SUMÁRIO:
A inscrição no registo de “residentes não habituais”, tem natureza exclusivamente declarativa, e não tem efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respetivo regime.
DECISÃO ARBITRAL
I - RELATÓRIO
1. A..., contribuinte n.º ... e B..., contribuinte n.º..., casados entre si, residentes na Rua ..., ...-... Lisboa, doravante designados por Requerentes, apresentaram em 06/12/2021 pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral, respeitante à liquidação de IRS n.º 2021..., do ano de 2020, no montante de 36 828,37 euros (incluindo 92,58 euros de juros compensatórios), por a estimarem como ilegal – não aplicação, como “residentes não habituais”, do método da isenção aos rendimentos da categoria H de fonte estrangeira.
2. No dia 11/02/2022 ficou constituído o Tribunal Arbitral.
3. Cumprindo a estatuição do artigo 17.º, números 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”) foi a Requerida, em 11/02/2022, notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.
4. Em 16/03/2022 a Requerida apresentou a sua resposta, na qual invoca a existência da exceção dilatória de litispendência e, em segunda linha, peticiona a suspensão da instância, perante a existência de uma “causa prejudicial” ao conhecimento dos pedidos – artigo 272.º do Código de Processo Civil (“CPC”).
5. Os Requerentes foram notificados, em 21/03/2022 para, querendo, se pronunciarem quanto à matéria de exceção e, em consequência, vieram aos autos, em 24/03/2022, propugnar que: i) o pedido e a causa de pedir, subjacente ao presente processo é distinto do formulado na ação administrativa especial (62/21.7BELRS) - consiste na ilegalidade da liquidação; e ii) não há identidade entre o pedido e a causa de pedir do presente processo e do n.º 62/21.7BELRS (ação administrativa especial).
6. O Tribunal Arbitral, por despacho de 14/06/2022, dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinou a notificação das partes para, querendo, apresentarem alegações finais escritas.
7. Os Requerentes apresentaram, em 27/06/2022, alegações finais escritas, mantendo integralmente os pedidos (inicialmente) formulados.
POSIÇÃO DAS PARTES
8. Os Requerentes sustentam que a liquidação de IRS quando desconsidera a sua residência fiscal em Portugal, é ilegal, na medida em que preenchiam os requisitos cumulativos da residência fiscal, no dia 01/03/2020 e, por isso, devia ter sido aplicado aos rendimentos da categoria H de IRS, de fonte estrangeira, o método da isenção, nos termos do artigo 329.º, n.º 2 da Lei do Orçamento de Estado para 2020 e do artigo 81.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”).
Peticionam, por isso, o reembolso do imposto que indevidamente pagaram e, paralelamente, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) no pagamento de juros indemnizatórios.
9. A Requerida apresenta uma defesa com os seguintes fundamentos:
Verifica-se a existência da exceção dilatória de litispendência, pois existe uma ação administrativa especial junto do Tribunal Tributário de Lisboa, na qual se peticiona a consideração dos Requerentes como residentes fiscais no dia 01/03/2020.
Ainda que não proceda a exceção de litispendência, existirá uma “causa prejudicial”, que deve determinar a suspensão da instância até à decisão do Tribunal Tributário de Lisboa.
Propugna, ainda, que não se verifica qualquer ilegalidade na liquidação em crise, pois é a que resulta da situação cadastral dos Requerentes.
LITISPENDÊNCIA, SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA E SANEAMENTO
A Requerida defende que o facto de estar em curso uma ação administrativa especial anterior [na qual se discute a consideração dos Requerentes como residentes fiscais em Portugal em 01/03/2020 (processo n.º 62/21.7BELRS)] preenche os requisitos necessários à verificação da exceção dilatória de litispendência.
Para a doutrina há litispendência:
“[q]uando se instaura um processo, estando pendente, no mesmo ou em tribunal diferente, outro processo entre os mesmos sujeitos, tendo o mesmo objeto, fundado na mesma causa de pedir. A litispendência, como exceção dilatória, pressupõe assim a repetição da ação em dois processos diferentes.
(…)
Para sabermos se há ou não repetição da ação, deve atender-se não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a ação) fixado e desenvolvido no artigo 498.º, mas também à diretriz substancial traçada no n.º 2 do artigo 497.º, onde se afirma que a exceção da litispendência (tal como a do caso julgado) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.”
A litispendência tem, assim, subjacente a ideia da proibição da repetição e (da proibição) de contradição entre decisões judiciais, visa, por conseguinte, evitar que a causa seja julgada mais do que uma vez, circunstância que contenderia com a força do caso julgado.
O artigo 581.º, n.º 1 do CPC exige, cumulativamente, para a verificação da exceção dilatória de litispendência: a identidade de sujeitos, a identidade do pedido e a identidade da causa de pedir.
Vejamos, então, se se verifica, em particular, a identidade da causa de pedir e do pedido formulado em cada um dos processos.
O pedido arbitral tem por objeto a liquidação de IRS do ano de 2020 e não o ato de indeferimento da inscrição dos Requerentes como “residentes não habituais”. Ou, dito de outro modo, o que está em causa, no presente processo, é determinar se a liquidação é ilegal e não qualquer outra decisão como a Requerida defende.
Assim, se o pedido – principal – dos Requerentes consiste na declaração de ilegalidade (parcial) da liquidação de IRS do ano de 2020 e na ação anterior os Requerentes peticionam a anulação do ato de inscrição como “residentes não habituais”, o pedido não é idêntico.
Não se ignora, no entanto, que existe uma relação entre os pedidos, contudo, à correlação entre os dois (pedidos) subjaz um juízo relativamente ao mérito do pedido, a natureza prejudicial do registo como “residentes não habituais” para a aplicação, anual, na liquidação de IRS.
Sucede que, como infra se demonstrará, não resulta da lei, que o registo do sujeito passivo como “residente não habitual”, seja um requisito substantivo para a aplicação do regime em cada ano fiscal.
Se o registo como “residentes não habituais” – objeto da ação administrativa especial n.º 62/21.7BELRS não é prejudicial relativamente à aplicação do regime de “residente não habitual” em cada ano fiscal (ano de 2020, no presente processo arbitral) não existe identidade quanto ao pedido e à causa de pedir, nem interdependência que obste à apreciação do mérito deste processo arbitral.
Conclui-se, assim, pela improcedência da exceção dilatória de litispendência, como também pela inexistência de causa prejudicial que determine a obrigação de suspensão da instância .
***
O processo não enferma de nulidades, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir os pedidos, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
QUESTÕES A DECIDIR
Nesta sequência, tendo em atenção as pretensões e posições dos Requerentes e da Requerida constantes das suas peças processuais, acima descritas, são as seguintes as questões que o Tribunal Arbitral deve apreciar (sem prejuízo de a solução dada a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões – cfr. artigo 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT):
a) Se a inscrição no registo de “residentes não habituais” assume uma natureza constitutiva do direito a ser tributado de acordo com o referido regime; no caso concreto, através da aplicação do método da isenção a rendimentos da categoria H de IRS de fonte estrangeira;
b) Se os Requerentes têm direito ao reembolso da quantia indevidamente paga - 8 005,70 euros;
c) Se os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios, por “erro imputável aos serviços”.
II – FUNDAMENTAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
1. Factos com relevância para a apreciação da causa que se consideram provados
1.1. Os Requerentes celebraram contrato de arrendamento para fins habitacionais de prédio sito na Rua ..., n.º ..., ..., Lisboa, com efeitos a 01/03/2020. (Documento junto pelos Requerentes, com o pedido de pronúncia arbitral, sob o n.º 2)
1.2. Obtiveram um certificado da autoridade fiscal belga no qual se atesta que foram residentes fiscais na Bélgica até 29/02/2020. (Documento junto pelos Requerentes, com o pedido de pronúncia arbitral, sob o n.º 4)
1.3. Solicitaram a atribuição dos números de identificação fiscal nos dias 14/04/2020 e 15/04/2020, sendo considerados não residentes pela AT em 15/04/2020. (PAT)
1.4. Apresentaram, via e-balcão, a 16/04/2020 um pedido de alteração de morada fiscal para o imóvel descrito em 1.1., com efeitos a partir de 01/03/2020. (Documento junto pelos Requerentes, com o pedido de pronúncia arbitral, sob o n.º 5)
1.5. A AT, não aceitou o referido pedido, com fundamento no facto de o sistema informático não ter aptidão para retroagir a data anterior à atribuição do número de identificação fiscal de cada um dos Requerentes. (Documento junto pelos Requerentes, com o pedido de pronúncia arbitral, sob o n.º 5 e PAT)
1.6. Os Requerentes ficaram, a 20/04/2020, cadastrados como residentes fiscais. (Documento junto pelos Requerentes, com o pedido de pronúncia arbitral, sob o n.º 5 e PAT)
1.7. Entregaram, paralelamente, no dia 21/06/2021 a declaração modelo 3 de IRS respeitante ao ano de 2020, com os anexos J e L. (PAT)
1.8. Os Requerentes, por intermédio de carta datada de 24/06/2021, foram notificados pela AT de que a declaração Modelo 3 enformava do erro L-57 “[n]ão consta como residente em território nacional a 31 de março”. (Documento junto pelos Requerentes, com o pedido de pronúncia arbitral, sob o n.º 3)
1.9. Remeteram, em 23/07/2021, declaração de substituição, alterando o preenchimento do campo B.1 do quadro 6 do Anexo L. (PAT)
1.10. Foi, em consequência, praticado o ato de liquidação de IRS n.º 2021..., do ano de 2020 (da qual resulta um valor a pagar de 36 828,37 euros, onde está computado o montante de 92,58 euros de juros compensatórios), não tendo sido aplicado o método da isenção relativamente aos rendimentos da categoria H de fonte estrangeira. (PAT)
1.11. Os Requerentes obtiveram o estatuto de residentes não habituais no dia 25/07/2020. (PAT)
1.12. O montante da liquidação de IRS e de juros compensatórios (36 828,37 euros) foi pago até ao final do prazo de cumprimento da obrigação principal – 06/09/2021. (Documento junto pelos Requerentes, com o pedido de pronúncia arbitral, sob o n.º 8)
1.13. Os Requerentes, no dia 22/07/2020, apresentaram requerimento - junto do Serviço de Finanças de Lisboa ... – para correção dos seus registos de residência fiscal em território português, com efeitos a 01/03/2020. (Documento junto pelos Requerentes, com o pedido de pronúncia arbitral, sob o n.º 6)
1.14. Os pedidos foram indeferidos com o fundamento de que: para a AT “[o]s NIFS terem sido criados em 15/04/2020 e a pretendida retroatividade ser a 01/03/2020”. (PAT)
1.15. Os Requerentes apresentaram, assim, ação administrativa de impugnação do ato de indeferimento do seu pedido de inscrição como residentes fiscais em território português, com efeitos retroativos a 01/03/2020, a qual tramita junto do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o número 62/21.7BELRS. (Documento junto pelos Requerentes, com o pedido de pronúncia arbitral, sob o n.º 7)
1.16. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 06/12/2021. (Sistema informático do CAAD).
2. Factos que não se consideram provados
Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada
Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos (documentos juntos pelos Requerentes e PAT). Não há controvérsia quanto à matéria de facto.
MATÉRIA DE DIREITO
i) Questão do erro sobre os pressupostos de facto e de direito
A fonte do dissídio está no facto de, para os Requerentes, os pressupostos da residência fiscal em território português, no âmbito do regime de tributação em IRS dos “residentes não habituais”, coincidirem com a data em que se verificam e, como tal, a partir desse momento há direito a ser tributado como residente não habitual, no caso concreto, através da aplicação do artigo 81.º, n.º 6 do CIRS, na redação que vigorou até março de 2020. Já para a AT, o referido direito nasce a partir da inscrição na sua base de dados como residente não habitual.
O artigo 16.º do CIRS dispõe o seguinte:
1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;
c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;
d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.
(..,)
8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos números 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.(nosso sublinhado)
9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.(nosso sublinhado)
10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.
11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.
12 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 9 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português.
(…)
O regime jurídico dos “residentes não habituais” é enformado por uma política fiscal de atração de investimento estrangeiro no âmbito da realidade económico-financeira que resulta da crise (financeira) que limitou o crescimento económico em Portugal no início do século XXI. Ou, dito de outro modo, pretende promover o crescimento económico através da formação de capital humano, da transferência de inovação tecnológica e know-how e, assim, o desenvolvimento das empresas no país recetor de residentes e da competitividade do tecido empresarial.
O regime dos “residentes não habituais” exige, assim, o cumprimento dos seguintes requisitos: i) que (o sujeito passivo) se torne fiscalmente residente em território português, de acordo com qualquer um dos critérios estabelecidos nos números 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS, no ano relativamente ao qual se pretenda a tributação como residente não habitual; e ii) que não tenha sido considerado residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores (ao ano em que se pretende a tributação como residente não habitual).
O direito à tributação como residente não habitual fica condicionado ao cumprimento dos requisitos descritos no n.º 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS e, concomitantemente, “[d]a inscrição como residente em território português”, e não (da inscrição) como residente não habitual .
A inscrição como residente não habitual não é, assim, constitutiva do referido direito (à tributação como residente não habitual), mas reveste uma mera natureza declarativa. Veja-se, neste sentido, a decisão arbitral n.º 188/2020-T, de 24 de setembro de 2021 e a decisão arbitral n.º 777/2020-T, de 15 de dezembro de 2021.
Vejamos agora os requisitos necessários para a qualificação de um sujeito como “residente em território português”.
O artigo 16.º, n.º 1, alínea a) do CIRS exige a presença física em Portugal, de modo automático, por um período superior a 183 dias, seguidos ou interpolados. Já a alínea b) do mesmo normativo exige uma ligação física, menos qualificada, isto é, “[i]mpõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território. Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado de uma perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados” .
Ora, os Requerentes devem ser considerados residentes em território português a 01/03/2020, conclusão suportada pelo facto de a permanência em território português verificar-se pelo arrendamento de um prédio para habitação e pelas próprias diligências que adotaram, no início da pandemia por SARS-CoV-2, para serem considerados como tal.
Não tem a Requerida razão quando defende que a aquisição do estatuto de “residentes não habituais”, a 25/07/2020 obstaria à aplicação do referido regime, pois, repete-se, o direito aplicável exige, isso-sim, que os sujeitos passivos se tornem residentes fiscais em Portugal.
Em suma, os Requerentes preenchiam, a 01/03/2020, os requisitos para serem considerados como residentes fiscais em Portugal.
Importa agora analisar se os Requerentes têm, como invocam, o direito a serem tributados através da aplicação do artigo 81.º, n.º 6 do CIRS, na versão em vigor até março de 2020.
O artigo 81.º, n.º 6 do CIRS, na redação em vigor até março de 2020 tinha a seguinte redação:
(…)
6 - Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria H, na parte em que os mesmos, quando tenham origem em contribuições, não tenham gerado uma dedução para efeitos do n.º 2 do artigo 25.º, aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer das condições previstas nas alíneas seguintes:
a) Sejam tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou
b) Pelos critérios previstos no n.º 1 do artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português.
(…)
A aplicação do método da isenção exige o cumprimento de uma das condições descritas nas alíneas do normativo: i) que as pensões sejam tributadas no outro Estado contratante, de acordo com a convenção para eliminar a dupla tributação (“CDT”) celebrada entre Portugal e esse Estado; e ii) que as pensões sejam de fonte estrangeira com vista à aplicação (do método da isenção) no Estado de residência – onde o residente não habitual é tributado.
O normativo foi alterado pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, no sentido de tributar à taxa de 10% os rendimentos obtidos pelos “residentes não habituais” no estrangeiro da categoria H, em substituição do método da isenção.
Sucede, no entanto, que o legislador consagrou um regime transitório (artigo 329.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de março) com o seguinte teor:
1 - O disposto no artigo 2.º-B do Código do IRS, aditado pela presente lei, aplica-se apenas aos sujeitos passivos cujo primeiro ano de obtenção de rendimentos após a conclusão de um ciclo de estudos seja o ano de 2020 ou posterior.
2 - O disposto nos artigos 22.º, 72.º e 81.º do Código do IRS na redação anterior à introduzida pela presente lei continua a ser aplicável enquanto não estiver esgotado o período a que se referem os números 9 a 12 do artigo 16.º do Código do IRS, relativamente aos sujeitos passivos que, à data de entrada em vigor da presente lei, já se encontrem inscritos como residentes não habituais no registo de contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira ou cujo pedido de inscrição já tenha sido submetido e esteja pendente para análise, bem como aos sujeitos passivos que, à data de entrada em vigor da presente lei, sejam considerados residentes para efeitos fiscais e que solicitem a respetiva inscrição como residentes não habituais até 31 de março de 2020 ou 2021, por reunirem as respetivas condições em 2019 ou 2020, respetivamente. (nosso sublinhado)
3 - Os sujeitos passivos que, à data de entrada em vigor da presente lei, já se encontrem inscritos como residentes não habituais no registo de contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira ou cujo pedido de inscrição já tenha sido submetido e esteja pendente para análise podem optar pela sua tributação de acordo com a redação introduzida pela presente lei aos artigos 22.º, 72.º e 81.º do Código do IRS, desde que não esteja já esgotado o período a que se referem os números 9 a 12 do artigo 16.º do Código do IRS.
4 - Os sujeitos passivos que, à data de entrada em vigor da presente lei, sejam considerados residentes para efeitos fiscais e que solicitem a respetiva inscrição como residentes não habituais até 31 de março de 2020 ou 2021, por reunirem as respetivas condições em 2019 ou 2020, respetivamente, podem igualmente optar pela sua tributação de acordo com a redação introduzida pela presente lei aos artigos 22.º, 72.º e 81.º do Código do IRS.
5 - A opção a que se referem os números anteriores deve ser exercida pelos sujeitos passivos na declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2020.
(…)
Ora, resulta deste normativo que o método da isenção é aplicável aos “residentes não habituais” que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria H, desde que: i) sejam considerados residentes para efeitos fiscais; e ii) solicitem a sua inscrição como “residentes não habituais”.
A lei entrou em vigor no dia 01/04/2020 (artigo 430.º), pelo que, o método da isenção é aplicado aos sujeitos passivos que sejam residentes até à referida data e, concomitantemente, solicitem a sua inscrição como “residentes não habituais”.
Na hipótese sub iudice já se concluiu que os Requerentes devem ser considerados residentes fiscais em Portugal desde 01/03/2020 e, paralelamente, solicitaram a inscrição como “residentes não habituais” que permitiu a aquisição do estatuto a 25/07/2020. Ou, dito de outro modo, preenchem os requisitos do regime transitório para a aplicação do método da isenção, pelo que, neste segmento, a liquidação ao desconsiderar a aplicação do regime dos “residentes não habituais” e a aplicação do método da isenção, relativamente aos rendimentos (dos Requerentes) da categoria H de fonte estrangeira, padece do vício de violação de lei e, assim, vai parcialmente anulada.
ii) Questão do reembolso do imposto pago e da condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios
Os Requerentes peticionam, como decorrência da invocada anulabilidade (parcial) do ato de liquidação de IRS e de juros compensatórios, a restituição da importância indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), uma vez que procederam ao pagamento da quantia liquidada.
Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.
O que significa que, na execução do julgado anulatório, a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.
Uma vez anulada parte da liquidação de IRS impugnada e, bem assim, dos juros compensatórios inerentes, cabe à Requerida, em observância do disposto no artigo 24.º, n.º 1 do RJAT, restituir as importâncias de imposto e juros compensatórios necessárias ao restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário, no aludido fragmento, não tivesse sido praticado – considerando-se, na liquidação, a residência não habitual dos Requerentes e a aplicação do artigo 329.º, n.º 2 da Lei n.º 2/2020, de 31 de março.
Sobre os juros indemnizatórios rege o disposto no artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida.
Na situação vertente, está em causa a errada interpretação do artigo 16.º do CIRS e do artigo 329.º, n.º 2 da Lei n.º 2/2020, de 31 de março, tendo ficado demonstrado que a liquidação de IRS em discussão padece, em parte, de erro substantivo imputável à AT, para o qual os Requerentes não contribuíram, verificando-se o pressuposto de erro imputável aos serviços.
A jurisprudência arbitral tem reiteradamente afirmado a competência destes Tribunais para proferir pronúncias condenatórias emergentes do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT, 43.º e 100.º da LGT.
Deste modo, a anulação parcial da liquidação de IRS e de juros compensatórios é passível de constituir, na esfera dos Requerentes, o direito ao recebimento de juros indemnizatórios que os visam ressarcir da ilegal privação da quantia indevidamente paga pelo período de tempo que perdurar.
Improcede, no mais, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, na medida em que se mantém, na ordem jurídica, a parte remanescente da liquidação.
III – DECISÃO
Termos em que se decide:
(a) Julgar procedente o pedido arbitral de anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2021... (incluindo a parte proporcional de juros compensatórios), do ano de 2020, com as legais consequências;
(b) Condenar a Requerida a restituir aos Requerentes o montante de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor;
(c) Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 8 005,70 euros, nos termos do artigo 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
CUSTAS
Custas a suportar pela Requerida, no montante de 918 euros, cfr. artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 29 de agosto de 2022
O árbitro,
Francisco Nicolau Domingos