Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 427/2021-T
Data da decisão: 2022-09-09  IRC  
Valor do pedido: € 508.256,73
Tema: IRC – SGPS – Dedutibilidade de encargos financeiros – Revogação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (presidente), Ricardo Marques Candeias e Eva Dias Costa, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 10 de setembro de 2021, acordam no seguinte:

 

            I.         Relatório

 

A..., Lda., doravante “Requerente”, pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., ...-... Lisboa, na qualidade de sucessora a título universal, por fusão incorporação ocorrida em 2015, da sociedade B..., S.A., pessoa coletiva n.º..., a qual assumiu, até 20 de novembro de 2014, a forma jurídica de Sociedade Gestora de Participações Sociais), adiante referida por “B... “, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, na redação vigente.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa, bem como da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) referente ao período de tributação de 2014, sobre a qual aquela recaiu, neste último caso, parcial. Peticiona a redução da base tributável do referido período de tributação em € 508.256,73, com as consequências legais, designadamente o correspondente acréscimo do reporte de prejuízos fiscais para os períodos subsequentes.

 

Em 9 de julho 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação à AT.

 

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 10 de setembro de 2021.

 

            Em 12 de outubro de 2021, a Requerida apresentou a sua Resposta, na qual se defende por exceção e por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”).

 

Por despacho de 14 de outubro de 2021, foi a Requerente notificada para se pronunciar sobre a matéria de exceção, o que fez por requerimento de 27 de outubro de 2021.

 

            O Tribunal Arbitral decidiu dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por desnecessidade, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT), dado não existir prova testemunhal a produzir e ter sido exercido por escrito o contraditório em relação à matéria de exceção.

            As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas e da fixação da data para prolação da decisão arbitral, advertindo-se a Requerente para, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

           

Requerente e Requerida apresentaram, em prazo, as suas alegações, reafirmando, no essencial, as posições inicialmente assumidas. A Requerente juntou documentos, ao que a AT se opôs por não serem supervenientes, ressalvada uma decisão do Supremo Tribunal Administrativo que considera, porém, não suportar a tese da Requerente.

 

Por despachos de 28 de fevereiro, de 21 de abril e de 1 de julho de 2022, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.

 

Posição da Requerente

 

A Requerente entende que tendo a B... incorrido encargos financeiros, na importância de € 508.256,73, relativos a partes de capital que detinha, em 31 de dezembro de 2013, na sociedade C..., S.A. , e que nos exercícios anteriores – entre 2010 e 2013 – não tinham sido deduzidos ao lucro tributável, em observância do disposto no artigo 32.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), em conjugação com a Circular da Direção de Serviços do IRC n.º 7/2004, de 30 de março, lhe assiste [à B...] o direito a recuperar, em 2014, a dedução desses encargos financeiros, em virtude da revogação do citado artigo 32.º, n.º 2 do EBF.

 

Em traços gerais, a Requerente destaca que assiste esse direito à B... por resultar, quer do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, quer da Circular que o complementou, que o afastamento da dedução de encargos financeiros relativos à aquisição de partes de capital é indissociável da aplicação do benefício fiscal aí igualmente previsto para a transmissão dessas partes de capital. Donde, revogado este regime fiscal especial (do artigo 32.º, n.º 2 do EBF) para as SGPS, com efeitos a 1 de janeiro de 2014, acompanhado da perda de qualidade de SGPS da B..., deve recuperada a dedutibilidade dos encargos financeiros que havia sido afastada, cautelarmente, ex ante, no decurso dos anos precedentes.

 

A Requerente estabelece um paralelismo entre as situações previstas pela Circular n.º 7/2004 como permitindo a consideração fiscal dos encargos financeiros acrescidos no passado, relativas à “impossibilidade de, no momento da venda, se aplicar o regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF [por falta de preenchimento dos seus requisitos]”, e o caso, que qualifica de equivalente por configurar, de igual modo, uma impossibilidade definitiva, de não aplicação desse regime por revogação do mesmo.

 

Assim, da impossibilidade de aplicação do regime sustenta derivar a necessidade de reverter o afastamento da dedutibilidade inicial dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital.

 

Defende a Requerente que a interpretação atual da AT, ao rejeitar a recuperação, em 2014, daqueles encargos financeiros até aí não deduzidos desrespeita:

 

  1. Os princípios legais que regem a atividade administrativa de interpretação da lei, consagrados no artigo 8.º do Código do Procedimento Administrativo, em concreto o princípio da justiça (v. também os artigos 266.º, n.º 2 da Constituição e 55.º da Lei Geral Tributária (“LGT”)) e a vinculação da AT às suas orientações genéricas, in casu, da Circular n.º 7/2004 (v. artigo 68.º-A, n.º 1 da LGT); e
  2. O racional de neutralidade subjacente à indedutibilidade dos encargos financeiros incorridos com a aquisição de partes de capital, a qual foi estabelecida em contrapartida da exclusão de tributação das mais-valias realizadas por SGPS. Deste modo, a ratio desta disciplina não era limitar a dedutibilidade dos encargos financeiros suportados por SGPS per se, antes assegurar uma simetria: o benefício da isenção era balanceado pela não dedução dos correspetivos encargos financeiros.

           

            Ainda segundo a Requerente, em linha com o que previa a Circular n.º 7/2004 para os casos de impossibilidade por não preenchimento das condições do regime do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, os encargos financeiros em discussão devem ser acrescidos no período de 2014, pois é neste que se verifica a impossibilidade definitiva de aplicação do regime derivada da revogação do mesmo, reforçada com a perda de qualidade de SGPS da B... . Tendo em conta que a B... registou prejuízos fiscais em 2014, o agravamento do prejuízo fiscal resultante da dedução dos encargos financeiros deve também ser objeto de correção na esfera da Requerente, que incorporou, por fusão, a B..., no período de tributação de 2015.

 

Por outro lado, para a Requerente não existe nenhum problema de sucessão de leis no tempo que tivesse de ser resolvido por disposições transitórias, ao contrário do que preconiza a AT. Não é o novo regime de não tributação das mais-valias (participation exemption), aprovado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que está aqui em causa. É ainda um último efeito da lei antiga (artigo 32.º, n.º 2 do EBF) aquilo que se está a aplicar.

 

Preconiza que, independentemente do teor da nova disciplina de participation exemption entrada em vigor em 2014, a interdependência entre ónus (indedutibilidade dos encargos) e benefício (não concorrência das mais-valias e menos-valias para a formação do lucro tributável) do regime das SGPS em vigor até 2013 tem a consequência de um não se aplicar sem o outro, pelo que, desaparecido o benefício, repõe-se a dedutibilidade do encargo. Acrescenta a Requerente que a isenção de 2014, prevista para a generalidade dos contribuintes, não contém um ónus de indedutibilidade de encargos financeiros, pelo que não é a mesma que se aplicou em 2013 às SGPS.

 

Adicionalmente, considera inconstitucional o sentido normativo que a AT pretende impor, por violação dos princípios da proteção da confiança, da igualdade, da capacidade contributiva, da tributação do rendimento real e da proporcionalidade (v. artigos 2.º (Estado de direito), 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3 e 104.º, n.º 2 da Constituição). 

 

Na sequência da prolação do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de outubro de 2021, no processo n.º 97/19.0BALSB, que se pronuncia no sentido de que o direito à dedução dos encargos financeiros se pode apurar quando da ulterior efetivação das mais-valias (ou menos-valias) relativas às respetivas partes sociais, se estas não forem abrangidas pelas regras de isenção do artigo 51.º-C do Código do IRC (por não estarem reunidos os seus pressupostos), a Requerente considera definitivamente resolvida a questão da dedutibilidade dos encargos financeiros aqui em discussão no sentido que preconiza, na medida em que se tributaram as mais-valias apuradas em 2015, quando da venda das participações sociais a que dizem respeito os referidos encargos financeiros.

 

Em relação à prova do alegado, afirma ter junto prova documental que satisfaz o ónus que sobre si recai, não tendo a Requerida colocado qualquer dúvida no âmbito do procedimento administrativo prévio. Conclui que se dúvidas reais existissem, então, a Requerida devia ter usado os seus poderes instrutórios e solicitar os esclarecimentos que reputasse necessários (v. artigos 71.º e 72.º da LGT, e artigo 2.º, n.º 2, alíneas a) e d), do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira – “RCPITA”).

 

Posição da Requerida

 

            Por exceção, a Requerida invoca que o Tribunal Arbitral é incompetente para a condenação da Requerida à prática dos atos de correção de resultados fiscais (reporte de prejuízos fiscais para os exercícios seguintes), apenas podendo conhecer da legalidade dos atos tributários, de acordo com o disposto no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, cabendo à AT, em caso de procedência da ação, definir os termos em que deve ser executado o julgado anulatório (v. artigos 100.º da LGT e 24.º do RJAT).  Para este efeito, suporta-se em jurisprudência do Tribunal Central Administrativo (“TCA”) e arbitral. Conclui, em relação a esta pretensão, pela absolvição da instância (v. artigos 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT). 

 

            Na defesa por impugnação, a Requerida sustenta e reproduz os fundamentos aduzidos na decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa, infra sintetizados:

  1. A sociedade B... deixou de assumir a forma de SGPS em novembro de 2014, pelo que esteve sujeita, até 31 de dezembro de 2013, à aplicação do regime estabelecido no artigo 32.º do EBF. Esta alteração em nada releva, porquanto nessa data já tinha ocorrido a revogação desta norma;
  2. No ponto 6 da Circular n.º 7/2004 esclarecia-se que o acréscimo dos encargos financeiros não dedutíveis nos termos do artigo 32.º do EBF, suportados com o financiamento obtido para a aquisição de partes de capital, devia ocorrer no exercício a que dissessem respeito e que, caso se concluísse, no momento da alienação das participações, pela não verificação de todos os requisitos para a aplicação de tal regime, devia proceder-se, nesse exercício, à dedução fiscal dos encargos não considerados em exercícios anteriores;
  3. A revogação do artigo 32.º do EBF coincide com a introdução generalizada do regime de participation exemption no artigo 51.º-C do Código do IRC, que mantém a possibilidade de realização de mais-valias em moldes idênticos [de não tributação] aos antes previstos para as SGPS, só que agora, de caráter universal e horizontal, i.e., também em benefício de outros sujeitos passivos de IRC, pelo que não ocorre qualquer penalização daquelas entidades;
  4. No tocante aos encargos financeiros, o legislador optou por reforçar a restrição à sua dedutibilidade prevista no artigo 67.º do Código do IRC, evitando a criação de regras especiais;
  5. Não foi introduzida qualquer norma transitória que preveja a possibilidade de dedução dos encargos financeiros acrescidos nos exercícios anteriores pelas SGPS e, contrariamente ao pugnado pela Requerente, não é impossível, desde 2014, que as mais-valias derivadas da alienação de participações detidas por SGPS beneficiem de exclusão de tributação, possibilidade que se mantém preservada pelo regime de participation exemption, ainda que com base noutro normativo legal;
  6. O regime de participation exemption é mais favorável e sucedeu, porque o substituiu, ao regime especial das SGPS, notando que, embora a revogação do artigo 32.º do EBF tenha sido promovida pela Lei n.º 83-C/2013 e não pela Lei n.º 2/2014, a sua eliminação resulta de proposta da Comissão para a Reforma do IRC;
  7. Não sendo o novo regime penalizador, não se suscita a questão da proteção do princípio da tutela da confiança;
  8. Por outro lado, a eliminação do artigo 32.º do EBF, que discriminava de forma positiva as SGPS face a outros contribuintes, não colocou essas entidades em situação globalmente desfavorável que viole o princípio constitucional da igualdade, na sua dimensão fiscal;
  9. Sobre o entendimento da AT vertido na Ficha Doutrinária, processo n.º 39/2011, sancionada por despacho do Diretor-geral de 24 de fevereiro de 2011, reporta-se aos ajustamentos de transição previstos no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, decorrentes da adoção, pela primeira vez, do Sistema de Normalização Contabilística, que entrou em vigor em 2010, não existindo paralelismo entre essa situação e a dos presentes autos;
  10. A recaptura dos encargos financeiros prevista na Circular n.º 7/2004 reporta-se ao momento (período) de alienação das partes sociais e nunca ao ano da revogação do regime das SGPS [2014];
  11. O Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre esta matéria no acórdão n.º 638/2020, de 16 de novembro de 2020, decidindo não julgar inconstitucional o artigo 210.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, “interpretado no sentido de não admitir, em consequência da revogação do artigo 32.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a dedução dos encargos financeiros suportados pelas SGPS com a aquisição de partes de capital ao abrigo desse regime, de que ainda fossem titulares em 31 de dezembro de 2013”;
  12. Ad cautelem, a pretensão da Requerente reconduz-se ao preenchimento de uma lacuna e consubstanciaria a violação do princípio da legalidade tributária e da igualdade fiscal, do princípio do Estado de direito democrático, da reserva da lei fiscal e da separação de poderes, com a consequente subordinação dos tribunais à lei, que decorrem do disposto nos artigos 2.º, 13.º, 103.º, 165.º e 202.º, todos da Constituição) com a inerente inconstitucionalidade material;
  13. É ainda materialmente inconstitucional, pela violação dos mesmos princípios, a interpretação do artigo 32.º do EBF e 68.º-A da LGT no sentido de que este último consagra caráter vinculativo às orientações genéricas e impõe a observância da interpretação adotada no ponto 6 da Circular n.º 7/2004;
  14. Ao contrário do que indicia a Requerente, não se verifica posição sedimentada de reconhecimento da dedução de encargos financeiros acrescidos no passado, tendo a jurisprudência arbitral tributária sobre esta matéria decisões divergentes;
  15. A pretensão da Requerente consubstancia uma aplicação retroativa da lei, de uma só vez, por via da imputação ao lucro tributável de 2014, de encargos suportados em exercícios anteriores, ampliando sem habilitação legal o regime especial de tributação das SGPS;
  16. A dedutibilidade dos encargos financeiros num único momento (2014) é ilegal e inconstitucional por violação do princípio da legalidade (ausência de base legal) e desrespeita o princípio da capacidade contributiva e tributação do lucro real (v. artigo 104.º, n.º 2 da Constituição), na medida em que viola o princípio da especialização dos exercícios e se abstrai da situação concreta de tributação das participações quando, no futuro, forem alienadas;
  17. Em qualquer caso, a Requerente não demonstrou os factos que invoca, diferentes dos constantes das suas declarações periódicas, que gozam de presunção de veracidade de acordo com o disposto no artigo 74.º da LGT, ónus que sobre si recai.

 

Sobre o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de outubro de 2021, no processo n.º 97/19.0BALSB, junto pela Requerente em fase de alegações, e em oposição a esta, preconiza que o mesmo constitui fundamento bastante para negar a pretensão da Requerente e julgar improcedente a ação arbitral, pois aquele não diz que é possível deduzir a totalidade dos encargos financeiros no exercício de 2014. O que o acórdão declara é que a recuperação dos encargos financeiros produz efeito quando da realização efetiva do ganho, i.e., no exercício da alienação, in casu ocorrida em 2015.

 

Argui ainda que o apelo da Requerente ao regime da participation exemption previsto no artigo 51.º-C, em fase de alegações, é extemporâneo, dado não ter sido invocado quando da apresentação da ação arbitral, nem sequer a título subsidiário, momento que seria o oportuno para expor os factos essenciais e as razões de direito que constituem a causa de pedir e fundamento da ação (v. artigos 78.º, n.º 1, alíneas e), f) e g) do CPTA; 552.º, n.º 1, alíneas d) e e) do CPC; e 108.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário – “CPPT”, aplicáveis ex vi alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

 

A Requerida entende que a jurisprudência do Supremo ora referida não constitui justificação para alegação de nova argumentação e junção de documentos, pois o mesmo entendimento já tinha sido defendido pela AT em sede de procedimento administrativo e não estamos perante documentos supervenientes, respeitantes ao exercício de 2015 (v. artigo 423.º do CPC).

* * *

Tendo sido suscitada pela Requerida a exceção de incompetência material parcial do Tribunal Arbitral, cujo conhecimento tem caráter prioritário, esta questão será apreciada logo após a fixação da matéria de facto.

 

A questão essencial a conhecer e decidir, na medida em que este Tribunal Arbitral se considere competente, é de direito e respeita a saber se a B... tem direito a recuperar, com referência ao período de tributação de 2014, a dedução dos encargos financeiros não deduzidos em exercícios anteriores ao abrigo do regime previsto no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, complementado pela Circular n.º 7/2004

           

            III.      Fundamentação de Facto

 

            1.         Matéria de Facto Provada

 

            Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

  1. A A..., Lda., aqui Requerente, é uma sociedade por quotas, de direito português, cujo objeto social consiste no estudo e desenvolvimento de projetos de energias renováveis – cf. documento 1.
  2. No ano 2015, a Requerente absorveu, por fusão por incorporação, a sociedade B..., S.A., ao abrigo do disposto no artigo 97.º, n.º 4, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”), com a transferência da totalidade do património desta última para a esfera da Requerente que, por sucessão a título universal, assumiu todos os direitos e obrigações da B...– cf. documentos 1 e 7 a 10.
  3. Esta operação de fusão foi realizada ao abrigo do regime de neutralidade fiscal previsto nos artigos 73.º e seguintes do Código do IRC, retroagindo os seus efeitos a janeiro de 2015 – cf. documentos 7 a 10.
  4. A sociedade B... havia sido constituída em 14 de outubro de 2008, sob a forma de SGPS, com a denominação social B..., SGPS, S.A., sendo então o seu objeto social a gestão de participações noutras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas – cf. documento 6. 
  5. Entre 2010 e 2013, a B... suportou encargos financeiros no valor de € 508.256,73 em relação à participação social detida na sociedade C..., S.A., que acresceu ao lucro tributável dos exercícios em que foram incorridos [entre 2010 e 2013] nas declarações Modelo 22, pelo que tais encargos não foram deduzidos para efeitos de IRC, em observância do previsto no artigo 32.º, n.º 2 do EBF e da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da Direção de Serviços do IRC – cf. documentos 7, 12 a 29.
  6. Em 31 de dezembro de 2013, a B... mantinha na sua titularidade as participações sociais detidas na sociedade C..., S.A. – cf. documentos 7 e 12 a 30.
  7. Em novembro de 2014, a B... deixou de ser uma SGPS, tendo alterado a sua denominação social para B..., S.A. e o seu objeto que passou a ser a “consultoria para os negócios e gestão, investimentos financeiros, elaboração de estudos e projetos financeiros, consultoria e prestação de serviços relativos a organização, administração e gestão, bem como a gestão de quaisquer investimentos financeiros” – cf. documento 2. 
  8. Em 27 de maio de 2015, a B... apresentou a declaração Modelo 22 de IRC relativa ao período de tributação de 2014, sendo o resultado apurado um prejuízo fiscal no montante de € 218.704,34 – cf. documento 3.
  9. Esta declaração deu origem à liquidação de IRC n.º 2015..., de 10 de julho de 2015, que reconhece prejuízos fiscais de € 218.704,34 e determina o valor a reembolsar de € 4.311,61, parcialmente impugnada nos presentes autos – cf. documentos 3 e 4.
  10. Inconformada com a autoliquidação de IRC de 2014, na parte em que não contempla a dedução fiscal dos encargos financeiros suportados com a participação social detida na sociedade C..., S.A., a Requerente deduziu Pedido de Revisão Oficiosa – cf. PA.
  11. A Requerente foi notificada do projeto de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa, para efeitos de exercício do direito de audição, contendo o mesmo a seguinte fundamentação – cf. PA:

3.2. A MATÉRIA EM QUESTÃO.

Estão em causa no presente pedido, os encargos financeiros suportados com a aquisição pela B..., SA […], de partes de capital na sociedade C..., SA “, acrescidos nas DM22 de exercícios anteriores ( vide campo 779 ), num total de 508.256,73 €, conforme se d[i]scrimina no Quadro seguinte :

Exercício

Valores acrescidos

2010

27.947,18 €

2011

54.388,82 €

2012

82.935,17 €

2013

342.985,55 €

Total

508.256,72 €

 

Refere que estes encargos foram apurados de acordo com a metodologia prevista na Circular da AT nº 7/2004.

Considera o contribuinte, por um lado que, atendendo ao facto de, em Novembro de 2014, a B... ter alterado o seu objeto social, perdendo, deste modo, a sua qualidade de SGPS, tem direito a deduzir em 2014, o montante de encargos financeiros em questão.

Entende ainda que, os mesmos devem ser deduzidos no referido exercício de 2014, uma vez que, tais encargos foram suportados com participações que não foram transmitidas durante o período de vigência do artigo 32º do EBF, e, consequentemente, não deram origem a qualquer Mais ou Menos - valia que pudesse ter beneficiado do mesmo regime.

Ora, com referência a esta matéria, temos de referir o seguinte:

A Lei nº 2/2014 de 18 de Janeiro que procedeu à reforma do IRC, introduziu no nosso ordenamento jurídico o denominado regime de participation exemption, o qual, no tocante às mais e menos - valias realizadas com a transmissão onerosa, expandiu o método de isenção “, anteriormente aplicável às SGPS previsto no artigo 32º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a todos os sujeitos passivos de IRC que exerçam a título principal comercial ou industrial ou agrícola, desde que cumpridos todos os pressupostos de aplicação estabelecidos no artigo 51º - C do CIRC.

Recorde - se que o estatuído no nº 2 desse artigo 32º do EBF previa que :

 . Não concorrem para a determinação do lucro tributável as Mais e Menos - valias realizadas pelas SGPS na alienação de partes sociais, desde que tais participações sociais fossem detidas por um período não inferior a um ano ( 1ª parte desse nº 2 ).

 . Em paralelo, também não contribuíam para a formação do lucro tributável, os encargos financeiros suportados pelas SGPS para a aquisição dessas mesmas partes sociais ( 2ª parte do nº 2 ).

O início deste regime de participation exemption, determinou a revogação do regime fiscal das SGPS ( cfr. artigo 210º da Lei nº 83º - C, de 31 de Dezembro ), em virtude de o mesmo ter passado a abranger todas as sociedades independentemente da natureza jurídica que apresentam.

No que se refere aos encargos financeiros que se encontravam limitados quanto à sua dedutibilidade na previsão legal do artigo 32º do EBF, na reforma do IRC, por uma questão de simplicidade, o legislador optou por reforçar a restrição à dedutibilidade de gastos de financiamento prevista no artigo 67º do CIRC, evitando, assim, a criação de mais regras especiais limitativas da respetiva dedutibilidade.

Portanto, para a globalidade dos sujeitos passivos de IRC, a partir de 01.01.2014, a dedutibilidade dos encargos financeiros depende, exclusivamente do cumprimento dos requisitos exigidos no artigo 67º ( nos casos em que as participações sociais reúnam os requisitos do regime de participation exemption ) e no artigo 23º ( nos outros casos ), ambos do CIRC.

Posto isto e reportando - nos agora ao caso em concreto, refira - se que a fusão por incorporação da B..., SA, na requerente, ocorrida em 2015, não foi objeto de tributação uma vez que, conforme se indica na petição, trata - se de uma operação enquadrada no regime de neutralidade fiscal, com efeitos retroativos à data de 1 de Janeiro de 2015.

Conforme, já referenciado antes, o regime fiscal das GPS previsto no artigo 32º do EBF foi revogado em 2014, em razão de as bases em que o regime assentava terem sido transpostas para o CIRC, integrando o novo regime de participation exemption aplicável à globalidade dos sujeitos passivos de IRC que exerçam a título principal uma atividade comercial industrial ou agrícola desde que reúnam as condições previstas no regime.

Para as SGPS, o artigo 51º - C do CIRC apresentava - se como uma modificação legislativa num contexto normativo mais amplo, revelando - se, para estas sociedades, um processo evolutivo contínuo relativamente ao que antes se processava, quer ao nível da transmissão de partes sociais, quer ao nível do tratamento dos encargos financeiros suportados com as referidas partes sociais.

Para as outras sociedades (neste caso para a B..., porquanto a partir de Novembro de 2014, a mesma perdeu a qualidade de SGPS ), o regime constituía uma Lei nova.

No entanto, com a entrada em vigor deste regime de participation exemption, a B... e a requerente enquanto sociedade incorporante da mesma, continuaram a beneficiar a partir de 2014, observadas as condições impostas no artigo 51º - C do CIRC, da não tributação das Mais - valias fiscais eventualmente realizadas com a alienação das partes sociais.

Ora, tendo em conta o princípio do acréscimo ( parágrafo 22 da estrutura concetual do SNC ) e da periodização do lucro tributável ( artigo 18º do CIRC ), apenas é possível a dedução, ao lucro tributável, os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais nos períodos de tributação em que os mesmos ocorram.

Ou seja, os factos tributários em causa ocorreram com o vencimento dos encargos financeiros, entre 2010 e 2013, e à data, os mesmos não eram dedutíveis, nos termos do nº 2 do então artigo 32º do EBF, por se relacionarem com partes sociais abrangidas pela norma.

Face ao exposto, os encargos financeiros suportados nos períodos compreendidos entre 2010 e 2013, não deduzidos pela B..., SA, por aplicação da limitação prevista no artigo 32º do EBF e calculados de acordo com o método estabelecido na Circular nº 7/2004 de 30 de Março, não podem vir a ser fiscalmente considerados pela requerente no período de tributação de 2014,  porquanto, não existe qualquer norma legal que o permita, mesmo invocando-se que no período não apurou quaisquer Mais ou Menos valias que beneficiassem do regime previsto no ex – artigo 32º do EBF.

Refira se igualmente que, com a revogação do artigo 32º do EBF e criação do regime de participation exemption, não foi introduzida qualquer norma transitória que previsse a possibilidade de dedução dos encargos financeiros anteriormente acrescidos pelas SGPS.

A requerente invoca no presente pedido, o Acórdão do CAAD nº 754/2016 – T, servindo de suporte ao entendimento de que, ao ter perdido em Novembro de 2014 a qualidade de SGPS, tem direito a deduzir nesse ano os encargos não deduzidos nos exercícios anteriores, uma vez que, não se mostravam reunidos os requisitos do regime, nos termos do disposto no nº 6 da Circular no 7/2004.

Ora, não nos parece que tal decisão possa ser convocada para a situação aqui em apreço, desde logo porque, no caso da mesma, a perda da qualidade de SGPS, ocorreu ainda durante o período de vigência do anterior regime previsto no artigo 32º do EBF, ou seja, no exercício de 2013 ( vide início da página 20 do referido Acórdão ).

No presente caso, a perda de qualidade de SGPS, ocorreu em 2014, ano que já estava em vigor o regime de isenção na tributação das Mais ou Menos - Valias ( regime de participation exemption ).

 

CONCLUSÕES.

Em face de tudo o antes referido, não se vislumbra que na situação em referência, tenha ocorrido qualquer erro imputável aos Serviços, conforme se estipula na parte final do artigo 78º da LGT.

Assim sendo, propõe - se que o dirigente máximo do Serviço não autorize a pretendida revisão oficiosa de IRC do exercício de 2014.”

  1. Este Pedido de Revisão Oficiosa foi indeferido, após exercício do direito de audição, por despacho de 11 de fevereiro de 2021 da Chefe de Divisão da Direção de Serviços do IRC, por subdelegação de competências, contendo a seguinte apreciação final – cf. documento 5 e PA:

“O entendimento da DSIRC sobre a presente matéria e expresso já em várias Informações, é o de que, os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital e acrescidos para efeitos de determinação do resultado tributável em sede de IRC, nos moldes definidos na Circular nº 7/2004, não podem ser deduzidos nos exercícios com início a partir de 1 de Janeiro de 2014.

            E isto porque, com a entrada em vigor do regime de “ participation exemption “ pela Lei nº  2/2014 de 16 de Janeiro ), e consequente revogação do artigo 32º do Estatuto dos Benefícios Fiscais ( EBF ) pelo artigo 210º da Lei nº 83º - C/2013 de 31 de Dezembro ( Lei do Orçamento de Estado para 2014 ), a dedutibilidade dos encargos financeiros passou a enquadrar - se nas limitações aos gastos de financiamento previstas no artigo 67º do CIRC.

De outro modo, as regras que permitiam a isenção de tributação das mais - valias obtidas com a alienação de partes de capital, ao abrigo do disposto no ex – artigo 32º do Estatuto dos Benefícios Fiscais ( EBF ), continuaram a existir para além de 01.01.2014, mas de uma forma mais abrangente, ou seja, não se aplicando somente às SGPS mas à globalidade de todas as sociedades comerciais.

De referir que, a Lei nº 2/2014, embora seja datada de 16.01.2014, o facto é que produz efeitos desde 01.01.2014, conforme vem regulado no seu artigo 14º.

Em face do antes disposto, julgamos assim, não estarmos perante regimes distintos, conforme quer fazer crer na presente situação, o sujeito passivo.

O pretendido pela requerente, de ver deduzidos no exercício de 2014, os encargos financeiros incorridos com as participações sociais que à data de 1.12.2013 figuravam no seu Balanço, só seria possível se o legislador tivesse resolvido este problema de sucessão de leis no tempo mediante disposições transitórias, o que, como é patente não aconteceu.

E, se o legislador não o fez é porque entendeu que aos encargos financeiros suportados por SGPS com a aquisição de partes sociais não lhes deveria ser aplicável qualquer disposição transitória.

É que a supra citada Lei n.º 2/2014, que procedeu [à] reforma da tributação das sociedades, contém no seu artigo 12.º um conjunto de disposições finais e transitórias mas que é omisso relativamente à matéria em causa.

Registe-se que a Comissão para a Reforma do IRC de 2013, cujo relatório final e propostas está na origem da referida lei, em momento algum refere a necessidade de um regime transitório para tratar os encargos financeiros suportado pelas SGPS na aquisição de partes sociais em balanço à data de 31 de Dezembro de 2013.

Das várias refer[ê]ncias às SGPS, retiramos a páginas 109, do relatório final, “uma vez que o novo regime ( participation exemption ) também consome o regime fiscal previsto para as SGPS, e atendendo a que estas não lograram atingir o objetivo originariamente proposto de se afirmarem como veículo de investimento fiscalmente competitivo no plano internacional, propõe-se a eliminação do artigo 32.º do EBF, recomendando ainda que seja extinto o regime jurídico - societário destas entidades, hoje previsto no Decreto-lei n.º 495/88, de 30 de dezembro”.

E mais adiante, a páginas 183, a propósito da despesa fiscal relacionada com a exclusão de tributação aplicável às mais-valias e menos-valias obtidas por SGPS, entende a Comissão que “…a eliminação deste regime não se traduziria na captação de um montante equivalente de receita fiscal, na medida em que, na sua ausência, um número elevado das operações que dele beneficiam não seriam concretizadas, ou o seriam por via que, usando configurações alternativas, produziriam resultados idênticos”. Acrescenta ainda a Comissão que “a criação de um regime de participation exemption, justificada neste relatório … traduzir-se-á na transposição para o Código do IRC de um modelo de tributação dos rendimentos de partes de capital que mantém, no essencial, as vantagens que o Estatuto dos Benefícios Fiscais concedia a este tipo de entidades”.

De acordo com o exposto, verifica - se afinal que, é a própria Comissão de Reforma da Tributação das Sociedades que estabelece um elo de ligação entre o anterior regime fiscal atribuível [à]s SGPS e o novo regime de “ participation exemption “.

Quanto à referência efetuada e que é a própria AT que admite a dedutibilidade dos encargos financeiros associados à aquisição de partes die capital, vide 2ª parte do Ponto 6 da Circular nº 7/2004, devemos referir que neste aspeto, as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos nºs 610/2017 - T, 377/2018 - T, 496/2018 - T e 580/2018 - T, não corroboram esse entendimento, assim como o voto de vencido do arbitro João Menezes de Leitão proferido no âmbito do processo arbitral nº 342/2018 - T.

Transcreve - se de seguida, o que se refere a este propósito no 1º dos Acórdãos citados :

“ Em primeiro lugar, independentemente do valor jurídico da referida circular, a situação dos autos não se inscreve na previsão da norma do parágrafo 6 da referida Circular, em especial, da segunda parte, cujo teor, recorde-se, é o seguinte “(…) Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.”

Com efeito, assiste, neste aspeto razão à Requerida no sentido de que a revogação só por si do regime fiscal das SGPS não pode ser equiparado à situação de falta de preenchimento de requisitos para a aplicação do regime de exclusão de tributação de mais-valias previsto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, não constituindo, nessa medida, um requisito de desaplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF relativamente a factos ocorridos na sua vigência.

Realce-se que uma das condições exigidas para a aplicação da referida norma é “ o momento da alienação das participações “, condição relevante atendendo ao binómio incindível subjacente ao artigo 32.º, n.º 2, do EBF, entre encargo financeiro não dedutível/realização de mais-valias isenta.

No caso em apreço esse binómio não existe. Existem apenas encargos financeiros não dedutíveis, dado que a Requerente não terá alienado até essa data as participações financeiras, Por conseguinte, não se verifica a condição essencial de que depende a aplicação do n.º 6 da Circular 7/2004: alienação de participações financeiras que pudesse beneficiar do regime do n.º 2 do artigo 32.º do EBF até 2013”.         

Com respeito ao princípio do acréscimo e da periodização do lucro tributável, mantêm - se válidas as razões apontadas em sede de Projeto de decisão, ou seja que os encargos financeiros devem ser deduzidos, por obediência ao disposto no Parágrafo 22 da Estrutura Concetual do SNC e artigo 18º do CIRC, nos exercícios a que dizem respeito ( no caso em apreço, exercícios de 2010 a 2013 inclusive ), não havendo a partir de 01.01.2014, qualquer disposição legal que permita a dedução desses encargos financeiros não deduzidos anteriormente.

No exercício deste Direito de audição refere - se por fim, não se concordar quando a AT menciona que o caso analisado na decisão proferida o processo 754/2016 não é de todo equiparável ao caso da exponente, uma vez que, aquele tem a ver com o facto de uma sociedade ter deixado de revestir a natureza de SGPS m 2013, e o caso da “ B... “ a perda da qualidade de SGPS ocorreu já em Novembro de 2014.

No entanto, a requerente não apresenta qualquer razão plausível que sustente essa sua não concordância.

Conforme se explicitou no Projeto de decisão, não pode haver equiparação entre a situação em apreço nos presentes Autos e o caso subjacente ao Acórdão nº 754/2016 de 14.07.2017.

É que, no caso da “B...“ a sua perda de qualidade de SGPS, ocorreu em 2014, altura em que já tinha sido revogado o regime previsto no artigo 32º do EBF, só podendo a dedução dos encargos financeiros ser aceite fiscalmente nos termos dos requisitos do regime de participation exemption, e não do regime anterior.

 

CONCLUSÕES.

 

Por tudo o exposto, afigura-se-nos que não poderá ser atendida a pretensão da recorrente de ver deduzidos os encargos financeiros suportados e acrescidos no passado ( no total de 508.256,72 € ), relativamente às partes de capital detidas a 31 de Dezembro de 2013, ao resultado tributável apurado com referência ao período de 2014.

E, assim sendo, deve o Projeto de Decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa ser convertido em definitivo.”

  1. Mantendo a discordância em relação ao ato tributário de autoliquidação de IRC impugnado, na parte referente à não dedução dos supra mencionados encargos financeiros incorridos com a participação social na sociedade C..., S.A., e à decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa que a confirmou, a Requerente apresentou no CAAD, em 8 de julho de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral na origem da presente ação – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.

 

2.         Fundamentação da Decisão da Matéria de Facto e Factos não Provados

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica dos documentos juntos aos autos por ambas as Partes, conforme referenciado em relação a cada facto enumerado no ponto antecedente, e nas posições por estas assumidas em relação aos mesmos.

 

Sobre a alegação da Requerida de que a Requerente não demonstrou os factos constitutivos do direito que invoca, importa notar que a documentação junta permite concluir diversamente (pontos E e H da matéria de facto), como aliás, a própria Requerida reconheceu no procedimento administrativo, pois consta da fundamentação da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa, como factualidade assente na perspetiva da AT, que a Requerente não deduziu fiscalmente (por via do respetivo acréscimo no Quadro 7 – linha 779 – da declaração Modelo 22 de IRC), no decurso dos períodos de tributação de 2010 a 2013, os encargos financeiros no valor de € 508.256,73 incorridos com a participação social na sociedade C..., S.A. (ponto 3.2 do projeto, conforme transcrito no facto K supra)[1].

 

Não se deram como provadas, nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

IV.      Saneamento

 

1.    Incompetência Material (Parcial)

 

A Requerida invocou a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, por considerar que a pretensão de condenação à correção de resultados fiscais, com o reporte para os exercícios seguintes, extravasa o âmbito delimitado pelo artigo 2.º do RJAT, que circunscreve as pretensões que podem ser conhecidas e decididas na jurisdição arbitral à declaração de ilegalidade de atos tributários e de atos (destacáveis) de fixação da matéria coletável ou de valores patrimoniais e, implicitamente, de atos de segundo ou de terceiro grau que tenham por objeto atos destes tipos.

 

A este respeito, convém relembrar que a Requerente deduz múltiplas pretensões, abrangendo: a) a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa; b) a declaração de ilegalidade parcial do ato de autoliquidação de IRC da B..., referente ao período de tributação de 2014, na parte em que considera o excesso de base tributável (encargos financeiros não deduzidos de € 508.256,73); e c) o consequencial reporte de prejuízos fiscais para os exercícios seguintes, incluindo a respetiva transmissibilidade para a esfera da Requerente.

 

            Começando por apreciar a pretensão da alínea c), entende este Tribunal assistir razão à Requerida quando afirma que a mesma não tem cabimento na jurisdição arbitral, de acordo com os artigos 2.º do RJAT e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, sem prejuízo de vir a ser uma consequência da pronúncia anulatória (se for o caso) a nível de execução de julgados, que deve ser retirada e concretizada pela AT e não pela pronúncia jurisdicional arbitral cujos poderes são apenas cassatórios. Assim, quanto a esta pretensão, é procedente a exceção de incompetência material arguida pela Requerida. 

 

            Porém, o mesmo não se dirá da declaração de ilegalidade do Pedido de Revisão Oficiosa e (parcial) do ato tributário de (auto)liquidação de IRC (alíneas a) e b) supra), pretensões que se inscrevem no âmbito da jurisdição arbitral, por estarem abrangidas na previsão do artigo 2.º do RJAT, como não é sequer posto em crise pela Requerida, que suscita apenas a incompetência parcial.

 

À face do exposto, este Tribunal julga procedente a exceção dilatória de incompetência (parcial) para conhecer da pretensão da condenação da Requerida relativa ao consequencial reporte e transmissibilidade de prejuízos fiscais (v. artigos 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea a) do CPTA, 278.º e 577.º do CPC, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT), com a consequente absolvição da instância da Requerida neste segmento.

 

No mais, em relação às pretensões das alíneas a) e b), considera-se este Tribunal Arbitral regularmente constituído e competente em razão da matéria para conhecer das ilegalidades imputadas ao ato de autoliquidação de IRC acima identificado e à decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa que sobre o mesmo recaiu (v. artigos 2.º, n.º 1 do RJAT e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

           

            2.    Valor da Causa

 

            No pedido de constituição do Tribunal Arbitral a Requerente indicou como valor da utilidade económica do pedido e, portanto, como valor do processo € 116.899,04.

 

            Por despacho de 25 de julho de 2022, foi oficiosamente suscitada pelo Tribunal a questão do valor da causa, nos seguintes termos:

  1. De acordo com o disposto no artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), a taxa de arbitragem é determinada em função do valor da causa (n.º 1) e deve ser paga, em 50%, antes de formulado o pedido de constituição do tribunal arbitral (n.º 2) e, nos remanescentes 50%, antes da data de emissão da decisão arbitral (n.º 4).
  2. No pedido de constituição de tribunal arbitral, a Requerente indicou como valor da utilidade económica do pedido e, portanto, como valor do processo, € 116.899,04 (cento e dezasseis mil oitocentos e noventa e nove euros e quatro cêntimos).
  3. No entanto, atento o objeto dos autos (pedido e causa de pedir), constata este Tribunal Arbitral que não está em causa a discussão sobre um montante concreto de IRC a pagar, que à data dos factos (período de tributação de 2014) era inexigível, pois a sociedade B..., S.A. registava prejuízos fiscais. Neste processo arbitral, o que a Requerente visa atacar é o ajustamento à matéria tributável, no valor de € 508.256,73 (quinhentos e oito mil duzentos e cinquenta e seis euros e setenta e três cêntimos), referente ao exercício de 2014, e o consequente acréscimo aos prejuízos fiscais declarados da B..., S.A. desse período de tributação e reportáveis.
  4. É, assim, aplicável o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea b) do CPPT, para o qual o artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT opera uma remissão expressa, pelo que o valor da causa deve ser fixado nessa quantia de € 508.256,73, que se considera o valor da utilidade económica do pedido. Assim, a taxa de arbitragem correspondente é de € 7.956,00 (sete mil novecentos e cinquenta e seis euros).”

Como resulta do estatuído no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o valor da causa é fixado na sentença nos processos em que não haja lugar a despacho saneador.

 

A fim de solucionar a questão da determinação do valor da causa no caso concreto, afigura-se que, em face da causa de pedir e do pedido densificados no pedido de pronúncia arbitral, são potencialmente aplicáveis, in casu, as normas constantes das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT.

 

Nas situações em que a causa de pedir está alicerçada na alegada ilegalidade de uma liquidação, o valor da causa corresponderá, por direta aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada, conforme se peticione, respetivamente, a sua anulação total ou parcial.

 

No entanto, conforme decidido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão proferido em 17.01.2019, no processo n.º 62/18.4BCLSB (que aqui seguimos de perto), «para que a alínea a) possa ser aplicável é necessário que estejam reunidas duas condições: (i) que haja liquidação que determine um montante de imposto a pagar superior a zero e que (ii) essa liquidação seja impugnada.

            É que a norma apela a um conceito restrito de liquidação, isto é, refere-se ao resultado positivo da operação aritmética de aplicação de uma determinada taxa de imposto à matéria colectável e não propriamente a essa operação aritmética. Caso contrário cair-se-ia no absurdo de em situações em que não se apura imposto a pagar se admitir que o valor da causa pudesse ser igual a zero.

            Dito de outro modo, no sentido em que o termo liquidação é usado na norma ele só pode ter como escopo a exigência do pagamento de um imposto; por conseguinte, a norma é imprestável para resolver os casos em que não existindo imposto a pagar, ou existindo não é impugnado, apenas se pretende atacar a fixação da matéria colectável (…).»    

 

             Por sua vez, a alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT aplica-se, apenas, nos casos em que o objeto da impugnação são atos de fixação da matéria tributável tout court, ou seja, nos casos em que essa fixação não é acompanhada da liquidação de um tributo.

 

            Como salienta o citado aresto do Tribunal Central Administrativo Sul, «a aplicação residual da alínea b) aos casos de fixação de matéria tributável sem liquidação de imposto determina um valor da causa que não tem correspondência com a utilidade económica do pedido, sendo muito superior a esta. Na verdade, a utilidade económica corresponde apenas ao valor do imposto que o contribuinte poderá deixar de pagar com a correcção da matéria tributável; não corresponde ao montante corrigido.

Contudo, a conclusão inevitável que resulta da interpretação desta norma é de que o valor da causa corresponde ao valor contestado da matéria tributável, apesar de, como observa Jorge Lopes de Sousa, a sua redacção poder gerar potenciais casos de desigualdade no tratamento dado a situações aparentemente semelhantes, consoante haja ou não lugar a liquidação de imposto a pagar. Mas a opinião deste autor é, (…), vertida numa perspectiva de iure condendo e não de iure condito.»

 

Retomando a situação concreta, atenta a causa de pedir vertida no pedido de pronúncia arbitral, constata-se que não está efetivamente em causa a discussão sobre um qualquer montante concreto de IRC a pagar em relação ao período de tributação de 2014, caso em que o valor da causa corresponderia a esse montante. Neste processo arbitral, o que a Requerente contesta é a matéria coletável de € 508.256,73, referente ao exercício de 2014, que pretende ver reduzida, com o consequente acréscimo aos prejuízos fiscais acumulados e reportáveis desse ano.

 

Em síntese, além de a Requerente não ter questionado qualquer montante de imposto a pagar, resulta do ato de autoliquidação impugnado que nada foi exigido a título de IRC porque não existiram lucros na esfera da B... no exercício de 2014, mas sim prejuízos.

 

É certo que, como se diz no sobredito aresto do Tribunal Central Administrativo Sul, “o reconhecimento do prejuízo fiscal na amplitude reclamada pelo impugnado conduz à possibilidade desse incremento no prejuízo ser reportado e tributado nos exercícios seguintes. Mas a utilidade económica imediata do pedido não é o equivalente ao montante de imposto que o impugnado poderá hipoteticamente deixar de pagar, seguramente inferior ao montante das correcções impugnadas. A utilidade económica imediata advém da (também) hipotética utilização do montante dos prejuízos em exercícios futuros. Hipotética visto que a sua utilização está dependente de circunstâncias contingentes, que poderão ou não verificar-se.

Por isso não nos parece correcto que se afirme que tal utilidade económica imediata é igual ao imposto que deixará de ser pago. Na definição clássica de imposto este é tido como a imposição coactiva de uma prestação patrimonial, sem natureza sinalagmática; fazer equivaler o hipotético montante do imposto que a impugnada embolsaria no futuro (por não ter de o pagar) ao valor da causa equivale a substituir o conceito de utilidade económica imediata por uma virtual desoneração do sacrifício futuro que o imposto representa para o contribuinte.

[…] Bem vistas as coisas, o que se pretende evitar é que as correcções não permaneçam na ordem jurídica, com o fito do respectivo montante poder, eventualmente, ser fiscalmente usado a favor do impugnado no futuro, diminuindo o lucro tributável e evitando assim o pagamento do imposto correspondente ao seu valor.

Por conseguinte, a utilidade económica que resulta da anulação das correcções não é imediata.

Donde, a utilidade económica imediata só poder ser aferida pelo valor das correcções impugnadas, na medida em que o prejuízo que as mesmas representam passa a integrar imediatamente o leque de direitos do impugnado se este obtiver ganho de causa. Dito de outro modo, a utilidade económica imediata não é nem pode ser o hipotético valor do imposto futuro, que nem se sabe se vai ser liquidado.

Por isso toda a construção do valor do processo, assente numa realidade hipotética, virtual, incerta pela natureza das coisas, não se adequa ao conceito de utilidade económica imediata”.

 

Impõe-se concluir que a determinação do valor da causa, no caso concreto, não pode ser feita por via da aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, mas, antes, por apelo à alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, relativamente à qual entendemos, tal como foi sufragado no sobredito Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, que «a letra da lei não deixa margem para dúvidas: quando não tenha havido liquidação (no sentido de imposto a pagar) ou o imposto liquidado não seja impugnado, o valor da causa é igual ao valor contestado da fixação da matéria tributável.  

[…] basta compararmos a teleologia associada à alínea a) e à alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do CPPT, para imediatamente se concluir que o legislador deste diploma disse na alínea b) o que efectivamente queria dizer.

Se na alínea a) não há dúvidas de que a utilidade económica do pedido corresponde ao montante de imposto impugnado e já liquidado, ou seja, a quantia certa e líquida que na procedência da impugnação o impugnante deixará de pagar ou lhe será devolvida, já na alínea c) não é o montante do imposto que representa o valor da causa mas antes o valor patrimonial contestado, que servirá para o cálculo desse imposto.

Quer isto dizer que nestes dois casos o legislador se guiou por um critério objectivo na determinação do valor da causa, com o horizonte posto na utilidade económica do pedido; se assim é nestes dois casos, então por que razão a determinação do valor da causa, no caso da alínea b), devia ser fixada com base em critérios subjectivos […]?

Não cremos que tenha sido essa a intenção do legislador. Também na alínea b) se constata que este pretendeu consagrar um critério objectivo de determinação do valor da causa, baseado numa realidade com expressão monetária: o valor contestado da matéria tributável.

[…]

Em resumo, para resolver o problema do valor da causa relativo a impugnações da matéria colectável em que não haja imposto a pagar ou em que a liquidação (do imposto) não seja impugnada – situação que quadra no caso presente –, deve aplicar-se a alínea b) do artigo 97.º-A, do CPPT e não, como já se demonstrou, a alínea a).

Por outro lado, como já se concluiu que esta alínea b) impõe que a determinação do valor da causa se faça segundo o critério objectivo nela consagrado, fica arredada a possibilidade dessa determinação ser feita em função de um critério subjectivo na disponibilidade do contribuinte.»

 

No mesmo sentido se pronuncia o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de outubro de 2020, no processo n.º 062/18.

 

Nestes termos, fixa-se o valor da causa, por aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, no montante de € 508.256,73 que representa o valor da aludida correção à matéria tributável de IRC, referente ao exercício de 2014, da B... .

 

Há, assim, lugar ao pagamento, pela Requerente, do valor remanescente da taxa de arbitragem em correspondência com o valor da causa fixado.

 

            3.    Outros Pressupostos Processuais

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, tendo sido apresentado em 8 de julho de 2021, dentro do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, tendo em conta que a decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa foi notificada em 30 de abril de 2021, nos termos do disposto no artigo 39.º, n.º 10 do CPPT, na redação introduzida pela Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro.

 

 

            V.        Do Mérito

 

  1. Nota Preliminar

 

A questão substancial a decidir respeita à determinação dos efeitos produzidos pela revogação do artigo 32.º do EBF, operada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (LOE 2014), com efeitos a 1 de janeiro de 2014[2], no que diz respeito a encargos financeiros com partes de capital detidas por SGPS, à data da referida revogação, não deduzidos em exercícios anteriores por aplicação do disposto no n.º 2 do citado artigo.

 

De acordo com a tese da Requerente constitui consequência jurídica da revogação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados (e não deduzidos fiscalmente) por uma SGPS em períodos de tributação anteriores à data de entrada em vigor da referida Lei n.º 83-C/2013 [1 de janeiro de 2014], com financiamentos para aquisição de partes de capital ainda detidas em 31 de dezembro de 2013, a qual deve ocorrer no período de tributação de 2014, por ser o primeiro exercício subsequente à revogação da norma em causa.

 

Este entendimento alicerça-se essencialmente na assunção de que a indedutibilidade dos encargos financeiros vertentes era indissociável do regime de não tributação das mais-valias estabelecido no n.º 2 do referido artigo 32.º do EBF, pelo que a revogação deste último, com efeitos reportados a 2014, implica a recaptura desses encargos acumulados e não deduzidos ao longo dos anos nesse período de tributação. Conclusão que considera confirmada pela orientação consagrada na Circular n.º 7/2004, segundo a qual, se, no momento de alienação das participações sociais, se verificar a impossibilidade de aplicação do regime de não tributação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, devem ser recapturados, no sentido de deduzidos, os encargos financeiros incorridos com tais participações que até aí não tivessem concorrido para a formação do lucro tributável. Inferindo a Requerente que essa impossibilidade de aplicação do regime das SGPS ocorre de igual modo com a sua revogação, com o consequente efeito de recaptura reportado a esse momento.

Ao que se opõe a Requerida, por considerar que o regime do artigo 32.º, n.º 2 do EBF não pode mais aplicar-se em 2014, por ter sido revogado, como flui das regras de sucessão das leis no tempo, face à ausência de uma norma transitória que preveja expressamente o regime da dedução como efeito da cessação daquele regime. Adicionalmente, sustenta que a verificação da impossibilidade ou falta de preenchimento das condições de aplicação do regime do artigo 32.º, n.º 2 do EBF prevista na Circular n.º 7/2004, como fundamento da recaptura dos encargos financeiros, é aí prevista por referência ao momento da alienação das participações sociais e não outro, sendo incorreta a extrapolação de tal consequência para a situação de cessação do regime. 

 

Em fase de alegações, a Requerente vem, com a justificação do acórdão superveniente do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de Outubro de 2021, Processo n.º 97/19.0BALSB, suscitar factos novos relativos ao exercício de 2015 e requerer a junção de documentos. Verifica-se, neste âmbito, estar precludida tal possibilidade, devendo os factos ser alegados na fase dos articulados (artigo 10.º, n.º 2, c) do RJAT), exceto se supervenientes ou dentro das condições previstas no artigo 265.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, o que não é o caso, não sendo inovador o entendimento do Supremo (sobre a participation exemption), pois já tinha sido defendido pela AT em sede de procedimento administrativo (v. ainda os artigos 78.º, n.º 1, alíneas e), f) e g) do CPTA; 552.º, n.º 1, alíneas d) e e) do CPC; e 108.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT, aplicáveis por remissão das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT). Assim, têm-se por não escritos os artigos correspondentes.

 

Obter dictum, sempre se dirá que tendo os presentes autos sido constituídos para apreciação de um ato de autoliquidação reportado ao exercício de 2014, serão relevantes para este efeito os factos contemporâneos, não o sendo as ocorrências e os eventos de períodos de tributação futuros.

 

Também deve ser julgada extemporânea a junção dos documentos 2 e 3 com as alegações da Requerente, pois os mesmos não são supervenientes, atento o disposto nos artigos 10.º, n.º 2, alínea d) do RJAT, 86.º do CPTA e 423.º, n.º 2 e 425.º do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas d) e e) do RJAT, sendo aquela junção dada sem efeito.

 

            2.         Sobre os Efeitos da Revogação do Artigo 32.º do EBF – Posições em Confronto

 

Conforme salientado na decisão arbitral do processo n.º 14/2020-T, de 7 de fevereiro de 2022, esta questão tem sido apreciada pela jurisprudência arbitral, com duas correntes distintas.

 

2.1.      Jurisprudência Arbitral em Favor da Dedução dos Encargos Financeiros

 

No sentido da pretensão da Requerente, começa por referir-se a decisão arbitral proferida no processo n.º 645/2017-T, que, numa situação análoga à dos presentes autos, considera aplicável a estatuição contida no segmento final do ponto 6 da Circular n.º 7/2004: “Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime [de exclusão de tributação, previsto no artigo 32.º, n.º 2 do EBF], proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.”

 

Declara-se neste aresto que, com a revogação, antes do “momento da alienação das participações”, do regime especificamente previsto para as SGPS no artigo 32.º do EBF, impõe-se concluir que, com caráter definitivo, o mesmo não mais poderá ser aplicado, por impossibilidade de verificação dos respetivos requisitos[3]. Daí que, por identidade de razões, a AT esteja vinculada a aplicar a consequência ínsita na parte final do ponto 6 da Circular, i.e., a considerar como custo fiscal, no ano da revogação, os encargos [financeiros] que não foram deduzidos em exercícios anteriores, de harmonia com o disposto no artigo 68.º-A, n.º 1 da LGT.

 Refere-se a esse propósito que o “reconhecimento como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores deve ser também acionado pela revogação do regime do 32.º [do EBF], dada a conexão entre a indedutibilidade daqueles e a exclusão de tributação estabelecida nesse regime. Assim, a impossibilidade de vir a ser aplicado um regime privilegiado a nível da alienação considerou-se justificação para que devesse ser eliminada a desvantagem referida.”

 

No sentido preconizado pela Requerente, militam ainda as decisões arbitrais dos processos n.º 285/2017-T, de 24 de maio de 2018[4], e n.º 342/2018-T, de 9 de abril de 2019, que partem do princípio de que o regime do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, tal como foi comummente interpretado, postulava uma indedutibilidade condicionada dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes sociais[5]. Sendo a condição da indedutibilidade que as mais-valias ou menos-valias geradas pela alienação dessas participações beneficiassem da disciplina de exclusão de tributação prevista no citado artigo 32.º, n.º 2 do EBF.

 

Neste contexto, a interpretação de que a revogação dessa disposição, desacompanhada de qualquer regra de direito transitório, implicaria a manutenção do regime especial de não dedutibilidade dos encargos financeiros e, em simultâneo, a perda do benefício fiscal, deixaria as sociedades gestoras de participações sociais em posição de injustificado desfavorecimento face à generalidade das sociedades, com violação do princípio da igualdade[6].

 

Salienta-se a esse respeito que “[n]ão estará aqui, assim e simplesmente, em causa uma norma especial que veda a dedução fiscal de certos custos, mas antes uma norma que consagra uma indedutibilidade não definitiva, em exercícios sucessivos, até que se verifiquem ou não determinados factos, dos quais decorra: a) a definitividade da indedutibilidade «ex ante»; ou b) a cessação daquela indedutibilidade.[7]

 

A decisão arbitral do processo n.º 342/2018-T, alicerça-se na diferente natureza da disciplina estabelecida pelo artigo 32.º, n.º 2 do EBF e do novo regime da participation exemption que passou a constar do artigo 51.º-C do Código do IRC.

 

Considera que o regime revogado, do EBF, constituía um benefício fiscal, portanto uma medida de caráter excecional, instituída para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes, superiores aos da própria tributação que impediam[8].  A participation exemption faz parte integrante do regime geral do IRC e do modelo de tributação dos rendimentos de partes de capital[9]. Foi a “constatação geral da limitação da «eficiência do regime utilizado, a nível nacional, para eliminação da dupla tributação»[10], que levaram a Comissão de Reforma a propor «a adoção de um regime participation exemption de cariz universal (i.e., aplicável ao investimento independentemente do país ou região em que este se materialize, salvo as indispensáveis normas anti-abuso) e horizontal (aplicável tanto à distribuição de lucros e de reservas, quanto às mais-valias, e, bem assim, às diversas operações suscetíveis de serem consideradas substitutos próprios destas operações)»” [11].

 

Sendo que, como argumenta o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 139/2016, “tentando apurar a igualdade substancial de posições jurídicas - no pressuposto de que só duas posições materialmente iguais ou equivalentes podem servir de parâmetro para aferir de um tratamento desigual -, não pode afirmar-se, de modo algum, que tal ligação exista entre uma relação que conduz à tributação-regra e uma outra relação que conduz à concessão ou não concessão do benefício fiscal.”

 

Assim, o regime da participation exemption não é uma continuação do regime anterior vertido no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, mas um regime novo de diferente natureza substancial, tendo sido determinado por razões próprias e específicas. De onde se retira que, para efeitos de aplicação da lei no tempo, não se possa nem deva falar em sucessão de leis, pois o que ocorreu foi a revogação de um regime com a consagração de outro, 17 dias após, de âmbito e natureza distintos, em diplomas autónomos.

 

A compreensão dos gastos financeiros com participações sociais não deduzidos (fiscalmente) como sujeitos a uma indedutibilidade antecipada ou ex ante, diretamente condicionada ao gozo do benefício fiscal, pilar da constitucionalidade do regime do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, não permite que se considere que essa indedutibilidade se consolidou por efeito da revogação do artigo 32.º do EBF. Nem tão-pouco que se mantenha uma indedutibilidade “suspensa” até se verificar se as participações sociais subjacentes aos encargos financeiros em questão irão gerar ou não mais-valias tributáveis, pois, para tal, seria necessário o sustentáculo legal da produção desse efeito, que inexiste e que sempre esbarraria na distinta natureza dos regimes que se sucederam.

 

Preconiza-se, em síntese, que a 1 de janeiro de 2014 “a norma especial (relativa a benefícios fiscais) que impunha a indedutibilidade dos gastos financeiros, ora em causa, deixou de vigorar, pelo que deixou de condicionar (de ser aplicável) ao juízo de dedutibilidade ou indedutibilidade de tais gastos. E que “A manutenção da indedutibilidade ex ante ou condicionada dos gastos em causa, não resulta igualmente quer da Lei n.º 83- C/2013, de 31/12, quer da Lei n.º 2/2014, de 16/01, que, quer uma quer outra, não contém qualquer disposição transitória, dispondo sobre tal questão.” [12]

 

Pelo que só se o regime instituído pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, dispusesse, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2014, que se mantinha a indedutibilidade condicionada até aí imposta pelo artigo 32.º do EBF, poderia considerar-se legalmente suportada tal solução, o que não sucedeu.

 

Da lei nova resulta apenas que aos encargos financeiros das SGPS suportados a partir de 2014, também serão de aplicar as normas em vigor desde 1 de janeiro de 2014, ou seja, a regra geral do artigo 23.º do Código do IRC com a limitação prevista no artigo 67.º deste diploma. Deste modo, a lei nova não comina qualquer limitação aos gastos suportados anteriormente a 2014.

 

Sobre o momento da dedução, nota-se que na interpretação genericamente aceite e executada do artigo 32.º, n.º 2 do EBF nunca foi questionado que a dedução fiscal deveria ser efetuada no exercício em que cessasse a indedutibilidade ex ante, como resulta da leitura da própria Circular n.º 7/2004.

 

Nesse caso, e bem assim naquele que nos ocupa (materializado na revogação do regime jurídico do artigo 32.º do EBF), o facto jurídico apenas ocorreu em 2014, pelo que os gastos inerentes devem ser dedutíveis nesse exercício. Se porventura se entendesse que o princípio da especialização dos exercícios, conforme consagrado no artigo 18.º do Código do IRC, representava um obstáculo a este entendimento, por hipotética incompatibilidade com as regras de periodização económica, seria de qualquer modo convocável a jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo, segundo a qual deve ser permitida a imputação de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais com o objetivo de operar a transferência de resultados entre exercícios[13].

 

Sobre uma eventual retroatividade, considera-se não verificada, pois o que está em causa é extrair os efeitos jurídicos da revogação total (e não meramente parcial) do regime das SGPS face a gastos financeiros caracterizados por uma (in)dedutibilidade fiscal suspensa. Pelo contrário, entende-se que “a pretensão da AT […] é que mantém os gastos em questão no referido status jurídico de indedutibilidade ex ante, que resultava do regime do art.º 32.º/2 do EBF, após a revogação deste, e sem norma que disponha nesse sentido.”

 

Por outro lado, a indedutibilidade ex ante dos encargos financeiros não é enquadrável como “custo de formação de uma futura vantagem [correspondente à não tributação das mais-valias associadas]”, “mas antes como o efeito de um facto impeditivo da dedutibilidade daqueles gastos, decorrente da referida norma”. Todavia, mesmo que se aceitasse essa tese [do custo/vantagem], “o custo da vantagem prevista no mesmo regime não é o mesmo que estava previsto no regime anterior, dado que, como se viu, do novo regime apenas decorre a indedutibilidade dos gastos incorridos de 2014 em diante, e não em períodos anteriores àquele”. Inexiste qualquer norma vigente para o exercício de 2014 que faça a associação entre os encargos financeiros não deduzidos anteriormente àquele ano e as mais-valias que se venham a gerar daí em diante.

 

Deve, de acordo com esta tese, partir-se do pressuposto de que existem normas gerais que disciplinam a dedutibilidade dos gastos, e que, verificados os requisitos gerais, nomeadamente os previstos no artigo 23.º do Código do IRC, apenas poderá ser afastada pelas regras da periodização económica ou por uma norma especial. E é a ausência de tal norma que deve conduzir à conclusão – que se impõe à luz dos princípios da legalidade e da tipicidade a que obedece a lei fiscal – de que se o legislador quisesse que as SGPS tivessem um tratamento mais desfavorável, comparado com o dos restantes sujeitos passivos, deveria dizê-lo. Seria “afrontoso do princípio da legalidade […] qualificar, no exercício de 2014, os gastos em questão como indedutíveis (ex ante ou definitivamente), sem qualquer norma que sancione tal qualificação”.

 

Para além disso […], não existe um nexo causal exclusivo entre a isenção da tributação de mais valias prevista pelo art.º 32.º/2 do EBF e a indedutibilidade ex ante, também decorrente do mesmo artigo, já que tal regime implica, igualmente, um tratamento mais desfavorável, em relação ao regime geral contemporaneamente vigente, no que diz respeito à tributação de dividendos e à consideração como gastos das menos-valias, tratando-se, assim, de um regime global, com um conjunto de equilíbrios e contrapesos, que não pode ser, simplesmente, reduzido a uma troca, entra a desconsideração de um gasto e a não tributação de um ganho. […] não há qualquer continuidade ou expansão de regimes, formal, substancial ou teleológica, mas antes a revogação de um, e a criação de outro, distinto, que tornou redundante o primeiro.”

 

2.2.      Jurisprudência Contrária à Dedução dos Encargos Financeiros

 

Em sentido oposto, identificamos as decisões arbitrais n.ºs 610/2017-T, de 17 de setembro de 2018, 377/2018-T, de 28 de fevereiro de 2019, 580/2018-T, de 4 de julho de 2019, 496/2018-T, de 27 de novembro de 2019, e 14/2020, de 7 de fevereiro de 2022.  Estas pronunciam-se no sentido de que a revogação do artigo 32.º do EBF não se enquadra na previsão do ponto 6 da Circular n.º 7/2004, por não ser equiparável à falta de preenchimento dos requisitos para a aplicação do regime de exclusão de tributação das mais-valias, quando este estava ainda em vigor.

 

Segundo este entendimento, a Circular n.º 7/2004, apesar de possuir eficácia vinculativa para a AT, pelo seu caráter de ato regulamentar interno, não vincula os tribunais, que têm de aferir da legalidade da atuação administrativa em função das normas e princípios jurídicos aplicáveis ao caso concreto, porquanto a ilegalidade do ato impugnado não pode resultar do incumprimento de uma orientação genérica, mas unicamente da violação da lei.

 

Acrescenta-se que a revogação do disposto no artigo 32.º do EBF teve como contrapartida a introdução do regime de participation exemption previsto no novo artigo 51.º-C do Código do IRC, aditado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, de onde resulta que as SGPS continuam a beneficiar da não sujeição a tributação das mais-valias de participações sociais. E, nesse sentido, a sucessão dos regimes legais não afronta o princípio da igualdade ou da proteção da confiança.

 

Com efeito, o legislador substituiu o regime constante do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, “que implicava uma vantagem (isenção de mais-valias da alienação de participações sociais) e uma desvantagem (indedutibilidade de custos de financiamento para a aquisição dessas participações sociais), por um outro critério que permite que as sociedades possam beneficiar não apenas da isenção de mais-valias como também da dedução dos encargos financeiros segundo o regime geral, o que se traduz num benefício adicional relativamente ao regime precedente[14]

 

Assinala-se, por outro lado, que o legislador previu normas transitórias para as situações de entrada em vigor da lei nova, “pelo que, se tivesse querido salvaguardar a dedução da totalidade dos encargos financeiros no ano de 2014, tê-lo-ia previsto na Lei que revogou o artigo 32.º do EBF ou, no limite, na Lei da Reforma do IRC[15]. Não tendo sido estabelecida uma norma transitória sobre os encargos financeiros não deduzidos ao abrigo da lei antiga, não pode o intérprete criar essa norma transitória, admitindo a dedução dos referidos encargos financeiros, na totalidade, no exercício de 2014.

 

Conceder provimento à dedução dos encargos financeiros, sem a verificação da condição legalmente imposta (alienação das participações sociais) e independentemente do regime fiscal dessa alienação seria admitir a dissociação, para o passado, entre os encargos financeiros não deduzidos e as mais-valias isentas, solução essa que não encontra apoio no regime anterior nem foi salvaguardada pelo atual e representaria a “a configuração ex nihilo de uma disposição transitória material[16]”, sem respaldo em disposição legal aplicável.

 

Admite-se que possa ocorrer uma recaptura e dedução dos encargos financeiros não deduzidos relacionados com participações financeiras no exercício futuro em que as participações sociais sejam alienadas, se a transmissão não vier a beneficiar, a final, da isenção de mais-valias prevista no artigo 51.º-C do Código do IRC. “Só então se poderá equacionar a invocação a favor da pretensão da Requerente dos princípios constitucionais da igualdade, da tributação pelo lucro real e da proteção da confiança[17].”                                          

 

  1. Regime Adotado – a Jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo

 

3.1.      Quadro Legal 

 

O enunciado do artigo 32.º, n.º 2 do EBF[18], conforme a redação resultante do artigo 144.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro rezava nos seguintes moldes: “As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades” (redação que, em substância, remonta à Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, cujo artigo 38.º alterou o artigo 31.º do EBF, que foi após renumerado como artigo 32.º pela republicação do EBF efetuada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho). 

 

Este preceito foi revogado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (LOE 2014), produzindo efeitos a 1 de janeiro de 2014.

 

Em 16 de janeiro de 2014, foi publicada a Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro (Lei da Reforma do IRC) que aditou o artigo 51.º-C ao Código deste imposto, também com produção de efeitos a 1 de janeiro de 2014 (nos termos do artigo 14.º da mencionada Lei), que, com relevo para a matéria dos autos dispunha no seu n.º 1 o seguinte:

1 - Não concorrem para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português as mais e menos-valias realizadas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e independentemente da percentagem da participação transmitida, de partes sociais detidas ininterruptamente por um período não inferior a 24 meses, desde que, na data da respetiva transmissão, se mostrem cumpridos os requisitos previstos nas alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 51.º, bem como o requisito previsto na alínea d) do n.º 1 ou no n.º 2 do mesmo artigo.”

 

Interessa, por fim, considerar o n.º 6 da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, que dispunha nos seguintes termos:

“Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correção fiscal dos que tiverem sido suportados com as aquisições de participações que sejam suscetíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no artigo 31.º, n.º 2, do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias, caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.” (sublinhado nosso)

 

3.2.      Acórdão do STA, de 20 de Outubro de 2021, Processo n.º 97/19.0BALSB

 

A revogação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, operada pelo artigo 210.º da LOE 2014, não foi, como acima já referido, acompanhada por qualquer norma de direito transitório, pelo que, para além de ser inequívoco que em 1 de janeiro de 2014 esse regime deixou de vigorar, a solução que se retira não implica a repristinação dos referidos encargos e a sua dedução à matéria coletável (da Requerente) com referência ao período de tributação em que a alteração legislativa produziu efeitos. 

 

É esta a interpretação linear que se retira da mencionada substituição de regimes. A questão subsiste, porém, em relação à recaptura dos encargos a deduzir no momento em que se verificar a alienação das participações sociais conexas, nos moldes preconizados pela Circular n.º 7/2004.

 

Sobre este ponto, a resposta da jurisprudência consolidada e recente do Supremo Tribunal Administrativo é no sentido afirmativo, devendo a dedução fiscal (dos encargos financeiros acumulados) reportar-se ao período de tributação em que as participações são transmitidas, se as mais-valias ou menos-valias daí decorrentes concorrerem para a formação do lucro tributável, por não serem abrangidas pela disciplina de isenção do artigo 51.º-C do Código do IRC. Este entendimento começou por ser sufragado no acórdão (do Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 20 de outubro de 2021, proferido no processo n.º 97/19.0BALSB, fundamentado nos seguintes termos:

 

VII. O diploma que extinguiu o regime fiscal das SGPS, constante do artigo 32.º (em particular o n.º 2) do EBF – Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro – não criou, ao menos expressamente, qualquer regime transitório destinado a acautelar a mudança de soluções fiscais daí decorrente. E o mesmo se diga da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que aprovou a Reforma do IRC.

Tal dado jurídico – que parece ser absolutamente inquestionável para ambas as Partes – importa uma outra consequência relevante mas já menos unânime: os diplomas ou regras de interpretação que desenvolvem e densificam o respectivo regime ou o interpretam encontram-se igualmente revogados nessa exata medida e nesse preciso momento, não sobrevivendo a tal ocorrência. É o que sucede com a Circular n.º 7/2004, da DSIRC, de 30 de Março, não se demonstrando com que fundamentos possa a mesma vigorar para além do diploma que a própria interpreta.

Mas, e mesmo que assim não sucedesse – e fosse, portanto, possível justificar a sobrevivência do regime da Circular à revogação da respectiva legislação habilitante (o que, insiste-se, não se vê como possa suceder) – sempre acresce que, e olhando à aventada norma do Ponto 6 da Circular n.º 7/2004, da DSIRC, de 30 de Março, não se vislumbra a possibilidade de tal suceder por aplicação direta do mesmo (ou sequer por analogia, acaso a mesma fosse possível), atenta a redação estrita do citado ponto 6:

“Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correcção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art.º 31º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.”

Entendemos, por isso, ser inevitável daqui concluir que, da mera revogação do regime fiscal até então aplicável não se pode fundar uma equiparação da situação dos autos com a de uma “alienação” da participação social. E, a este respeito, sempre importará sublinhar, respondendo ao argumento da Recorrente, que a interpretação dada pela AT no Despacho de 24 de Fevereiro de 2011 do Director-Geral dos Impostos, exarado no Processo n.° 39/2011 (a propósito da não aplicabilidade do regime à valorização das partes sociais ao Justo Valor, e motivada por razões evidentes e notórias de Justiça Fiscal material [por se tratar de uma perda definitiva do benefício da isenção], aqui manifestamente não aplicáveis) apenas tem valor no estrito âmbito do processo em que foi decidido, não se vendo como possa aqui ser replicado.


Por último, registe-se que, por regra, o legislador não está vinculado à manutenção ad eternum de um determinado regime fiscal, seja ele benéfico ou prejudicial; e que só não será assim por ponderosas razões de tutela da confiança, sempre carentes de demonstração in casu – questão a que adiante se voltará.

Daqui decorre, portanto, uma inevitável consequência: não existe, por força de qualquer norma em vigor à data da formulação do peticionado, um suporte jurídico expresso capaz de sustentar a leitura que defende a recuperação dos encargos financeiros incorridos com a aquisição de participações sociais e não deduzidos à data da revogação do regime das SGPS por mero efeito, precisamente, desta mesma revogação.


VIII. Vertendo, agora, à questão decisiva da sucessão dos regimes.

Entende a Recorrente (e estriba aí grande parte da sua argumentação) que não existe qualquer relação entre o regime especial das SGPS e o regime geral que lhe sucedeu da DeelnemingVrijstelling (também conhecido pela designação inglesa de regime de Participation Exemption), vertido nos artigos 51.º e ss. do Código do IRC, em especial o artigo 51.º-C, onde se prevê a isenção genérica (para todas as empresas, portanto, e não reservada a certos tipos societários como até então) das mais-valias com participações sociais verificados certos requisitos.

Esta leitura é, salvo o devido respeito, errada e exclusivamente assente num formalismo hermético.


Apesar de os diplomas legais que aprovaram este regime e revogaram aquele outro serem distintos – e houve boas razões de Legística para que tal assim sucedesse – os mesmos encontram-se estruturados de modo nitidamente sucedâneo, desde logo na sua aplicação no tempo, com a entrada em vigor da Reforma do IRC de 2014 a retroagir os seus efeitos ao primeiro dia do ano de 2014 (cfr. artigo 14.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.


Mas, no mesmo sentido, pontua o facto de o novo regime ser imediatamente aplicável às participações sociais já detidas por quaisquer sujeitos passivos (incluindo, portanto, as SGPS) à data do início da sua produção de efeitos, em nítido contraste com o que sucedeu, por exemplo, com os regimes previstos nos novos artigos 45.º-A e 50.º-A do Código do IRC, os quais viram a sua aplicação condicionada unicamente aos ativos adquiridos ou registados após o dia 1 de Janeiro de 2014 – cfr., expressamente, o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 12.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.

Em suma, as participações sociais detidas pelas SGPS passaram a ser imediatamente sujeitas ao regime da Participation Exemption pela simples entrada em vigor deste último.

IX. Mas também assim se passam as coisas sob uma análise de fundo.
Com efeito, e atento o respectivo âmbito, forçoso é concluir que o ulterior regime da Participation Exemption veio consumir a esmagadora maioria das situações previstas no regime das SGPS no que à isenção respeita, sendo altamente reduzidas as circunstâncias em que uma SGPS não possa beneficiar do regime da Participation Exemption vertido no artigo 51.º-C do Código do IRC.

Com efeito, este generoso regime geral não só abrange todos os tipos societários que detenham quaisquer partes sociais potencialmente geradoras de mais e menos-valias, como abrange ainda partes sociais de sociedades situadas em qualquer ponto do planeta (excecionadas as zonas offshore), apenas excluindo grosso modo – face ao regime das SGPS a que sucedeu - as mais-valias e menos-valias obtidas por referência a posições de partida traduzidas em participações sociais de pequena monta (inferiores a 10% actualmente, 5% à data da aprovação do regime) ou, ainda, as respeitantes a sociedades imobiliárias. E tal proximidade de regimes não pode ser, simplesmente, ignorada.

Foi, precisamente, isto que o legislador veio esclarecer na motivação da Reforma do IRC de 2014, como se extrai do Relatório da respectiva Comissão: “Pelos motivos expostos, a Comissão de Reforma propõe a adoção de um regime participation exemption de cariz universal (i.e., aplicável ao investimento independentemente do país ou região em que este se materialize, salvo as indispensáveis normas antiabuso) e horizontal (aplicável tanto à distribuição de lucros e de reservas, quanto às mais-valias, e, bem assim, às diversas operações suscetíveis de serem consideradas substitutos próprios destas operações). …

[A] adoção do novo regime de participation exemption veio tornar redundantes, na perspetiva da Comissão de Reforma, diversos regimes fiscais especiais atualmente existentes. Por esta razão, propõe-se a eliminação dos seguintes regimes:


c) uma vez que o novo regime também consome o regime fiscal previsto para as SGPS, e atendendo a que estas não lograram atingir o objetivo originariamente proposto de se afirmarem como veículo de investimento fiscalmente competitivo no plano internacional, propõe-se a eliminação do artigo 32.º do EBF, recomendando ainda que seja extinto o regime jurídico-societário destas entidades, hoje previsto no Decreto-lei n.º 495/88, de 30 de dezembro; por razões de idêntica natureza, julga-se apropriada a revogação do artigo 32.º-A (sociedade de capital de risco e investidores de capital de risco) do mesmo EBF…” – cfr. COMISSÃO DE REFORMA DO IRC 2013, Uma Reforma do IRC orientada para a Competitividade, o Crescimento e o Emprego – Relatório Final, ps. 104, 108-9.

Acresce a isto que, e levando o raciocínio da Recorrente ao limite, qualquer alteração material de natureza restritiva ao regime das SGPS ocorrida na vigência deste precipitaria imediatamente e sem mais o direito à recuperação de todos os encargos financeiros incorridos na aquisição das partes sociais detidas à data pela SGPS, sem qualquer consideração acerca da efetiva consumação da perda do benefício da isenção fiscal com o qual a não dedutibilidade se encontra intimamente ligada. O mesmo se pretende nos presentes autos: as SGPS recuperariam os encargos financeiros não deduzidos, independentemente de virem a beneficiar da isenção no regime sucedâneo. O que não é justificável.

Em resumo, serão raríssimos os casos em que o apuramento de uma mais-valia ou menos-valia com a alienação de uma parte social por parte de uma SGPS estaria incluída no regime anterior, mas excluída do regime que lhe sucedeu e ainda hoje perdura. E tal não pode ser, sem mais, ignorado.

Temos, por isso, que sob um ângulo de análise substancial, há uma nítida continuidade de regimes, a qual foi devidamente considerada pelo legislador e não pode ser ignorada pelo intérprete, sem prejuízo de o regime que passou a vigorar a partir de 2014 se revelar mais favorável no que respeita à questão da dedutibilidade dos encargos financeiros.


X. Por outro lado, impõe-se alertar para que, só uma vez concretamente demonstrada a eventualidade de a SGPS vir a registar uma mais-valia não tributada – a não abrangência, portanto, pelo regime de isenção da Participation Exemption para mais e menos-valias aquando da realização efetiva do ganho – se poderá justificar a solicitação da reposição dos encargos financeiros incorridos com a aquisição das correspondentes partes sociais pela própria SGPS, numa lógica de tutela da confiança. Na verdade, e contrariamente ao sustentado pelo Recorrente, fazer operar um tal princípio num cenário de pura abstracção, em desconsideração absoluta pela efetiva verificação (ou não) do dano decorrente da suposta quebra da confiança é não só incoerente como dogmaticamente insustentável.

É que, a demonstração de um dano concreto é imposta, desde logo, pelo elemento sistemático – que domina tendencialmente a actividade hermenêutica nas legislações codificadas: que só no momento de realização da venda (ou outra “transmissão onerosa” que se encontre prevista no n.º 5 do artigo 46.º do Código do IRC) e perante circunstâncias factuais justificadoras da tutela do investimento de confiança se pode ter por verdadeiramente demonstrado (ou não) o pressuposto subjacente à indedutibilidade dos encargos financeiros: a abrangência por um regime de isenção, seja este o do regime SGPS ou o do regime Participation Exemption.

Aliás, a não ser assim, nada impediria que, uma vez recuperados os gastos financeiros incorridos com a aquisição de partes sociais, estas mesmas partes sociais viessem a ser, ulteriormente, alienadas com isenção das respetivas mais-valias e menos-valias, assim juntando as vantagens da não aplicação do antigo regime com as vantagens da aplicação do novo regime e mesclando a gosto. E gerando, ainda, uma outra assimetria temporal de efeitos que não se vê como possa ter sido pretendida pela Lei: a plena dedução (rectio, recuperação) dos encargos financeiros incorridos pelas SGPS até 2014 contrastaria com a das demais empresas, as quais, ou não beneficiavam de qualquer isenção para mais-valias e menos-valias até 1 de Janeiro de 2014 ou, já com o novo regime, continuam sujeitas a constrangimentos quanto à dedução de encargos financeiros (vd., por exemplo, artigo 67.º do Código do IRC).

Em conclusão, julgamos ser de concluir que só vislumbrando agregadamente os regimes que, em termos sucedâneos, regularam as isenções de mais-valias e menos-valias de partes sociais antes e depois de 1 de Janeiro de 2014 se pode lograr uma solução fiscal justa e sistematicamente coerente.


XI. Dir-se-á, ainda, que a dedutibilidade dos encargos financeiros terá sempre de ocorrer em respeito pelas regras da especialização económica; quer dizer que, salvo regra especial para o efeito – ou interpretação vinculativa da AT, por força do artigo 68.º-A, n.º 1 da LGT, como sucederia com o Ponto 6 da Circular 7/2004, da DSIRC – será no momento do decaimento patrimonial efectivo (o ano em que foram incorridos) e não no momento da cessação do regime fiscal da SGPS que poderiam ser deduzidos os encargos financeiros assumidos por estas entidades com a aquisição das participações sociais – cfr. artigo 18.º, n.º 1 do Código do IRC, sendo designadamente inaplicável o circunstancialismo do n.º 2 desse mesmo normativo.

Assim, a imputação temporal de tal lançamento só pode ser questionado quando o pressuposto legal que o fundou se tenha (ulteriormente) demonstrado por efectivamente não verificado, impondo a correção do mesmo.


XII. Por tudo isto, e ao invés do sustentado pela Recorrente, o que tem lugar no presente caso é a existência de um pressuposto de enquadramento fiscal – a isenção de tributação das mais-valias e menos-valias – cuja não verificação, aquando (e apenas aquando) do momento da alienação das partes sociais, impõe efeitos resolutivos gerais; e tal implica – à semelhança das condições resolutivas, em geral – a devolução dos encargos financeiros necessários à aquisição de tais partes sociais e que não foram deduzidos ao longo dos vários exercícios anteriores atento precisamente tal pressuposto.

Com efeito, há uma correlação incindível entre a assunção de encargos financeiros incorridos e não deduzidos com a aquisição de um determinado ativo (as partes sociais) e a subsequente realização não tributada do ganho (mas que pode ser perda, recorde-se) obtido com a alienação desse mesmo ativo. É esta coerência singular – e única, aliás, que explica a conformidade da não dedução de tais encargos com o princípio fundamental da tributação pelo lucro real – que explica todo o regime fiscal; e ela explica que se tenha de diferir para o momento da realização o apuramento (ou não) do efeito resolutivo relativo aos respectivos encargos financeiros, traduzido na sua recuperação fiscal.

Ora, é também esta coerência que fundamenta as exigências de tutela da confiança, as quais se explicam com o investimento de confiança do contribuinte nesta relação de dependência (invertida, diríamos), na qual a eventual não aplicação da solução de isenção fiscal (independentemente do regime que a consagra ser o das SGPS ou o regime da Participation Exemption) das mais-valias mobiliárias em causa implica a recuperação dos correspondentes encargos financeiros incorridos e não deduzidos, sem carecer de um “ato de criação de lei” como alega o Recorrente. Sucede que uma tal conclusão só pode retirar-se, precisamente, quando o evento gerador da mais-valia se verifique e não aquando da cessação de um regime que é, de imediato, sucedido por outro de natureza sucedânea.

Assim sendo, o efeito resolutivo justificador da recuperação dos encargos financeiros não deduzidos incorridos com a aquisição das partes sociais (desvantagem) apenas se terá por verificado aquando da transmissão onerosa das mesmas – ocorra ela na vigência do actual regime da Participation Exemption ou de regime que lhe suceda – e apenas uma vez verificada a inaplicação em concreto do benefício da isenção (vantagem).


XIII. A tutela da confiança que esta solução confere é manifestamente suficiente, não se justificando a devolução em bloco de todos os encargos financeiros incorridos com a aquisição da totalidade das partes sociais de que as SGPS eram titulares à data da revogação do regime anterior e início da produção de efeitos do novo regime.

Esta última solução, pretendida pela Recorrente como forma de neutralizar integralmente os efeitos da mudança do regime fiscal relativamente aos encargos financeiros com partes sociais – da regra da indedutibilidade no regime SGPS para a regra de dedutibilidade (ainda que ligeiramente condicionada) no Código do IRC – vai muito além do que a tutela da confiança impõe, exigindo antes uma solução expressa de Direito Transitório, por parte do legislador; solução essa que, simplesmente, não existe por manifesta opção legislativa. E, a tal respeito, atenta a extensão do artigo 12.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro (que aprovou a Reforma do IRC de 2014), dificilmente se duvidará que, acaso o legislador o tivesse pretendido, teria regulado em sede de disposições transitórias a transição do regime menos favorável das SGPS para o regime mais favorável da Participation Exemption, à semelhança do que fez nos catorze números que compõem aquele dispositivo. Aliás, sempre se acrescentará que, a respeito precisamente da Participation Exemption, o legislador veio prever regras específicas transitórias nos n.ºs 3 e 12 desse artigo 12.º, quanto aos efeitos e termos de aplicação no tempo do artigo 51.º-C do Código do IRC; e, assim, parece-nos legítimo concluir que, se não quis regular a problemática da transição de regimes nos termos invocados pela Recorrente foi porque, manifestamente, entendeu não o fazer.

Acresce, por último, que uma vez assim apurada, i.e., no momento da efetivação do ganho (ou perda) não isentos – ao invés do momento da cessação do regime – esta correção é ainda susceptível de ser utilizada por todas as empresas que tenham encargos financeiros indevidamente não deduzidos, contrariamente à solução interpretativa avançada pela Recorrente, a qual impediria de tal direito as SGPS que não tenham reclamado das liquidações de IRC relativas ao ano de 2014.”

 

A posição acabada de expor foi sufragada em acórdãos subsequentes daquele Supremo Tribunal, referindo-se, a título de exemplo, os proferidos nos processos n.º 011/21.2BALSB, de 26 de janeiro de 2022 e n.º 0147/21.0BALSB, de 26 de maio de 2022, ambos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário.

 

Compulsando a situação dos autos, a Requerente pretende deduzir os encargos financeiros vertentes fundada na revogação do regime do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, com referência ao ano em que esse regime cessou [2014], circunstância [referimo-nos à revogação] que, nos moldes acima enunciados, não constitui pressuposto válido para a recaptura dos encargos financeiros.

 

Para que assista à Requerente o direito à recaptura da dedução fiscal dos ditos encargos, em relação ao ano da autoliquidação de IRC impugnada [2014], é necessário satisfazer dois requisitos cumulativos: que as participações da sociedade C..., S.A. (em relação às quais foram incorridos os encargos financeiros) sejam alienadas nesse período de tributação e que o tenham sido sem beneficiar do regime de isenção previsto no artigo 51.º-C do Código do IRC.

 

Porém, a Requerente não alegou, nem demonstrou a conjugação destas condições invocando, inclusivamente, em sede de alegações, que as participações da sociedade C..., S.A. foram vendidas em 2015, o que sempre implicaria que a questão tem de ser equacionada no exercício de 2015 e não naquele a que se refere o ato tributário (autoliquidação de IRC) parcialmente contestado nesta ação, reportado ao período de 2014.

Em relação à perda de qualidade de SGPS da B... e ao pretendido paralelismo com a situação decidida no processo arbitral n.º 754/2016, de 14 de junho de 2017, interessa sublinhar que não é de acompanhar a tese da Requerente, em virtude de esse facto ter ocorrido em momento posterior ao da cessação de vigência do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, contrariamente ao caso apreciado no citado processo n.º 754/2016. Assim, quando a B... deixou de adotar a forma de SGPS já tinha ocorrido a revogação da norma que consagrava o regime especial das SGPS e encontrava-se em vigor o novo regime que é transversal a todas as sociedades, sejam ou não SGPS.

 

Pelas razões expostas, não pode proceder a pretensão da Requerente de deduzir fiscalmente os encargos financeiros incorridos com as participações da sociedade C..., S.A. à matéria coletável de IRC da B... no ano 2014.

 

3.3.      Jurisprudência Constitucional

 

A Requerente considera inconstitucional o sentido normativo que se preconiza por violação dos princípios da proteção da confiança, da igualdade, da capacidade contributiva, da tributação do rendimento real e da proporcionalidade (v. artigos 2.º (Estado de direito), 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3 e 104.º, n.º 2 da Constituição). 

 

Contudo, o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre esta matéria no acórdão n.º 638/2020, de 16 de novembro de 2020, para o qual se remete, decidindo não julgar inconstitucional o artigo 210.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, “interpretado no sentido de não admitir, em consequência da revogação do artigo 32.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a dedução dos encargos financeiros suportados pelas SGPS com a aquisição de partes de capital ao abrigo desse regime, de que ainda fossem titulares em 31 de dezembro de 2013”.

 

Entendimento reiterado na Decisão Sumária n.º 665/2021, de 29 de outubro de 2021, concluindo o Tribunal Constitucional que não existe violação destes princípios constitucionais, nos seguintes moldes:

22. O artigo 32.º, n.º 2, do EBF – que correspondia ao artigo 31.º, na redação anterior à republicação pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho –, dispunha, na redação vigente à data em que foi revogado (dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro), o seguinte:

Artigo 32.º

Sociedades gestoras de participações sociais (SGPS)

(…)

2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

(…)»

 

O artigo 210.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, revogou este preceito sem mais, com efeitos a 1 de janeiro de 2014 (artigo 260.º da Lei n.º 83-C/2013), não sendo possível encontrar no Relatório que acompanha a proposta de Orçamento do Estado para 2014 qualquer menção específica a esta alteração.

Todavia, nesse documento encontra-se já referência à iminente reforma do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, adiante designado «CIRC»), esclarecendo-se que a captação de investimento estrangeiro, tida como essencial para potenciar o crescimento económico do país, seria uma prioridade. Afirma-se a tal propósito nesse Relatório: «Os fatores fiscais não são os únicos a determinar a decisão de investimento. Contudo, uma reforma profunda e abrangente do IRC (a par das outras reformas estruturais aprovadas por este Governo) desempenha um papel decisivo no aumento da competitividade da economia portuguesa e na afirmação de Portugal como destino favorável ao investimento estrangeiro.» (cf. a p. 66 do Relatório, disponível em: https://www.dgo.gov.pt/).

Aquela reforma profunda e abrangente viria a efetivar-se com a aprovação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, tendo sido precedida da criação de uma Comissão para a Reforma do IRC (cf. o Despacho n.º 66-A/2013, de 2 de janeiro). Esta Comissão elaborou o Relatório intitulado Uma Reforma do IRC orientada para a Competitividade, o Crescimento e o Emprego (disponível

 em https://www.occ.pt/fotos/editor2/relatorioirc.pdf), tornado público em julho de 2013, no qual se recomendava a alteração do regime aplicável às SGPS, já que este «não acrescenta[va] competitividade em termos internacionais, promovendo distorções comportamentais na adoção deste tipo de estruturas que são geradoras de custos de transação» (v. a p. 30). Esta alteração insere-se, por sua vez, numa reforma mais ampla, desenvolvidamente explicada no mesmo Relatório (a páginas 102-109) nos termos que se seguem:

«A temática da tributação de acordo com o princípio da territorialidade convive de perto com as preocupações relativas à eliminação da dupla tributação económica, nacional e internacional, na medida em que o método da isenção, expressão por excelência do princípio da territorialidade, é uma das técnicas conhecidas para evitar que o mesmo resultado económico seja tributado mais do que uma vez. (…)

No entanto, quando comparado com as legislações congéneres da União Europeia, verifica-se que a eficiência do regime utilizado, a nível nacional, para eliminação da dupla tributação é extremamente limitada.

Veja-se, por um lado, que as regras vigentes em Portugal não se aplicam genericamente a mais-valias (com exceção do regime das SGPS), para além de que, mesmo no caso das distribuições de lucros, a sua aplicação se encontra restrita aos lucros oriundos da União Europeia, dos restantes países que compõem o Espaço Económico Europeu e da Suíça, assim como às distribuições de dividendos ocorridas internamente.

A isto acresce que, em Portugal, não vigora um método alternativo para eliminação da dupla tributação económica, nem a título de regime-regra opcional, nem como switch-over clause. (…)

Às insuficiências apontadas acresce ainda a extrema permeabilidade das regras atualmente vigentes a comportamentos de substituição, o que determina, muitas vezes, a criação adicional de relevantes custos de transação associados a considerações de eficiência pós-impostos, afastando a estruturação dos negócios daquele que seria o curso normal da atividade económica caso a sua tributação não constituísse uma variável relevante na decisão de investimento.

A este propósito, é possível invocar dois exemplos: de um lado, a referida assimetria no tratamento fiscal que é conferido às distribuições de dividendos e às mais-valias; de outro, o tratamento, também assimétrico, que é dado aos lucros obtidos no estrangeiro através de uma filial e aos lucros obtidos através de um estabelecimento estável, nomeadamente através de uma sucursal.

Quanto ao primeiro ponto, a literatura económica tem considerado que a realização de mais-valias e a distribuição de dividendos são duas formas alternativas de aportação de valor aos acionistas, sendo concebidas como substitutos próximos, em função da sua inerente substituibilidade relativa. Nestes termos, considera-se que um tratamento fiscal discrepante entre estas duas formas de realização do rendimento é suscetível de influenciar a decisão fundamental de detenção de capital nas empresas, modificando, desta forma, o comportamento “natural” dos agentes económicos, ou, por outras palavras, criando ineficiências. (…)

Pelos motivos expostos, a Comissão de Reforma propõe a adoção de um regime participation exemption de cariz universal (i.e., aplicável ao investimento independentemente do país ou região em que este se materialize, salvo as indispensáveis normas antiabuso) e horizontal (aplicável tanto à distribuição de lucros e de reservas, quanto às mais-valias, e, bem assim, às diversas operações suscetíveis de serem consideradas substitutos próprios destas operações). (…)

(…) [A] adoção do novo regime de participation exemption veio tornar redundantes, na perspetiva da Comissão de Reforma, diversos regimes fiscais especiais atualmente existentes. Por esta razão, propõe-se a eliminação dos seguintes regimes:

(…)

c) uma vez que o novo regime também consome o regime fiscal previsto para as SGPS, e atendendo a que estas não lograram atingir o objetivo originariamente proposto de se afirmarem como veículo de investimento fiscalmente competitivo no plano internacional, propõe-se a eliminação do artigo 32.º do EBF, recomendando ainda que seja extinto o regime jurídico-societário destas entidades, hoje previsto no Decreto-lei n.º 495/88, de 30 de dezembro; por razões de idêntica natureza, julga-se apropriada a revogação do artigo 32.º-A (sociedade de capital de risco e investidores de capital de risco) do mesmo EBF; (…).»

 

Na concretização da referida reforma, a Lei n.º 2/2014 aditou ao CIRC o seu atual artigo 51.º-C, no qual, em matéria de transmissão onerosa de participações sociais, passou a dispor-se o seguinte:

 

«Artigo 51.º-C

Mais-valias e menos-valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais

1 - Não concorrem para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português as mais e menos-valias realizadas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e independentemente da percentagem da participação transmitida, de partes sociais detidas ininterruptamente por um período não inferior a 24 meses, desde que, na data da respetiva transmissão, se mostrem cumpridos os requisitos previstos nas alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 51.º, bem como o requisito previsto na alínea d) do n.º 1 ou no n.º 2 do mesmo artigo.

(…)»

 

Já os gastos de financiamento suportados com a aquisição de partes sociais passaram «numa lógica de simplicidade» (cf. a p. 107 do Relatório supracitado) a concorrer para a formação do lucro tributável em sede de IRC.

Este regime, como sintetiza Daniel Taborda, veio assim «alarga[r] a abrangência do mecanismo de eliminação da dupla tributação dos lucros recebidos e inclui[r] a isenção das mais-valias obtidas com a venda de participações sociais, outrora privativo das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), no sistema de tributação regra.» (in “Notas sobre o regime de participation exemption previsto no CIRC”, Boletim de Ciências Económicas – Homenagem ao Prof. Doutor António José Avelãs Nunes, Vol. LVII, Tomo III, 2014, p. 3258).

Conquanto o n.º 1 do artigo 51.º-C do CIRC tenha sido objeto de ulteriores alterações no que respeita às condições de isenção da tributação das mais-valias — nomeadamente no que se refere ao período de detenção das participações sociais em questão, inicialmente fixado em 24 meses e entretanto reduzido novamente a um «período não inferior a um ano», pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março —, manteve-se no essencial inalterada a isenção da tributação destes rendimentos, de que as SGPS passaram a beneficiar em termos, em geral, mais favoráveis do que aqueles que resultavam da aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF. Assim é, desde logo, porque os encargos financeiros passaram a poder ser considerados como gastos dedutíveis, nos termos gerais (cf. os artigos 23.º e 23.º-A do CIRC), ainda que com os limites impostos, no artigo 67.º do CIRC, para desincentivar o endividamento excessivo.   

23. Na verdade, o regime prescrito no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, embora sendo geralmente aceite como um benefício fiscal — porquanto, com vista à realização da finalidade extrafiscal de promover o investimento, impedia a tributação das mais-valias realizadas pelas SGPS com a alienação de participações sociais (cf. o n. 1 do artigo 2.º do EBF) —, não deixou de se revelar um benefício sui generis.

As particularidades deste benefício decorrem, desde logo, das especificidades das próprias mais-valias que, relembre-se, se caracterizam por advir de acréscimos patrimoniais incertos (expressivamente designados na literatura anglo-saxónica «windfall gains»), irregulares e geralmente dependentes do decurso do tempo, ou do arco temporal entre o momento da aquisição de bens ou ativos e o momento da sua transmissão onerosa, durante o qual tais bens podem ver o seu valor aumentado (ou diminuído). Assim também, pode ocorrer um significativo desfasamento entre o momento em que este tipo de rendimento se realiza e o(s) momento(s) em que é necessário assumir as despesas indispensáveis para a sua obtenção. Por sua vez, esse desfasamento dificilmente será assumido, sem qualquer entorse, por um sistema de tributação periódica de rendimentos em que as mais-valias se incluam. Razões de simplicidade, eficiência, neutralidade e praticabilidade podem justificar, portanto, não apenas que as mais-valias sejam tributadas no momento da sua realização (cf. o artigo 46.º, n.º 2, do CIRC), como também que os custos suportados com a obtenção desses rendimentos sejam considerados no período ou exercício em que ocorrem. 

No que respeita ao regime especialmente aplicável às SGPS até 2013, questionou-se por isso se poderia ser considerado um verdadeiro benefício o desagravamento fiscal sobre um ganho incerto, quando este vinha associado a um agravamento fiscal certo — ou seja, o agravamento resultante da não concorrência dos encargos financeiros para o apuramento do lucro tributável e dos custos associados ao cumprimento deste dever.

Quanto a esta questão, pronunciou-se este Tribunal, no Acórdão n.º 42/2014, concluindo:

«21(…) [O] argumento da incerteza da realização de mais-valia, e consequentemente da isenção da sua contribuição para a formação do lucro tributável, não comporta, neste campo valorativo, o resultado que a recorrente lhe atribui. Essa suscetibilidade – em si mesma portadora de valor e assente numa perspetiva de implícita continuidade da atividade da SGPS - persiste, ao contrário do que acontece com outros contribuintes, em termos de equilibrar – neutralizar - os encargos financeiros em que incorreu o contribuinte, cabendo na sua margem de determinação económica, no âmbito regular da atividade de gestão de participações sociais, a escolha quanto à conveniência e oportunidade da alienação de parte de capital e realização de mais-valias. Outras soluções normativas capazes de atingir o mesmo desiderato poderiam, é certo, ter sido acolhidas, mas essa escolha cabe na margem de determinação do legislador democrático, que no plano das normas de incidência negativa, como em geral no estabelecimento de benefícios fiscais (em sentido lato, na definição de Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 165, pp. 31 e segs.), haverá que reconhecer como dotada de especial amplitude, em função de maior ou menor performance  económica do setor empresarial visado e da margem orçamental a que o Estado possa recorrer.

Acresce que, no caso em apreço, intercedem especiais razões de praticabilidade e exequibilidade. Elaborando sobre as várias soluções normativas para o problema da dilação entre encargos financeiros e realização de mais-valia – critério da intenção de dedução; adoção de um princípio de dedutibilidade; adoção de um princípio de não dedutibilidade – Tiago Guerreiro afasta as duas primeiras, pelo convite à fraude fiscal e por inviabilidade de se proceder a acerto a posteriori, mormente com a apresentação de declarações de substituição relativas a períodos de imposto anteriores, conclui que “[e]sta terceira opção parece a mais viável, e consiste em os sujeitos passivos adotarem como regime regra em termos genéricos no novo regime estabelecido, e, no momento da realização, caso se verifiquem algumas das situações previstas no n.º 3 do artigo 31.º que implicam o afastamento do regime regra, então fazer as devidas correções, permitindo ao sujeito passivo considerar para a formação do seu lucro tributável os encargos financeiros suportados” (O Novo Regime Fiscal das SGPS, 2003, pp. 35 e 36).»

 

O benefício fiscal concedido ao abrigo do n.º 2 do artigo 32.º do EBF —  tendo deixado de ser temporário, por força da alteração legislativa introduzida no artigo 3.º, n.º 3, do mesmo Estatuto pelo artigo 144.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro — não deixa de apresentar um conjunto de caraterísticas que Nuno Sá Gomes qualifica como reveladoras da natureza paracontratual ou bilateral dos benefícios (v., a este respeito, os Acórdãos deste Tribunal n.º 175/2018 e 309/2018). Segundo este Autor, «sempre que estivermos perante benefícios fiscais que sejam medidas dinâmicas de fomento fiscal ainda que puras ou estabelecidas por tempo indeterminado, devemos considerá-los como benefícios paracontratuais de que emergem direitos adquiridos que devem ser respeitados», uma vez que tais medidas se revelaram «determinantes do comportamento do contribuinte» (Nuno Sá Gomes, “Teoria Geral dos Benefícios Fiscais”, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 362, p. 250).

Por conseguinte, à livre revogabilidade de benefícios com esta natureza opõem-se relevantes objeções emergentes dos princípios da segurança jurídica, da boa fé e da proteção da confiança, prima facie invocáveis também a respeito da revogação do artigo 32.º, nº 2, do EBF, já que, tal como se afirma na decisão recorrida, é inegável a existência de «uma ligação inextrincável entre os factos tributários passados, em que a Requerente não deduziu os encargos financeiros incorridos no exercício da sua atividade de SGPS com a aquisição de partes de capital de outras sociedades, que se consolidaram no passado, com os factos tributários futuros concretizados na realização das mais-valias que passaram a ser tributadas.» (cf. o n.º 25 da parte III.C.2.7).

Mas é também esta ligação que, esclareça-se já, leva a excluir a possibilidade de considerar abrangida pela proibição consagrada no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição a disposição legislativa que revogou o artigo 32.º, n.º 2, do EBF. Com efeito, tal como recentemente se reafirmou no Acórdão n.º 175/2018, «continua a poder retirar-se da orientação desde há muito sufragada na jurisprudência deste Tribunal que a proibição da retroatividade fiscal consagrada no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, para além de «sancionar, de forma automática», «a mera natureza retroativa de uma lei fiscal desvantajosa para os particulares» (Acórdão n.º 128/2009), apenas se dirige à retroatividade autêntica, abrangendo somente os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular produziu já todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga; excluídas do âmbito de aplicação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, encontram-se, por isso, as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, isto é, aquelas em que a lei nova é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede com as normas fiscais que produzem um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga, continuando a formar-se sob a vigência da nova lei (cf. Acórdão n.º 267/2017, bem como os Acórdãos n.ºs 617/2012 e 85/2013, que, por sua vez, remetem para os Acórdãos n.ºs 128/2009, 85/2010 e 399/2010).»

Produzindo efeitos a partir de 1 de janeiro de 2014 e não tangendo as mais-valias realizadas (e não tributadas) com a transmissão de participações sociais até essa data, a revogação do regime privilegiado aplicável às SGPS não pode considerar-se autenticamente retroativa, na medida em que, embora se reporte a valorizações de bens e ativos que começaram a formar-se na vigência da lei antiga,  terá repercussões sobre a posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio desta.

24. A verificação de que uma norma não contende diretamente com o disposto no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição não é suficiente, porém, para concluir pela respetiva conformidade constitucional. Assim o é porque, conforme entendimento constante deste Tribunal (cf., entre outros, os Acórdãos n.os 128/2009, 175/2018 e 309/2018), também no âmbito tributário as mutações da ordem jurídica não podem atingir as expetativas criadas ao abrigo da lei antiga em termos incompatíveis com aquele mínimo de certeza e de segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição.

Impõe-se, assim, verificar se a norma em causa efetivamente excede, tal como entendeu o tribunal recorrido, os limites decorrentes do princípio da proteção da confiança. 

Tendo em conta a anterior jurisprudência constitucional, o Acórdão n.º 309/2018, proferido em matéria fiscal, densificou tal princípio do seguinte modo:

«13. (…) [O] legislador não está impedido de alterar o sistema legal afetando relações jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no momento em que é emitida a nova regulamentação, sendo essa uma necessária decorrência da autorevisibilidade das leis. O que se impõe determinar é se poderá haver por parte dos sujeitos de direito um investimento de confiança na manutenção do regime legal (Acórdão n.º 188/09).  

Se bem que a aplicação do princípio da proteção da confiança depende, necessariamente, do confronto entre a finalidade de interesse público e as expectativas frustradas pela medida em causa, para aferir da existência de uma “situação de confiança” e do “investimento na confiança”, importa ter presente o método que a jurisprudência constitucional adota quando procede à ponderação desses interesses.

De acordo com essa jurisprudência, para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da confiança é necessário: em primeiro lugar, que as expectativas de estabilidade do regime jurídico em causa tenham sido induzidas por comportamentos dos poderes públicos; que elas sejam legítimas, ou seja, fundadas em boas razões, a avaliar no quadro axiológico jurídico-constitucional; por fim, o cidadão deve ter orientado a sua vida e feito opções, precisamente, com base em expectativas de manutenção do quadro jurídico. Dados por verificados esses requisitos cumulativos, há que proceder a um balanceamento ou ponderação entre os interesses particulares desfavoravelmente afetados pela alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que justifica essa alteração. Com efeito, para que a situação de confiança seja constitucionalmente protegida, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa (Acórdãos n.ºs 287/90, 128/2009, 399/2010, 396/2011, 353/2012, 187/2013, 474/13, 602/2013, 794/2013 e 862/2013).»

 

Os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança são, de resto, conforme relembra a decisão recorrida plenamente assumidos também pelo direito da União Europeia, enquanto limite à atuação dos poderes públicos. Na verdade, «[q]uanto ao princípio da proteção da confiança legítima, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a possibilidade de invocar este último é reconhecida a qualquer operador económico em relação ao qual a autoridade nacional tenha feito surgir esperanças fundadas. Todavia, quando um operador económico prudente e avisado esteja em condições de prever a adoção de uma medida suscetível de afetar os seus interesses, não poderá invocar o benefício de tal princípio, quando essa medida for adotada. Além disso, os operadores económicos não têm fundamento para depositar a sua confiança legítima na manutenção de uma situação existente que pode ser alterada no quadro do poder de apreciação das autoridades nacionais.» (v. o Acórdão de 11 de julho de 2019, Agrenergy Srl, Procs. C-180/18, C-286/18 e C-287/18, n.º 31, e em termos idênticos o Acórdão de 10 de setembro de 2009, Plantanol, C‑201/08, n.º 53).

Mas a este respeito, tem o Tribunal de Justiça da União Europeia reconhecido também que «os princípios gerais da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima não se opõem, em princípio, a que um Estado‑Membro (…) suprima, antes da data de extinção prevista inicialmente pela regulamentação nacional, o regime de isenção fiscal que era aplicável (…).» (cf. o citado Acórdão de 10 de setembro de 2009, Plantanol, n.º 68).

A jurisprudência dos tribunais da União Europeia admite, pois, que sejam devidamente sopesadas todas as circunstâncias e comportamentos aptos a consolidar, ou pelo contrário a debilitar, as expetativas dos operadores económicos prudentes e avisados atingidos por alterações legislativas, tais como a circunstância de os benefícios fiscais deterem caráter temporário – caso em que, tal como vem reconhecendo este Tribunal, é particularmente justificada a expetativa de que o regime jurídico que o consagra vigore até ao termo do prazo previsto (neste sentido, v., entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.º 410/95 e 309/2018); mas também a mutabilidade inerente aos regimes que concretizam opções políticas em certos domínios estratégicos. Assim, por exemplo, estando em causa uma situação de confiança depositada na atuação das instituições da própria União, admitiu o Tribunal Geral que «os operadores económicos não têm fundamento para depositar a sua confiança legítima na manutenção de uma situação existente que pode ser alterada no quadro do poder de apreciação das instituições da União, em especial num domínio como o da política monetária, cujo objetivo implica uma constante adaptação em função das variações da situação económica (…).» (cf. o n.º 76 do Acórdão de 7 de outubro de 2015, Alessandro Accorinti e o., Proc. T-19/2013). 

25. Segundo a jurisprudência estável deste Tribunal, a imposição constitucional de proteger a confiança legitimamente depositada na estabilidade de um determinado regime jurídico é aferível em concreto mediante a realização dos seguintes testes: em primeiro lugar, é necessário que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expetativas» de continuidade; depois, importa essas expetativas sejam legítimas e fundadas em razões atendíveis à luz do ordenamento jurídico-constitucional; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa (v. o Acórdão n.º 128/2009). 

Antes, porém, de submeter a norma objeto do presente recurso à análise para que remetem os quatro testes acima referidos, há um aspeto que convém clarificar. No que respeita à atuação esperada do Estado, tanto a decisão arbitral como as alegações da recorrente referem-se a duas ordens de expetativas que, embora indissociáveis, são de algum modo distintas. Trata-se, por um lado, (i) da expetativa de que as SGPS continuariam a ser beneficiárias especiais de um desagravamento fiscal, com as características do benefício consagrado no artigo 32º, n.º 2, do EBF; e, por outro (ii) da expetativa de que uma eventual revogação desse benefício seria acompanhada da aprovação de um regime transitório, idêntico ao previsto na Circular Normativa n.º 7/2004, que permitisse deduzir os encargos financeiros suportados entre 2003 e 2013.

É o que se extrai, v.g., do segmento do acórdão recorrido que serviu para o tribunal arbitral afirmar que «a conjugação da revogação da isenção constante do artigo 32°, 2 do EBF pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro, por um lado, com a total desconsideração da não dedução dos mencionados encargos financeiros em exercícios passados, por outro lado, não supera com êxito qualquer dos quatro testes ou requisitos que o Tribunal Constitucional português tem adotado, e nos quais assenta a aplicação do princípio constitucional da proteção da confiança legítima (…).» (v., v.g., o n.º 30 da parte III.C.2.7. da decisão recorrida, citado supra). Ou do entendimento segundo o qual, uma vez revogado o regime especial consagrado no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, «o que contenderia com a proteção da confiança seria não aplicar o regime previsto no referido final do nº 6 da Circular aos contribuintes que agiram em sintonia com o entendimento que a Administração Tributária decidiu adotar, quanto à possibilidade de deduzir os encargos quando se viesse a verificar que não podia ser aplicado o regime referido» (cf. o n.º 9 da parte III.C.2.5.).

Não perdendo tal dado de vista, comecemos, pois, por averiguar se pode dar-se como verificada uma efetiva lesão das expetativas geradas quanto à estabilidade do regime cuja revogação nos ocupa.

26. Em face do que se afirmou já a respeito das características do benefício fiscal consagrado no n.º 2 do artigo 32.º do EBF (v. supra o n.º 23), não é possível negar a existência de uma expetativa fundada, e merecedora de consideração, na isenção das mais-valias realizadas com a transmissão onerosa de participações sociais por SGPS cujos encargos de financiamento não tenham concorrido para o lucro tributável apurado entre 2003 e 2013. Com efeito, não há dúvida de que o benefício concedido às SGPS pelo artigo 32.º, n.º 2, do EBF, embora automático e irrenunciável (cf. os artigos 5.º, n.º 1, e 14.º, n.º 8, do EBF), é suscetível de ter condicionado as opções de gestão destes agentes económicos durante a vigência do benefício e implicou, como se referiu já, a não dedução de gastos que de outro modo teriam sido relevantes para o apuramento do lucro tributável, o que só é justificável como reverso do direito a beneficiar da isenção correspetiva.

O que já não se mostra minimamente demonstrado — em face da sucessão de regimes legais a que se aludiu supra — é que essa expetativa tenha sido, realmente, frustrada.

A aprovação da Lei n.º 2/2014 e a revogação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF perturbaram, é certo, o «binómio encargo financeiro não dedutível/realização de mais-valia isenta», sobre o qual detidamente versou o Acórdão deste Tribunal n.º 42/2014, tendo a realização de mais-valias passado a ser tributada nos termos do IRC.

Todavia, pressupondo a lesão da confiança que a mutação do direito infraconstitucional afete, em sentido desfavorável, as expetativas da comunidade «na estabilidade da ordem jurídica e na constância da atuação do Estado» (Acórdão n.º 128/2009), percebe-se que não seja possível apreciar a questão de constitucionalidade com que se debateu o tribunal recorrido abstraindo da aprovação daquela nova disciplina que, nos termos dos trabalhos preparatórios da Lei n.º 2/2014, «consum[iu] o regime fiscal previsto para as SGPS».

Ora, com a aprovação da Lei n.º 2/2014, a realização de mais-valias passou realmente a ser tributada. Simplesmente, passou a ser tributada segundo o novo regime-regra previsto no artigo 51.º-C do CIRC, que manteve, sem aparente interrupção, a isenção da tributação de mais-valias realizadas com a transmissão onerosa de participações sociais. E embora a nova lei tenha introduzido para aquele efeito algumas regras e condições, diferentes das aplicáveis ao abrigo do regime antes constante do EBF, nem o tribunal a quo, nem a própria recorrida identificaram qualquer uma que pudesse constituir um obstáculo à isenção da tributação das mais-valias a realizar no futuro com a alienação das participações sociais, a cuja aquisição corresponderam os encargos financeiros não deduzidos nos exercícios de 2003 a 2013.

De resto, aquilo que distingue o regime-regra do anteriormente vigente é a circunstância de não se tratar já de um benefício fiscal, mas antes, e assumidamente, de um mecanismo de eliminação da dupla tributação económica, que tem um âmbito de aplicação mais amplo e do qual não se mostram excluídas as SGPS.

A aprovação deste regime obsta, pois, a que se encare a norma objeto do presente recurso como uma norma da qual resultou como efeito automático a eliminação in totum daquele «binómio». Da revogação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF resultou, imediatamente e apenas, a sujeição das SGPS ao regime-regra (cf. o artigo 13.º, n.º 1, do EBF) e, se este foi alterado praticamente em simultâneo, ainda que pela Lei n.º 2/2014 e não pelo Lei do Orçamento do Estado para 2014, tal dado legislativo não pode ser desconsiderado quando se trate de determinar se existiu ou não uma efetiva frustração da confiança depositada na vigência das condições estabelecidas pela norma fiscal revogada.

Da consideração desse dado legislativo retiram-se, desde logo, duas conclusões.

A primeira é que não pode ser reconhecida uma legítima confiança na existência de um regime especialmente aplicável às SGPS e formalmente inserido no EBF, do mesmo modo que não pode atribuir-se relevo autónomo à circunstância de este ter deixado de constar do EBF para passar a constar do IRC ou de ter deixado de configurar um benefício fiscal em consequência da própria alteração do regime-regra.

A segunda conclusão, mais importante ainda, é esta: se a contrapartida dos encargos acrescidos assumidos entre 2003 e 2013 era a isenção das mais-valias a realizar com a alienação das participações sociais a que respeitaram, então, mantendo-se substancialmente, e no essencial, em vigor a norma que exclui esses rendimentos do lucro tributável a apurar pelos sujeitos passivos antes abrangidos pelo artigo 32.º, n.º 2, do EBF, não se mostra substancialmente ofendida a confiança depositada na vigência desse regime.

27. Tendo em conta o afirmado supra (v. ponto 25), resta verificar se pode dar-se como legítima e gorada a expetativa de que uma eventual revogação do benefício consagrado no artigo 32.º, n.º 2, do EBF seria acompanhada da aprovação ou sobrevigência de um regime transitório que permitisse deduzir os encargos financeiros suportados entre 2003 e 2013.

O principal argumento mobilizado pelo tribunal a quo a favor desta hipótese é, como se referiu já, a existência da Circular n.º 7/2004, cujo n.º 6 prevê que «[c]aso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime [i.e., do regime especial consagrado, então, no artigo 31.º, n.º 2, do EBF], proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.»

Admitindo «que o futuro não pode ser um perpétuo prisioneiro do passado, nem podem a segurança jurídica e a proteção [da] confiança transformar-se em valores absolutos, capazes de petrificar a ordem jurídica, imobilizando o Estado e impedindo-o de realizar as mudanças que o interesse público reclama» (cf. o n.º 17 da parte III.C.2.7), o tribunal recorrido aceitou, em abstrato, a possibilidade de o regime consagrado no artigo 32.º, n.º 2, do EBF ser validamente revogado. Mas, nessa hipótese, entendeu que a interpretação veiculada pelo n.º 6 da Circular n.º 7/2004, da Direção-Geral de Contribuições e Impostos era idónea a gerar nos contribuintes a expetativa de que o artigo 32.º, n.º 2, do EBF, seria ainda, e transitoriamente, interpretado e aplicado no sentido de permitir deduzir os encargos financeiros suportados enquanto esse regime se manteve em vigor – pois tal era o entendimento que, no passado, a Administração Tributária decidiu adotar e em sintonia com o qual os contribuintes agiram (cf. o n.º 9 da parte III.C.2.5.).

Não se mostra, todavia, possível acompanhar este entendimento.

Importa relembrar, antes do mais, que segundo a opinião que pode dizer-se ainda maioritária na doutrina, tal como resumida por Sérgio Vasques, «(…) Seguramente que as circulares constituem normas jurídicas, que projetam os seus efeitos na esfera da administração, vinculando o subalterno à interpretação da lei ditada pelo superior hierárquico, mas não se pode dizer que representem em si mesmas fontes do direito fiscal por não constituírem parâmetro de validade dos atos praticados pela administração, que hão de encontrar esse parâmetro nas normas legais que as circulares visam interpretar. Significa isto que os tribunais não estão obrigados a fazer da lei a mesma interpretação que a administração fixa no seu direito circular e que os contribuintes não estão obrigados a aplicar a lei seguindo as orientações que através das circulares se dirigem aos serviços.» (v. Manual de Direito Fiscal, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2019, p. 161).

Não se ignora que a relevância da vinculação da Administração às orientações genéricas que emite e publicita vem sendo debatida na doutrina (v., com especial contundência, João Taborda da Gama, “Tendo surgido dúvidas sobre o valor das circulares e outras orientações genéricas…”, Estudos em Memória do Prof. Doutor Saldanha Sanches, Vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pp. 157-225). No caso presente, tal aspeto não é, todavia, determinante para uma tomada de posição quanto à pretensa violação da confiança dos contribuintes. Com efeito, por maior relevo que pudesse ser conferido ao valor vinculativo de uma Circular — cuja ilegalidade, relativamente a outros pontos, já foi repetidamente afirmada pelos tribunais administrativos (v., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de setembro de 2018, Proc. n.º 0406/18.9BALSB; e de 11 de dezembro de 2019, Proc. n.º 0333/18.0BALSB) —, dos princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica não pode extrair-se uma força imobilizadora que constrinja a Administração a manter imutável uma dada interpretação das normas tributárias, mesmo depois de estas terem sido alteradas ou revogadas por opção do legislador. Aliás, tal como defendem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, «se, depois de ter mantido uniformemente, durante um certo período de tempo, uma mesma interpretação da lei, na sua aplicação aos casos concretos, a administração tributária se convence que é correta uma outra interpretação, o princípio da igualdade não é obstáculo a que a passe a adotar na sua prática, exigindo apenas, para não existir discriminação, que a nova interpretação seja aplicada generalizadamente.» (in Lei Geral Tributária – Anotada e comentada, 4.ª Edição, 2012 p. 626). Por maioria de razão, não se mostra possível defender que a Administração esteja vinculada a manter uma orientação interpretativa que pressupõe a sobrevigência de um regime revogado — ou, como sucede in casu, a desaplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, de uma disposição revogatória —, nem que seria absolutamente imprevisível que essa orientação pudesse ser objeto de revisão, ou que deixasse de vigorar após a aprovação de uma reforma profunda do regime de tributação a que, ainda que indiretamente, se refere.

De resto, sempre se relembrará que a Circular em causa fundava uma expetativa de dedução dos custos incorridos no exercício correspondente ao momento da alienação das participações — o que, como supra se referiu, não se verificou no caso dos autos. 

Por último, não será de mais chamar a atenção para o facto de o próprio tribunal a quo ter acabado por concluir que a ausência de um regime de direito transitório — ou de uma «solução justa», como lhe chamou — «não é de modo algum compensada ou remediada pela circunstância de se ter introduzido, com a Reforma do IRC que começou a vigorar em 1 de janeiro de 2014, o regime de “participation exemption”», e mais relevantemente ainda, de ter afastado a possibilidade de essa compensação vir a ocorrer com base na ideia de que o novo regime, ao não depender na sua aplicação «da forma jurídica que assuma a sociedade na esfera da qual sejam apuradas essas mais-valias ou menos-valias», «não resolve a discriminação negativa das SGPS, que perdurará enquanto não for resolvido, quanto a elas, o problema de terem, em cumprimento de obrigações legalmente determinadas, acrescido, até 31 de dezembro de 2013, os encargos financeiros com a aquisição das referidas participações sociais, e terem sido tributadas em função desse acréscimo.» (cf. o n.º 18 da parte III.C.2.8. da decisão recorrida). Ou seja, sem negar que as mais-valias a realizar com a alienação de partes sociais pelas SGPS continuarão a não concorrer para a formação do lucro tributável — logo, que não será frustrada qualquer expetativa legitimamente formada a esse respeito —, o tribunal recorrido acabou por reconduzir a questão colocada pela ausência de um regime transitório a um problema de igualdade. Para o tribunal recorrido, a revogação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, é inconstitucional uma vez que da consagração do regime de «participation exemption» resulta uma discriminação negativa das SGPS, no que se refere à não dedução dos encargos financeiros suportados com a aquisição, durante a vigência desse regime, de participações sociais ainda detidas em 31 de dezembro de 2013 — e não por a adoção desse regime frustrar qualquer expetativa legitimamente depositada na sobrevigência de orientações interpretativas vertidas em circulares, ou na sua transposição para um regime de direito transitório, que viesse a permitir às SGPS beneficiar da isenção das mais-valias a realizar com a alienação dessas participações (agora ao abrigo do artigo 51.º-C do CIRC) e ainda deduzir os respetivos encargos financeiros suportados no mesmo período.

28. Não há dúvida, afirmámo-lo já, de que os sujeitos passivos de IRC que, desde 1 de janeiro de 2014, se encontram abrangidos pelo regime consagrado no artigo 51.º-C do CIRC — universo em que se incluem as SGPS — beneficiam de um tratamento fiscal mais favorável do que aquele que, ao abrigo do n.° 2 do artigo 32.º do EBF, era reservado a estas sociedades. Não há igualmente dúvida de que os sujeitos passivos ora abrangidos por esse regime, que venham a realizar mais-valias com a transmissão onerosa de participações sociais adquiridas entre 2003 e 2013, não tiveram que suportar os custos acrescidos que as SGPS suportaram durante o mesmo período, para agora beneficiarem da mesma isenção.

Todavia, como este Tribunal tem constantemente afirmado, «a mera diferença de direitos resultantes da sucessão de regimes legais do tempo não convoca a dimensão de censura assacável ao princípio da igualdade. Deste parâmetro apenas resulta a proibição de tratamentos diferenciados sincrónicos e não diacrónicos, sob pena de inadmissível cerceamento da liberdade de conformação do legislador, enquanto espaço autónomo do poder legislativo configurado pela própria Constituição.» (v. o Acórdão n.º 364/2015).

Também neste caso é de reafirmar que as exigências que defluem do princípio da igualdade não impõem uma cristalização da ordem jurídica — sobretudo em matérias, como a versada nos regimes legais em questão, que convocam uma reconfiguração dinâmica dos interesses públicos extrafiscais prosseguidos pelos benefícios fiscais ou, mais amplamente, das opções de política fiscal a adotar em cada momento —, nem podem fundar a exigência de uma aplicação retroativa de regimes fiscais mais favoráveis. Ad absurdum, o legislador seria nessa hipótese dissuadido de aprovar uma legislação tributária mais favorável aos contribuintes, por se mostrar inviável restituir-lhes os montantes que não teriam pago, se o regime mais favorável tivesse sido adotado mais cedo.

De resto, não pode esquecer-se que, enquanto se manteve em vigor o n.º 2 do artigo 32.º do EBF, as SGPS se encontraram numa posição simétrica de relativa vantagem (ao menos, potencial), pois, como se salientou no Acórdão n.º 42/2014, «o termo de comparação com outras sociedades não pode ignorar que estas não se encontram em posição de partida equivalente, na medida em que os ganhos decorrentes de mais-valias realizadas com a alienação de participações sociais não são suscetíveis de isenção de tributação em IRC. Não existe, por isso, identidade de condições entre a recorrente e tais contribuintes, de forma a que se possa considerar ter sido criado regime de tributação particular globalmente desfavorável para as SGPS, com referência a encargos financeiros geneticamente ligados à aquisição de participações sociais.»

29.O tribunal recorrido entendeu, por último, que a norma que constitui objeto do presente recurso contende com o princípio consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual «[a] tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real». E isto na medida em que «os grupos de sociedades que se encontrem numa situação como a da Requerente acabam sendo tributados por um rendimento que efetivamente não obtiveram, porquanto se trata de um rendimento que não corresponde ao rendimento que económica e contabilisticamente foi apurado – sendo que efetivamente o lucro tributável que a Requerente apurou nos anos de 2003 a 2013, e pelo qual foi objeto, nesses exercícios, de tributação em IRC, não teve em conta todos os correspondentes gastos incorridos no desenvolvimento da sua atividade empresarial, porquanto os encargos financeiros com a aquisição de partes de capital social das sociedades dominadas não foram objeto de qualquer dedução, como o referido princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real inequivocamente o exigiria.» (cf. o n.º 33 da parte III.C.2.7. da decisão recorrida).

Assim colocada a questão, a crítica do tribunal recorrido parece dirigir-se exclusivamente à regra da não dedução dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, consagrada no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, e não à norma que a revogou.

Esta censura assenta, além do mais, no pressuposto de que a revogação do benefício fiscal foi injusta, por violação do princípio da igualdade e do princípio da proteção da confiança: é a eliminação injusta da vantagem antes consagrada no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, que torna especialmente injusta a desvantagem suportada para a obter.

Tal como a questão da violação do artigo 104.º, n.º 2, da Constituição, foi colocada pelo Tribunal recorrido — e, consequentemente, pelo próprio Ministério Público no recurso que interpôs —, resta notar que o juízo formulado pelo tribunal a quo deverá também quanto a este fundamento decair atenta a conclusão a que acima se chegou quanto à alegada violação de ambos aqueles princípios.”

 

Em relação ao princípio da capacidade contributiva e tributação do rendimento real interessa ainda atender a que a posição subscrita por este Tribunal permite a dedutibilidade fiscal (dos encargos financeiros acumulados incorridos) no momento em que se verifique o não preenchimento dos pressupostos subjacentes ao regime de não tributação das mais-valias, aferido, como já consagrava a Circular n.º 7/2004, com referência ao período de tributação da alienação das participações sociais correspondentes. Desta forma, afigura-se não resultar ofendido esse princípio, dada a manutenção do balanceamento entre a não dedução fiscal dos encargos e a não tributação das mais-valias vs. dedução fiscal e tributação.

 

No tocante ao princípio da proporcionalidade, a Requerente não desenvolveu minimamente as razões que justificariam um juízo de inconstitucionalidade no caso de dedutibilidade dos encargos fiscais aferida ao momento de alienação das participações sociais, pelo que não há que tomar conhecimento dessa questão.

 

Com efeito, como salienta a decisão arbitral n.º 14/2021-T, de 21 de novembro de 2021, “o controlo difuso da constitucionalidade pelos tribunais é normativo, incidindo sobre uma norma ou interpretação normativa que tenha sido aplicada em decisão judicial ou em ato administrativo, competindo à parte suscitar de modo processualmente adequado a questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

 

A suscitação processualmente adequada da questão implica a precisa delimitação do seu objeto, mediante a especificação da norma, segmento normativo ou a dimensão normativa que se entende ser inconstitucional (acórdãos n.ºs 450/06, 21/06, 578/07, 131/08) e a indicação das razões pelas quais se considera verificada a violação de normas ou princípios constitucionais (acórdãos n.ºs 645/06, 708/06, 630/08), não bastando uma referência genérica a essas normas ou princípios ou a imputação da inconstitucionalidade aos próprios actos jurídicos que são objeto de impugnação judicial.

 

À face do exposto, conclui-se que a presente ação deve ser julgada improcedente.

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil (artigo 608.º do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

 

VI.      Decisão

 

De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente a exceção de incompetência material (parcial) em relação ao pedido de condenação da AT à prática dos atos de correção de resultados fiscais –reporte de prejuízos fiscais para os exercícios seguintes; 
  2. Julgar improcedentes os pedidos de anulação parcial do ato tributário de IRC impugnado [autoliquidação do período de tributação de 2014] e de anulação integral da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa submetido em relação a esse ato;

tudo com as legais consequências.

 

 

VII.     Valor do Processo

 

Em conformidade com o acima exposto e decidido (secção IV, ponto 2 supra) é oficiosamente fixado o valor do processo em € 508.256,73, correspondente à utilidade económica do pedido – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea b), do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

 

VIII.   Custas

 

            Custas no montante de € 7.956,00 (sete mil novecentos e cinquenta e seis euros), a suportar pela Requerente em razão da sucumbência, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 9 de setembro de 2022.

 

Os árbitros,

 

 

Alexandra Coelho Martins, Relatora

 

 

 

Ricardo Marques Candeias

 

 

 

Eva Dias Costa

 

 

 

 

 



[1] Alcançando conclusão idêntica numa situação similar v. Concluindo de forma similar, v. a decisão arbitral do processo n.º 333/2017-T, de 10 de abril de 2018.

[2] Nos termos do respetivo artigo 260.º, que, sob a epígrafe “Norma revogatória no âmbito do Estatuto dos Benefícios Fiscais”, dispôs o seguinte: “São revogados o artigo 32.º, os n.ºs 1 e 2 do artigo 32.º-A e 4 a 7 do artigo 41.º, o artigo 42.º e a alínea b) do n.º 5 e os n.ºs 9 a 11 do artigo 60.º do EBF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho”.

 

[3] Este mesmo princípio foi adotado na decisão arbitral relativa ao Processo n.º 754/2016-T, cujo objeto tem, porém, diferenças relevantes em relação ao presente caso, pois reportava-se ao exercício de 2013, não tendo a essa data sido revogado o artigo 32.º do EBF, e prendia-se com o facto de a Requerente ter deixado de ser uma SGPS a partir do exercício de 2013, inclusive.

[4] Interessa notar que esta decisão será objeto de reforma de acordo com o juízo de não inconstitucionalidade declarado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 638/2020, de 16 de novembro, que entendeu que as ilegalidades associadas aos atos impugnados nos autos tinham como pressuposto o afastamento, por inconstitucionalidade, da disposição que revogou o regime antes contido no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, ou seja, da norma constante do artigo 210.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.

[5] Qualificação também empregue pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 42/2014, de 9 de janeiro de 2014.

[6] Um sujeito passivo de IRC titular de participações sociais enquadráveis no artigo 51.º-C do Código do IRC, que não seja uma SGPS, não vê afastada a dedução dos encargos relativos às partes de capital que suportou em exercícios anteriores a 2014.

[7] Cf. decisão arbitral proferida no processo do CAAD n.º 342/2018-T, de 9 de abril de 2020.

[8] Definição que consta do artigo 2.º, n.º 1 do EBF.

[9] Relatório do Anteprojeto da Reforma do IRC, p. 182.

[10] Relatório do Anteprojeto da Reforma do IRC, p. 123.

[11] Relatório do Anteprojeto da Reforma do IRC, p. 124.

[12] Cf. decisão arbitral proferida no processo do CAAD n.º 342/2018-T.

[13] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de março de 2018, processo n.º 0716/13. A decisão arbitral n.º 342/2018-T separa a questão da dedutibilidade dos gastos da questão do momento da dedutibilidade e considera que esta é independente e subsequente à primeira, não podendo, causal e logicamente, afetar a resposta a dar àquela.

[14] Decisão arbitral n.º 580/2018-T.

[15] Decisão arbitral n.º 610/2017-T.

[16] Voto de vencido da decisão arbitral n.º 342/2018-T.

[17] Decisão arbitral n.º 610/2017-T. Refere a este respeito o voto de vencido da decisão arbitral n.º 342/2018-T que: “[para] os encargos financeiros associados a partes de capital de SGPS suportados em exercícios anteriores ao período de tributação de 2014 com possibilidade da sua recuperação fiscal em período posterior, vale, em sobrevigência, ainda que tal disposição tenha sido revogada com efeitos a partir de 1.1.2014, a regra constante do art. 32.º, n.º 2 do EBF, com os requisitos nela exigidos, tal como foram determinados interpretativamente, quanto à alienação de partes de capital e tributação das mais-valias resultantes.” Conceção que não extrai do artigo 32.º, n.º 2 do EBF uma disciplina de indedutibilidade suspensa ou condicionada ex ante, mas, antes, direta e imediatamente, uma regra de não dedutibilidade dos encargos, sem prejuízo de uma eventual recuperação fiscal futura.

[18] Norma introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro (LOE 2003) e depois renumerada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de julho, como artigo 32.º.