Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 7/2021-T
Data da decisão: 2021-11-13  IVA  
Valor do pedido: € 1.501.350,22
Tema: IVA. Direito à dedução.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Dr. José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dra. Cristina Aragão Seia e Dr. Armando Oliveira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-05-2021, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

A..., S.A., NIPC ..., com sede na Rua ..., n.º ..., no Porto (...-...), doravante referido como «Requerente», veio, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) apresentar pedido de pronúncia arbitral (PPA) tendo em vista a: i) anulação do acto de liquidação adicional de IVA nº... de 9 de Setembro de 2020, na parte correspondente à correcção no montante de € 750.675,11, regularizado pelo cliente a seu favor, na Declaração periódica de Dezembro de 2016, e ii) a anulação do mesmo acto tributário, na parte correspondente ao montante de € 750.675,11, que materializa a reversão incorrectamente atribuída ao Requerente. Requere ainda, a título subsidiário, reenvio prejudicial para o TJUE.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 05-01-2021.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 21-05-2021.

A AT apresentou resposta em 06.07.2021 e não juntou PA. Não suscitou excepções nem questões prévias, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Foi dispensada a reunião de partes do artigo 18º do RJAT, uma vez que o Tribunal reputou não ser necessária, e as partes foram convidadas a apresentar alegações escritas, o que fizeram.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:

  1. O Requerente é uma instituição de crédito, cujo objecto social consiste na realização das operações descritas no n.º 1 do artigo 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro) e do artigo 1.º do Decreto--Lei n.º 186/2002, de 21 de Agosto.
  2. No âmbito da sua actividade, o Requerente realiza operações financeiras enquadráveis na norma de isenção constante da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA, que não conferem o direito à dedução deste imposto, como as operações de financiamento/concessão de crédito, as operações relativas a pagamentos e, em geral, as transacções relativas à negociação e venda de títulos.
  3. Simultaneamente, este realiza operações financeiras que, por não se enquadrarem na norma de isenção prevista, conferem o direito à dedução deste imposto, como as operações de locação financeira mobiliária, locação de cofres, custódia de títulos, entre outras.
  4. Neste âmbito, o Requerente adquire recursos que são exclusivamente afectos a operações sujeitas a IVA e deste não isentas, como também adquire recursos que são exclusivamente afectos a operações isentas daquele imposto.
  5. O Requerente adquire, também, recursos que são afectos, simultaneamente, a ambos os tipos de operações (recursos de utilização mista).
  6. Relativamente à dedução do imposto respeitante à aquisição de recursos utilizados exclusivamente em operações que conferem o direito à dedução, o Requerente utilizou, no ano em referência, o método da imputação directa para a dedução do imposto incorrido.
  7. Assim, no que respeita aos recursos afectos exclusivamente às actividades que não conferem o direito à dedução, o Requerente não deduziu qualquer montante de IVA.
  8. Já no que respeita aos recursos de utilização mista, o Requerente efectuou a dedução do IVA incorrido no período em referência unicamente com recurso ao método da afectação real, através:
  9. do apuramento do coeficiente de imputação específico, tendo apurado um coeficiente de 7%,

ii) de outros critérios de dedução apurados para as diversas áreas onde a adopção do método de afectação real se revelou exequível.

  1. Na sequência de uma revisão de procedimentos, o Requerente constatou que a dedução de imposto por si efectuada se encontrava viciada por erro.
  2. Por forma a corrigir a dedução do IVA incorrido no ano 2015, o Requerente procedeu a distintas regularizações de imposto a seu favor, procedendo à inscrição do montante global de IVA de € 750.675,11, no campo 40 da declaração periódica de IVA de Dezembro de 2016 (Documento 3 junto com o pedido arbitral).
  3. O referido montante global de IVA de € 750.675,11, respeita às seguintes regularizações levadas a cabo a seu favor (Documento 2 junto com o pedido arbitral):

1. € 440.602,72, referente à adopção do método de afectação real relativamente a bens de utilização mista da área da Gestão da Carteira Própria de Títulos e alteração do coeficiente de imputação específico do ano 2015 de 7% para 9%;

2. € 207.383,99, relativo à recuperação de IVA pelo método da afectação real nas áreas de Custódia de Títulos e Project Finance;

3. € 16.235,87, referente à recuperação de IVA pelo método da afectação real na área de Leasing (gabinetes solicitadoria); e

4. € 86.452,53, relativo à recuperação de IVA incorrido pelo método de afectação real com a aquisição de bens e serviços nas áreas de Leasing e de ALD.

m)   Na sequência das regularizações de imposto operadas pelo Requerente e ao abrigo da Ordem de Serviço OI2018..., a AT procedeu a uma acção inspectiva externa de âmbito geral, reportada ao período de 2016, tendo concluído não assistir ao Requerente o direito a regularizar o montante global de IVA de € 750.675,11, relativo a recuperação de IVA de períodos de tributação anteriores, propondo a sua correcção em sede de Projecto de Relatório da Inspecção Tributária (Documento 2 junto com o pedido arbitral).

n) A AT notificou o Requerente do Relatório Final de Inspecção Tributária, no qual manteve as propostas de correcção anteriormente apresentadas (Documento 2 junto com o pedido arbitral que se dá por integralmente reproduzido).

o) Na sequência do processo inspectivo, e para que fossem emitidas as liquidações adicionais correspondentes às liquidações nele apuradas, foi introduzido no sistema de liquidação da AT o Documento de Correcção Único nº..., quanto ao segmento dos ajustamentos promovidos em sede de IVA (artigo 7º da resposta).

p) Contudo, e no que respeita à correcção de € 750.675,11, em sede de IVA, foi, por lapso, efectuado um erro de inscrição na importância a corrigir no campo 40 da DP de Dezembro de 2016, uma vez que o valor inicial inscrito pela Requerente foi incrementado em € 750.675,11 e não, como deveria, diminuído naquele montante (artigos 8º-10º da resposta).

q) O Requerente apresentou junto da UGC requerimento a solicitar a notificação das liquidações adicionais de IVA relativas ao IVA do ano de 2016 que materializassem as correcções levadas a cabo pela AT na acção inspectiva (Documento 5 junto com o pedido arbitral).

r)  Após a detecção do erro, a AT procedeu à Revisão Oficiosa do acto tributário de autoliquidação de IVA do mês de Dezembro de 2016 (Documento 6 do pedido arbitral e artigos 11º-12º da resposta), tendo revertido duas importâncias:

“Uma, no valor de € 750.675,11 correspondente ao aumento indevido de imposto a favor do sujeito passivo reflectido no campo 40 do quadro 6, por introdução errada da DCU de concretização das correcções do Relatório de Inspecção Tributária (…)”; e

“Outra, igualmente no valor de € 750.675,11 (€ 440.602,72 + € 207.383,99 + € 16.235,87 + € 86.452,53) correspondente ao imposto em falta corrigido no âmbito de inspecção realizada ao abrigo da OI2018..., conforme fundamentação do ponto III.2.3.1 do respectivo Relatório de Inspecção Tributária, notificado ao sujeito passivo – Correcção essa que resultou do facto de o sujeito passivo ter regularizado indevidamente, em 2016, imposto a seu favor relativo a recuperação de IVA de períodos de tributação anteriores”.

r)  Nessa sequencia, o Requerente foi notificado da liquidação adicional de IVA n.º..., de 9 de Setembro de 2020, no montante de € 1.501.350,22 (Documento 1 junto com o pedido arbitral).

s)  O presente pedido arbitral deu entrada em 05-01-2021.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

Não há outros factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

2.3. Fundamentação dos factos provados

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada tendo por base a prova documental apresentada pelo Requerente e não contestada, que aqui se dá por reproduzida e com base nas peças processuais apresentadas pelas Partes.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Ainda relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596º e n.º 2 a 4 do artigo 607º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e) do n.º do artigo 29º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

3. Matéria de direito

O presente pedido tem por objeto duas questões distintas, ainda que estejam relacionadas, a saber:

  1.  Verificar se era legítimo ao Requente regularizar a seu favor, na declaração periódica de dezembro de 2016, imposto a seu favor referente ao ano de 2015, na quantia de € 750.675,11; e
  2. Verificar se a correção efetuada por lapso pela AT no campo 40 do quadro 06 da DP, poderá ser objeto de reversão direta por introdução errada da DCU de concretização das correções do Relatório de Inspeção Tributária.

 

3.1. O regime de IVA aplicável à regularização do imposto incorrido no ano 2016

Ora, no que diz respeito à questão da legitimidade do Requerente para efetuar a regularização a seu favor nos termos realizados, cumpre analisar o regime legal relativo à dedução do imposto incorrido para prossecução das operações tributáveis dos sujeitos passivos, em particular quando nos encontramos perante a dedução de imposto incorrido para a prossecução, simultânea, de operações que confiram o direito à dedução e de operações que não conferem tal direito (“recursos de utilização mista”).

A este propósito, dispõe o n.º 1 do artigo 19.º do Código do IVA que, “Para apuramento do imposto devido os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram (…)” o imposto relativamente à aquisição de bens e/ou serviços para a prossecução de tais operações tributáveis.

Acresce que o n.º 2 do artigo 22º do Código do IVA estabelece que “Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação”.

Contudo, como nos encontramos perante um denominado sujeito passivo misto, que pratica operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem tal direito, as regras dedução imposto devem cumprir igualmente o estatuído no artigo 23.º do Código do IVA.

Ora, estando na presente situação apenas em questão a dedução do IVA referente a uma regularização por erro de enquadramento das operações tributáveis desenvolvidas pelo Requerente ao longo do ano, cumpre analisar o exposto no n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA por forma a verificar se o procedimento adotado pelo Requerente é legítimo e, sendo, se foi efetuado de forma tempestiva.

O referido n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, dispõe que “A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efetuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objetivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afetação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efetuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita”.

Ora, partindo de uma interpretação literal ao n.º 2 do artigo 22.º do Código do IVA, o Requerente entende que a letra da lei é clara e que esta prevê a “a possibilidade de dedução do IVA na declaração periódica do período (atual) ou de período posterior, e não do período [imediatamente] posterior”.

Por outro lado, estando em causa a dedução de imposto incorrido para a prossecução, simultânea, de operações que confiram o direito à dedução e de operações que não conferem tal direito (“recursos de utilização mista”), o Requerente entende nos termos do já mencionado n.º 6 do artigo 23.º que “a regra é clara: quando os sujeitos passivos que não apurem o montante de IVA ao longo do ano dedutível de acordo com os métodos do pro rata e/ou afectação real, que são utilizados provisoriamente ao longo do ano, deverão, na declaração periódica do último período do ano a que respeitem, corrigir a sua dedução provisória, em função dos valores apurados no final do ano.

Defendendo que “contrariamente ao que a AT pretendeu fazer crer no âmbito da acção inspectiva realizada junto do Requerente, a norma transcrita supra não regulamenta o regime do direito à regularização do imposto dedutível de acordo com os métodos do pro rata de dedução e da afectação real. Tal norma apenas estabelece o regime jurídico da determinação do montante de imposto definitivamente dedutível face aos critérios provisórios de dedução adoptados, em situações que os sujeitos que determinam o imposto dedutível de acordo com os métodos do pro rata e/ou afectação real”.

Contudo, e salvo o devido respeito, não podemos concordar com este entendimento.

De facto, a norma para além de fixar o regime jurídico de determinação do montante de imposto definitivamente dedutível, determina igualmente o período da declaração em que o mesmo deve ser deduzido – dispondo claramente que o período para a, nesta situação, regularização ser legalmente efetuada é o último período do ano a que respeita.

Desta forma, entendemos como claro que o apuramento do montante definitivo de IVA dedutível, determinado de acordo com os métodos do pro rata e/ou da afetação real, e provisoriamente calculado utilizando critérios do ano anterior, deverá ser efetuado sempre na última declaração periódica do ano a que tal imposto respeita – podendo, contudo, este procedimento ser efetuado, nos termos do n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA, no prazo de quatro anos, contudo sempre com recurso à apresentação de um declaração periódica de IVA de substituição.

Aliás, tal como bem enquadrou o Acórdão do CAAD no âmbito do Processo 278/2018-T, ao referir “Coisa distinta – e não incompatível – com tal disposição, é o prazo do exercício do direito à dedução, que corresponde ao período de tempo durante o qual é permitido ao sujeito passivo fazer valer o direito à dedução que lhe caiba, em determinado período.

Assim, o artigo 98.º/2, do CIVA, invocado também pela Requerente, estabelece um limite máximo de quatro anos quanto ao exercício do direito à dedução, que não prejudica, nem é incompatível com, a imposição nacional e comunitária, devidamente reconhecida pelo STA, de que tal exercício seja efectuado na declaração do período de imposto resultante das normas legais que regem tal matéria.”

Acrescentando “Para se valer do prazo de quatro anos previsto no aludido normativo, o sujeito passivo deveria ter apresentado uma declaração de substituição ou um pedido de revisão oficiosa no respectivo período. Não o tendo feito, não se socorrendo das vias previstas para o efeito, não o poderia ter feito nas declarações periódicas de imposto como se de uma situação normal de liquidação e dedução do IVA no correspondente período de imposto se tratasse. Com efeito, as declarações de substituição destinam-se precisamente a substituir a declaração correspondente do período de imposto em que se detectou, nomeadamente, erro de facto ou de direito, podendo igualmente o contribuinte socorrer-se do pedido de revisão do acto tributário. Assim sendo e porque o sujeito passivo não se socorreu dos procedimentos adequados para o efeito, não procede no caso concreto a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA”.

Aliás, outra não pode ser a solução já que o recurso à declaração de substituição é a única forma de tornar a dedução provisória efetuada ao longo do ano em definitiva e, em consequência, determinar a capacidade de dedução do sujeito passivo.

Assim, a pedra de toque da presente discussão passa pelo mecanismo utilizado para a regularização e não pelo prazo para o seu exercício. Contudo, e por forma a verificar qual o prazo para a respetiva regularização, cumpre determinar e qualificar o erro que serve de base à regularização efetuada.

Analisando o código do IVA, verificamos que o mesmo contempla vários normativos legais que regulam a dedução/regularização do IVA dedutível.

Neste particular, podemos salientar as disposições especiais mencionadas no artigo 78.º do Código do IVA, nomeadamente o seu n.º 6 que dispõe que “A correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efetuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado”

Contudo, e como bem menciona o Requerente, “tendo presente o conceito de erros materiais ou de cálculo presente no acima referido preceito legal, o Requerente nota que concorda com a AT, considerando, também, que o erro por si incorrido, e que originou a dedução de montante de imposto inferior àquele permitido pela legislação do IVA, não é um erro material ou de cálculo”,

Ou seja, na presente situação não nos encontramos perante erros materiais e/ou de cálculo, mas sim perante um erro de direito. A este respeito, de salientar a decisão do CAAD, no âmbito do processo n.º 117/2013-T, que referiu que “O erro quanto à aplicação de determinados regimes jurídicos não constitui nem erro material nem erro de cálculo, pelo que é manifesto que não pode ser referido n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA. Designadamente, o erro de cálculo do pro rata não é um erro de cálculo enquadrável nesta norma porque consubstancia um erro de direito sobre o regime jurídico aplicável e não um erro de natureza aritmética”.

Desta forma, uma vez que nos encontramos perante um erro de direito, dúvidas não existem sobre a possibilidade de regularização do IVA, por parte do Requerente, por um período de quatro anos, nos termos do n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA, conforme tem sido reconhecido já há alguns anos pela jurisprudência nacional.

Contudo, essa regularização deveria, obrigatoriamente, nos termos do n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, ter sido efetuada via apresentação de declaração periódica IVA de substituição ou, no limite, caso o procedimento fosse desencadeado, pela apresentação de pedido de revisão oficiosa.

Face a todo o exposto, improcede nesta parte o pedido arbitral.

3.2. O erro de digitação incorrido pela AT

No âmbito do processo inspetivo que serviu de base ao presente pedido arbitral e por forma a fazer repercutir na conta corrente da Requerente – com um saldo a seu favor de € 630.169,64 – a AT corrigiu de moto próprio o valor de € 750.675,11, correspondente à correção efetuada no âmbito da inspeção levada a cabo.

Contudo, por manifesto lapso, em vez de efetuar a correção através da subtração daquele montante (€ 750.675,11) ao saldo existente, adicionou-o, aumentando, assim, o valor do saldo a favor da Requerente.

Procedimento que, não obstante a Requerente ter tido conhecimento através de contactos informais com a Unidade de Grandes Contribuintes, apenas lhe foi comunicado através da notificação da decisão de revisão do ato tributário de autoliquidação de IVA do mês de dezembro de 2016.

Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 28.º do Código do IVA, “sempre que se proceda à liquidação do imposto (…) por iniciativa dos serviços, sem prejuízo do disposto no artigo 88.º, é o sujeito passivo notificado para efetuar o respetivo pagamento nos locais de cobrança legalmente autorizados, no prazo referido na notificação, não podendo este ser inferior a 30 dias a contar dessa notificação”.

Acresce que, nos termos do artigo 36.º do CPPT, “os atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”, pelo que, sem a respetiva notificação, não pode o ato produzir qualquer efeito na esfera da Requente. Se tal sucedesse, ficaria a Requerente coartada no seu direito a reagir em caso de desacordo.

Assim, à falta de notificação, cumpre igualmente verificar se o procedimento de compensação adotado pela AT cumpre com os requisitos legais para poder operar.

De acordo com o artigo 93.º do Código do IVA “Nos casos em que o imposto em dívida tenha sido liquidado pelos serviços competentes da Direcção-Geral dos Impostos e haja sido efetuada a compensação prevista nos artigos 89.º (…) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (…), é o sujeito passivo notificado nos termos daquele diploma”.

Por sua vez, o n.º 2 do artigo 40.º da Lei Geral Tributária, refere que “(…) e a compensação são admitidas nos casos expressamente previstos na lei”.

Dispondo o n.º 1 do artigo 89.º do CPPT – Compensação de dívidas de tributos por iniciativa da administração tributária – que “Os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação ou impugnação judicial de qualquer ato tributário são aplicados na compensação das suas dívidas cobradas pela administração tributária (…)”.

Ou seja, de acordo com o normativo acima, resulta claro da lei que o regime da compensação de dívidas fiscais tem, nos termos das normas acima mencionadas, como requisito essencial a existência de um processo de execução fiscal – o que na presente situação não ocorreu.

Face ao acima exposto, entende este tribunal que o ato de compensação levado a cabo pela AT não produziu qualquer efeito na esfera da Requerente e, caso tivesse produzido, enfermava de erro de direito, por falta de pressupostos legais, o que levaria a que o mesmo fosse objeto anulação.

Posto isto, e uma vez que esta situação se deve a um procedimento interno por parte da AT, deverá o mesmo ser revertido internamente – o que se traduz na única possibilidade de resolver de forma coerente a situação criada pela própria AT.

Veja-se que, como bem menciona a Requerente “há que proceder de forma coerente – ou os (alegados) documentos de correcção são actos procedimentais e internos que, uma vez que não são notificados aos contribuintes não produzem quaisquer efeitos na sua esfera ou, em sentido contrário, estes documentos são produzidos pela AT e notificados aos contribuintes, produzindo todos os efeitos consagrados pela legislação tributária Portuguesa.”

Aliás, o cariz interno do procedimento adotado, sem notificação ao Requerente, padece de grave e manifesto vício de falta de fundamentação.

E não colhe o argumento da Requerida ao afirmar “A suficiência dessa fundamentação torna-se evidente ao consultar a petição inicial apresentada pelo Requerente, na qual se revela que tem pleno conhecimento do encadear de procedimentos que resultou no acto de liquidação no montante de 1.501.351,22 €, que vem contestado”.

Já que, nos termos do n.º 1 do artigo 77.º da LGT, “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram (…).

Desta forma, pela factualidade descrita, e ainda que o Requerente entenda a materialidade subjacente ao procedimento adotado, discorda apenas do procedimento e do atropelo às garantias dos contribuintes, pela adoção de procedimento ao arrepio da lei processual tributária, designadamente quanto à notificação de atos lesivos do património dos contribuintes.

Pelo que, deverá a presente ação arbitral ser julgada procedente quanto a este ponto.

A Requerente sugere, a final, a título subsidiário, um pedido de reenvio prejudicial, sugerindo o seguinte teor:

A título subsidiário, na medida em que não seja claro para o Tribunal Arbitral o alcance das normas da Directiva IVA que possam, em seu juízo, interferir com a boa solução deste caso, deverá então este Tribunal promover o reenvio prejudicial das questões que entenda suscitar, para o TJUE, conforme previsto na alínea b) do n.º 3 do artigo 19.º e no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.”

Conforme resulta da fundamentação antes exposta, não se coloca qualquer dúvida a este Tribunal da conformidade da solução adotada com o direito comunitário, pelo que não se procedeu ao reenvio prejudicial.

4. Decisão

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar improcedente o pedido de anulação do ato tributário de liquidação adicional de IVA n.º..., na parte correspondente a € 750.675,11, que materializa a correção do IVA regularizado pelo Requerente a seu favor, na declaração periódica de Dezembro de 2016;
  2. Julgar procedente o pedido de anulação do ato tributário de liquidação adicional de IVA n.º ..., na parte correspondente a € 750.675,11, que materializa a reversão do montante atribuído ao Requerente.

5. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor é fixado em € 1.501.350,22.

6. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 20.196,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 50% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 50%.

 

Lisboa, 13-11-2021

Os Árbitros

 

(José Poças Falcão)

 

 

(Cristina Aragão Seia)

 

 

(Armando Oliveira)

 

Nos termos do artigo 15º-A, do DL nº 10-A/2020, de 13 de março na sua redação atual, aplicável ao processo arbitral tributário nos termos do RJAT, atesta-se o voto de conformidade da Exma co- árbitra, Senhora Dra.  Cristina Aragão Seia.

Lisboa, 13-11-2021

O Presidente do Tribunal Coletivo,

 

           José Poças Falcão