Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 83/2022-T
Data da decisão: 2022-08-21  IRC  
Valor do pedido: € 20.023,24
Tema: IRC – Tributação de dividendos pagos a Organismo de Investimento Coletivo da União Europeia (Alemanha); Artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais; Liberdade de circulação de capitais - Artigo 63.º TFUE.
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Sumário:

 

O artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na parte em que estabelece um tratamento fiscal mais favorável aos organismos de investimento coletivo que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa, relativamente aos organismos de investimento coletivo constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia (Alemanha), viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Vera Figueiredo, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide nos termos que se seguem:

  1. RELATÓRIO
  1. A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de identificação fiscal português ..., com sede em ... Munique, Alemanha adiante designada como “Requerente”, representado por B... mbH, na qualidade de sociedade gestora, com sede na mesma morada, vem, na sequência do indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada em 28-05-2021 dos atos de liquidação por retenção na fonte em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (doravante abreviadamente designado de “IRC”), nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de tribunal arbitral e submeter pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada como “Requerida” ou “AT”), com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação n.ºs ... e ..., referentes ao ano de 2019, no valor de €20.023,24 (vinte mil e vinte e três euros e vinte e quatro cêntimos).
  2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi apresentado pelo Requerente em 16-02-2022, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 20-02-2022.
  3. O Requerente optou por não designar árbitro, tendo, nos termos do artigo 6.º n.º 1 e do artigo 11.º n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico designado o árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.
  4. As partes foram devidamente notificadas da nomeação em 05-04-2022, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma.
  5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º n.º 1 alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 27-04-2022.
  6. Em 28-04-2022, o Requerente e a Requerida foram notificadas do despacho do Tribunal Arbitral, no qual se estabelecia um prazo de 5 dias para junção aos autos da tradução dos documentos em língua estrangeira que o Requerente tinha protestado juntar, sendo a Requerida convidada a pronunciar-se sobre esta junção no mesmo prazo dado para apresentação da sua resposta, ao abrigo do disposto no artigo 17.º n.º 1 e 2 do RJAT.
  7. O Requerente veio em 10-05-2022 juntar aos autos a tradução dos documentos em língua estrangeira, tendo o requerimento sido notificado à Requerida.
  8. Constatando-se que a Requerida não apresentou a sua resposta no prazo de 30 dias consignado no despacho de 27-04-2022, nem juntou o processo administrativo, o Tribunal Arbitral ordenou a notificação da Requerida para remeter cópia do processo administrativo.
  9. O processo administrativo foi junto aos autos em 22-06-2022.
  10. Em 27-06-2022, o Tribunal Arbitral emitiu despacho dispensando a reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações escritas sucessivas, com fundamento na falta de complexidade do processo, não terem sido alegadas exceções pela Requerida, não existir prova adicional a produzir e sendo os factos suscetíveis de comprovação por prova documental. Mais indicou como data previsível para prolação da decisão arbitral o dia 02-09-2022, devendo até essa data o Requerente pagar a taxa de arbitragem subsequente.

SANEAMENTO

  1. O presente Tribunal Arbitral considera-se regularmente constituído para apreciar o litígio (artigo 5.º n.º 1 e n.º 2, artigo 6.º n.º 1 e artigo 11.º do RJAT).
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas [artigos 3.º, 6.º e 15.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea a) do RJAT].
  3. Não se verificam quaisquer nulidades, nem foram alegadas pelas partes exceções ou questões prévias que devam ser analisadas de imediato.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO
  1. Factos dados como provados
  1. Com interesse para a decisão da causa, dão-se como provados os seguintes factos, que não foram contestados pela Requerida.
  1. O Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha.
  2. O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente e sem estabelecimento estável para efeitos fiscais em Portugal.
  3. O Requerente é um OIC constituído sob a forma contratual e não societária, designado de fundo de investimento.
  4. O Requerente é gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento, a B... mbH, entidade com sede na Alemanha.
  5. O Requerente é um fundo aberto autónomo constituído com base num contrato entre a entidade gestora de capital (“C... mbH”), os seus investidores e o banco responsável pela custódia dos valores mobiliários.
  6. O objeto do fundo de investimento é a administração, gestão e o investimento do seu património.
  7. Por não se tratar de um OIC meramente contratual (fundo de investimento), o Requerente não está, nos termos da legislação alemã aplicável, sujeito a obrigação de registo junto do Registo Comercial alemão, não podendo ser titular de direitos ou obrigações.
  8. O Requerente e a entidade gestora são entidades sujeitas a supervisão Autoridade Federal de Supervisão Financeira Alemã (“Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht” ou “BaFin”).
  9. O Requerente está sujeito a imposto sobre as pessoas coletivas na Alemanha, mas beneficia de uma isenção de imposto relativamente a rendimentos de fonte estrangeira.
  10. Em 2019, o Requerente detinha as seguintes participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal:

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

  1. Conforme declarado pelo D..., entidade responsável pela custódia dos títulos detidos em Portugal, o Requerente recebeu em 2019 dividendos de sociedades residentes fiscais em Portugal, que foram sujeitos a tributação em sede de IRC, mediante retenção na fonte à taxa liberatória de 35%:

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

  1. As guias de retenção na fonte, acima identificadas, foram entregues pelo substituto tributário E..., S.A..
  2. No momento da retenção na fonte do imposto foi aplicada a taxa de 35%, por não ter sido indicado NIF do Requerente.
  3. Por não se conformar com a tributação de tais dividendos em Portugal, o Requerente apresentou no dia 28-05-2021 reclamação graciosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2019, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal – processo que correu termos na Direção de Finanças de Lisboa (“DFL”) sob o n.º ...2021... .
  4. Através do ofício n.º ..., de 18-10-2021, da Direção de Finanças de Lisboa, o Requerente foi notificado, para exercer o direito de audição prévia, no prazo de 15 dias, nos termos artigo 60.º n.º 1 al. b) da LGT, relativamente ao projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa:

“1- O Reclamante, não residente fiscal em Portugal e sem estabelecimento estável, é sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 2.º do CIRC, incidindo o imposto apenas sobre os rendimentos obtidos em território nacional (país da fonte), nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 3 e n.º 2 do art.º 4.º, ambos do CIRC, à taxa de 25% nos termos do n.º 4 do art.º 87.º do CIRC, objeto de retenção na fonte a título definitivo ou liberatório, na data da verificação do facto tributário (pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos), cujas importâncias retidas devem ser entregues nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que forem deduzidas, nos termos da al. c) do n.º 1, al. b) do n.º 3, n.º 5 e n.º 6, todos do art.º 94.º do CIRC. Sendo que, nos casos previstos nas alíneas h) e i) do n.º 4 do art.º 87.º do CIRC, a taxa a aplicar é de 35%.

2- No entanto, esta taxa pode ser afastada por aplicação de uma CDT (2), através da entrega do formulário Modelo 21-RFI. Da análise ao invocado nos presentes autos, conclui-se que o mesmo não consubstancia um pedido desta natureza.

3- Quanto à desconformidade das normas legais internas com o Direito da União Europeia, mais precisamente, a não consideração destes rendimentos para efeitos do apuramento do lucro tributável, prevista no n.º 3 do art.º 22.º do EBF e sua impossibilidade de aplicação aos rendimentos distribuídos aos Organismos de Investimento Coletivo com sede fora de Portugal, cumpre dizer o seguinte,

4- Através do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (3), procedeu-se à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), alterando, com interesse para o caso em apreço, a redação do art.º 22.º do EBF (4), aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário e sociedades de investimento mobiliário e imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (5), conforme resulta do n.º 1 do art.º 22.º do EBF, e Circular n.º 6/2015 (6).

5- Com a nova redação, estabeleceu o legislador, para esses sujeitos passivos de IRC, uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias referidos nos art.ºs 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, conforme resulta do n.º 3 do referido art.º 22.º do EBF e, uma isenção das derramas municipal e estadual, nos termos do n.º 6 da referida norma legal.

6- Tal exclusão não é aplicável ao reclamante - pessoa coletiva constituída de acordo com a legislação alemã -, por falta de enquadramento com o disposto no n.º 1 do art.º 22.º do EBF, o que é por si contestado no presente pedido, pelas razões que constam já elencadas no ponto III da presente informação.

7- Tal interpretação decorre do elemento teleológico, ou seja, dos objetivos que o legislador pretendeu alcançar com tal previsão legal, in casu, o aumento da captação de capital estrangeiro e da competitividade dos OIC´s portugueses no plano internacional (7).

8- A consagração da liberdade de circulação dos capitais e, consequentemente, a proibição de adoção de medidas restritivas da mesma, encontra-se consagrada nos art.ºs 63.º e seguintes do TFUE (8), concretização do art.º 18.º do TFUE, e é aplicável tanto entre Estados-membros como entre Estados-membros e Estados-terceiros, ou seja, que não integram a UE.

9- Não obstante, conforme resulta da al. a) do n.º 1 do art.º 65.º do TFUE, é permitido que os Estados-membros apliquem “(…) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido”, tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que, verificado o n.º 3 da mencionada disposição legal.

10- Evidenciando-se que, ao contrário do que se verifica com o IVA, não existe no TFUE uma previsão quanto à harmonização de impostos sobre o rendimento ou tributação direta (9), embora, numa tentativa de aproximação de legislações dos Estados-membros, a mesma encontre alguma expressão, nos art.ºs 114.º e 115.º do referido Tratado.

11- Cumpre referir que, não compete à AT. avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, tão-pouco apreciar da sua constitucionalidade, realçando-se que, na senda do entendimento acolhido pela recente jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo (10), atendendo ao disposto nos artigos 266.º da CRP e 55.º da LGT, a Administração Tributária deve atuar em conformidade com a lei, não podendo, por regra, deixar de aplicar uma norma tributária constante de diploma legal, por alegada inconstitucionalidade, a não ser quando o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do art.º 281.º da CRP.

12- E, por outro lado, não pode a AT. aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE (11), quando estas não têm, na sua origem, a apreciação da compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.

13- Sendo que, a jurisprudência trazida à colação pela Reclamante respeita a normas legais de outros ordenamentos jurídicos, não se conhecendo, até à data, quaisquer decisões do TJUE que tenham concluído pela desconformidade do art.º 22.º do EBF, na redação dada pelo DL. n.º 7/2015, de 13/01, com o TFUE.

14- Todavia, sempre se dirá que, de acordo com Paula Rosado Pereira (12), “(…) no Caso Schumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes (…)” considerando a autora que, “A análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, assim, que na perspetiva deste órgão, em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação consagradas no TFUE.”

15- Realçando-se que, contrariamente ao que sucede com os OIC´s que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira, os OIC´s constituídos e que operem ao abrigo da legislação nacional serão tributados em sede de Imposto do Selo (verba 29 da TGIS) e sujeitos a tributação autónoma em sede de IRC relativamente a lucros distribuídos, nos termos do n.º 11 do art.º 88.º do CIRC, conforme resulta do n.º 8 do art.º 22.º do EBF.

16- De salientar ainda que, as referidas decisões arbitrais apenas produzem efeitos inter partes e no âmbito do caso concreto, não produzindo, desta forma, quaisquer efeitos no âmbito de outros procedimentos administrativos.

17- Pelo exposto, é de indeferir o pedido.

18- Cumpre ainda referir que por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do artigo 43.ºda LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios.

VI. Conclusão

Face ao exposto, sou do parecer que deve a presente reclamação graciosa ser indeferida, devendo notificar-se o interessado para efeitos do exercício do direito de audição, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT.”

  1. Não tendo exercido o referido direito de audição, o projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi convolado em definitivo.
  2. Em 16-02-2022 foi apresentado o presente pedido de pronúncia arbitral.
  1. Factos não provados
  1. Com relevo para a decisão não se verificaram quaisquer outros factos alegados que devam julgar-se não provados.
  1. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. artigo 123.º n.º 2 do CPPT e artigo 607.º n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º n.º 1 alíneas a) e e) do RJAT].

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e) do RJAT).

Assim, tendo em consideração a posição assumida pelo Requerente e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

Está em causa nos presentes autos aferir da legalidade das retenções na fonte a título definitivo sobre dividendos pagos por entidades com sede em Portugal a OIC com sede em outro Estado Membro (“EM”) da União Europeia (EU), no caso, a Alemanha e, portanto, não constituídos de acordo com a legislação nacional, com os artigos 56.º e 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), que consagram respetivamente as liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais.

A questão decidenda consiste em determinar a conformidade das normas internas em vigor à data dos factos tributários ora sindicados relativos ao regime de tributação dos dividendos auferidos por OIC, com o artigo 63.º do TFUE.

 

  1. Da legislação nacional

No que concerne à legislação aplicável à situação em apreço, refira-se a mais relevante.

Segundo o artigo 3. ° n.º 1, do Código do IRC, na versão em vigor à data dos factos:

“1 — O IRC incide sobre: (...)

d) Os rendimentos das diversas categorias, consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, os incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito por entidades mencionadas na alínea c) do n.° 1 do artigo anterior que não possuam estabelecimento estável ou que, possuindo‑o, não lhe sejam imputáveis.” (sublinhado do autor).

Nos termos do artigo 4. ° do Código do IRC:

“(...) 2 — As pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos.

3 — Para efeitos do disposto no número anterior, consideram‑se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam: (...)

c) Rendimentos a seguir mencionados cujo devedor tenha residência, sede ou direção efetiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado: (...)

3) Outros rendimentos de aplicação de capitais; (...)” (sublinhado do autor).

O artigo 87. °, n.º 4, do referido código prevê que “Tratando‑se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25 %”.

Nos termos do artigo 88.°, n.º 11, do mesmo código prevê que “São tributados autonomamente, à taxa de 23 %, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.”

O artigo 94. ° do Código do IRC determina que

“1 - O IRC é objeto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português: (...)

c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à atividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade; (...)

3 - As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, exceto nos seguintes casos em que têm caráter definitivo: (...)

b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo‑o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis. (...)

5 - Excetuam‑se do disposto no número anterior as retenções que, nos termos do n.° 3, tenham caráter definitivo, em que são aplicáveis as correspondentes taxas previstas no artigo 87.°

6 -A obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC ocorre na data que estiver estabelecida para obrigação idêntica no Código do IRS ou, na sua falta, na data da colocação à disposição dos rendimentos, devendo as importâncias retidas ser entregues ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas e essa entrega ser feita nos termos estabelecidos no Código do IRS ou em legislação complementar.”.

Contudo, o artigo 22. ° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), sob a epígrafe “Organismos de Investimento Coletivo”, determinava:

“1 - São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional. (...)

3 - Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1. (...)

6 - As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual. (…)

8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime. (...)

10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1. (...)

15 - As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba. (...)” (sublinhado do autor).

O artigo 22. °-A do EBF, sob a epígrafe “Rendimentos pagos por organismos de investimento coletivo aos seus participantes”, dispunha nos seguintes termos:

“1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3, os rendimentos de unidades de participação ou participações sociais em entidades a que se aplique o regime previsto no artigo anterior, são tributados em IRS ou IRC, nos seguintes termos:

a) No caso de rendimentos distribuídos a titulares residentes em território português, ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território, por retenção na fonte:

i) À taxa prevista no n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRS, quando os titulares sejam sujeitos passivos de IRS, tendo a retenção na fonte caráter definitivo quando os rendimentos sejam obtidos fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola;

ii) À taxa prevista no n.º 4 do artigo 94.º do Código do IRC, quando os titulares sejam sujeitos passivos deste imposto, tendo a retenção na fonte a natureza de imposto por conta, exceto quando o titular beneficie de isenção de IRC que exclua os rendimentos de capitais, caso em que tem caráter definitivo; (...)

c) No caso de rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário e de participações sociais em sociedades de investimento imobiliário de que sejam titulares sujeitos passivos não residentes, que não possuam um estabelecimento estável em território português ao qual estes rendimentos sejam imputáveis, por retenção na fonte a título definitivo à taxa de 10 %, quando se trate de rendimentos distribuídos ou decorrentes de operações de resgate de unidades de participação ou autonomamente à taxa de 10 %, nas restantes situações;

d) No caso de rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário ou de participações sociais em sociedades de investimento mobiliário a que se aplique o regime previsto no artigo anterior, incluindo as mais-valias que resultem do respetivo resgate ou liquidação, cujos titulares sejam não residentes em território português sem estabelecimento estável aí situado ao qual estes rendimentos sejam imputáveis, os mesmos estão isentos de IRS ou de IRC;

e) Nos restantes casos, nos termos previstos no Código do IRS ou no Código do IRC.

2 - O disposto na subalínea i) da alínea a) e na alínea b) do número anterior não prejudica a opção pelo englobamento quando os rendimentos sejam obtidos por sujeitos passivos de IRS fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, caso em que o imposto retido tem a natureza de imposto por conta, nos termos do artigo 78.º do Código do IRS.

3 - O disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1 não é aplicável quando:

a) Os titulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, caso em que os rendimentos são tributados:

i) Por retenção na fonte a título definitivo à taxa prevista no n.º 12 do artigo 71.º do Código do IRS ou na alínea i) do n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC, consoante o caso, tratando-se de rendimentos distribuídos ou decorrentes do resgate de unidades de participação;

ii) Nos termos da alínea e) do n.º 1, nos restantes casos.

b) Os rendimentos sejam pagos ou colocados à disposição em contas abertas em nome de um ou mais titulares mas por conta de terceiros não identificados, caso em que, exceto quando seja identificado o beneficiário efetivo, os rendimentos são tributados, por retenção na fonte a título definitivo à taxa prevista no n.º 12 do artigo 71.º do Código do IRS ou na alínea h) do n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC, consoante o caso;

c) Os titulares sejam entidades não residentes que sejam detidas, direta ou indiretamente, em mais de 25 % por entidades ou pessoas singulares residentes em território nacional, exceto quando essa entidade seja residente noutro Estado membro da União Europeia, num Estado membro do Espaço Económico Europeu que esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia ou num Estado com o qual tenha sido celebrada e se encontre em vigor convenção para evitar a dupla tributação que preveja a troca de informações, caso em que os rendimentos são tributados nos termos da alínea e) do n.º 1. (...)

13 - Para efeitos da aplicação deste regime, os rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário e as participações sociais em sociedades de investimento imobiliário, incluindo as mais-valias que resultem da respetiva transmissão onerosa, resgate ou liquidação, são considerados rendimentos de bens imóveis.”

 

Resulta de todo o supra exposto que os OIC constituídos de acordo com a legislação portuguesa, ao abrigo do disposto no Regime Geral dos OIC[1], poderiam beneficiar de uma isenção de IRC sobre os dividendos recebidos de sociedades sediadas em Portugal.

Contrariamente, os OIC constituídos em outros Estados Membros da UE não poderiam beneficiar do regime previsto no artigo 22.º do EBF, estando sujeitos a tributação em Portugal, mediante retenção na fonte à taxa liberatória de 25% (ou 35%), sobre os dividendos auferidos de sociedades residentes em Portugal, nos termos dos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4 do Código do IRC.

Logo, os OIC constituídos em Portugal poderiam beneficiar de um regime fiscal mais favorável do que o aplicável a OIC constituídos de acordo com a legislação de um qualquer outro Estado Membro da UE, ao abrigo do disposto no artigo 22.º n.º 3 do EBF. 

  1. Do direito da União Europeia

O artigo 18.º do TFUE estabelece um princípio geral de não discriminação que rege todo o direito da União Europeia: “No âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.”

O artigo 63.º n.º 1 do TFUE (ex-artigo 56.º TCE) estabelece o princípio da livre circulação de capitais: “1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.”

O artigo 65.º acrescenta o seguinte:

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.

4. Na ausência de medidas ao abrigo do n.º 3 do artigo 64.º, a Comissão, ou, na ausência de decisão da Comissão no prazo de três meses a contar da data do pedido do Estado-Membro em causa, o Conselho, pode adotar uma decisão segundo a qual as medidas fiscais restritivas tomadas por um Estado-Membro em relação a um ou mais países terceiros são consideradas compatíveis com os Tratados, desde que sejam justificadas por um dos objetivos da União e compatíveis com o bom funcionamento do mercado interno. O Conselho delibera por unanimidade, a pedido de um Estado-Membro.”.

  1. Da conformidade da legislação nacional com o direito da União Europeia

O artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) estabelece o princípio da primazia do Direito da União Europeia sobre o Direito Nacional: “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.

O Requerente suscita a questão da conformidade das normas nacionais supra citadas com a liberdade de circulação de capitais consignada no artigo 63.º do TFUE.

Como resulta confirmado pelo acórdão do TJUE no processo C‑545/19[2], no caso em apreço, a liberdade fundamental em causa é a liberdade de circulação de capitais:

“31 A este respeito, resulta de jurisprudência assente que, para determinar se uma legislação nacional é abrangida por uma ou outra das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE, é necessário ter em conta o objetivo da legislação em causa (v., neste sentido, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 33 e jurisprudência referida, e de 3 de março de 2020, Tesco‑Global Áruházak, C‑323/18, EU:C:2020:140, n.° 51 e jurisprudência referida).

32 O litígio no processo principal diz respeito a um pedido de anulação de atos que procederam à retenção na fonte dos dividendos pagos à recorrente no processo principal por sociedades estabelecidas em Portugal relativamente aos anos de 2015 e 2016, bem como à compatibilidade com o direito da União de uma legislação nacional que reserva a possibilidade de beneficiar da isenção dessa retenção na fonte aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa ou cuja entidade gestora opera em Portugal através de um estabelecimento estável.

33 Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar‑se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 35 e 36). (...)

35 Atendendo às considerações precedentes, há que examinar a legislação nacional em causa no processo principal exclusivamente à luz do artigo 63.º TFUE.(...)”[3].

Segundo alega o Requerente, as normas nacionais, acima referidas, constituem uma restrição à liberdade de circulação de capitais consignada no artigo 63.º do TFUE.

Com efeito, segundo o Requerente a legislação nacional permite um tratamento discriminatório dos fundos de investimento em função da residência o que constitui uma restrição à liberdade de circulação de capitais, uma vez que o Requerente e os OIC residentes em Portugal estarão em situações comparáveis, sendo que o Requerente está sujeito a tributação em Portugal, ao passo que os OIC constituídos ao abrigo da legislação portuguesa não estariam sujeitos a tributação sobre os mesmos rendimentos.

No supra citado acórdão[4], em que o TJUE foi chamado a pronunciar-se sobre a legislação nacional em sede de benefícios fiscais aos OIC, concluiu-se no sentido pretendido pela Requerente, ou seja, que a legislação nacional configurava uma restrição à liberdade de circulação de capitais:

“37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).(...)”.

Contudo, como explica o TJUE, ainda que se conclua, prima facie pela existência de uma restrição a uma liberdade prevista no TFUE, haverá, ainda, que aferir da possibilidade de aplicação de uma derrogação a esta liberdade, como a prevista no artigo 65.º nº 1 alínea a) do TFUE, com as limitações previstas no n.º 3 da mesma disposição:

“(..)41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 29 e jurisprudência referida].

42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 30 e jurisprudência referida].(...).

No que respeita à não comparabilidade das situações dos OIC residentes e não residentes, que poderia justificar a restrição à livre circulação de capitais e implicar uma derrogação, o TJUE não aceitou como válidos os argumentos apresentados pelo Governo Português considerando que:

“49. Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida).

50. (…) há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C‑282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C‑282/07, EU:C:2008:762, n.° 41).

51 Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek  (C‑252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.

52 No entanto, (…), a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida).

53 (…), no que respeita ao imposto do selo, que resulta (…) que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

54 Além disso, (…), a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek  (C‑252/14, EU:C:2016:402).

55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56 (…) no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, (…), este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. (…), pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.

58 Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.° TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado‑Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado‑Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.

59 Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C‑565/18, EU:C:2020:318, n.° 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 48 e jurisprudência referida).

60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida).

61 (…) o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos.

62 Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC. (…)

65 Todavia, (…), a partir do momento em que um Estado‑Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes.

66 Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado‑Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 55 e jurisprudência referida).

67 Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o.,  C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 56 e jurisprudência referida).

68 Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 60).

69 Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado‑Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra‑se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 61).

71 No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, (…), há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida).

73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.”

Logo, atendendo a todos os elementos precedentes, o TJUE concluiu que, numa situação idêntica à do caso sub judice, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes dizia respeito a situações objetivamente comparáveis.

Concluindo-se que as situações eram comparáveis, o TJUE analisou se existiriam razões imperiosas de interesse geral que pudessem justificar a identificada restrição à liberdade de circulação de capitais decorrente da aplicação da legislação nacional.

Como recorda do TJUE, segundo a jurisprudência constante do Tribunal, “(...) uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 56 e jurisprudência referida]”.

No processo em apreço, o Governo português terá justificado a restrição, “(...) à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados‑Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.(...)”.

No que concerne à primeira justificação apresentada, da necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional, esclarece o TJUE que “(...) embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (...), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 87).”.

Tendo o TJUE concluído que, no caso em apreço, “não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.° 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo”, não tendo aceite como justificação da restrição à liberdade de circulação de capitais a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional.

No que concerne à segunda justificação apresentada, isto é, a necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, o TJUE veio recordar que “(...) como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C‑484/19, EU:C:2021:34, n.° 59).”

Tal justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros também não foi acolhida, na medida em que “(...) como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 71 e jurisprudência referida)”.

Com base no quadro legislativo descrito, no âmbito do pedido de reenvio prejudicial apresentado no processo arbitral n.º 93/2019-T[5] que corria termos no CAAD, foi, assim proferido Acórdão do TJUE no processo n.º C-545/19, em 17 de março de 2022, tendo sido decidido: “Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”

Estando em causa nos presentes autos a mesma questão de Direito, o Tribunal Arbitral deve obediência à referida jurisprudência do TJUE.

Conforme se pode ler na decisão arbitral proferida no Processo n.º 193/2022-T, de 28-06-2022, cujo coletivo foi presidido pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, à qual se adere:

“Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Assim, declara-se ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF,  na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia.

Pelo exposto, tem de se concluir que as retenções na fonte e o indeferimento da reclamação graciosa, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.[6]

Termos em que se, tendo o TJUE concluído pela incompatibilidade do artigo 22.º, n.º 1, do EBF, com o disposto no artigo 63.º, do TFUE, impõe-se a não aplicação da referida norma, bem como a declaração de ilegalidade, por vício de violação de lei, do indeferimento da reclamação graciosa que recaiu sobre os atos de retenção na fonte objeto do pedido de pronúncia arbitral, e sua consequente anulação, nos termos do artigo 163.º nº. 1 do Código do Procedimento Administrativo, aplicável ex vi artigo 2.º alínea c) da Lei Geral Tributária (LGT), e artigo 29.º n.º 1 do RJAT.

 

  1. Juros indemnizatórios

Por último, o Requerente pede a condenação da Requerida a pagar juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.

De acordo com o disposto na artigo 24.º n.º 1 alínea b) do RJAT “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso: (…) b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito. (…)”.

Ainda nos termos do artigo 24.º n.º 5 do RJAT é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos LGT e no CPPT.

O artigo 100.º da LGT prevê que “A Administração está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros, nos termos e condições previstos na lei”.

A doutrina e jurisprudência têm defendido que se enquadra no âmbito das competências dos tribunais arbitrais a fixação dos efeitos das suas decisões, nos mesmos termos previstos para a impugnação judicial, designadamente, quanto à condenação em juros indemnizatórios ou a condenação por indemnização por garantia indevida.

O TJUE também tem entendido que haverá lugar a juros indemnizatórios no caso de cobrança de impostos em violação do direito da União Europeia, conforme decorre do acórdão do TJUE de 18-04-2013 no processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), citado na decisão arbitral no Processo n.º 193/2022-T, de 28-06-2022[7]:

“No que concerne a direito a juros indemnizatórios, o TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo

21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).

23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).

No entanto, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.”

O artigo 43.º n.º 1 da LGT prevê que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Nos termos do artigo 43.º n.º 3 alínea d) da LGT “São também devidos juros indemnizatórios (…) d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”. [8][9]

No caso dos autos, estando em causa a declaração de ilegalidade das liquidações com fundamento em ilegalidade de legislação nacional, ou seja, do artigo 22.º n.º 1 do EBF, por violação do disposto no artigo 63.º, do TFUE, aplicável ex vi artigo 8.º n.º 4 da CRP, haverá que reconhecer o direito do Requerente a juros indemnizatórios, nos termos do citado artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT.

 

  1. DECISÃO

Termos em que decide este Tribunal Arbitral:

  1. Julgar procedente, por provado, o pedido de anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2021..., respeitante a liquidações de IRC por retenção na fonte de 2019;
  2. Consequentemente, anular parcialmente os atos de liquidação por retenção na fonte em sede de IRC n.ºs ... e ..., referentes ao ano de 2019, no valor de €20.023,24 (vinte mil e vinte e três euros e vinte e quatro cêntimos);
  3. Declarar procedente o direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º n.º 3, alínea d) da LGT;
  4. Condenar a Requerida em custas.

 

  1. VALOR DA CAUSA

Em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 306.º do CPC e da alínea a) do n.º 1 do artigo 97. °-A do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPTA), fixa-se ao processo o valor de € €20.023,24 (vinte mil e vinte e três euros e vinte e quatro cêntimos), conforme resulta do pedido de pronúncia arbitral.

  1. CUSTAS

Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento, fixa-se o montante das custas em €1.224,00, nos termos da Tabela I, do RCPTA, a cargo da Requerida.

Lisboa, 21 de agosto de 2022

O Árbitro,

Vera Figueiredo

 



[1] Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro.

[3] Cf. nota 2.

[4] Cf. nota 2.

[7] Cf. nota supra.

[8] Aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, com entrada em vigor no dia imediato ao da sua publicação e com efeitos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011.

[9] No mesmo sentido, cf. decisão arbitral no processo n.º 93/2019-T, de 17-06-2022.