DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Leonardo Marques dos Santos e Dr. José Rodrigo de Castro (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11-02-2022, acordam no seguinte:
Relatório
A..., UNIPESSOAL, LDA., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., ..., ...-... ... (adiante abreviadamente designada por «Requerente» ou « A...»), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade
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das liquidações de IRC n.º 2020... (relativa ao exercício de 2016), n.º 2020 ... (relativa ao exercício de 2017) e n.º 2020 ... (relativa ao exercício de 2018);
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das demonstrações de liquidação de retenções na fonte de IR n.º 2020 ... (relativa ao exercício de 2016), n.º 2020 ... (relativa ao exercício de 2017) e n.º 2020 ... (relativa ao exercício de 2018), e, bem assim, contra as respetivas liquidações de juros compensatórios: n.ºs 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020... 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020... e 2020....
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 07-12-2021.
Em 24-01-2022, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes alguma coisa viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 11-02-2022.
A AT apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 16-03-2022, foi decidido dispensar reunião e alegações.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
Matéria de facto
Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
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A Requerente A... UNIPESSOAL LDA é uma sociedade por quotas constituída em 2006, tem um capital social de €5.000,00, detido na totalidade pela B... LIMITED — NIF... (doravante B...), que é uma entidade não residente) e tem como actividade a realização de ESTUDOS DE MERCADO E SONDAGENS DE OPINIÃO (CAE 73200);
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A A... tem como único cliente a C... SA (doravante C...) - NIF ... (empresa igualmente detida pela B... LIMITED (— NIF...), para a qual foi emitida durante os períodos de 2016, 2017 e 2018 uma factura mensal com a descrição Serviços
Comerciais/Administrativos, no valor de €4.000,00, mais IVA;
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Entre 2016 e 2018 a A... apresentou a seguinte demonstração de resultados por naturezas:
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Foi efectuada uma acção inspectiva à Requerente, relativa aos períodos de 2016, 2017 e 2018, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas III.1 - Correções em sede de IRC - Matéria tributável a) Variações patrimoniais positivas
Da análise dos extratos de conta-corrente verificou-se a existência de saldos credores muito elevados na conta 21.1.1.1.18 C..., SA, pelo que foi solicitado ao sujeito passivo o envio de cópia dos documentos de suporte da contabilidade desta conta relativos a 2016. 2017 e 2018. incluindo eventuais contratos ou acordos existentes entre A... e a C... que expliquem os movimentos ocorridos ao longo do triénio, nomeadamente os movimentos a crédito.
Com efeito, conforme se observa no extrato de conta-corrente (Anexo 2), a conta 21.1.1.1.18 C..., SA, é debitada pelo valor total das faturas emitidas pela A... à C... e creditada pelas transferências monetárias recebidas da C... . Nesse sentido foram recebidos quer cópia das faturas emitidas quer os extratos bancários que validam as transferências contabilizadas.
Assim, foi possível validar que a A... emitiu ao longo do triénio 2016-2018 faturas à C... no valor de €222.514,26, pelos serviços administrativos e comerciais prestados, e recebeu em contrapartida €674.040,00, de que resultou um saldo credor acumulado no período em análise de €451.525,74, de acordo com o seguinte quadro resumo:
Dada a relevância material dos valores em causa e o caráter regular das transferências efetuadas, sistematicamente mais elevadas que os valores devidos pelos serviços prestados, foram solicitados à A... cópia de eventuais contratos que explicassem a natureza dos fluxos monetários de uma empresa para outra. A resposta da A..., que passamos a transcrever, foi a seguinte: "Com referência ao pedido de elementos realizado esclarecemos que a A..., a C..., S.A., e a B... LLP, fazem parte do mesmo grupo económico, visando as relações económicas mantidas entre estas sociedades a prossecução dos objetivos estratégicos do grupo e a gestão eficiente dos seus recursos."
Deste modo a A... não logrou, assim, justificar o excesso de transferências monetárias relativamente aos valores debitados pelos serviços prestados, que, relembre-se, somam €451.525,74 no triénio 2016/2018.
Não obstante não ter sido apresentada nenhuma justificação a propósito da natureza de tais transferências, relembre-se que o artigo 1143.º do Código Civil estabelece que "o contrato de mútuo de valor superior a €25.000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a €2.500 se o for por documento assinado pelo mutuário", pelo que se exclui que se trate de um contrato de mútuo. Acresce que também não foi utilizada, para a sua contabilização, nenhuma conta SNC relativa a empréstimos de terceiros.
Face ao exposto, o referido montante €451.525,74, traduz e consubstancia uma variação patrimonial positiva não refletida nos resultados líquidos e, necessariamente, sujeita a tributação, em sede de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC), senão vejamos.
No preâmbulo do Código de IRC, designadamente no seu ponto 5, é referido, desde logo, um dos princípios basilares do IRC - "O conceito de lucro tributável que se acolhe em IRC tem em conta a evolução que se tem registado em grande parte das legislações de outros países no sentido da adoção. para efeitos fiscais, de uma noção extensiva de rendimento, de acordo com a chamada teoria do incremento patrimonial." (sublinhado nosso).
Isto é, o conceito de rendimento assenta na teoria do rendimento acréscimo ou incremento patrimonial, noção extensiva do rendimento que procura tributar o rendimento real e efetivo das empresas, sujeitando a tributação todos os ganhos obtidos na esfera patrimonial dos sujeitos passivos, independentemente da sua origem.
Ora, a citada noção extensiva de rendimento, é desde logo, espelhada no Capítulo l do Código, no qual é definida a incidência do imposto, e concretizada no artigo primeiro sob a epígrafe "Pressuposto do imposto" o qual define que "O imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) incide sobre os rendimentos obtidos, mesmo quando provenientes de atos ilícitos, no período de tributação, pelos respetivos sujeitos passivos (...)".
Assim, de acordo com o n.º 1 do artigo 3.º do CIRC as sociedades cuja atividade principal seja de natureza empresarial são tributadas pelo lucro, sendo que à luz do n.º 2 do citado artigo "(...) o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas neste Código". Tal definição reflete o, já referido, conceito extensivo de rendimento, que abrange e engloba todo e qualquer incremento patrimonial, alargando, por conseguinte, a base tributável.
Na sequência do citado normativo, concretiza o artigo 17.º do CIRC que "O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código" (sublinhado nosso). Em boa verdade, a redação do código do IRC vem de encontro ao estipulado nos artigos 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa, artigos estruturantes e basilares do sistema fiscal português.
Desde logo, define o n.º 2 do citado artigo 104.º da CRP que "A tributação das empresas incide fundamenta/mente sobre o seu rendimento real." (sublinhado nosso). De facto, podemos concluir que o legislador constitucional definiu a capacidade contributiva como princípio estruturante do sistema através da tributação do rendimento. Na mesma esteira, estipula o n.º 1 do artigo 4.ºda LGT, que "Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva. revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património", (sublinhado nosso)
Ora, o princípio da capacidade contributiva implica tributar os acréscimos efetivos de património sob a forma de rendimento. Na verdade, a teoria do rendimento acréscimo ou incremento patrimonial, noção extensiva do rendimento, permite a tributação de todo e qualquer rendimento, na medida em que estes impliquem acréscimos de património e efetiva capacidade contributiva.
Em suma, da análise e conjugação dos pontos enumerados anteriormente, e tendo em conta que:
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O valor das transferências monetárias recebidas da C... relativamente aos respetivos débitos pelos valores faturados se traduziu num excesso, no triénio
2016/2018, de €451.526,74;
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Não foi invocada nenhuma justificação para a existência de tal montante, • Que não se trata de contratos de mútuo, por não nos ter sido apresentado qualquer contrato válido celebrado entre as partes, como estipula o artigo 1143.º do Código Civil.
Apenas pode a Administração fiscal considerar que o citado montante de €451.525,74 resulta necessariamente do normal desenvolvimento da atividade dos sujeitos passivos, e que a entrada dos referidos fundos em contas bancárias tituladas pelas sociedades traduz e consubstancia uma variação patrimonial positiva não refletida nos resultados líquidos, à luz do n.º 1 do artigo 17.º do CIRC, obtida no âmbito da prossecução do escopo social das sociedades e portanto, necessariamente, sujeita a tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC), em consonância com a teoria do rendimento acréscimo. O lucro tributável é assim acrescido, no triénio 2016/2018, dos seguintes valores, à luz do n.º 1 do artigo 21º do CIRC:
III.2 - Correções em sede de Retenções na Fonte de IRC - Imposto em falta a) Retenção na fonte
Da análise dos extratos bancários de 2016, e 2017 e 2018 (Anexo 3) e do extrato de conta SNC 27.8.4.2.1 B... LIMITED no mesmo período (Anexo 4) a A... procedeu à transferência regular de quantias que totalizaram nos períodos em análise €467.049,46, conforme o seguinte quadro resumo:
Por consulta às bases de dados da AT, o destinatário de tais transferências foi a entidade não residente sem estabelecimento estável B... LIMITED – NIF..., com sede no país REINO UNIDO GRÃ-BRETANHA E IRLANDA NORTE. Como foi referido no ponto 11.3.1, a B... LIMITED detém na totalidade o capital social da A... .
Apesar de ter sido solicitado ao sujeito passivo (Anexo 1) o envio de cópia de eventuais contratos entre a A... e a B... LIMITED que permitissem enquadrar a natureza económica e/ou jurídica destas transferências, não nos foi fornecida mais nenhuma informação específica, apenas nos foi informado que a A..., a C..., S.A., e a B... LLP, fazem parte do mesmo grupo económico, visando as relações económicas mantidas entre estas sociedades a prossecução dos objetivos estratégicos do grupo e a gestão eficiente dos seus recursos." (Anexo 5).
Deste modo a A... não logrou, assim, justificar as transferências monetárias efetuadas regular e reiteradamente para a B... LIMITED, que, relembre-se, somam €467.049,46 no triénio 2016/2018.
Tal como se concretizou na correção anterior a propósito de transferências monetárias, também por fundamentar em termos económicos e/ou jurídicos, não estaremos também na presença de um contrato de mútuo, que teria sempre que estar suportado por documento celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado, de acordo com o artigo 1143.º do Código Civil, documento que até ao momento não nos foi apresentado.
Outra hipótese, teoricamente admissível, seria ainda que tais transferências serviriam o propósito de fazer o pagamento relativo a aquisição de bens à B... LIMITED. No entanto, tal também não se afigura e demonstra possível, pois nem a B... declara quaisquer transmissões intracomunitárias de bens nem a A... tem qualquer atividade comercial nem regular de venda de bens, com uma exceção em 2016, sendo que contabilisticamente as contas 31 - Compras e 32 - Mercadorias da A... não evidenciam a aquisição de quaisquer bens.
Por último, sendo a B... LIMITED sócia da A..., uma possibilidade teoricamente admissível seria estarmos na presença de adiantamentos por conta de lucros. No entanto o seu carater excessivamente elevado face aos resultados líquidos apurados/declarados, por um lado, e a falta de contabilização de tais transferências na conta SNC de Sócios, por outro, afastam tal possibilidade, não permitindo tal conclusão.
Face a tudo o exposto anteriormente, e constatando-se a frequência das transferências mensais efetuadas pela A... ao longo dos 3 anos, só pode a Administração Fiscal concluir estarmos na presença de rendimentos obtidos em território português pela B... LIMITED, relativos a serviços por esta prestados à A... .
Ora, de acordo com a alínea g) do n.º 1 do artigo 94.º do CIRC, o IRC é objeto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português: "g) Rendimentos provenientes da intermediação na celebração de quaisquer contratos e rendimentos de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português, com exceção dos relativos a transportes, comunicações e atividades financeiras."
Sendo que, no caso em apreço e de acordo com a alínea b) do n.º 3 do citado artigo 94.º do CIRC as retenções na fonte têm caracter definitivo uma vez que "(...) não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis."
No que se refere à taxa aplicável, por remissão do n.º 5 do artigo 94.º do CIRC, estabelece o n.º 4 do artigo 87.º que "Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%"
Importa ainda acrescentar que de acordo com o n.º 5 do artigo 114.º do CIRC, conjugado com o n.º 3 do artigo 28.º da LGT, a responsabilidade originária, tendo em conta que a retenção tem carácter definitivo, deve ser assacada ao substituto tributário – A... - pelo que é este o responsável pela entrega do imposto não retido nos cofres do Estado.
Ora, os factos tributários descritos conduzem assim, necessariamente, à aplicação da taxa de 25% a título de retenção na fonte, com caracter definitivo, ao valor qualificado como rendimentos obtidos em território português por uma entidade não residente, pelo que o imposto não retido e consequentemente não entregue nos cofres do estado é o que se quantifica seguidamente, sendo que o referido imposto deveria ter sido entregue, pela A..., nos cofres do estado até ao dia 20, do mês seguinte à colocação à disposição, nos termos do n.º 6 do artigo 94.º do CIRC, à data dos factos tributários:
Atentas as correções expostas no presente capítulo 111 e conforme demonstrado, tendo sido, por razões imputáveis ao contribuinte, retardada a liquidação do imposto, verifica-se que, ao abrigo do disposto no artigo 35.º, da Lei Geral Tributária e do artigo 102.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, todos conjugados com o preceituado no artigo 559.º do Código Civil subsidiariamente aplicável às obrigações tributárias ex vi do artigo 2.º da LGT, se demonstra devida, a título de juros compensatórios, a quantia correspondente à aplicação da taxa consignada na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, ao montante de imposto em falta.
IV. Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos Não aplicável ao caso em apreciação.
(...)
VIII. Direito de Audição e fundamentação
Para cumprimento do art.º 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do art.º 60.º do Regime Complementar da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), foram enviadas notificações do projeto de relatório de inspeção tributária em 14/10/2020 para o sujeito passivo, através do ofício n.º ... (registo RH ... PT), para o exercício do direito de audição.
Notificado do projeto de relatório da inspeção tributária, veio o sujeito passivo, exercer o direito de audição com entrada neste serviço n.º 2020... em 03/11/2020 (conforme documento constante no anexo 2).
Assim, notificado do projeto de relatório da inspeção tributária, veio o sujeito passivo, no âmbito do exercício do direito de audição, expor as seguintes alegações, relativamente às correções constantes no capítulo III do presente relatório:
a) Alegações do sujeito passivo
No exercício do Direito de Audição alega o sujeito passivo, em suma, que:
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Que a C..., a A... e a B... constituem um grupo societário e que as operações entre as várias empresas deverão ser analisadas em conjunto, como um todo, e não de modo segmentado, empresa a empresa;
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Que se trata de uma distribuição de resultados das sociedades C... e da
A... para a sua acionista B..., com sede no Reino Unido;
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Que a distribuição de resultados está isenta de IRC à luz do CIRC por aplicação do regime da eliminação dupla tributação económica de lucros distribuídos consagrado no artigo 14.º, n.º 3, do CIRC.
b) Da Análise e conclusões da AT
Previamente à análise, ponto a ponto, das alegações apresentadas, observa-se e constata-se que não foi entregue, por parte do sujeito passivo, qualquer prova documental adicional que suporte, de modo factual, os argumentos agora invocados.
No que respeita às alegações apresentadas pelo sujeito passivo, concluímos que:
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Invoca o SP que a A..., a C... e a B... constituem um grupo societário, pelo que não deverá a AT analisar as operações da A... com as outras duas entidades de forma autónoma e segmentada.
Com efeito, o CIRC prevê e reconhece a especificidade dos grupos de sociedades, que poderão, cumprindo os requisitos ali previstos, optar, em termos de determinação do lucro tributável, pelo Regime Geral da Tributação dos Grupos de Sociedades, previsto no artigo 69.º e seguintes do CIRC.
No entanto a A... encontra-se enquadrada, desde 01-01-2009, no Regime Geral de Tributação, pelo que o seu lucro tributável é constituído, de acordo com o artigo 17.º do CIRC "pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código".
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Invoca o Sujeito Passivo que os €467.049,46 transferidos para a B... são "distribuição de lucros" gerados pela C... (€451.525,74) e pela A... (€15.523,74) à empresa mãe, a B... .
No entanto o Sujeito Passivo não logrou apresentar, no Direito de Audição, qualquer documento que permita comprovar a natureza dos fluxos financeiros recebidos e que se trata, como afirma, de uma situação de distribuição de lucros, como sejam atas das assembleias gerais de aprovação de contas, as deliberações de atribuição de lucros, etc..
Por outro lado, o n.º 1 do artigo 33.º do Código das Sociedades Comerciais não permite que sejam distribuídos aos acionistas/sócios os lucros do exercício que sejam necessários para cobrir prejuízos transitados, condição esta, que nem a A... nem a C... cumprem, exibindo no seu Balanço resultados transitados negativos em todos os períodos em análise.
No caso dos Adiantamentos por conta de lucros, o Código das Sociedades Comerciais, no artigo número 297.º, dita ainda que seja efetuado apenas um adiantamento no decurso de cada exercício e sempre na segunda metade deste, sendo que, no caso presente, as transferências têm uma regularidade mensal.
Acresce, ainda, que também não foram utilizados nos registos contabilísticos as contas que registam as operações com acionistas/sócios (classe 26) como obriga o SNC, sendo os valores recebidos da C... creditados na conta de clientes (conta 21.1.1.1.18 C..., SA) e as saídas para a B... debitadas numa conta de Outros Devedores e Credores (conta 27. 8.4. 2.1 B... Limited).
Efetivamente, dos lançamentos contabilísticos efetuados, não resulta, manifestamente, tão pouco, qualquer evidência de que estejamos na presença de uma alegada "distribuição de lucros", desde logo, porque esta seria, inclusive, contrária à lei - Código das Sociedades Comerciais - conforme se demonstrou. Importa, ainda, sublinhar que não se entende nem se alcançam as alegações do sujeito passivo quando afirma que os "(...) fluxos financeiros em questão (...) visaram um único propósito: o de transferir parte dos lucros gerados (...) para a respetiva acionista única, através da seguinte triangulação: C..., SA - REQUERENTE - (onde se concentram os lucros) – B... LLP", pois que quer a contabilidade das sociedades quer a aprovação e prestação das contas depositadas na Conservatória do Registo Comercial, não evidenciam, documentam ou aprovam qualquer "distribuição de lucros", demonstrando-se que, quer os acionistas da C..., SA, quer a gerência da A... não aprovaram, decidiram e concretizaram qualquer "distribuição de lucros", em cada um dos exercícios de 2016 a 2018.
Ora, seguindo, meramente no campo teórico e sem conceder, a linha de raciocínio das alegações do sujeito passivo, só se pode constatar e concluir que, quisessem os acionistas da C..., SA, efetuar e promover a alegada "distribuição de lucros", tê-la-iam aprovado e deliberado na sua esfera societária e espelhado tal realidade na aprovação de contas, lançando mão inclusive do invocado n.º 3 do artigo 14.º do CIRC, o que factualmente não ocorreu.
3. Finalmente, o sujeito passivo considera que, sendo uma distribuição de lucros por parte da C... e da A... à sua acionista/sócia única com sede no Reino Unido será de aplicar o regime da eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos previsto no artigo 14.º, n.º 3, do CIRC.
Esta pretensão não pode, também, ser acolhida pois, como vimos no ponto anterior, as operações financeiras em causa não se referem a uma, qualquer, distribuições de lucros, inexistindo qualquer evidência contabilística e/ou suporte documental que suporte as alegações do sujeito passivo.
Deste modo, sendo de manter as correções descritas no capítulo III, foram elaborados os respetivos documentos de correção - DC.
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Na sequência da inspecção foram emitidas as liquidações de IRC n.º 2020 ...
(relativa ao exercício de 2016), n.º 2020 ... (relativa ao exercício de 2017) e n.º 2020 ... (relativa ao exercício de 2018), bem como das demonstrações de liquidação de retenções na fonte de IR n.º 2020 ... (relativa ao exercício de 2016), n.º 2020 ... (relativa ao exercício de 2017) e n.º 2020 ... (relativa ao exercício de 2018), e, bem assim, contra as respetivas liquidações de juros compensatórios e demonstrações de acerto de contas (dos n.ºs 2 a 23 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Em 05-05-2021, a Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas;
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A reclamação graciosa não foi decidida até 07-12-2021, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
Factos não provados e fundamentação e fixação da matéria de facto
2.2.1. Não se provou que se referem as quantias recebidas pela Requerente da C..., que não têm suporte em facturas emitidas pela Requerente.
A Requerente diz que se trata de transferências de lucros, para serem posteriormente transferidos para a B..., que é detentora do capital social da Requerente e da C... .
No entanto, estas afirmações não são críveis, pois não foi apresentada qualquer deliberação social no sentido de distribuição de lucros à accionista B... (nem à Requerente, que nem é accionista da C...).
Por outro lado, a tratar-se de transferência de lucros, não se compreenderia que não tivesse sido feita directamente da C... para a B..., pois apenas nessas condições seria aplicável a isenção prevista no artigo 14.º, n.º 3, do CIRC, a que alude a Requerente. A Requerente não dá qualquer explicação para a alegada transferência de lucros não ter sido directamente efectuada para a B... .
Para além disso, a prova produzida não confirma a afirmação da Requerente de que as valores transferidos pela C... foram «imediatamente (re)transferidos para a respetiva sociedade holding», pois relativamente ao ano de 2016 constata-se que as quantias transferidas para a Requerente (€ 143.755,00) são consideravelmente superiores às transferidas para a B... (€ 118.049,45).
A isto acresce que nem sequer se provou que a C... tivesse lucros que pudessem ser distribuídos, pois, como se refere no Relatório da Inspecção Tributária a C... exibiu «no seu Balanço resultados transitados negativos em todos os períodos em análise».
Finalmente, constata-se que a contabilização das transferências da C... para a Requerente não foi feita numa conta da classe 26, destinada a registar as transferências para accionistas/sócios.
Neste contexto tem de concluir-se que não há prova que confirme a tese da Requerente quanto às transferências da C... para a Requerente.
2.2.2. Não se provou que as quantias pagas pela Requerente à B... LLP se reportem a remuneração de prestação de serviços, pois não há qualquer indício de que tenham sido prestados quaisquer serviços por aquela à Requerente. Designadamente, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que foram prestados serviços, mas não identifica qualquer serviço que tenha sido prestado.
2.2.3. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo.
Matéria de direito
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou duas correcções à matéria tributável da Requerente:
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uma resulta da constatação de que a Requerente recebeu da C... transferências de valores superiores os que foram facturados por serviços relativos a serviços por esta prestados à Requerente;
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a outra tem por objecto transferências de quantias feitas pela Requerente para a B..., que detinha a totalidade dos seu capital social.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que as primeiras transferências se reconduzem a variações patrimoniais positivas não reflectidas nos resultados líquidos, que relevam para a lucro tributável por força do preceituado nos artigos 17.º, n.º 1, e 21.º, n.º 1 do CIRC.
Relativamente às transferências que a Requerente fez para a B... a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que se trata de remuneração de serviços por esta prestados, sujeita a retenção na fonte.
A Requerente defende, em suma, que as transferências se justificaram por a B... ser a titular da totalidade dos capitais sociais tanto da Requerente e como da C... e as transferência desta para a Requerente terem em vista reunir na Requerente as transferências para, depois serem transferidas para a B... e, por isso, não houve variações patrimoniais positivas na esfera da Requerente nem as transferências para a B... e se reportam a remuneração de prestações de serviços.
Questão das variações patrimoniais positivas resultantes das transferências efectuada pela C... para a Requerente
De harmonia com o disposto no artigo 17.º, n.º 1, do CIRC, «o lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».
Os termos em que relevam as variações patrimoniais positivas para a formação do lucro tributável são definidos no argo 21.º do CIRC, em que se estabelecem várias excepções , que não têm aplicação no caso em apreço.
No entanto, a Requerente defende que não se está perante variações patrimoniais positivas, por as quantias transferidas pela C... sem suporte na facturação relativa aos serviços que prestou não terem ficado no património da Requerente, por terem sido pela Requerente transferidas para a B..., a título de transferências de lucros daquelas sociedades.
Pelo que se referiu na fundamentação da decisão da matéria de facto, a tese da Requerente não pode considerar-se provada.
O artigo 74.º, n.º1, da LGT estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».
Assim, é sobre a Requerente, que alega que aqueles montantes transferidos e não facturados se reportam a transferência de lucros, que recai o ónus da prova, o que se reconduz a que a falta de prova da natureza das transferências tenha de ser valorada processualmente contra a Requerente.
De harmonia com o preceituado no artigo 17.º, n.º 1, do CIRC, «o lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».
No caso em apreço, o que resulta da contabilidade da Requerente é que que foram para ela feitas transferências patrimoniais, que se enquadram no conceito de variações patrimoniais positivas, pois não se verifica qualquer das excepções indicadas no artigo 21.º do CIRC.
Assim, das transferências feitas pela C... para a Requerente resultaram variações patrimoniais positivas tributáveis, pelo que improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.
Questão das retenções na fonte relativas a prestações de serviços
Como se referiu na fundamentação da fixação da matéria de facto não se pode considerar provado que as transferências feitas pela Requerente para a B... se reportem a prestações de serviços.
Na verdade, nem sequer é aventado pela Autoridade Tributária e Aduaneira quais foram os serviços que invoca terem sido prestados pela B... à Requerente.
Trata-se de matéria sobre a qual não há no processo qualquer prova, nem mesmo permitindo descobrir de que tipo é que seriam os serviços a que alude a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Recaindo sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira o ónus da prova da existência de serviços (artigo 74.º, n.º 1, da LGT), a falta de prova tem de valorada processualmente contra ela. Assim, as liquidações relativas a retenções na fonte assentam em factos não provados, pelo que enfermem de vício de erro sobre os pressupostos de facto, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.3. Questões de conhecimento prejudicado
Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à correcção relativa a retenções na fonte, fica prejudicado por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente, designadamente o de violação dos princípios do inquisitório, da descoberta da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação (cf. artigos 5 e seguintes do RCPIT), bem como aos princípios da justiça, da boa-fé, da legalidade, da imparcialidade e da celeridade.
Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
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Anular as demonstrações de liquidação de retenções na fonte de IR n.º 2020 ... (relativa ao exercício de 2016), n.º 2020... (relativa ao exercício de 2017) e n.º 2020 ... (relativa ao exercício de 2018), e, bem assim, contra as respetivas liquidações de juros compensatórios n.ºs das demonstrações de liquidação de retenções na fonte de IR n.º 2020 ... (relativa ao exercício de 2016), n.º 2020 ... (relativa ao exercício de 2017) e n.º 2020 ... (relativa ao exercício de 2018), e, bem assim, contra as respetivas liquidações de juros compensatórios: n.ºs 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020... 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020... e 2020... .
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Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido na parte restante.
Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 234.084,21, atribuído pela Requerente, sem contestação da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 44% a cargo da Requerente e 56% a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 23-03-2022
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Relator)
(Leonardo Marques dos Santos)
(José Rodrigo de Castro)