Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 754/2021-T
Data da decisão: 2022-07-25  IMI  
Valor do pedido: € 8.157,46
Tema: IMI – Revisão do ato tributário. Impugnação do valor patrimonial tributário. Ato de fixação da matéria tributável. Tempestividade
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SUMÁRIO:

 

  1. Os atos de fixação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuados discutir-se a legalidade daqueles atos.
  2. Não sendo impugnado tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, cristaliza-se a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direção Geral dos Imposto, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeita.
  3. Porém, o artigo 78.º da LGT, nos seus nºs 4 e 5, prevê a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excecional, no prazo de 3 anos, posteriores ao do ato tributário que termina no dia 31 de dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado, com base em injustiça grave ou notória e desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
  4. Não se encontrando esgotado o referido prazo de 3 anos, pode o dirigente máximo do serviço ainda autorizar o pedido de revisão da matéria tributável, e consequentemente, corrigir as respetivas liquidações em conformidade com a revisão autorizada.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Em 19 de novembro de 2021, A..., Lda, NIPC ..., com sede na ..., ...-... ..., Portimão, doravante designado por “Requerente”, solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 e 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista:
  1. à declaração de ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de Revisão Oficiosa apresentado contra o ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) referente ao ano de 2018, no montante de € 8.157,46 (oito mil, cento e cinquenta e sete euros e quarenta e seis cêntimos), e sua consequente anulação;
  2. à declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IMI referente ao ano de 2018, refletido no documento n.º 2018..., de 23.03.2019, no montante de € 8.157,46 (oito mil, cento e cinquenta e sete euros e quarenta e seis cêntimos), e a sua anulação,
  3. e ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido, alega a Requerente, a errónea determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” resultante da aplicação ilegal dos coeficientes de afetação e de localização e, porquanto, segundo entende, «para a determinação do VPT dos terrenos para construção, o artigo 45.º do Código do IMI apenas dá relevância à área de implantação do edifício a construir e do terreno adjacente, bem como às características constantes do n.º 3 do artigo 42.º do mesmo normativo legal. Neste sentido, e atento do exposto, não deverá ser tido em consideração qualquer dos coeficientes no artigo 38.º do Código do IMI, na redação dada dos factos, na medida em que os mesmos se encontram associados aos prédios já edificados. De facto o coeficiente de afetação apenas deverá relevar face à comprovada utilização do prédio edificado em face das características próprias do mesmo após a sua conclusão e edificação. Relembra a Requerente que, nos terrenos para construção, as edificações aprovadas são meramente potenciais, e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que procura taxar, ou seja, não se deverá ter em consideração fatores ainda não materializados, como aqueles que resultam da aplicação dos referidos coeficientes.». Acrescentando, ainda, que «o VPT dos terrenos para construção não deverá ter em conta o coeficiente de localização. Com efeito, e de modo complementar ao anteriormente exposto, caso se aceitasse que o fator localização fosse atendido, quer na definição do coeficiente de localização, quer na fixação da percentagem do valor do terreno de implementação, estaríamos perante uma duplicação desse mesmo fator.»

 

  1. A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, o Dr. D..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelas juristas, Dr.ª B... e Dr.ª C... .

 

  1. Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, foi, o signatário, designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, aceitou o cargo, no prazo legalmente estipulado e as partes não se opuseram a tal nomeação.

 

  1.  O presente Tribunal foi constituído no dia 28 de janeiro de 2022, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral singular que se encontra junta aos presentes autos.

 

  1. A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta, no dia 17 de fevereiro de 2022.

 

  1. O Tribunal, por despacho de 14 de março de 2022, encontrando-se o presente processo em fase de agendamento da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e definição de posterior tramitação processual, notificou a Requerente para informar se pretendia manter o depoimento da testemunha por si arrolada no pedido de pronuncia arbitral.

 

  1. Em resposta ao despacho identificado em 7. supra, através de requerimento apresentado no dia 28 de março, veio a Requerente prescindir da prova testemunhal.

 

  1. No dia 4 de abril de 2022, na sequência da resposta da Requerente enunciada em 8., constatando não existir necessidade de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade das partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários para prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, ao abrigo dos princípios de autonomia do Tribunal na condução do processo, da simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT, entendeu, o Tribunal ser de dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como, a apresentação de alegações, caso as partes não se opusessem no prazo de 5 dias.

 

  1. No despacho referido em 9. supra, o Tribunal determinou que a decisão final seria proferida até ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT e advertiu, por último, a Requerente que, até à data indicada, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, e comunicar tal pagamento ao CAAD.

 

  1. No dia 21 de abril de 2022, a Requerente, através de requerimento, declarou nada ter a opor quanto à dispensa da reunião do artigo 18.º do RJAT, manifestando, contudo, o seu interesse em apresentar alegações.

 

  1. Assim, por despacho de 27 de abril de 2022, o Tribunal notificou as partes para apresentarem as suas alegações de forma simultânea, no prazo de 15 dias.

 

  1. No dia 17 de maio de 2022, a Requerente apresentou as suas alegações escritas, mantendo a posição já expressa no pedido de pronuncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

  1. A Requerida não apresentou alegações finais.

 

 

 

 II. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

 

III. Matéria de Facto

  1. Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

  1. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC).

 

  1. Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral e alegações da Requerente e Resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

 

  1. Factos dados como provados

 

 

  1. Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
  1. A Requerente é proprietária de um terreno para construção urbana que se encontra inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., Portimão, sob o artigo ... – cfr. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral;
  2. A Requerente foi notificada do ato de liquidação de IMI n.º 2018..., de 23.03.2019, com referência ao ano de 2018, no montante de € 16.481,45 (dezasseis mil, quatrocentos e oitenta e um euros e quarenta e cinco cêntimos). – cfr. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;
  3. O ato de liquidação identificado em B supra teve por base o valor patrimonial tributário (VPT) fixado do seguinte modo:

VT

=

VC

x

A

x

CL

x

CA

x

Cq

3.581.950,00

=

603,00

x

3.000,1065

x

1,80

x

1,10

x

1,00

 

 

 

Sendo que:

«Vt* = valor patrimonial tributário, Vc= valor base dos prédios edificados, A= área bruta de construção mais a área excedente à área de implementação, Ca= coeficiente de afetação, Cl = coeficiente de localização, Cq= coeficiente de qualidade e conforto, Cv = coeficiente de vestutez, sendo A= (Aa +Ab) x Caj x % + Ac + Ad, em que Aa representa a área bruta privativa, Ab represente as áreas brutas dependentes, Ac representa a área do terreno livre até ao limite de duas vezes a área de implantação, Ad representa a área do terreno livre que excede o limite de duas vezes a área de implantação, (Aa + Ab) x Caj = 100 x 1,0 + 0,90 x (500-100) + 0,80 x (Aa + Ab – 1.000,0000).

Tratando-se de terreno para construção, A= área bruta de construção integrada de Ab.»

- cfr. Ficha de avaliação n.º 8874357, 11.02.2013 junta com o processo - ;

  1. A Requerente não contestou a avaliação que deu origem ao VPT considerado em C. supra, como sendo o aplicável ao terreno para construção em questão. – cfr. facto não impugnado - ;
  2. Em janeiro de 2021, a Requerente solicitou a atualização da matriz do terreno para construção em causa nos presentes autos, a qual teve como resultado a atualização do valor patrimonial tributário do mesmo para € 1.845.070,00 (um milhão, oitocentos e quarenta e cinco mil, e setenta euros). -  cfr. processo administrativo - ;
  3. No dia 22 de abril de 2021, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação de IMI n.º 2018... com referência ao ano de 2018, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, do qual consta o montante de coleta de € 16.481,45 (dezasseis mil, quatrocentos e oitenta e um euros e quarenta e cinco cêntimos). - cfr. Documento n.º 1 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;
  4. No dia 22 de agosto de 2021, presumiu-se o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, nos termos do disposto no artigo 57.º da Lei Geral Tributária. – cfr. acordo das partes - ;
  5. No dia 19 de novembro de 2021, a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral.

 

  1. Factos dados como não provados

Não existem factos dados como não provados, entendendo o presente Tribunal Arbitral que todos os factos dados como provados são os bastantes e relevantes para a apreciação do pedido.

 

 

IV- Do Direito

 

 

- Thema decidendum –

 

A questão de fundo, nos presentes autos, consiste em saber se estamos perante um ato tributário de liquidação de IMI do ano de 2018 ilegal, por suportado em erros advindos da avaliação que fixou os valores patrimoniais tributários sobre os quais recaiu a liquidação, em virtude de, na referida avaliação, a AT ter aplicado uma fórmula de cálculo não contemplada no disposto do artigo 45.º do Código do IMI, e ter relevado na mesma coeficientes multiplicadores de VPT não previstos naquele preceito legal.

 

  1. A Requerente impugna o ato de liquidação de IMI do ano de 2018 sobre o terreno de construção acima identificado, com fundamento em erro nos atos de fixação dos valores patrimoniais tributários sobre o qual incidiu o referido ato tributário, referindo quanto a este aspeto que:

«(…) a Requerente verificou que o VPT do referido terreno para construção, o qual serviu de base para a liquidação de IMI realizada pela AT – a qual se encontra a ser contestada com base em ilegalidade – foi determinado de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 38.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), na sua redação à data dos factos.

A este respeito, como é habitual no caso de terrenos para construção, no cálculo do VPT não foi considerado o coeficiente de vetustez. Contudo, foram considerados nas avaliações oportunamente realizadas, os coeficientes de localização e de afetação, os quais não são aplicáveis aos terrenos para construção. A inaplicabilidade dos referidos coeficientes decorre da especificidade dos terrenos para construção face aos demais prédios urbanos, encontrando-se tal entendimento largamente suportado por vasta jurisprudência.»

 

  1. Mais refere a Requerente que: «No caso em apreço, tendo em conta que a liquidação do IMI de 2018 teve por base um VPT incorretamente determinado relativamente ao seu terreno para construção, o imposto liquidado foi consideravelmente superior ao legalmente devido, pelo que, a Requerente requereu a revisão do ato tributário de liquidação do IMI.»

 

  1. Acrescenta que «[c]onforme anteriormente exposto, o n.º 1 do artigo 115.º do Código do IMI consagra a ressalva da possibilidade de aplicação do artigo 78.º da LGT, pelo que se entende que ambos os artigos são compatíveis no âmbito da sua aplicação. Com efeito, em ambos os artigos se disciplina a revisão de atos tributários, os quais são, por excelência, os atos de liquidação e os atos de fixação da matéria tributável.» pelo que, «[n]este sentido, e ainda que a fixação do VPT seja um ato administrativo destacável em matéria tributável, e por isso passível de impugnação autónoma, não se deve por isso entender que a liquidação que resulta da aplicação do mesmo não possa ser contestada, antes pelo contrário

 

  1. Suportando-se na jurisprudência que invoca, defende a Requerente que «apesar de o pedido de revisão oficiosa do ato tributável não ser aplicável aos atos de fixação do VPT, tal não significa que a liquidação ilegal que resulte da incorreta aplicação das regras fiscais na determinação do VPT não possa ser revista e corrigida oficiosamente.»

 

  1. Concluindo, quanto a esta matéria no sentido de que «Em face do exposto, torna-se claro que será possível proceder à revisão oficiosa da liquidação do IMI de 2018 na medida em que a mesma teve por base um VPT ilegalmente determinado, devendo por isso a mesma ser anulada ou revista de modo a refletir o montante de IMI corretamente determinado»

 

  1. No que à determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção diz respeito, esclarece que «[o] valor dos terrenos para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características. Pelo que, quanto maior seja o VPT do prédio a construir, maior será o VPT do terreno para construção que lhe está subjacente

 

  1. Ora, menciona a Requerente que «(…) o artigo 45.º do Código do IMI estabelece as normas de determinação do VPT dos terrenos para construção, as quais, (…), são diferentes e especiais em face das regras aplicáveis aos prédios urbanos edificados com destino a habitação ou serviços, previstas no artigo 38.º do Código do IMI.».

 

  1. Assim sendo, «(…) a determinação do VPT dos terrenos para construção deverá ser realizada nos termos das normas acima identificadas, motivo pelo qual não é possível aplicar a fórmula geral prevista no artigo 38.º do Código do IMI. Contudo, (…) esta situação não se verificou, tendo sido aplicada nas avaliações oportunamente realizadas, e que a Requerente entende ilegais, a fórmula prevista no artigo 38.º do Código do IMI, designadamente o coeficiente de localização e coeficiente de afetação que a Requerente considera não serem aplicáveis aos terrenos para construção.», concluindo no sentido de que «(…) tendo a liquidação de IMI sido baseada num VPT ilegal, a mesma padece de ilegalidade por erro imputável aos serviços devendo, consequentemente, o tribunal arbitral proceder à sua revisão.»

 

  1. Aduz, sob o tema da inaplicabilidade do coeficiente de afetação que «(…) para a determinação do VPT dos terrenos para construção, o artigo 45.º do Código do IMI apenas dá relevância à área de implantação do edifício a construir e do terreno adjacente, bem como às características constantes do n.º 3 do artigo 42.º do mesmo normativo legal.  Neste sentido, e atento o exposto, não deverá ser tido em consideração qualquer dos coeficientes presentes no artigo 38.º do Código do IMI, na sua redação à data dos factos, na medida em que os mesmos se encontram associados aos prédios já edificados. », pelo que « não se deverá ter em consideração fatores ainda não materializados, como aqueles que resultam da aplicação dos referidos coeficientes.», assim sendo, e conforme jurisprudência que anuncia, sustenta que «(…) a aplicação de tais coeficientes deve apenas respeitar à comprovada utilização do prédio edificado, e não à mera expetativa de construção, pelo que os mesmos não deverão ser utilizados para efeitos da determinação do VPT de terrenos para construção.»

 

  1. Quanto à inaplicabilidade do coeficiente de localização menciona a Requerente que, «o VPT de terrenos para construção não deverá ter em conta o coeficiente de localização», porquanto «caso se aceitasse que o fator localização fosse atendido, quer na definição do coeficiente de localização, quer na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação, estaríamos perante uma duplicação desse mesmo fator. Para o efeito, importa referir que os critérios e características para a fixação da percentagem correspondente à área de implantação prevista ou autorizada (pela remissão presente no n.º 3 do artigo 45.º para o n.º 3 do artigo 42.º do Código do IMI) têm em consideração as acessibilidades existentes, a proximidade de equipamentos sociais, a existência ou não de transportes públicos, bem como a eventual localização em zona de elevado valor de mercado imobiliários, realidades estas também relevadas para a variação do próprio coeficiente de localização (previsto no n.º 3 do artigo 42.º do Código do IMI). Ou seja, teríamos a mesma realidade a influenciar o valor patrimonial tributário duplamente.»

 

  1. Peticiona a final, não só a declaração de ilegalidade do indeferimento tacitamente presumido da revisão oficiosa, mas, também, do ato de liquidação sindicado, bem como a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária.

 

  1. Por seu turno, sustenta a Requerida, que a Requerente não aponta qualquer erro concreto e específico aos atos de liquidação sindicados, referindo que apenas questiona o valor patrimonial tributário que os suportou, enquanto ato destacável para efeitos de impugnação contenciosa do procedimento de liquidação.

 

  1. Começa por invocar a intempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, referindo que «tendo em conta a data de apresentação do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI e a data da respetiva avaliação dos terrenos para construção, conclui-se, tem necessariamente que o mesmo pedido de revisão oficiosa apresentado em 2021 é intempestivo», se atendermos a que «o prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do ato tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária».

 

  1. Depois sustenta que «[o] procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral, [q]ue, se não for impugnado nos termos e prazo fixado se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher. E cuja impugnação não abrange os erros ou vícios que eventualmente tenham ocorrido nessa avaliação, Não tendo a Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.»

 

  1. Esclarece que «a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação que não na posterior liquidação consequente.», acrescentando, suportando, em jurisprudência que invoca, que «Na ausência durante um certo lapso de tempo de contestação ou de qualquer manifestação de oposição, o valor patrimonial tributário consolida-se na ordem jurídica, por força do princípio da segurança jurídica,« pelo que «é de concluir que, por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação ser anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT.»

 

  1. Defende a Requerida que os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação «(…) são actos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis.»

 

  1. Assim sendo, invocando doutrina e suportando-se na orientação da jurisprudência dos Tribunais Superiores, aduz que «ao estabelecer a sindicância directa destes actos, qualificando-os como actos destacáveis com autonomia e lesividade própria, o legislador teve em vista alcançar a desejável estabilização e consolidação da matéria tributável em momento anterior ao da efectividade da liquidação.»

 

  1. Nesta sequência, defende que «não é nem legal nem admissível a apreciação da correção do VPT em impugnação do acto de liquidação, uma vez que nesta sede há-de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação».

 

  1. Sustenta, ainda, que «Face ao recente e reiterado entendimento jurisprudencial sobre a fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção, (…) importa analisar em que termos e sob que condições os atos de avaliação dos prédios urbanos terrenos para construção que tenham considerado esses coeficientes podem ser anulados.», mais referindo que «[a] revogação e a anulação dos atos administrativos em matéria tributária, estão previstas no artigo 79º da Lei Geral Tributária (LGT), sendo subsidiariamente aplicável o regime previsto nos artigos 165° a 174° do Código de Procedimento Administrativo (CPA), por força do artigo 2.º, alínea c) da LGT. »

 

  1. Ora, «[d]ecorre do texto da lei que apenas são passíveis de anulação os atos de fixação dos VPT que contrariam o recente entendimento jurisprudencial nos casos em que não tenha decorrido cinco anos desde a respetiva emissão.».

 

  1. Conclui no sentido de que, no caso em apreço, « já se encontra precludido o prazo para anulação administrativa do ato que fixe valor patrimonial tributário o qual se encontra sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI.», pois «[s]e assim não fosse estar-se-ia a admitir que a liquidação de IMI pudesse ser calculada contra legem, i.e. com base no valor que não é o que consta na respetiva matriz predial.

 

  1. Acrescenta que «[o] pedido formulado pela Requerente, (…), não está fundamentado na lei. Ora acontece que o Tribunal Arbitral está obrigado a julgar de acordo com o direito constituído, estando impedido de julgar o processo de acordo com critérios da equidade

 

  1. Complementa a sua posição, mencionando que, «Por estar a Administração Tributária vinculada ao princípio da legalidade previsto no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e concretizado nos artigos 55.º da Lei Geral Tributária e no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo não pode deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou em vigor no ordenamento jurídico, conforme se verificou no caso em apreço..»

 

  1. Finalizando a sua resposta no sentido de que «[d]estarte impugna-se por infundado todo o aduzido no pedido de pronúncia arbitral que contrarie todo o exposto, devendo decidir-se a final que os atos impugnados não padecem dos vícios que lhe foram assacados nem de nenhuns outros.»

 

  1. No que ao pedido de juros indemnizatórios, afere a Requerida que «no caso em apreço não se verifica qualquer “erro imputável aos serviços”,  Uma vez que, à data dos factos, a Administração Tributária fez a aplicação da lei, vinculadamente pois como órgão executivo está adstrita constitucionalmente,. Aliás, de acordo com jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. artigo 266.º, n.º 2, da CRP e artigo 55.º da LGT).» Ressalvando, no entanto que, «[c]aso o pedido de pagamento de juros fosse julgado procedente, o que por mera hipótese se concede, o mesmo seria enquadrável no nº 3, alínea c) do artigo 43.º da LGT, o qual determina que nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.»

 

  1. Pugnando, a final, que seja o pedido de pronuncia arbitral «julgado improcedente, por não provado, e, consequentemente, absolvida a requerida de todos os pedidos.»

 

São estes os argumentos aduzidos pelas partes, cabendo agora ao presente Tribunal pronunciar-se e decidir em conformidade com o Direito.

 

Questão de fundo

 

Face às posições assumidas e aos fundamentos alegados pelas partes nas suas peças processuais, na solução da questão em ponderação, iremos acompanhar, com as necessárias adaptações, o entendimento já sufragado na decisão arbitral em que o signatário foi árbitro, proferida no processo n.º 407/2021 - T, a 10 de março de 2022, suportada, por sua vez, na decisão arbitral do Tribunal Coletivo constituído no CAAD, presidido pela Exma. Senhora Conselheira Fernanda Maçãs, proferida no processo n.º 253/2021-T, a qual remete, por seu turno para a decisão arbitral do Acórdão do Tribunal Coletivo, igualmente, constituído no CAAD, presidido pelo Exmo. Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, proferido no processo do CAAD n.º 487/2020 - T, que, com a devida vénia aqui reproduzimos na parte aplicável.

 

  1. Com efeito, resulta dos referidos arestos que:

 “… Afigura-se correcto este entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Na verdade, por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é directa e, por isso, ela é «susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa» (artigo 86.º, n.º 1, da LGT).

 

Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».

 

Os termos da impugnação da avaliação directa de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT, em que se estabelece que:

– «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (nº1); e

– «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (nº.7)

 

Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previsto no procedimento de avaliação.

 

No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo76.º, n.º 1,do CIMI).Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT(artigo77.º,n.º1doCIMI).

 

Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos.

 

Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes factos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

 

Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).

 

A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:

 – de 30-06-1999, processo n.º 023160;

– de 02-04-2003, processo n.º 02007/02;

– de 06-02-2011, processo n.º 037/11;

 – de 19-09-2012, processo n.º 0659/12

– de 5-2-2015, processo n.º 08/13;

– de 13-7-2016, processo n.º 0173/16;

 – de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.

 

Pelo exposto, os alegados vícios dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI.»

 

  1. Continuam as referidas decisões, com aplicação ao presente caso, no sentido que:

«Os princípios constitucionais invocados pela Requerente, designadamente os princípios da legalidade tributária, da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da igualdade, não contendem com tal regime de impugnação autónoma dos actos de avaliação de valores patrimoniais.

 

Na verdade, este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação o poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS , IRC e Imposto do Selo o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

 

Por outro lado, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.

 

O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto na lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo102.º do CPPT…)”»

 

  1. Concluindo no sentido que:

«Deste modo, improcede o ponto de vista da Requerente no que respeita à impugnação de atos tributários de avaliação consolidados na ordem jurídica a 31 de Dezembro de cada ano de tributação de IMI (2015, 2016, 2017 e 2018), uma vez que há muito se encontra ultrapassado o prazo de 3 meses concedidos para o efeito.

 

Num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), estando os Tribunais arbitrais obrigados a decidir em consonância com o direito constituído, entende-se que as liquidações de IMI em causa não poderão ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações que fixaram os valores patrimoniais dos terrenos para construção, perfeitamente consolidados à data das liquidações.»

 

  1. Na verdade, apreciando o caso concreto, constatamos que, dos factos provados resulta que a Requerente não terá impugnado, nos termos do disposto no artigo 134.º do CPPT, a avaliação que deu origem ao VPT do terreno para construção em apreço (realizada em 2013) e sobre o qual incidiu a tributação de IMI impugnada.

 

  1. Assim sendo, é manifesto que quanto a este se formou caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, e que por razões de segurança jurídica, não poderá vir agora, em princípio, impugnar os vícios resultantes da fixação do VPT nos atos de liquidação que sejam praticados com base nos mesmos.

 

  1. Com efeito, como sustenta doutamente a decisão arbitral do Tribunal singular do CAAD proferida no processo 40/2021 -T, «Não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, cristaliza-se a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que o “imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direção Geral dos Imposto, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeita”.»

 

  1. Quanto a esta matéria, esclarece e reforça, ainda, a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 510/2021-T, Tribunal Coletiva constituído, no CAAD, por Guilherme W. d´Oliveira Martins, Fernando Miranda Ferreira e Miguel Patrício, o entendimento de que:

 «23.10. os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.

23.11. Assim, o sujeito passivo de IMI e de AIMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes atos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

 3.12. Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).

23.13. A natureza de atos destacáveis que é atribuída aos atos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT.»

 

  1. Com efeito, e como é esclarecido na decisão arbitral proferida no processo n.º 540/2021:

«(…) este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada ato de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de atos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS (   ), IRC (   ) e Imposto do Selo (   ), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

 

Por outro lado, a caducidade do direito de ação derivada da inércia do lesado por atos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.

 

O prazo de impugnação de três meses para impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos atos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).

 

Para além disso, neste caso, a pretensão da Requerente reconduz-se a impugnar, em 2020, atos de avaliação praticados até 2015, muito depois do prazo legal de impugnação de três meses e mesmo depois do decurso do prazo de três anos em que a lei admite a revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, com fundamento em injustiça grave ou notória (artigo 78.º, n.º 4 da LGT).

 

Num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), estando os tribunais arbitrais obrigados a decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio eventualmente adotaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.»

 

  1.  Pelo exposto, atendendo à orientação que o presente Tribunal acompanha, não pode o ato de liquidação de IMI ser anulado com base nos vícios dos atos de avaliação invocados pela Requerente, dado que não foram os mesmos, objeto de impugnação tempestiva autónoma, pelo que, improcederia, por estes motivos, o pedido de pronúncia arbitral.

 

Da Revisão oficiosa

 

  1. Sucede que, a Requerente, no dia 22 de abril de 2021 apresentou, nos termos do disposto nos artigos 115.º e 129.º do Código do IMI e do artigo 78.º da LGT, um pedido de revisão oficiosa, o qual, não tendo sido decidido no prazo de 4 meses previsto no artigo 57.º da LGT, levou a que se presumisse o seu indeferimento tácito.

 

  1. Com efeito, resulta do artigo 115.º do Código do IMI sob a epígrafe “Revisão oficiosa da liquidação e anulação” que:

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas:

 a) Quando, por atraso na actualização das matrizes, o imposto tenha sido liquidado por valor diverso do legalmente devido ou em nome de outrem que não o sujeito passivo, desde que, neste último caso, não tenha ainda sido pago;

b) Em resultado de nova avaliação;

c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido;

d) Quando, havendo lugar, não tenha sido considerada, concedida ou reconhecida isenção.

2 - A revisão oficiosa das liquidações, prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, é da competência dos serviços de finanças da área da situação dos prédios.

3 - Não há lugar a qualquer anulação sempre que o montante do imposto a restituir seja inferior a (euro) 10.»

 

  1. Ora, reporta-se esta norma, à revisão oficiosa de atos de liquidação de IMI e não a atos de avaliação de valores patrimoniais.

 

  1. Contudo, o artigo 78.º da LGT prevê, por seu turno, que:

«1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 – Revogado

3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.  

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional. 

6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos. 

7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.» (negrito nosso)

 

  1. Ora, conforme é referido nas decisões arbitrais do CAAD proferida pelos Tribunais Coletivos acima identificados, e que aqui acompanhamos com maior proximidade o que consta da decisão proferida no processo n.º 253/2021-T:

«Porém, o artigo 78º da LGT, nos seus nºs 4 e 5, prevê a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excecional, com base em injustiça grave ou notória e desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

 

Veremos de seguida se os condicionalismos previstos nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT estão verificados por forma a admitir a revisão oficiosa, seguindo também aqui a jurisprudência vertida na Decisão arbitral proferida no processo n.º 487/2020-T.

 

Relativamente ao prazo de 3 anos, posteriores ao do ato tributário que terminam no dia 31 de dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o ato tributário, verifica-se, desde já, que relativamente ao ano de 2015 o pedido de revisão da matéria tributável já não poderia ser autorizado, uma vez que a liquidação foi emitida em 26/02/2016 e o pedido de revisão só foi apresentado em 25/11/2020, portanto extemporaneamente uma vez que o prazo para a sua apresentação terminou em 31 de dezembro de 2019.

 

No que concerne às liquidações respeitantes aos anos de 2016, 2017 e 2018, o prazo de 3 anos ainda não estava esgotado e o dirigente máximo do serviço ainda poderia autorizar o pedido de revisão da matéria tributável e consequentemente corrigir as respetivas liquidações em conformidade com a revisão autorizada.

 

Assim sendo, verificada a tempestividade do pedido teremos que apreciar se a fixação dos valores patrimoniais resultam de qualquer informação incorretamente prestada pela Requerente, relativamente à natureza dos prédios, o que não se verifica, uma vez que a avaliação foi realizada pela AT, com base numa fórmula prevista na Lei, sem qualquer intervenção da Requerente. Esta circunstância afasta qualquer comportamento negligente da sua parte.

 

Antes pelo contrário, o erro tem que ser completamente imputável à AT, na medida em que utilizou na avaliação e fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção, as normas legais aplicáveis aos prédios edificados, o que nos permite concluir que os erros apontados pela Requerente na fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção em causa, só poderão ser exclusivamente imputáveis à AT.

 

Tais erros conduziram ao apuramento de valores patrimoniais dos terrenos para construção não correspondentes ao legalmente previsto no artigo 45º do CIMI e consequentemente aos atos de liquidação de IMI desproporcionalmente superiores aos legalmente exigíveis o que se traduz em «injustiça grave ou notória», ficando, deste modo, preenchidos os requisitos exigidos pelo nº 4 do artigo 78º da LGT.

 

 Aqui chegados constamos a verificação de todos os requisitos exigíveis para a revisão da matéria tributável prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT, pelo que, a Requerida, ao invés de deixar operar o indeferimento tácito, deveria ter proferido despacho de deferimento parcial do pedido de revisão oficiosa, com a consequente anulação parcial das liquidações respeitantes aos anos 2016, 2017 e 2018, e indeferimento do pedido, por intempestivo, relativamente às liquidações respeitantes a 2015.

 

Nesta perspetiva justifica-se a anulação do indeferimento tácito relativamente às liquidações respeitantes aos anos 2016, 2017 e 2018 e a sua consequente anulação parcial, ao abrigo do artigo 163º, nº 1 do CPA, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c) da LGT e ainda a impossibilidade de anulação da liquidação respeitante a 2015.»

 

  1. Regressando ao caso em apreço, e aplicando as normas legais da LGT e CIMI, quanto à revisão oficiosa, e a jurisprudência citada, com as devidas adaptações, constata, o presente Tribunal que, o prazo de 3 anos, previsto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, para que o dirigente máximo do serviço autorizasse a revisão da matéria tributável, quando foi apresentado tal procedimento pela Requerente (21.04.2021), já se encontrava esgotado para ao ato de liquidação de IMI referente ao ano de 2018, cuja liquidação foi emitida em 2019,

 

  1. … uma vez que a liquidação sindicada se baseia no valor inscrito na respetiva matriz em 31.12.2013., sendo manifesto que o ato de fixação de valores patrimoniais é anterior a essa data.

 

  1. Assim sendo, já não poderia o dirigente máximo dos serviços autorizar a revisão da matéria coletável e corrigir a respetiva liquidação respeitante ao IMI do ano de 2018, por se encontrar ultrapassado o prazo de 3 anos previsto no artigo 78.º, n.º 4 da LGT, em virtude de, como se viu, o ato de fixação do VPT ter ocorrido no ano de 2013, pelo que tal pedido apenas poderia ter dado entrada até 2016.

 

  1. Face ao exposto, improcede o pedido de pronuncia arbitral apresentado pela Requerente quanto ao ato de liquidação de IMI respeitante ao ano de 2018, bem como quanto à anulação da decisão no sentido do indeferimento da revisão oficiosa, sendo que se deverão manter na ordem jurídica.

 

  1. Nestes termos, improcedendo o pedido de pronúncia arbitral da Requerente, fica prejudicado, por assegurada a eficaz tutela dos interesses desta, o conhecimento das demais questões, especialmente a de cariz inconstitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2 do Código do Processo Civil aplicável subsidiariamente ex vi do disposto no artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT. 

 

 

V. DECISÃO

 

Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim:

  1.  julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral respeitante ao pedido de anulação do indeferimento tácito presumido do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente contra a liquidação de IMI do ano de 2018;
  2. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte referente à liquidação de IMI do ano de 2018, a qual será mantida na ordem jurídica, e absolvida a Requerida dos respetivos pedidos.
  3. Julgar, consequentemente, improcedente o pedido de juros indemnizatórios.

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 8.157,46 (oito mil, cento e cinquenta e sete euros e quarenta e seis cêntimos), nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, c), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 918,00 (novecentos e dezoito euros).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de julho de 2022

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O Árbitro

Jorge Carita