SUMÁRIO: I. O prazo de 5 anos previsto nas verbas 17.1.2 e 17.1.3 da TGIS para efeitos de determinar a taxa a aplicar conta-se, em caso de dúvida, nos termos da alínea c) do artigo 279.º do Código Civil;
II. Quando o referido prazo for fixado em parcelas de anos, meses e dias, a contagem de cada uma destas parcelas é feita autónoma e seguidamente, começando a contagem da parcela fixada em anos no dia da realização do crédito e terminando às 24 horas do dia correspondente em que esta parcela terminar, fazendo acrescer a parcela do prazo fixada em meses que começa no dia seguinte àquele em que a parcela anterior terminou e que finda às 24 horas do dia correspondente em que esta parcela terminar, acrescendo, finalmente, os dias que tiverem sido fixados no contrato.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
-
O pedido
A..., S.A., com sede social no ..., Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Paço de Arcos, com o número de identificação de pessoa coletiva ..., (doravante Requerente), vem apresentar pedidos de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral (doravante PPA), nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), visando anular a decisão de indeferimento expresso da reclamação reclamação graciosa n.º ...2020... e, por conseguinte, proceder à
anulação parcial do ato tributário de liquidação de imposto do Selo identificada sob o n.º ... com a consequente restituição do quantitativo considerado indevidamente pago de € 79.808,12.
Pede também que seja ordenado o pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrarem devidos nos termos dos artigos 43.º da LGT, 61.º do CPPT e 24.º, n.º 5, do RJAT.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida)
-
Resumo da fundamentação invocada pelas partes
-
Diz a Requerente no PPA:
2.1.1. Que no decurso da sua atividade contraiu um empréstimo acionista junto de uma entidade sedeada no Luxemburgo, no montante total de 79.808.117,00 € (setenta e nove milhões, oitocentos e oito mil, cento e dezassete Euros), formalizado por documento contratual datado de 6 de novembro de 2019, cuja maturidade foi fixada em 4 (quatro) anos, 11 (onze) meses e 30 (trinta) dias, contados da data da disponibilização dos fundos, isto é, desde 20 de setembro de 2019.
2.1.2. Que, enquanto residente fiscal em Portugal e na qualidade de entidade mutuária, procedeu à liquidação e pagamento do respetivo Imposto do Selo no montante total de € 478.848,70.
2.1.3. Que, por lapso, aquando da liquidação, aplicou uma taxa de 0,6% sobre o montante de crédito disponibilizado (79.808.117,00 €), razão pela qual liquidou e pagou o quantitativo de € 478.848,70, tendo considerado erroneamente, de acordo com a Verba 17.1.3 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS), uma maturidade igual ou superior a 5 (cinco) anos, sendo certo que como a maturidade contratualizada é inferior a 5 (cinco) anos deveria ter aplicado a taxa de 0,5% prevista na Verba 17.1.2 da referida Tabela.
2.1.4. A fim de obter a anulação parcial da liquidação, deduziu reclamação graciosa que foi instaurada na Direção de Finanças de Lisboa com o número de processo ...2020..., a qual veio a ser indeferida por despacho de 14 de Setembro de 2021, com o fundamento de que o prazo fixado de 4 anos, 11 meses e 30 dias “é uma construção ambígua, podendo, facilmente, corresponder a 4 anos e 365 dias ou mais, ou seja, a um prazo igual ou superior a 5 anos”.
2.1.5. Ao contrário do que foi entendido pela AT ao indeferir a reclamação graciosa, defende a Requerente que como se evidencia no contrato (cfr. cláusulas 1.1. e 4.1 do “Shareholder Loan Agreement”), a maturidade do empréstimo acionista é de 4 (quatro) anos, 11 (onze) meses e 30 (trinta) dias, contados da data da disponibilização dos fundos (i.e. desde 20 de setembro de 2019), como decorre da prova documental da transferência bancária (DOC 8), no qual se pode verificar que no dia 20 de setembro de 2019 a acionista, B..., transferiu um montante total de 87.564.079,90 €, nos quais está incluído o montante de 79.808.117,00 € a título de suprimentos.
2.1.6. Quanto ao suporte jurídico para sustentar a sua posição no que concerne a contagem do prazo, a Requerente invoca a alínea c) do n.º 1 do artigo 279.º do Código Civil segundo a qual “O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês;”, acrescentando ainda que em seu entender o legislador estabeleceu que o prazo de meses ou anos, independentemente de se tratar de um mês com 31 dias ou menos, ou de um ano comum ou bissexto, conta-se sempre até ao dia correspondente do mês ou ano em que termina o prazo, independentemente de terem decorrido 28, 29, 30 ou 31 dias (no caso de se tratar de um mês) ou 365 ou 366 dias, se se tratar de um ano.
2.1.7. Assim, continua a Requerente, tendo os fundos sido disponibilizados a 20 de setembro de 2019, o prazo de 5 anos terminaria no dia 20 de setembro de 2024, pelo que, mutatis mutandis, o prazo de 4 anos, 11 meses e 30 dias indicado no “Shareholder Loan Agreement” acabará no dia 19 de setembro de 2024, pelo que, acrescenta, nem se colocará a questão apresentada pela AT sobre o facto do contrato de financiamento prever que o termo do prazo transfere-se para o dia útil seguinte, quando termina num dia não útil, já que o dia 19 de setembro de 2024 se trata de um dia útil (quinta-feira), não podendo a AT arredondar o prazo para 5 anos”.
2.1.8. Neste contexto, a Requerente diz que não pode concordar com os fundamentos apresentados pela AT para indeferir a reclamação graciosa, na medida em que os mesmos se encontram feridos de vício de violação da Lei, por incorreta contagem de prazos, e, consequentemente, incorreta aplicação da taxa de Imposto do Selo ao montante de crédito disponibilizado, pelo que vem solicitar, por este meio, a reversão da referida decisão de indeferimento, o que implicará a anulação parcial do ato tributário e, consequentemente, o reembolso do Imposto do Selo suportado em excesso, no montante de € 79.808,12.
-
Na Resposta a Requerida contrapõe, resumidamente, o seguinte:
2.2.1. Defendendo-se por impugnação, observa que a única questão a dirimir consiste em saber qual o efetivo prazo de maturidade do empréstimo e que, inexistindo dúvidas relativamente à qualificação da operação como concessão de crédito e que o imposto do selo é devido pela utilização do crédito, fica em causa saber se essa operação cabe na previsão da verba 17.1.2 ou 17.1.3 da TGIS, sendo que se o prazo do crédito for igual ou superior a um ano e inferior a cinco anos se aplica a taxa de 0,50% e se for igual ou superior a cinco anos se aplica a taxa de 0,60%.
2.2.2. Ora, sendo certo que das condições contratuais resulta que a maturidade do empréstimo acionista é de 4 anos, 11 meses e 30 dias, contados da data de disponibilização dos fundos, transferindo-se o termo do prazo para o dia útil seguinte, caso o mesmo termine em dia não útil, conclui a Requerida que, “conforme demonstrado na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, o prazo de 4 anos, 11 meses e 30 dias, com a cláusula de transferência do termo do prazo para o dia útil seguinte, traduz-se efetivamente num prazo de 5 ou mais anos na medida que, em todo o caso, e conforme se extrai da al. b), do n.º do citado artigo 279.º do CC, no cômputo do termo do prazo nunca se incluiria o dia do início do prazo”.
2.2.3. A Requerida invoca também o princípio da prevalência da substância que deve prevalecer sobre a mera forma do negócio jurídico concretamente utilizado, acrescentando que tal princípio deve ser examinado em conjugação com o fenómeno da fraude à lei que a cláusula geral anti-abuso prevista no artº.38, nº. 2, da LGT pretende limitar.
2.2.4 A Requerida reafirma que, iniciando-se o prazo em questão no dia seguinte à data de disponibilização dos fundos, transferindo-se o termo do prazo para o dia útil seguinte, caso o mesmo terminasse em dia não útil e, sendo o referido prazo passível de prorrogação por um período de mais 4 anos, certo é que o referido crédito nunca teria uma duração efetiva inferior a 5 anos.
2.2.5. Assim, conclui a Requerida que “como clausulado no referido contrato sabia o contribuinte que a referida operação era subsumível à Verba 17.1.3 da TGIS, e tanto é assim que foi a próprio Requerente que realizou – e bem – a autoliquidação do imposto em questão com base na Verba 17.1.3 da TGIS”, pelo que só “resta concluir que a liquidação é legal, improcedendo por essa razão, a pretensão da Requerente”.
2.2.6. Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, a Requerida diz que não padecendo a liquidação de qualquer ilegalidade que possa conduzir à sua anulação, nem qualquer erro, quer de facto, quer de direito, imputável aos Serviços, não existe fundamento que legitime a condenação no pagamento dos referidos juros.
-
Tramitação processual
3.1. No dia 20.12.2021, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT;
3.2. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável;
3.3. Em 03.02.2022, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas;
3.4. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 22.02.2022;
3.5. Em 22.02.2022, a Requerida foi notificada para apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo e, querendo, requerer a produção de provas adicionais;
3.6. Em 25.03.2022, a Requerida apresentou a sua Resposta e em 28.03.2022 apresentou o processo administrativo;
3.7. Por despacho arbitral de 26.04.2022 foi a Requerente notificada para, no prazo de 10 dias, (a) explicitar em que medida a inquirição das testemunhas arroladas no pedido de pronúncia arbitral é necessária para o apuramento dos factos relevantes para a decisão da causa (para além dos documentos já constantes dos autos), bem como, (b) indicar sobre que factos incidiria, a ser admitida, tal inquirição e para, no mesmo prazo de 10 dias, (c) juntar aos autos tradução dos documentos em língua inglesa que apresentou juntamente com o pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 134.º do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT);
3.8. Por requerimento apresentado em 12.05.2022, a Requerente pronunciou-se no sentido de que “as testemunhas arroladas sejam ouvidas relativamente aos factos constantes dos art.º s 16.º a 29.º da Petição Inicial, caso o Tribunal, no seu superior critério considere que a matéria em causa é controvertida, mais requerendo que fosse concedido um prazo adicional de 10 (dez) dias para vir aos autos juntar as traduções dos Documentos n.ºs 5 e 6 juntos com a petição inicial;
3.9. Por despacho arbitral de 17.05.2022, foi determinado que atendendo ao facto dos documentos juntos ao PPA não terem sido impugnados pela Requerida, e considerando que os factos constantes dos artigos 16.º a 29.º do PPA não constituem matéria de facto controvertida, o Tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal na condução do processo e do princípio da livre determinação das diligências de produção de prova necessárias (cfr. artigo 16.º, alíneas c) e e), do RJAT), por considerar a mesma desnecessária no presente processo;
3.10. Na sequência do requerimento apresentado pela Requerente em 12.05.2022, o Tribunal deferiu o pedido de prazo adicional de 10 dias para ser junta aos autos a tradução dos documentos n.ºs 5 e 6 juntos ao PPA;
3.11. Pelo mesmo despacho arbitral as partes foram notificadas para, querendo, se pronunciarem em 10 dias sobre a necessidade de alegações escritas finais, ao que as mesmas nada disseram;
3.12. Por requerimento de 03.06.2022 a Requerente juntou tradução dos documentos 5 e 6 anexos ao PPA;
3.13. Por despacho arbitral de 03.06.2022, foi dispensada a apresentação das alegações finais, por desnecessárias, e fixado o dia 29.06.2022 como data previsível para a prolação da decisão arbitral;
4. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Tudo visto e não havendo qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa cumpre proferir
Decisão.
II. FUNDAMENTAÇÃO
-
MATÉRIA DE FACTO
-
Dão-se por provados os seguintes factos:
1.1.1. A Requerente é uma sociedade anónima com domicílio fiscal em Portugal, foi constituída em dezembro de 2017 e o seu objeto social consiste fundamentalmente na compra de imóveis para revenda;
1.1.2. Em 2019, o seu capital social foi integralmente adquirido pela B..., uma sociedade de responsabilidade limitada com residência fiscal no Luxemburgo, a qual tem como objeto social a aquisição de participações em qualquer tipo de sociedade luxemburguesa ou estrangeira e, bem assim, a título exemplificativo, a aquisição e venda de instrumentos financeiros ou valores mobiliários;
1.1.3. Que no decurso da sua atividade, a Requerente contraiu um empréstimo junto da B..., datado de 20 de setembro de 2019, no montante total de € 79.808.117,00 (setenta e nove milhões, oitocentos e oito mil, cento e dezassete Euros).
1.1.4. O referido empréstimo acionista foi formalizado por via de documento contratual datado de 6 de novembro de 2019, sujeito a uma posterior adenda contratual no dia 27 de novembro de 2019, a qual veio retificar o montante do empréstimo, não constituindo essa adenda qualquer novação ou alteração contratual com efeitos “ex-nunc”;
1.1.5. Que, como decorre das cláusulas do contrato (cfr. cláusulas 1.1. e 4.1), a maturidade do empréstimo acionista foi acordada para 4 (quatro) anos, 11 (onze) meses e 30 (trinta) dias, contados da data da disponibilização dos fundos, isto é, desde 20 de setembro de 2019;
1.1.6. Que, face à cópia de extracto bancário junto ao PPA como DOC 8, relativo à conta ..., do Banco C..., titulada por “A..., SA”, consta o movimento a crédito por transferência para essa conta, com data valor de 2019-09-20, no montante de € 87.564.079,90, informando a Requerente que neste montante está incluído, a título de suprimentos, o quantitativo de € 79.808.117,00;
1.1.7. Dá-se por provado que a Requerente apresentou em 2020-01-30 uma “declaração de retenção na fonte”, DOC ..., em que consta que o Imposto do Selo referente ao período “2019/Setembro” foi de € 478.848,70, sendo o referido imposto pago em 26 de Fevereiro de 2020;
1.1.8. A requerente apresentou reclamação graciosa em 10-08-2021 contra a referida liquidação, instaurada sob o processo RG ...2020..., na DF de Lisboa, reclamação essa que foi indeferida por despacho de 14-09-2021;
1.1.9. Dá-se por provado (DOC 4 junto ao PPA) que a Requerente acedeu à notificação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa em 2021-09-16, através da sua Caixa Postal Eletrónica, não relevando questionar qual a data exata da notificação uma vez que face ao disposto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT o prazo para deduzir a reclamação graciosa seria de dois anos a contar da apresentação da declaração.
1.2. Fundamentação da fixação da matéria de facto e factos não provados
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelas partes.
Não existem factos não provados relevantes para a decisão da causa.
-
MATÉRIA DE DIREITO
2.1. Uma vez que não existe controvérsia entre as partes sobre o enquadramento legal conexo com a incidência objectiva e subjectiva relativamente ao imposto do Selo autoliquidado e entregue nos cofres do Estado pela Requerente, a presente decisão arbitral apenas fará uma breve alusão os preceitos do Código do Imposto do Selo (doravante CIS), aplicáveis ao caso subjudice, sendo certo que o objeto do litígio submetido à apreciação deste tribunal se prende com a contagem do prazo da maturidade do empréstimo que, por sua vez, irá determinar qual a taxa aplicável à matéria tributável para quantificar o imposto devido.
2.2. Quanto à atribuição da qualidade de sujeito passivo à Requerente decorre a mesma do facto de ser mutuária de um contrato de concessão de crédito, como previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS, determinando o n.º 1 e a alínea f) do n.º 3, ambos do artigo 3.º do mesmo Código, que o encargo do imposto recai sobre o titular do interesse económico que, nas operações de concessão de crédito, é o seu utilizador.
2.3. Para além da definição da incidência que, como se referiu, não é objeto de controvérsia, para quantificar a dívida do imposto e decidir se houve ou não imposto pago em excesso, há que apurar qual é o momento do nascimento do facto tributário e qual é a taxa aplicável.
2.4. Quanto à ocorrência do facto tributário determina o artigo 5.º, n.º 1, alínea g), do CIS, que nas operações de crédito a obrigação tributária considera-se constituída no momento em que tais operações forem realizadas.
Não definindo o CIS o que deve entender-se por “operação realizada” chama-se à colação o artigo 1144.º do Código Civil segundo o qual o dinheiro ou outra coisa fungível objeto de um contrato de mútuo torna-se “propriedade do mutuário pelo facto da entrega”.
Assim, dando-se por provado que a data da disponibilização dos fundos ou entrega do dinheiro ocorreu através da transferência bancária lançada em 20 de setembro de 2019, considera-se, em concordância com a Requerente, esta a data relevante para delimitar o elemento temporal do contrato, para determinar o nascimento da obrigação tributária e também para definir qual a taxa que deverá ser aplicada à matéria tributável para quantificar o montante do imposto devido.
2.5. Quanto à taxa aplicável constata-se que o CIS não prevê uma taxa única para as operações de concessão de crédito, fixando antes taxas que variam em função do prazo da duração do contrato.
Sendo certo que face ao artigo 22.º, n.º 1, do CIS, “as taxas do imposto são as constantes da Tabela anexa (ao CIS) em vigor no momento em que o imposto é devido”.
2.6. Passemos então à questão aqui trazida para o tribunal decidir que é a de saber qual é o prazo que deve ser considerado como “prazo de duração do crédito” e qual a taxa aplicável.
Dispõe a Verba 17.1 da TGIS, que o imposto é devido “Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título exceto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato”.
No caso específico das taxas aplicáveis, na parte relevante para o caso subjudice, determinava-se, face à redação em vigor no momento do nascimento da obrigação do imposto, o seguinte:
Verba 17.1.1. Crédito de prazo inferior a um ano, por cada mês ou fração …...............0,04%
Verba 17.1.2. Crédito de prazo igual ou superior a um ano ……...………………………...0,50%
Verba 17.1.3. Crédito de prazo igual ou superior a cinco anos …………………………....0,60%
2.7. Os diplomas legais do sistema fiscal, aplicáveis à situação em apreço, não definem como deverá ser contado o prazo referido nas verbas transcritas, sendo certo que os outorgantes do contrato de concessão de crédito acordaram, como se dá por provado, que o seu prazo seria de 4 anos, 11 meses e 30 dias (vd. supra II.1.1.5.).
Face a esta omissão concorda-se, como é de resto o entendimento das partes, que, por força da alínea d) do artigo 2.º da LGT, à contagem do prazo em causa se deverão aplicar, em caso de dúvida, as regras previstas no artigo 279.º do Código Civil.
Sendo que, das regras enunciadas no referido artigo 279.º, as partes invocaram, com interpretações diferentes, as constantes nas suas alíneas b), c) e e).
2.8. Por seu lado, uma vez que o tribunal concorda que a solução para enquadrar o objeto do litígio, na componente de determinação do prazo do crédito, residirá nas referidas regras, passamos de seguida a transcrevê-las e a analisar o seu conteúdo.
Assim,
Artigo 279.º do Código Civil (Cômputo do termo):
À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras:
a)……………………………
b) Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr.
c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês;
d)…………………………..
e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo.
2.9. Uma das primeiras questões que o tribunal considera relevantes é a de saber como deverão interpretar-se e interligar-se as referidas regras, mormente as constantes nas alíneas b) e c), dado que a Requerente considera que não se aplica a alínea b), na parte em que determina que na contagem de qualquer prazo não se aplica o dia em que o evento começa a correr, ao passo que a Requerida considera o contrário, chegando assim a resultados diferentes.
Para responder às referidas posições, o tribunal arbitral começa por afirmar que, tal como decorre da jurisprudência consultada, concorda com a interpretação que no caso subjudice a regra prevista na alínea b) supra transcrita não poderá limitar, com a redução de um dia, o prazo fixado em anos ou meses, dado que tal seria contraditório com o determinado na alínea c) igualmente transcrita.
2.10. Vejamos o que a este propósito decorre de vária jurisprudência consultada, de que se transcreve parte do Acórdão do STJ de 18.04.2012, processo 148/07:
A alínea c) do artº 279º do CC não invalida o disposto na alínea b) deste preceito.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao vigente artº 279º do C.C.:
«1. Os princípios contidos neste artigo são aplicáveis em caso de dúvida. São, portanto, de natureza supletiva e interpretativa.
2. Tem especial interesse o disposto na alínea b), visto ter-se adotado o regime processual da contagem dos prazos (Cód. de Proc. Civil, art. 148.º, n.º 1), em prejuízo do sistema do Código Civil de 1867 (art. 562.°). Os prazos contam-se, portanto, agora, com mais um dia ou uma hora, conforme os casos.
3. A doutrina da alínea c) harmoniza-se com as regras das alíneas anteriores. Assim, o prazo de uma semana que começou numa segunda-feira termina às 24 horas da segunda-feira seguinte, não se contando, portanto, o dia do início do prazo. O mesmo acontece com o prazo de meses ou anos.(…)»
E continua o referido Acórdão: No sentido de interpretação exposta, do disposto no artº 279º d C.C. e, com referência ao dies ad quem, se vem pronunciando a nossa jurisprudência. da qual, disponível em www.dgsi.pt, se indicam, como exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-07-2010; os Acórdãos do Tribunal Constitucional: n.º 542/2005; n.º 540/2005; n.º 414/2004; n.º 404/99; os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 21-09-2011; de 23-08-2008; de 28-11-2007;de 18-02-2004; o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-07-2011; o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-01-2011; o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-11-2005.
Já o Acórdão de 28.05.1992, do Pleno da 1.ª Secção do Contencioso Administrativo, citado pelo Ministério Público em suas doutas alegações, referiu «[…] É certo que nada exclui, no caso da alínea c), a aplicação da regra da alínea b), mas certo é também que não é o intérprete que tem de fazer essa aplicação, uma vez que é o próprio preceito legal que dela parte ao dispor nos termos em que o faz, levando assim o intérprete a essa exclusão. […] Com efeito, a regra de contagem do prazo estabelecida na alínea c) assegura ao interessado o prazo que a lei lhe concede já com desprezo do dia em que ocorreu o evento a partir do qual esse prazo começou a correr. […] A regra da alínea b) do artigo 279º do Código Civil está contida na sua alínea c), não havendo, por isso, que aplicar autónoma e conjuntamente nos casos em que esta funcione, visto que, então, aquela funcionaria duas vezes, sem qualquer justificação»;
De igual forma, escreveu-se no Acórdão n.º 404/2000, de 27 de setembro, do Tribunal Constitucional «segundo o recorrente haveria que contar o prazo de 2 meses de acordo com a alínea c) do artigo 279º do CC e, depois, como a alínea b) se aplica na contagem de qualquer prazo haveria que adicionar mais um dia, uma vez que na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia em que ocorrer o evento. […]. Porém, um tal entendimento não colhe qualquer apoio na doutrina civilista ou na jurisprudência […] verifica-se assim que a regra de cálculo do prazo fixado em semanas, meses ou anos, estabelecida na alínea c) do artigo 279º do Código Civil, tem ínsita a que se estabelece na alínea b) do mesmo preceito, não havendo, por isso, que fazer preceder o seu funcionamento da prévia aplicação desta alínea b)[…]».
Também os membros do Conselho da Europa signatários da Convenção Europeia para a computação de tempo, ou contagem de prazo (Convention européenne sur la computation des délais) considerando que o objetivo do Conselho da Europa é conseguir uma união mais estreita entre os seus membros, incluindo a adoção de regras comuns no domínio jurídico e que a unificação das regras que regem o cálculo de tempo, tanto a nível interno como na área internacional, ajudará a atingir este objetivo, acordaram:[48]
“Artigo 2 º
Para efeitos da presente Convenção, as palavras dies a quo, designam o dia a partir do qual o prazo começa a correr e as palavras ad quem o dia onde o prazo expira.
Artigo 3 º
1. Os prazos expressos em dias, semanas, meses ou anos, correm a partir da meia noite do dies a quo até à meia-noite, do dies ad quem.
(…).
Artigo 4 º
1. (…)
2.Quando um prazo é fixado em meses ou anos, o dies ad quem é o dia do último mês ou do ano passado cuja data corresponde àquela do dies a quo ou, na falta de uma data correspondente, o último dia do último mês.
2.11. Dando por adquirido, em linha com a jurisprudência invocada e nesta parte em concordância com a Requerente, que a regra contida na alínea c) do artigo 279.º do Código Civil deverá aplicar-se isoladamente no caso de prazos fixados em semanas (aqui não aplicável), meses ou anos, voltamos à questão essencial que é a de definir se a componente temporal do empréstimo contraído pela Requerente deve considerar-se inferior, igual ou superior a 5 anos.
2.12. Tal definição é relevante dado que, como supra desenvolvido, as taxas de imposto do Selo variam em função do prazo do empréstimo, tendo como marcos temporais períodos inferiores, iguais ou superiores a cinco anos, aplicando-se no primeiro caso a taxa de 0,50% e no segundo caso a taxa de 0,60%.
Ora, analisando os documentos juntos ao processo, começa por se observar que os outorgantes do contrato de concessão de crédito não viram interesse em fixar o prazo da maturidade do empréstimo em termos mais claros, isto é, que afastassem qualquer dúvida sobre se o mesmo deveria ser considerado como inferior, igual ou superior a cinco anos.
Por razões que não esclarecem, ao terem fixado um prazo composto por anos, meses e dias, os referidos outorgantes consideraram que essa seria a melhor maneira de fixar o período do empréstimo, tendo achado irrelevantes, apesar do elevado montante do valor envolvido, as dúvidas que tal metodologia poderia trazer para a certeza e segurança do período de duração do empréstimo e consequente tributação.
Dúvidas e incertezas essas que a Requerente assume e manifesta ao ter considerado num primeiro momento que o prazo que acordou foi igual ou superior a cinco anos, auto-liquidando o imposto do Selo em conformidade, para depois mudar de opinião e considerar agora que, afinal, esse prazo foi inferior a cinco anos.
A Requerente fundamenta a sua atual posição, expressa no PPA, de que o prazo acordado foi inferior a 5 anos, nos seguintes termos:
Assim, tendo os fundos sido disponibilizados a 20 de setembro de 2019, o prazo de 5 anos terminaria no dia 20 de setembro de 2024, pelo que, mutatis mutandis, o prazo de 4 anos, 11 meses e 30 dias indicado no “Shareholder Loan Agreement” acabará no dia 19 de setembro de 2024.
Deste modo, nem se colocará a questão apresentada pela AT sobre o facto do contrato de financiamento prever que o termo do prazo transfere-se para o dia útil seguinte, quando termina num dia não útil, já que o dia 19 de setembro de 2024 se trata de um dia útil (quinta-feira), não podendo a AT arredondar o prazo para 5 anos.,
2.13. Vejamos,
A este tribunal compete analisar e decidir qual o seu entendimento face ao defendido agora pela Requerente e ao que é defendido pela Requerida.
Adiantando desde já que, com o devido respeito, discorda das posições, quer da Requerente, quer da Requerida.
Com efeito, havendo efetivamente dúvidas sobre se a maturidade do contrato fixada nos referidos 4 anos, mais 11 meses e mais 30 dias, é inferior, igual ou superior a cinco anos, pressuposto para que a resposta tenha que ser dada pelos critérios fixados no artigo 279.º do CC, mormente na sua alínea c), entende o tribunal, como passa a expor, que o prazo fixado pelos outorgantes foi efetivamente equivalente a cinco anos.
Observa-se a este propósito que os outorgantes não fixaram o prazo em duas parcelas, uma de 4 anos e onze meses e outra de 30 dias. Fixaram, repete-se, um prazo com três parcelas, ou seja, 4 anos mais 11 meses e mais 30 dias. Como veremos não pode deixar de se acolher a vontade decorrente da forma como os interessados fixaram as três parcelas do prazo que pretenderam conferir ao empréstimo.
2.14. A Requerente não explicita como é que fez as contas para concluir que o prazo do financiamento termina a 19 de Setembro de 2024.
Tentando interpretar o seu pensamento parece decorrer das contas que agora faz que considerou o prazo de 4 anos e onze meses como um único prazo, contado de forma contínua, tendo depois adicionado a segunda parcela dos 30 dias.
Ou seja, no que parecem ter sido as contas da Requerente, os 4 anos e onze meses foram considerados como uma única parcela e foram contados de forma contínua a partir de 20 de setembro de 2019 tendo terminado em 20 de agosto de 2024.
Adicionando mais 30 dias, a contar do dia 21 de agosto, atinge-se o invocado e pretendido dia 19 de setembro de 2024.
Só que, feitas as contas como a Requerente agora pretende, o prazo final acordado de 4 meses, mais 11 meses, mais 30 dias, teria menos um dia do que aquilo que foi consignado no contrato.
Na verdade, o último dia do prazo de 4 anos seria também o primeiro dia do prazo dos 11 meses, um dia que iria contar por dois.
Com efeito, o dia 20 de setembro de 2023 que, segundo o critério da alínea c) do artigo 279.º do CC, seria o dia em que termina o prazo de 4 anos a partir de 20 de setembro de 2019, contaria também como primeiro dia do prazo de 11 meses que, iniciando-se em 20 de setembro de 2023, como parece resultar das contas da Requerente, terminaria a 20 de agosto de 2024, ou seja, repete-se, o dia 20 de setembro de 2023 contaria duas vezes.
2.15. Ora, não só não foi assim que os outorgantes se exprimiram ao terem acordado um prazo constituído por 3 parcelas, ou seja, 4 anos mais 11 meses mais 30 dias, como, por outro lado, aquela não seria uma leitura admissível pela invocada alínea c) do artigo 279.º do CC.
Com efeito, como se constata pela sua literalidade, e certamente pela sua ratio, os prazos fixados em anos ou meses, embora fazendo parte de um prazo global, devem ser considerados autonomamente e adicionados um ao outro, cada um deles começando a contar e a terminar nos termos aí indicados, ou seja, os prazos fixados em anos ou meses a contar de certa data, terminam às 24 horas do dia, dentro do último ano ou mês, que corresponda a essa data.
2.16. Em conclusão. Verificando-se a existência de dúvidas sobre a contagem do prazo fixado no contrato de concessão de crédito outorgado pela Requerente, há que aplicar a regra clarificadora da alínea c) do artigo 279.º do Código Civil.
Ora, tendo o referido prazo sido fixado em três parcelas, sendo uma de 4 anos, outra de 11 meses e outra de 30 dias, constata-se, face à referida regra, que a primeira parcela de 4 anos se iniciou em 20 de setembro de 2019 e vai terminar às 24 horas do dia 20 de setembro de 2023, que a segunda parcela de 11 meses se vai iniciar no dia 21 de setembro de 2023 e vai terminar às 24 horas do dia 21 de agosto de 2024.
Por fim adicionam-se os 30 dias da terceira parcela do prazo acordado cuja contagem se inicia em 22 de agosto de 2024 e termina em 20 de setembro de 2024, constituindo este dia o último dia do prazo total acordado no referido contrato.
Só desta maneira não há nenhum dia excluído, ao contrário do que defende a Requerida ao dizer que não se deveria incluir o dia do início do prazo, mas também não há nenhum dia a contar duas vezes como pretende a Requerente para suportar a posição que agora vem defender.
2.17. Para suportar o que acaba de se concluir sobre a contagem dos prazos com aplicação do artigo 279.º do CC, o tribunal invoca o que foi consignado no recente Acórdão do STJ de 29.09.2020 segundo o qual “O sistema de contagem de prazos estabelecido pelo legislador, instituído no artigo 279º do CCivil, obedece a uma lógica temporal, devidamente gizada e delineada, por forma a não restarem quaisquer dúvidas, não se podendo conjugar e envolver os espaços temporais distintos cuja contagem que aí se define: os prazos de horas, dias, semanas, meses e anos, estão perfeitamente individualizados quanto ao seu início e ao seu terminus” (sublinhado nosso).
2.18. Finalmente e em conclusão, utilizando o mesmo critério da regra prevista na alínea c) do artigo 279.º do Código Civil, constata-se que entre 20 de Setembro de 2019 e 20 de Setembro de 2024 decorre um prazo equivalente a 5 anos, estando assim preenchida a situação tributária prevista na Verba 17.1.3. da TGIS de um crédito de prazo igual ou superior a cinco anos a que é aplicável a taxa de 0,60%.
Improcede assim o pedido da Requerente, quer quanto à declaração de ilegalidade parcial da liquidação de imposto do Selo identificada sob o n.º ... e à consequente anulação de € 79.808,12, quer quanto à revogação do indeferimento da reclamação graciosa, improcedendo também e em consequência o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
III. DECISÃO
De harmonia com o exposto, acordam, neste Tribunal Arbitral, em julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos respectivos pedidos.
Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 305.º, n.º 2, do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 79.808,12.
Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 19 de julho de 2022
Os Árbitros,
Professora Doutora Rita Correia da Cunha (Presidente), com voto de vencido em anexo
Dr. Manuel Lopes da Silva Faustino
Dr. Joaquim Silvério Dias Mateus (Relator)
VOTO DE VENCIDO
Conforme resulta de todo o exposto infra e pelas razões enunciadas nesta declaração de voto de vencido, não posso subscrever os argumentos e as conclusões que obtiveram vencimento nesta Decisão Arbitral.
Da leitura da Decisão Arbitral resulta que o pedido de pronúncia arbitral foi julgado improcedente, e o ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente e a liquidação de Imposto de Selo a ela subjacente (objetos do PPA) mantidos na ordem jurídica, porque o Tribunal Considerou que, nos termos do artigo 279.º do Código Civil, o prazo do empréstimo de quatro anos, onze meses e trinta dias iniciou em 20 de setembro de 2019 e terminará a 20 de setembro de 2024 (ou seja, no prazo de cinco anos a contar da disponibilização dos fundos à Requerente). Para chegar a esta conclusão, o Tribunal considerou prazo de quatro anos, onze meses e trinta dias como consistindo em três parcelas autónomas, adicionadas umas às outras: o prazo de quatro anos iniciou a 20 de setembro de 2019 e terminará a 20 de setembro de 2023; o prazo de onze meses iniciará a 21 de setembro de 2023 e terminará a 21 de agosto de 2024; o prazo de trinta dias iniciará a 22 de agosto de 2024 e terminará a 20 de setembro de 2024.
Tal como se pode ler na Decisão Arbitral, depois de analisar as posições contidas no pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente e na Resposta apresentada pela Requerida, o Tribunal concluiu que discorda de ambas as partes (ao contrário do defendido pela Requerida, o prazo inicia em 20 de setembro de 2019; ao contrário do defendido pela Requerente, não se pode contar duas vezes o dia 20 de setembro de 2023), e avança com um fundamento que não foi expresso no ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, nem discutido pelas partes no âmbito do processo arbitral.
Não posso acompanhar o sentido e fundamentos da Decisão Arbitral por três razões. Em primeiro lugar, a Decisão Arbitral aprecia a legalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa com uma fundamentação que não integra o referido do ato de indeferimento. Em segundo lugar, a Decisão Arbitral assenta num fundamento de direito que não foi discutido pelas partes no âmbito do processo arbitral, constituindo, nesta medida, uma “decisão-surpresa”, cuja legalidade é questionável à luz do princípio do contraditório. Em terceiro lugar, a Decisão Arbitral assenta numa contagem do prazo de quatro anos, onze meses e trinta dias incorreta à luz do disposto no artigo 279.º do Código Civil.
§1. Da apreciação da legalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa com uma fundamentação que não integra o referido do ato de indeferimento
Constitui jurisprudência reiterada do Douto Supremo Tribunal Administrativo que, no contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo arbitral, “o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2020, processo n.º 02887/13.8BEPRT).
O mesmo princípio havia já sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Administrativo anteriormente:
“A fundamentação dos actos administrativos e tributários a posteriori não é legalmente consentida (...), sendo a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser “aditados”” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22-03-2018, processo n.º 0208/17).
“A decisão em matéria de procedimento tributário, além de dever respeitar os princípios da suficiência, da clareza e da congruência, deve, por outro lado, ser contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-07-2016, processo n.º 01436/15).
O mesmo entendimento encontra-se refletido na jurisprudência arbitral, conforme resulta das Decisões Arbitrais de 02-02-2015, processo n.º 628/2014-T; de 11-01-2021, processo n.º 411/2020-T; de 21-01-2021, processo n.º 865/2019-T; de 25-01-2021, processo n.º 851/2019-T; de 07-09-2021, processo n.º 646/2020-T; de 21-02-2022, processo n.º 440/2021-T.
À luz desta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e arbitral, interessa atentar ao contexto e conteúdo do ato de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada pela Requerente.
Na reclamação graciosa, a Requerente alega que, por lapso, liquidou Imposto de Selo nos termos da Verba 17.1.3 da TGIS (i.e., à taxa de 0,6% sobre o montante do empréstimo disponibilizado em 20 de setembro de 2019), quando deveria ter liquidado o referido imposto nos termos da Verba 17.1.2 da TGIS (i.e., à taxa de 0,5% sobre o montante do dito empréstimo), por a duração do empréstimo em causa ser de quatro anos, onze meses e trinta dias a contar da data de disponibilização dos fundos (ou seja, inferior a cinco anos). Deste lapso resultou o pagamento de imposto indevido no montante de € 79.808,12. Com o objetivo de reaver este montante, a Requerente apresentou reclamação graciosa, que foi indeferida por Despacho da Chefe de Divisão (por subdelegação e em substituição do Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa), de 14-09-2021, que confirmou o parecer da Chefe de Equipa de 09-09-2021 (cfr. documento 1 junto ao PPA), no qual se pode ler:
Este parecer fundou-se na análise contida na informação preparada pela Técnica Responsável, na qual se pode ler:
Da leitura conjugada do parecer da Chefe de Equipa de 09-09-2021 e do parecer da Técnica Responsável no qual o mesmo se fundou, resulta que a reclamação graciosa foi indeferida pela AT com o fundamento de o prazo de quatro anos, onze meses e trinta dias contido no contrato de financiamento corresponder a cinco anos, visto que (a) se a data do termo do prazo não corresponder a uma dia útil, o prazo para reembolso passa para o dia útil imediatamente seguinte, e (b) o ano de 2024 é um ano bissexto, pelo que os onze meses e trinta dias correspondem a 365 dias.
Ora, a Decisão Arbitral não se pronuncia sobre estas questões, ou sobre a legalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa à luz dos fundamentos constantes do mesmo. Na verdade, o acervo dos fundamentos e argumentos esgrimidos na Decisão Arbitral não constam expressamente do ato de indeferimento da reclamação graciosa, indo mais além do que ali ficou dito.
Como é jurisprudência assente, a legalidade de um ato administrativo deverá ser aferida em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato, não podendo o Tribunal substituir-se à AT e ponderar se o ato pode ser sancionado com distinta fundamentação e argumentação jurídica. Assim sendo, no caso em apreço, não deveria o Tribunal Arbitral ter analisado a legalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente com base em considerações avançadas a posteriori pelo próprio Tribunal (que, repita-se, não serviram de fundamento ao ato de indeferimento da referida reclamação graciosa).
Quanto à fundamentação avançada pela AT para indeferir a reclamação graciosa apresentada pela Requerente, o Tribunal deveria ter concluído que (a) o dia 19 de setembro de 2024 é uma quinta-feira, pelo que não se coloca a questão do termo do prazo passar para o dia útil imediatamente seguinte, e (b) para a contagem de um prazo fixado em anos e em meses, não é relevante se o ano é comum (i.e., com 365 dias) ou bissexto (i.e., com 366 dias): um prazo de quatro anos que inicia em 20 de setembro de 2019, termina em 20 de setembro de 2023; um prazo de onze meses que inicia em 20 de setembro de 2023, termina em 20 de agosto de 2024. O número de dias do mês de fevereiro (28 ou 29 dias) apenas é relevante para prazos contados em dias que decorram nesse mês. Todavia, no caso sub judice, os 30 dias em causa não decorrem no mês de fevereiro, mas nos meses de agosto e setembro (cuja duração é a mesma, caso se trate de ano comum ou bissexto).
Nestes termos, conclui-se que, à luz dos fundamentos contidos no ato de indeferimento da reclamação graciosa, o Tribunal deveria ter declarado ilegal e anulado o mesmo, juntamente com a liquidação de Imposto de Selo contestada, por erro nos pressupostos de facto e de Direito.
§2. Do princípio do contraditório
Nos termos do artigo 16.º, alínea a), do RJAT, no processo arbitral, o contraditório é assegurado através da “faculdade conferida às partes de se pronunciarem sobre quaisquer decisões de facto ou de direito suscitadas no processo”. Nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do CPC (aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), o “juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
Sobre o princípio do contraditório elaborou o Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão de 19.04.2018, proferido no processo nº. 533/04.0TMBRG-K.G1, no qual se pode ler:
“A necessidade da contradição, aflorada, em diversas disposições do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, vem genericamente concretizada no artigo 3º, que, sob a epígrafe Necessidade do pedido e da contradição, presentemente, de modo mais justo, abrangente e amplo, dispõe:
1. O Tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2. Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3. O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4. Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência preliminar ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.
O direito ao contraditório, decorrência natural do princípio da igualdade das partes, consagrado no art. 4º, na medida em que garante a igualdade das mesmas ao nível da possibilidade de pronúncia sobre os elementos suscetíveis de influenciar a decisão, “possui um conteúdo multifacetado: ele atribui à parte não só o direito ao conhecimento de que contra ela foi proposta uma ação ou requerida uma providência e, portanto, um direito à audição antes de ser tomada qualquer decisão, mas também um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a tomar posição sobre elas, ou seja, um direito de resposta”. Surge como estruturante e basilar no processo Civil.
A estrutura da ação regulada pelo direito processual civil apresenta bilateralidade, porquanto, em termos gerais, a relação processual se estabelece entre duas partes litigantes, o que exige, antes de mais, que qualquer pessoa ou entidade tenha conhecimento de que foi formulado contra si um pedido, dando-se-lhe oportunidade de defesa, mas ainda que, ao longo da tramitação, qualquer parte tenha conhecimento das iniciativas ou pretensões deduzidas pela outra parte, com a inerente possibilidade de pronúncia antes de ser proferida decisão. Esta vertente do contraditório – o direito de conhecimento de pretensão contra si deduzida e o direito de pronúncia prévia à decisão – corresponde ao sentido tradicional do princípio, tendo consagração legal na segunda parte do nº1 e no nº 2, do art. 3º.
Existe, presentemente, uma conceção ampla do princípio do contraditório, a qual teve origem em garantia constitucional da República Federal Alemã, tendo a doutrina e jurisprudência começando a ligar ao princípio do contraditório ideias de participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio e de influência na decisão, passando o processo visto como um sistema de comunicações entre as partes e o Tribunal.
Nos últimos tempos e nesta sociedade em que o direito de acesso à justiça é um direito fundamental do cidadão, vem-se assistindo a uma crescente tendência de substituição de um processo estritamente individualista, privatístico, por um direito processual mais justo e socialmente mais aberto, sendo notória a mudança das linhas de orientação adjetiva, passando o juiz a ser visto não como um mero garante das regras do jogo honesto mas, antes, empenhado na solução concreta do conflito e mais aberto na consideração das consequências das soluções, tendo sempre o dever de fundamentar a sua decisão e deixando-se às partes o direito de a influenciar.
Passou, assim, a ter uma maior amplitude, pois também está em causa assegurar às partes o direito de serem ouvidas como ato prévio a qualquer decisão que venha a ser proferida no processo. Nesse sentido, o nº3 do art. 3º, para além de estabelecer que o juiz “deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo o princípio do contraditório”, acautela que o juiz não decida “questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”, só assim não sendo, como menciona este próprio preceito, em caso de “manifesta desnecessidade”. Nesta conformidade, para além de se evitarem as decisões-surpresa, passou a conferir-se às partes a possibilidade de intervirem e, com os seus argumentos, influenciarem a decisão.
Assim, o direito de acesso aos tribunais engloba a garantia do contraditório, quer num sentido mais restrito – visto como direito de, ao longo de todo o processo, cada uma das partes conhecer e responder à posição (iniciativa ou pretensão) tomada pela parte contrária – quer no sentido mais lato que presentemente lhe vem a ser dado – entendido como direito das partes intervirem, ao longo de todo o processo, para influenciarem, em todos os elementos que se prendam com o objeto da causa e que se antevejam como potencialmente relevantes para a decisão, – pois a colaboração das partes é vista como primordial para que o processo atinja plenamente o seu fim – a justa composição do litígio. Privilegiando-se a bondade da decisão de mérito em detrimento da de forma e sendo tudo processado segundo um esquema de cooperação recíproca, é mais facilmente obtida a verdade material e alcançada a verdadeira função dos tribunais – administrar a justiça resolvendo os conflitos de interesses das partes de acordo com o direito material.
Agora, o princípio do contraditório significa muito mais do que um jogo de ataque e defesa ao longo do qual o processo se desenvolve, sendo entendido como garantia do direito de influenciar a decisão, mediante a possibilidade de participação efetiva de ambas as partes em todos os elementos em que o litígio se manifesta - o plano da alegação de facto, o plano da prova e o plano do direito - que em qualquer fase do processo surjam como potencialmente relevantes para a decisão, ficando marcado por uma dupla crivagem ou entrelaçamento de perspetivas de grande valia para alcançar a justa decisão do caso concreto.
Os factos, as provas de tais factos e os critérios jurídicos aplicáveis aos mesmos são as três bases ou níveis em que assenta a decisão do Tribunal e, por isso, a possibilidade de ambas as partes influírem na decisão, pronunciando-se sobre a intervenção processual da outra, reporta-se a todos eles.
O princípio do contraditório, visto como o direito de influenciar a decisão, é uma garantia de participação efetiva das partes no desenrolar do litígio, acompanhando-o em toda a sua longevidade, mediante a possibilidade de as mesmas a influenciarem em todos os planos - quer no âmbito da alegação fáctica, quer no âmbito das provas quer quanto ao direito -, manifestando a sua perspetiva, garantindo-se a ambas condições de absoluta igualdade ou paridade.
O objetivo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou de resistência à atuação da parte contrária, para passar a ser a influência positiva e ativa na decisão, ou seja, passou a ser visto como o direito de provocar uma decisão favorável: o direito de intervir, participando para, usando os melhores argumentos, tentar convencer o julgador e obter um desfecho favorável, para si.
E tem por objeto quer os argumentos factuais, incluindo provas, quer os jurídicos.
Deste modo, o princípio do contraditório passou a ter um sentido amplo que abarca quer o direito ao conhecimento e pronuncia sobre todos os elementos suscetíveis de influenciar a decisão carreados para o processo pela parte contrária (contraditório clássico ou horizontal) quer o direito de ambas as partes intervirem para influenciarem a decisão da causa, assim se evitando decisões surpresa (contraditório vertical).
O nº 3, do referido artigo 3º, veio ampliar o âmbito da regra do contraditório, tradicionalmente entendido, como vimos, como garantia de uma discussão dialética entre as partes ao longo do desenvolvimento do processo, trazendo para o nosso direito processual uma conceção mais alargada, visando-se prevenir as “decisões surpresa”.
Tal sentido amplo atribuído ao princípio do contraditório - que impõe que seja concedida às partes a possibilidade de, antes de ser proferida a decisão, se pronunciarem sobre questões suscitadas oficiosamente pelo juiz em termos inovatórios, mesmo que apenas de direito - já há muito vinha sendo afirmado pela jurisprudência constitucional, especialmente no processo penal, devido às garantias de defesa do arguido.
A referida conceção ampla do princípio do contraditório, também já há muito defendida pelo Professor Lebre de Freitas para o processo civil, traduz um direito à fiscalização recíproca ao longo do processo visto como uma “garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”.
Esta vertente do contraditório, que surgiu no nosso direito processual como uma inovação, revela grandes potencialidades práticas em termos de cooperação, de lealdade recíproca dos vários intervenientes processuais e de eficácia das decisões judiciais que passam, sempre, a ser previstas pelas partes.
E, na medida em que garante a igualdade das partes - pela possibilidade de pronúncia e resposta - leva a que, mais fácil e frequentemente, se obtenha a verdade material e que a solução do litígio seja a mais adequada e justa, pois que, na verdade, da discussão é que nasce a luz, logrando-se atingir num maior número de casos a realização dos verdadeiros objetivos finais de que o processo é um mero instrumento para alcançar.
Como vimos, e como refere o Ilustre Professor Lebre de Freitas, cuja lição se vem a seguir, o princípio do contraditório materializa-se, pois, em todas as fases do processo - quer ao nível dos factos, quer ao da prova, quer ao do direito propriamente dito - tendo as partes, em todos estes níveis, direito a, de modo participante e ativo, influenciar a decisão, tentando convencer, em cada momento e ao longo de todo o processo, o julgador do acerto da sua posição.
Ao nível do direito, o princípio do contraditório impõe que, antes de ser proferida a decisão final, seja facultada às partes a discussão de todos os fundamentos de direito em que a ela vá assentar, sendo aquele princípio o instrumento destinado a evitar as decisões surpresa.
É, ainda, uma decorrência do princípio do contraditório a proibição da decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento não previamente considerado pelas partes, como dispõe o nº 3, do referido artigo 3º.
A proibição da decisão-surpresa reporta-se, principalmente, às questões suscitadas oficiosamente pelo tribunal. O juiz que pretenda basear a sua decisão em questões não suscitadas pelas partes mas oficiosamente levantadas por si, “ex novo”, seja através de conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual, deve, previamente, convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer, conforme dispõe o nº 3, do art. 3º, em casos de manifesta desnecessidade.
Com este princípio quis-se impedir, essencialmente, que as partes pudessem ser surpreendidas, no despacho saneador ou na decisão final, com soluções de direito inesperadas, por não discutidas no processo, as quais, no regime anterior, eram permitidas.
Pretendeu-se, pois, proibir as decisões-surpresa embora tal não retire a liberdade e independência que o juiz tem, em termos absolutos, de subsumir, selecionar, qualificar, interpretar e aplicar a norma jurídica que bem entender, aplicando o direito aos factos de modo totalmente autónomo. Impõe, sim, ao julgador que, para além de dar a possibilidade às partes de alegarem de direito, sempre que surge uma questão de direito ainda não discutida ao longo do processo tem de, antes de decidir, facultar às partes a sua discussão.
A regra do contraditório passou, assim, a abarcar a própria decisão de uma questão de direito, decisiva para a sorte do pleito, inovatória, inesperada e não perspetivada pelas partes, tendo de ser dada a estas a possibilidade de, previamente, a discutirem sendo que tal “entendimento amplo da regra do contraditório, afirmado pelo nº3, do art. 3º, não limita obviamente a liberdade subsuntiva ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz – tarefa em que continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º); trata-se apenas e tão somente, de, previamente ao exercício de tal “liberdade subsuntiva” do julgador, dever este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de exceções dilatórias, com que elas não tinham razoavelmente podido contar”.
Não quis, pois, a lei excluir da decisão as subsunções que juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas, antes estabeleceu que a concreta decisão a tomar tem de, previamente, ser prevista pelas partes, tendo, por isso, de lhes ser dada “a priori” possibilidade de se pronunciarem sobre o novo e possível enquadramento jurídico.
Assim, o princípio processual segundo o qual “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação do direito” tem, presentemente, de ser compatibilizado com a proibição das decisões surpresa tendo, desse modo, antes da prolação da decisão, de ser facultado às partes o exercício do contraditório sempre que a qualificação jurídica a dar não corresponda ao previsto pelas partes e plasmado no processo.
Com o aditamento do nº 3, do art. 3º, pretendeu-se uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios.
A citada norma, introduzida pela Reforma de 1995/1996, veio ampliar o âmbito tradicional do princípio do contraditório, consagrando mais uma garantia de discussão dialética entre as partes no desenvolvimento de todo o processo, consagrando, de forma ampla, o direito a exprimir posição para influenciar a decisão.
Nenhuma decisão deve, pois, ser tomada sem que previamente tenha sido dada efetiva possibilidade ao sujeito processual contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar, possibilitando-se-lhe, assim, influi ativamente na decisão. A imposição de audição das partes em momento anterior à decisão é determinada por um objetivo concreto – o de permitir às partes intervirem ativamente na construção da decisão, chamando-as a trazerem aos autos a solução para que apontam.
Uma determinada questão, seja relativa ao mérito da causa seja meramente adjetiva, não pode ser decidida, quer em primeira instância, quer em via de recurso, com um fundamento jurídico diverso, até então omitido nos autos e não ponderado pelas partes sem que, antes, as mesmas sejam convidadas a sobre ela se pronunciarem.
Porém, o dever de audição prévia só existe quando estiverem em causa factos ou questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base de decisão.
E, como vimos e se desenvolve em Acórdão desta Secção de 19/4/2018, proferido na apelação nº 75/08.4TBFAF.G1, relatado pelo Senhor Desembargador José Alberto Dias, “é o próprio art. 3º, n.º 3 do CPC que admite que esse princípio possa ser afastado nos casos de “manifesta desnecessidade”.
Note-se que a lei não esclarece quais são os casos em que o juiz pode afastar o princípio do contraditório por o respetivo cumprimento ser manifestamente desnecessário, cumprindo à doutrina e à jurisprudência preencher este conceito indeterminado, tendo sempre presente a finalidade central por ele prosseguido no âmbito do processo e as finalidades que o legislador visa acautelar com a consagração legal do mesmo.
Nesta sede, Abrantes Geraldes sustenta que são limitadas as situações enquadráveis nesse conceito genérico, em que o juiz fica legitimado a afastar o cumprimento do princípio do contraditório com fundamento em “manifesta desnecessidade”, apontando como exemplos do afastamento legítimo do mesmo: a) o indeferimento de qualquer nulidade invocada por uma das partes; b) em matéria de procedimentos cautelares, quando seja necessário prevenir a violação do direito ou garantir o resultado útil da demanda.
Por sua vez, Lebre de Freitas, João Rendinha e Rui Pinto sustentam que o contraditório prévio pode ser dispensado em procedimentos cautelares, na execução, em que a penhora é, em certos casos, realizada sem audiência prévia do executado, propugnando que igualmente não deve ter lugar o convite dirigido às partes para discutirem uma questão de direito quando as mesmas “embora não tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente o tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente, por ter sido apresentada uma versão fáctica não contrariada que manifestamente não consentia outra qualificação”.
Como é bom de ver, a observância do principio do contraditório nesta dimensão positiva “tem sobretudo interesse para as questões, de direito material ou de direito processual, de que o tribunal possa conhecer oficiosamente e que nenhuma das partes suscitou ao longo dos autos: se nenhuma das partes as tiver suscitado, com a concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz – ou o relator do tribunal de recurso – que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito da causa seja no plano meramente processual, deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em caso de manifesta necessidade”.
No entanto, se o princípio do contraditório nesta dimensão positiva de conferir às partes o direito de poderem influenciar ativamente o rumo do processo e a decisão a proferir assume especial relevância no âmbito das questões de conhecimento oficioso do tribunal, o seu campo de aplicação não se esgota nesses casos, na medida que esta dimensão positiva do princípio do contraditório é aplicável ao longo de todo o processo.
Além disso, impõe-se afinar o conceito de “manifesta desnecessidade” tendo presente que casos existem em que, não obstante se tratar de questões processuais ou de mérito, de facto ou de direito, não suscitadas pelas partes, estas tinham obrigação de prever que o tribunal podia decidir tais questões em determinado sentido, como veio a decidir, pelo que se não as suscitaram e não cuidaram em as discutir no processo, sib imputet, não podendo razoavelmente considerar-se que, nesses casos, a decisão proferida pelo tribunal configure uma decisão-surpresa”.
A referida disposição legal limitou a imperiosa observância do contraditório aos casos em que a considerou justificada, dispensando-a nos casos de “manifesta desnecessidade” isto é “quando – nomeadamente por se tratar de questões simples e incontroversas – tal audição se configure como verdadeiro ‘ato inútil’(…) só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas suscetíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela”.
Em nossa opinião, e concordando inteiramente com o ilustre autor anteriormente referido, não se pode, sob pena de se subverter o espírito da norma em causa, generalizar a audição complementar das partes de modo a considerar que toda e qualquer alteração do enquadramento jurídico dado por elas às suas pretensões impõe tal audição. O dever de audição prévia só existe quando estiverem em causa factos ou questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base de decisão. E não é uma qualquer divergência pontual e incontroversa da qualificação jurídica que impõe a audição das partes, a qual apenas deve ter lugar em situações de substancial convolação jurídica.
Assim, o exercício do contraditório só é justificável se puder gerar o efeito que com ele se pretende – permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal – pois, de outro modo, será inútil, tendo tal juízo de ser aferido em termos objetivos, isto é, de ser ou não absolutamente líquida a questão em termos de jurisprudência e doutrina.
E entendemos, também, que “a negligência da parte interessada que, v.g. omite quaisquer ‘razões de direito’, alega frouxamente, situando de forma truncada e insuficiente o óbvio enquadramento jurídico da sua pretensão ou deixa escapar questões jurídicas clara e inquestionavelmente decorrentes dos autos, não merece naturalmente tutela, em termos de obrigar o tribunal – movendo-se, no momento da decisão, dentro dos próprios institutos jurídicos em que as partes no essencial haviam situado as suas pretensões – a, sob pena de nulidade, realizar uma audição não compreendida no normal fluir da causa”.
São, pois, proibidas as decisões surpresa, isto é, as decisões baseadas em fundamento que não tenha sido previamente analisado pelas partes. A surpresa que se visa evitar não se prende com o conteúdo, com o sentido, da decisão em si mas com a circunstância de se decidir uma questão não prevista. Visa-se evitar a surpresa de se decidir uma questão com que se não estava legitimamente a contar.
Tal solução legal confere ao juiz possibilidade de uma maior ponderação e contribui para uma maior eficácia e satisfação das partes ao verem, com o seu contributo, mais rapidamente resolvidos os seus interesses em litígio.
Assim, o exercício do contraditório é, sempre, justificável e desejável se puder gerar o efeito que com ele se pretende – permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal.
Na estruturação de um processo justo o tribunal deve prevenir e, na medida do possível, obviar a que os pleiteantes sejam surpreendidos com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração.
Em obediência ao princípio do contraditório e salvo em casos de manifesta desnecessidade devidamente justificada, o juiz não deve proferir nenhuma decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente tenha sido conferida às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar.
O juiz tem o dever de participar na decisão do litígio, participando na indagação do direito – iura novit curia –, sem que esteja peado ou confinado à alegação de direito feita pelas partes. Porém, a indagação do direito sofre constrangimentos endoprocessuais que atinam com a configuração factológica que as partes pretendam conferir ao processo. (…) Há decisão surpresa se o juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correta e atinada decisão do litígio. (…) Não tendo as partes configurado a questão na via adotada pelo juiz, cabe-lhe dar a conhecer a solução jurídica que pretende vir a assumir para que as partes possam contrapor os seus argumentos".
Cabe ao juiz observar e fazer cumprir o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de se pronunciarem sobre as mesmas.
Esta análise do princípio do contraditório do Tribunal da Relação de Guimarães foi incorporada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25-02-2022, processo n.º 01451/17.7BEBRG, no qual se pode ler:
“Como decorrência deste princípio, é proibida a decisão surpresa, ou seja, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.
Assim, antes de decidir com base em factos ou questões de direito que as partes não tiveram oportunidade de se pronunciar sobre a mesma, o juiz deve convidá-las a pronunciarem-se sobre tal questão, independentemente da fase do processo em que tal ocorra.”
O mesmo entendimento do princípio do contraditório foi sustentado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25-11-2015, proferido no processo n.º 0839/15.
Feito o enquadramento jurisprudencial do princípio do contraditório, interessa analisar em que medida a Decisão Arbitral constitui uma “decisão-surpresa” à luz do teor do ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, e do alegado pelas partes nos articulados apresentados no âmbito do processo arbitral.
Relativamente ao ato de indeferimento da reclamação graciosa, conforme resulta da respetiva transcrição supra, o mesmo não refere a questão de saber se o prazo de quatro anos, onze meses e trinta dias deverá ser tratado como três prazos distintos, adicionados uns aos outros, ou se o mesmo deverá ser tratado como um único prazo.
No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente contestou a legalidade deste indeferimento de reclamação graciosa, com os fundamentos apresentados pela AT, por vício de violação da Lei, por incorreta contagem de prazos, e consequentemente, por incorreta aplicação da taxa de Imposto de Selo ao montante de crédito disponibilizado, conforme se pode ler no artigo 30.º do pedido de pronúncia arbitral:
Quanto à contagem dos prazos, alegou a Requerente no pedido de pronúncia arbitral:
Tal como referido supra, assiste razão à Requerente quando conclui que (a) a questão de o termo do prazo passar para o dia útil imediatamente seguinte não se coloca no caso em apreço, visto o dia 19 de setembro de 2024 é uma quinta-feira, e (b) para a contagem de um prazo fixado em anos e em meses, não é relevante se o ano é comum ou bissexto.
Passando à argumentação contida na Resposta da AT, conclui-se que a AT defende que o pedido de pronúncia arbitral deverá ser julgado improcedente porque (i) o crédito apenas foi disponibilizado em 23-09-2019 (ao invés de 20-09-2019); (ii) o prazo de quatro anos, onze meses e trinta dias começou a contar de dia 21-09-2019, visto que nunca se conta o primeiro dia do prazo, nos termos do artigo 279.º, alínea b), do Código Civil; (iii) o princípio da substância sobre a forma, conjugado com o artigo 38.º, n.º 2, da LGT, significa que o empréstimo nunca teria uma duração inferior a cinco anos; e (iv) caso o prazo terminasse em dia não útil, o termo do mesmo seria transferido para o dia útil seguinte, argumentos estes contidos nos seguintes artigos da Resposta:
Comparando e contrastando os argumentos das partes contidos nos articulados com a fundamentação contida na Decisão Arbitral, conclui-se que (a) a questão de saber se o prazo de quatro anos, onze meses e trinta dias deverá ser tratado como três prazos distintos, adicionados uns aos outros, ou se o mesmo deverá ser tratado como um único prazo, não foi discutida pelas partes nem âmbito do procedimento de reclamação graciosa, nem âmbito do processo arbitral, e que (b) não tendo as partes se pronunciado sobre esta questão, estamos perante uma fundamentação inovadora decisiva, que integra a base da Decisão Arbitral mas que as partes não tiveram a efetiva possibilidade de discutir, contestar e valorar. Assim sendo, não se pode deixar de considerar que o princípio do contraditório não foi assegurado, em conformidade com o disposto no artigo 16.º, alínea a), do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 3, do CPC (aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Relativamente aos quatro argumentos avançados pela AT na Resposta (supra referidos), a Decisão Arbitral pronunciou-se sobre um deles, concluindo corretamente que a alínea b) do artigo 279.º do Código Civil não é aplicável, e que o prazo de quatro anos, onze meses e trinta dias em causa no processo sub judice iniciou no dia 20 de setembro de 2022. Quanto aos outros argumentos, interessa notar que (i) ficou provado que o crédito foi disponibilizado em 20-09-2019 (ao contrário do que sustenta a Requerida); (ii) a invocação da cláusula geral anti-abuso contida no artigo 38.º, n.º 2, da LGT depende do cumprimento do procedimento contido no artigo 63.º do CPPT, o que não ocorreu no presente caso; e (iii) como referido anteriormente, no caso sub judice, o dia 19 de setembro de 2024 é um dia útil (quinta-feira), pelo que não se coloca uma eventual transferência do termo do prazo para o dia útil imediatamente seguinte. Assim sendo, ainda que todos estes argumentos estivessem incluídos no ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente (o que não sucedeu), sempre o Tribunal deveria ter declarado ilegal e anulado o mesmo, bem como a liquidação de Imposto de Selo contestada.
§3. Da contagem do prazo de quatro anos, onze meses e trinta dias, nos termos do artigo 279.º do Código Civil
Quanto à contagem do prazo de quatro anos, onze meses e trinta dias em causa, afigura-se que a análise contida na Decisão Arbitral (que fundamentou a improcedência do pedido de pronúncia arbitral) não é correta.
Na verdade, a contagem do prazo de quatro anos, onze meses e trinta dias, nos termos do artigo 279.º, alínea c), do Código Civil, iniciou em 20 de setembro de 2019 e terminará em 19 de setembro de 2024 (ou seja, em prazo inferior a cinco anos a contar de 20 de setembro de 2019). Isto porque está em causa um prazo, e não três prazos distintos, e porque o prazo de quatro anos e 11 meses termina em 20 de agosto de 2024 (assim como, tal como decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 10-12-2012, processo n.º 0456/12, o prazo de cinco anos e seis meses, iniciado em 22-07-2005, termina em 22-01-2011). E, porque, acrescidos 30 dias (a contar de 21 de agosto de 2024), resulta que o prazo único de quatro anos, onze meses e trinta dias, que iniciou em 20 de setembro de 2019, terminará em 19 de setembro de 2024 (ou seja, em prazo inferir a cinco anos, a contar de 20 de setembro de 2019).
Nestes termos, assiste razão à Requerente quando conclui que é aplicável a taxa de 0,5% sobre o montante do empréstimo em causa, de acordo com a Verba 17.1.2 da TGIS. Também com este fundamento, deveria o Tribunal ter declarado ilegal e anulado o ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentado pela Requerente e a liquidação de Imposto de Selo contestada.
Neste texto se resume, com toda a clareza, a opinião que tenho sobre o assunto e se justificam as razões que me levam a apoiar decisão contrária àquela que foi tomada na presente Decisão Arbitral.
Rita Correia da Cunha