegados.

Determina o Art. 124.º do CPPT, no seu n.º 1, que, na sentença, o tribunal apreciará em primeiro lugar os vícios que conduzem à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado. Nos presentes autos não são alegados vícios que conduzam à nulidade ou inexistência dos atos, pelo que se prossegue para o n.º 2 do mesmo preceito. A apreciação é feita pela ordem indicada pelo Requerente, sempre que este estabelece uma relação de subsidiariedade, que é o caso dos presentes autos em que, entre os diversos argumentos invocados pelo Requerente e respetivos pedidos se estabelece uma relação de subsidiariedade em relação aos diferentes vícios alegados.

Assim, a ordem a observar é aquela que é estabelecida pelo Requerente no seu petitório inicial que aqui se estabeleceu na ordem das questões formuladas.

 

1.ª questão: da caducidade do direito à liquidação por falta de notificação válida da mesma dentro do prazo legal

 

Entende o Requerente que o direito da AT liquidar IRS relativamente aos rendimentos por si auferidos em 2016 caducou a 31 de dezembro de 2020 e que a notificação encetada pela AT dessa liquidação não cumpriu as formalidades legais, como resulta do preceituado no n.º 1 do art. 38.º do CPPT que determina que:

Avisos e notificações por via postal ou telecomunicações endereçadas

1 — As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências. […]

 

O que, no presente caso, a determinação do modo de notificação do Requerente é essencial para determinar se o direito de liquidação exercido pela AT caducou ou não.

 

Cumpre apreciar,

Nos termos do preceituado no art. 45.º da LGT

Caducidade do direito à liquidação

1 – O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

[…]

4 – O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

[…]

 

Pelo que, nos termos do aludido preceito o exercício do direito à liquidação e a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, têm que ocorrer dentro do prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de caducar tal direito.

Quanto a isto, e como se extrai da decisão proferida no âmbito do processo 811/2021-T do CAAD “[t]al prazo de caducidade justifica-se por razões objetivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamin da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária comentada e Anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. Edição, 2012, pág.359 e seg.)”.

 

No caso em apreço nos presentes autos estamos perante uma liquidação oficiosa de IRS, tributo que é, unanimemente, considerado como um imposto periódico, pelo que o prazo de caducidade do direito à liquidação se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (cfr. art. 45.º, n.º 4, da LGT). 

Tendo em conta que se trata da liquidação relativa ao ano fiscal de 2016, o prazo inicia-se em 31/12/2016, tendo o seu termo final em 31/12/2020, conforme previsto no n.º 4 do art. 45º. da LGT.

Dos factos provados resulta que foi elaborada liquidação adicional de IRS do Requerente, relativamente ao ano de 2016, tendo essa liquidação sido expedida por correio, mediante registo simples, de 10 de dezembro de 2020, mas sem aviso de receção.

Entende a AT que haverá de considerar o n.º 1 do art. 39.º do CPPT (ex vi art. 38.º, n.º 3) que, na sua perspetiva e para o caso concreto, assevera a perfeição da notificação, através de carta registada, nos casos em que o contribuinte tenha sido consultado em audição prévia. Mas que não é o caso.

Para além disso, acrescenta que o aviso de receção não é um valor absoluto em si mesmo e que o formalismo reveste natureza instrumental acrescentando, e citando diversas decisões, que aludem que a preterição de formalidades essenciais da notificação exigidas por lei não significa, por si só, que se tenha que concluir pela invalidade, se foi atingido o objetivo que se visava alcançar com a notificação, i.e., transmitir à destinatária o teor da liquidação. O que, conclui a AT, se verificou no caso concreto.

Acrescenta ainda que o próprio Requerente confessa que a notificação foi efetuada através de registo postal simples.

Para se aferir da alegada caducidade do direito de liquidar pela AT, tem previamente de se averiguar se essa notificação era legal.

Com efeito, importa aferir se basta a notificação por simples registo, como pretende a Requerida AT, ou se teria que ser feita por carta registada com aviso de receção.

A questão é a de saber se quando estejam em causa notificações de atos de alteração dos rendimentos declarados e de atos de fixação pela Administração Tributária dos rendimentos sujeitos a tributação, como sucede com as liquidações oficiosas ou adicionais, as mesmas devem ou não ser efetuadas por meio de carta registada com aviso de receção.

Na senda da decisão arbitral referida supra, a questão foi suscitada em recurso de revista excecional que correu termos perante o Supremo Tribunal Administrativo, revista essa que foi admitida pelo Ac. de 1/2/2017, proferido no Proc. 0974/16, onde o problema foi superiormente equacionado pela relatora desse acórdão, Cons. Dulce Neto.

Na sequência dessa admissão da revista excecional foi proferido o Ac. de 15-11-2017, em que foi relator o Cons. Pedro Delgado, no mesmo processo 0974/16 e onde foi decidido o seguinte:

I - Nos termos do artº 149º do CIRS os actos de liquidação de IRS efectuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte estão sujeitos a notificação por mera carta registada. Todavia, estando em causa as notificações dos actos de alteração dos rendimentos declarados e dos actos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação, têm as mesmas de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção.

II - Uma liquidação adicional que materialize ou revele um acto de fixação ou alteração da matéria tributável declarada pelo contribuinte deve obrigatoriamente ser notificada por carta registada com A/R, em conformidade com o disposto nos arts. 65º nº 4, 66º e 149º nº 2 do CIRS.

 

 “Está, pois, em causa saber qual a forma de notificação legalmente exigida para as notificações de liquidações oficiosas e adicionais de IRS - se a carta registada com aviso de recepção ou se carta registada.

 

Vejamos.

 

O art. 149º do CIRS estabelece regras especiais sobre as notificações relativas a IRS.

 

Assim a regra no domínio das notificações relativas a IRS é que estas sejam efectuadas por mera carta registada (cfr. o n.º 3 do artigo 149.º do CIRS).

 

Porém dispõe o nº 2 do mesmo normativo que as notificações a que se refere o artigo 66.º (do CIRS), ou seja, as notificações referentes a actos de fixação ou alteração da matéria tributável do imposto, previstos no artigo 65.º daquele Código, deverão ser efectuadas através de carta registada com aviso de recepção.

 

O que está em consonância com o artº 38º, nº 1 do CPPT que prevê que as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências.

 

Ou seja, de acordo com os artº. 149º do CIRS os actos de liquidação de IRS efectuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte estão sujeitos a notificação por mera carta registada. Todavia, estando em causa as notificações dos actos de alteração dos rendimentos declarados e dos actos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação, têm as mesmas de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção.

 

No sentido de que uma liquidação adicional que materialize ou revele um acto de fixação ou alteração da matéria tributável declarada pelo contribuinte na declaração periódica deve obrigatoriamente ser notificada por carta registada com A/R, em conformidade com o disposto no art. 38º nº 1 do CPPT e arts. 65º nº 4, 66º e 149º nº 2 do CIRS, se pronunciaram, entre outros, os acórdãos desta Secção proferidos em 13/04/2011, no proc. nº 0546/10, em 28/11/2012, no proc. nº 0685/11, em 28/03/2012, no proc. nº 0491/11, em 05.11.2014, no processo 463/14, em de 05.02.2015, no Proc. 01940/13 e em 15.06.2016, no processo n.º 297/16.

 

Na doutrina, vide também Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6ª edição, Volume I, pág. 370.

 

Ora o acórdão recorrido, ao considerar estar-se em presença de liquidações referentes a impostos periódicos (IRS), olvida um dado essencial no caso sub judice: estamos perante liquidações adicionais subsequentes a actos inspectivos e que alteram a situação tributária do contribuinte.

 

Assim constituindo tais liquidações actos de correcção oficiosa e de alteração dos rendimentos sujeitos a tributação, da iniciativa da administração, impunha-se que a sua notificação fosse efectuada por carta registada com A/R, em conformidade com o disposto nos arts. 65º nº 4, 66º e 149º nº 2 do CIRS, o que não sucedeu no caso vertente.

Pelo que forçoso é concluir que as notificações não foram efectuadas na forma legal, prevista no artº 149º, nº 2 do IRS, normativo que não se basta com a presunção de recebimento da notificação mas antes exige registo com aviso de recepção.

 

E, não tendo sido cumprida essa formalidade legal, não pode considerar-se validamente efectuada a notificação, pelo que procede o invocado fundamento de oposição à execução fiscal -falta de notificação dentro de prazo de caducidade -, a determinar a procedência da oposição deduzida contra a execução fiscal.

 

Aderindo a esta fundamentação, temos que a aplicar ao caso sub judice.

 

Desta forma, não restam quaisquer dúvidas de que o Requerente teria de ser notificado da liquidação adicional entretanto elaborada pela AT, por meio de carta registada com aviso de receção, não sendo aplicável, no caso sub judice a presunção de notificação contida no n.º 6 do art. 45.º, a qual é restrita às notificações enviadas por carta meramente registada, se esta for a forma legal e regular de notificação. Sendo irrelevante se o Requerente confessa que a notificação lhe foi remetida por meio de carta registada.

 

A AT, citando diversa jurisprudência, e como já foi referido, alude ao cumprimento do objetivo que que se visava alcançar com a notificação, i.e., transmitir ao destinatário o teor da liquidação, mas, no caso concreto não é disso que se trata já que fica por demonstrar quando é que esse conhecimento efetivo chegou ao conhecimento do Requerente, e esse é o busílis da questão para efeitos de aferir da exceção de caducidade. Ou seja, sempre incumbiria à AT demonstrar que a invocada caducidade do direito à liquidação não ocorreu, porquanto a mesma foi validamente notificada ao Requerente dentro do prazo previsto no art. 45.º da LGT.

 

Como resulta do Acórdão TCAS de 11/11/2021, processo n.º 1124/13.0BESNT, que se pode aplicar ao caso em apreço, “[o] ónus da prova da notificação da liquidação recai sobre a Administração Tributária e deve ser observado através da junção de elementos externos à mesma que comprovem o ingresso da carta de notificação na esfera de cognoscibilidade do seu destinatário.”

 

Por sua vez, do Acórdão TCAS de 15/11/2018, processo n.º 634/10.5BELRS resulta que  “[…] a Administração tributária não cumpriu a formalidade da carta registada com aviso de recepção, tendo utilizado a via menos formal do registo simples […].

 

Nessas circunstâncias, em que ocorreu preterição de formalidades legais atinentes à notificação da liquidação, não provando a Administração tributária que, apesar disso, a notificação chegou ao efectivo conhecimento do contribuinte (art.º 35.º, n.º 1, do CPPT), a notificação não pode ter-se por efectuada ao destinatário do acto, não podendo a AT prevalecer-se de qualquer presunção legal de notificação, como pretende.

 

Conforme o disposto na alínea e) do n.º1 do art.º 204.º do CPPT, constitui fundamento válido de oposição à execução fiscal, “a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade”.

 

Desta forma, não tendo sido efetuada com as formalidades legais a notificação da liquidação em apreço nos autos até à data de 31/12/2020, e a AT não demonstrou – conforme lhe incumbiria no âmbito da repartição do ónus da prova – que o Requerente teve conhecimento efetivo da notificação da liquidação do imposto no prazo de caducidade.

 

Por isso, tem de proceder a exceção de caducidade do direito de a AT liquidar ao Requerente IRS relativamente ao ano de 2016, conforme arguido pela requerente.

 

Cabe aqui referir que não foi alegada, nem se verifica qualquer situação de suspensão do prazo de caducidade, nem mesmo a resultante da aplicação do art. 7.º, nº. 9 da Lei nº. 1-A/2020, de 19 de março, pois essa suspensão em matéria de atos administrativos e tributários, apenas dizia respeito à prática de atos por particulares.

Com a procedência desta exceção de caducidade do direito de liquidação adicional, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios imputados pelo Requerente à liquidação.

 

Do pagamento dos juros indemnizatórios

 

No que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no n.º 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do ato tributário.

De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a atos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

Nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 100.º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Nestes termos, o direito a juros indemnizatórios dependerá sempre da verificação de um erro imputável aos serviços da Requerida, do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Quanto a este pedido, e quanto aos factos em apreço nos autos, seguimos a orientação que resulta do Acórdão do TCAN de 12/01/2017, processo n.º 00287/07.8BEPRT:

“Quanto ao direito a juros indemnizatórios, o art. 61° do CPPT e 43° da LGT prescrevem o direito do contribuinte a juros indemnizatórios quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se apure que houve erro na liquidação, imputável aos serviços.

Ora, como refere Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, 2006, I Vol., pág. 472;”. A utilização da expressão «erro» e não «VICIO» OU «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito, Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não á adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão “erro” têm uni âmbito mais restrito do que a expressão “VICIO” (...).

Por outro lado, é usual utilizar-se a expressão «vícios» quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos art. 101° (arguição subsidiária de vícios) e 124º (ordem de conhecimento de vícios na sentença) ambos deste Código. Por isso, é de concluir que o uso daquele expressão «erro», tem um alcance restritivo do tipo de VÍCIOS que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios”,


Ora, se na data da emissão da liquidação já estivesse esgotado o prazo de caducidade para o efeito, tal liquidação padeceria de erro nos pressupostos de direito, com o consequente direito do contribuinte a juros indemnizatórios.

Porém, no caso vertente, embora a liquidação impugnada não tenha chegado ao conhecimento do contribuinte dentro do prazo de caducidade, foi emitida pela Administração Tributária dentro desse prazo.

Afigura-se-nos, portanto, que, in casu, não estamos perante uma situação de determinação de erro imputável à Administração Tributária, uma vez que o vicio que levou a anulação da liquidação nada releva sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas (cfr. Jorge Lopes de Sousa, in ob. cit,, pág. 473).
Consequentemente, entendemos não ter a impugnante direito a juros indemnizatórios. “

Sobre a questão agora suscitada pela Recorrida, já se debruçou o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 12.02.2015, proferido no processo 01610/13. Não ocorrendo justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos e visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do CC), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no douto acórdão passando a transcrever a fundamentação de tal aresto, aderindo a todo o seu discurso fundamentador com as adaptações indispensáveis à situação jurídica em análise:

Como se sublinhou naquele aresto…. “Diz o n.º 1 do art. 43.º da LGT, (…): «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Ou seja, quando um acto de liquidação de um tributo for declarado em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial viciado por erro imputável aos serviços e do qual tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, há direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 43.º da LGT.

Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «[a] utilização da expressão «erro» e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito.

Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» tem um âmbito mais restrito do que a expressão «vício».

Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro» tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 5 ao art. 61.º, pág. 531..)

O mesmo Autor explica as razões por que a LGT restringiu o direito a juros indemnizatórios aos casos de anulação por vício substancial e já não o reconheceu relativamente aos vícios de forma ou incompetência que determinem a anulação do acto: o reconhecimento de um vício destes últimos tipos «não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.

Por outro lado, é usual utilizar-se a expressão «vícios» quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença) ambos do CPTT.

Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.

Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele.

Porém, nos casos em que o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração, aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação. Por isso, pode-se considerar justificado que, nestas situações, não resultando da decisão anulatória a comprovação da existência de um prejuízo, não se presuma o seu valor, fixando juros indemnizatórios, mas apenas se deva restituir aquilo que foi recebido, o que poderá constituir já um benefício para o contribuinte, perante a realidade da sua situação tributária.

Trata-se de uma solução equilibrada, inclusivamente no domínio processual. Na verdade, perante o simples reconhecimento de um vício de forma ou de incompetência, fica-se na dúvida sobre se estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito de que a lei faz depender o pagamento de uma prestação tributária; se essa dúvida é um motivo suficiente para não exigir uma deslocação patrimonial do contribuinte para a Fazenda Pública (justificando a restituição da quantia paga) também, por identidade de razão, será suporte bastante para não impor uma deslocação patrimonial efectiva em sentido inverso (pagamento de uma indemnização); verdadeiramente, a regra aplicável, a mesma em ambos os casos, é a de não impor deslocações patrimoniais sem uma prova positiva da existência de uma situação, ao nível da relação tributária, em que elas devem ocorrer.

Assim, compreende-se que a LGT, em sintonia com a doutrina tradicional, nos casos em que há uma anulação de um acto administrativo ou de liquidação por não se verificarem os pressupostos de facto ou de direito em que devia assentar, casos em que há a certeza de que a prestação patrimonial foi indevidamente exigida, atribua uma indemnização baseada em presunção de danos (no caso sob a forma de juros) e não faça idêntica atribuição nos casos em que a decisão judicial não implica a antijuricidade material da exigência daquela prestação» (Idem,págs.531/532..)

De acordo com a doutrina exposta, é jurisprudência consolidada nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que, quando o acto de liquidação objecto de impugnação é anulado apenas por vício de forma, não há suporte, ao abrigo do disposto no art. 43.º da LGT, para a atribuição de juros indemnizatórios ao impugnante.(…)

Já quanto à caducidade do direito à liquidação, que no caso sub judice foi declarada por o Impugnante não ter sido validamente notificado dentro do prazo que a lei fixa para a AT exercer o direito de liquidar o imposto, a questão não é líquida.

Vejamos:
A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa [
no presente caso do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto] anulou a liquidação impugnada com fundamento na caducidade do direito da AT à liquidação porque considerou que o Contribuinte não foi notificado deste acto tributário dentro do prazo da caducidade (….)

Seja como for, a declaração de caducidade não implica a existência de um erro – vício sobre os pressupostos de facto ou de direito – que permita a constituição a favor do contribuinte do direito a juros indemnizatórios ao abrigo do n.º 1 do art. 43.º da LGT

Vejamos:
É certo que no caso sub judice não estamos perante uma simples situação de falta de notificação (válida) da liquidação, caso em que seria inequívoco que tal vício, de natureza procedimental e exterior ao procedimento de liquidação, em nada contenderia com a relação jurídica material tributária e, por isso, seria insusceptível de conferir ao contribuinte o direito a juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 43.º da LGT. Na verdade, se a questão fosse de mera preterição de formalidade legal na comunicação do acto ao Contribuinte, sempre o vício poderia ser sanado mediante a repetição da notificação, com observância da forma legalmente exigida, pelo que nunca se justificaria a concessão do direito a juros indemnizatórios.

No caso, porém, a situação não é de simples falta de notificação da liquidação, mas é de caducidade do direito à liquidação por falta de notificação dentro do prazo legal para o exercício desse direito (cfr. art. 45.º, n.º 1, da LGT); ou seja, do facto de a notificação não ter sido validamente efectuada dentro do prazo que a lei fixa para o efeito retirou-se como consequência a perda do direito de liquidar o tributo.

No entanto, se é certo que a falta de notificação no prazo de caducidade extinguiu o direito à liquidação do tributo (e nessa parte a sentença transitou em julgado), a declaração dessa caducidade não significa nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente.

Como é sabido, a caducidade, juridicamente, é mero facto jurídico que releva do tempo e que determina a impossibilidade do exercício de um direito num caso concreto (Prescrição e caducidade têm em comum o facto de serem figuras jurídicas relacionadas com a aquisição ou perda de situações subjectivas pelo mero decurso do tempo: a primeira anda associada aos direitos ou situações jurídicas consolidadas, sendo o seu campo de eleição os direitos subjectivos a se; a segunda reporta-se a situações jurídicas em formação e aos direitos potestativos, cujo exercício está sujeito a prazos curtos. Em termos sintéticos, podemos dizer que a prescrição determina a extinção de um direito e a caducidade a impossibilidade de o exercitar num caso concreto (Cfr. A caducidade no Direito Administrativo: Breves considerações, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, 2005, Coimbra Editora).). Significa isto que a decisão judicial, nos termos em que foi proferida, se limitou a extrair os efeitos jurídicos do decurso do tempo sem que tenha sido efectuada a notificação, o que não implica nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente e, consequentemente, não permite concluir pela existência de um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito.

Ora, como resulta do que deixámos já dito, o direito aos juros indemnizatórios previsto no art. 43.º da LGT exige que haja erro imputável aos serviços do qual tenha resultado (à luz de um nexo de causalidade) o pagamento de imposto indevido. É a existência desse erro que consideramos não poder dar-se como verificada em face da declaração da caducidade do direito à liquidação.

Não significa isto que o Contribuinte, se entender estar lesado nos seus direitos patrimoniais não possa exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado não só pela Constituição da República (cfr. art. 22.º), como pela lei ordinária (Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, diploma em cujo art. 9.º se faz equivaler qualquer ilegalidade a ilicitude). Porém, para obter essa reparação o Contribuinte terá de fazer, em processo próprio, a demonstração da existência do direito a essa indemnização, à face das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, como qualquer outra pessoa que seja lesada nos seus direitos por actos de outrem, não havendo qualquer norma constitucional ou legal que imponha que, em todos os casos de anulação de actos administrativos, se presumam os prejuízos, como está ínsito nas normas que prevêem a atribuição de juros indemnizatórios (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume I, anotação 5. ao art. 61.º, pág. 532/533..)
Conclui-se, assim, que nos casos em que a anulação da liquidação impugnada tenha por fundamento a caducidade do direito de liquidar por falta de notificação da liquidação dentro do prazo da caducidade, carece de suporte legal a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do art. 43.º da LGT.» (fim de citação).

Desta forma, aderindo à fundamentação, entende-se que não estando preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, o Requerente não terá direito a juros indemnizatórios que, não obstante, também só peticiona no âmbito do pedido subsidiário.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 do CPC (ex vi 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerida.

 

 

  1. Decisão

 

Nestes termos, este Tribunal Arbitral Singular decide

 

  1. Julgar procedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa e em consequência determinar a anulação da liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), ano de 2016, com o n.º 2020..., efetuada a 2 de dezembro de 2020 identificada no pedido arbitral, determinando-se a restituição ao Requerente do imposto pago;
  2. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

 

  1. Valor do processo

 

Tendo em consideração o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, nº. 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 17.520,59.

 

  1. Custas

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em € 1.224,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa e CAAD, 7 de setembro de 2022

 

A Árbitra,

 

 

 

(Marisa Almeida Araújo)