DECISÃO ARBITRAL
I - RELATÓRIO
1. A... Unipessoal - Lda, com o NIF ..., com sede na Rua...–..., freguesia de ..., deduziu um pedido de revisão de um conjunto de liquidações do Imposto sobre Veículos (ISV), tendo sido aceite em 10.01.2022 um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante «RJAT», com as alterações subsequentes, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
2. O pedido de pronúncia arbitral visa a anulação parcial das liquidações do ISV, de forma a aplicar-se a redução prevista no artigo 11.º do CISV à componente ambiental, com a AT a ser condenada a proceder à restituição de 13 520,83 €, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.
3. Foi o signatário designado como árbitro singular, não tendo as Partes manifestado a intenção de recusar a sua designação. Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 22.03.2022.
4. Nos termos do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT, a AT foi notificada, enquanto parte requerida, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso entendesse, solicitar a produção de prova adicional, devendo no mesmo prazo ser remetida cópia do processo administrativo, o que fez em 28.04.2022.
5. Nessa resposta, a Requerida invocou as exceções da incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria e da caducidade do direito de ação, tendo igualmente impugnado os factos e o direito aplicável.
6. No exercício do contraditório, o Tribunal Arbitral notificou a Requerente para se pronunciar sobre as exceções invocadas bem como sobre a relevância e pertinência da prova pericial oferecida à luz da prova documental já constante do processo.
7. Veio a mesma a pronunciar-se em 12.05.2022, não se tendo chegado a pronunciar sobre a dispensa da prova pericial, pelo que, face à prova existente e às questões que emergem no processo, o Tribunal Arbitral considerou ter elementos bastantes para a tomada de decisão e dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º n.º do RJAT.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
8. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, é materialmente competente, e as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, sendo legítimas, à luz dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
9. O processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe resolver nem questões prévias sobre as quais o Tribunal Arbitral se deva pronunciar.
III – DA POSIÇÃO DAS PARTES
10.1 A Requerente, na petição inicial, a fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, no essencial, alegou o seguinte:
Como questão prévia, em matéria de tempestividade do pedido, afirmou que é uma sociedade comercial que tem como objeto a importação e exportação de automóveis, e nessa condição, a partir de agosto de 2018 admitiu um conjunto de veículos usados provenientes de países da União Europeia, totalizando 63 veículos, tendo pago o ISV legalmente exigido pelas autoridades tributárias.
Não se conformando com os critérios subjacentes ao cálculo do valor do imposto, por considerar que a lei portuguesa não estava em conformidade com o artigo 110º do Tratado do Funcionamento da União Europeia (TFUE), requereu nos termos do artigo 78.º n.º 1, 2ª parte da Lei Geral Tributária (LGT) a revisão das liquidações com fundamento na ilegalidade da liquidação efetuada pela AT por considerar que a norma aplicada, o artigo 11.º do CISV, viola o artigo 110.º do TFUE.
Considera o ato tempestivo por se encontrar dentro do prazo de quatro anos após a liquidação, requerendo essa revisão, uma vez que existiu erro imputável aos serviços na aceção do artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte, da LGT.
Para o efeito, de forma individualizada, identificou as Declarações Aduaneiras de Veículos (DAV), pelos quais os mesmos foram introduzidos no consumo, e com base nelas, mencionou a marca, a categoria, o combustível utilizado, o número de motor, a cilindrada, o nível de emissão de partículas, o nível de emissões de dióxido de carbono (CO2), o país de proveniência e a data da primeira matrícula, o número de quilómetros percorridos e a matrícula portuguesa atribuída.
O pedido de pronúncia arbitral visa a declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação do ISV resultantes da apresentação das referidas DAV na Alfândega de Leixões, no montante de 147 816,74 €, sendo 99 918,17 € correspondente à componente cilindrada e 47 898,57 € correspondente à componente ambiental.
A Requerente diz que o cálculo do ISV apenas considerou na componente «Redução de Anos de Uso», a componente cilindrada e não a componente ambiental, enfermando de ilegalidade por a AT apenas ter concedido a dedução pelo número de anos de uso dos veículos na componente cilindrada, quando deveria ter considerado a mesma dedução no cálculo de ambas as componentes, isto é cilindrada e ambiental, conforme determina o artigo 110º do TFUE.
Em dois quadros, a Requerente evidencia, caso a caso, a componente ambiental paga, o valor devido e o valor de redução que não foi considerado na admissão dos automóveis por si admitidos.
A fundamentar o pedido, a Requerente cita um conjunto de acórdãos proferidos ao longo dos anos pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), aborda a questão da tributação dos veículos usados importados, destacando as conclusões relevantes, concluindo que prevalecendo o artigo 110.º do TFUE sobre a ordem jurídica portuguesa, conforme os artigos 8.º, n.º 2 e 4 da CRP, os atos de liquidação de ISV estão inquinados de ilegalidade, por serem desconformes ao direito comunitário, ao tributarem de forma mais onerosa, os veículos usados provenientes de outros EM do que os veículos usados similares disponíveis no mercado nacional.
No entender da Requerente, na medida em que no cálculo do ISV dos veículos usados provenientes de outros EM deveria ser aplicada a mesma percentagem de redução com base no tempo de uso à componente de cilindrada e à componente ambiental, deve haver lugar à anulação parcial das liquidações de ISV, no valor de 13 520, 83 €.
10.2 Por seu turno, a Requerida na sua resposta invoca a exceção da incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, de acordo com o qual o instituto da revisão previsto no artigo 78.º da LGT respeita a uma revisão oficiosa a efetuar pelo órgão da administração tributária, não se tratando, pois, de um meio contencioso de reação ao ato tributário, para, de seguida, invocar a competência legal do tribunal arbitral para afastar a sua intervenção, sendo tal exceção dilatória impeditiva, nos termos da alínea a) do artigo 557.º do Código de Processo Civil, do conhecimento do mérito da causa, implicando a sua absolvição da instância.
A Requerida invoca seguidamente a exceção da caducidade do direito de ação, segundo o qual, o prazo para a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral era de 90 dias, contados a partir do termo do prazo para pagamento que, no caso, ocorreu nos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de 2018 e em janeiro de 2019.
A mesma é uma exceção perentória que, nos termos dos artigos 576.º n.º 3 e 579.º d) Código de Processo Civil impede o efeito jurídico dos factos articulados pela Requerente, extinguindo o direito de que se arroga, conduzindo à absolvição total do pedido.
Em matéria de impugnação, a Requerida confirma a admissão pela Requerente de 63 veículos ligeiros nas condições de direito resultantes da lei então em vigor, alegando não poder, por força do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 53.º da LGT afastar norma do direito nacional e proceder à sua desaplicação com fundamento na sua desconformidade com norma do Direito da União, nomeadamente com o artigo 110.º do TFUE.
Sobre o pedido de restituição do imposto, refere que a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação, pelo que não lhe cabe pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes por conta da anulação, total, ou parcial, de atos de liquidação.
Quanto aos juros indemnizatórios, considera igualmente os mesmos não serem devidos, os quais, a serem considerados, apenas o seriam, depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto.
11. No exercício do contraditório, o Tribunal Arbitral notificou a Requerente para se pronunciar sobre as exceções invocadas bem como sobre a relevância e pertinência da prova pericial oferecida à luz da prova documental já constante do processo.
12. Veio a mesma afirmar que em matéria de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral o artigo 2.º do RJAT compreende a ilegalidade de atos de liquidação dos tributos e, no que respeita à caducidade, menciona o entendimento jurisprudencial em matéria de prazos para o pedido de revisão oficiosa, citando o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.05.2016 (processo 407/2015), e o que se entende por «erro imputável aos serviços», não se tendo chegado a pronunciar sobre a dispensa da prova pericial
13. Em face da referida resposta, o Tribunal Arbitral prescindiu da audição da testemunha indicada, um contabilista, e da reunião a que se refere o artigo 18.º n.º 1 do RJAT, uma vez que para a decisão arbitral foi considerada suficiente a prova documental existente.
IV - DOS FACTOS
14. Não há factos que sejam declarados não provados,
15. Em matéria de facto, relevante para a decisão a proferir, dá este Tribunal Arbitral como provado, face aos elementos constantes dos autos, os seguintes factos:
16.1 O Requerente procedeu à introdução no consumo por via da apresentação de DAVs na Alfândega do Freixieiro dos seguintes automóveis ligeiros de passageiros, que adiante se identificam pelo número e data da DAV, marca e número de chassis.
N.º DAV Data Marca N.º do chassis
18/... 11.10.18 Audi ...
18/... 11.10.18 Nissan ...
18/... 12.10.18 Mini ...
18/... 16.10.18 Peugeot ...
18/... 16.10.18 Renault ...
18/... 30.10.18 BMW ...
18/… 28.11.18 Mercedes …
16.2 O Requerente procedeu à introdução no consumo por via da apresentação de DAVs na Alfândega de Leixões dos seguintes automóveis ligeiros de passageiros, que adiante se identificam pelo número e data da DAV, marca e número de chassis:
N.º DAV Data Marca N.º do chassis
18/... 02.08.18 Peugeot ...
18... 08.08.18 Nissan ...
18/... 10.08.18 Opel ...
18/... 21.08.18 Renault …
18/... 21.08.18 Mercedes …
18/... 21.08.18 Peugeot …
18/... 21.08.18 VW …
18/… 23.08.18 Mazda ...
18/… 24.08.18 Renault …
18/… 24.08.18 Renault …
18/… 29.08.18 BMW …
18/… 06.09.18 BMW …
18/… 06.09.18 Smart …
18/… 06.09.18 Peugeot …
18/… 06.09.18 Volvo …
18/… 06.09.18 VW …
18/... 19.09.18 Renault …
18/... 20.09.18 Nissan …
18/... 20.09.18 Mercedes ...
18/... 20.09.18 BMW ...
18/... 26.09.18 Volvo ...
18/... 27.09.18 Renault ...
18/... 14.11.18 BMW ...
18/... 02.10.18 Citroen ...
18/... 02.10.18 Peugeot ...
18/... 09.10.18 Peugeot ...
18/... 18.10.18 Mini ...
18/… 16.10.18 Renault …
18/… 16.10.18 Mercedes …
18/… 18.10.18 Mercedes …
18/… 17.10.18 Mercedes …
18/… 27.10.18 Peugeot …
18/… 27.10.18 Audi …
18/... 27.10.18 Mercedes ...
18/... 27.10.18 Nissan ...
18/... 31.10.18 Renault ...
18/... 22.12.18 Volvo ...
18/... 23.12.18 Peugeot ...
18/... 09.11.18 Peugeot ...
18/... 14.11.18 Mini ...
18/... 15.11.18 Nissan ...
18/... 15.11.18 Mercedes ...
18/... 16.11.18 Peugeot ...
18/… 27.11.18 Mercedes …
18/… 27.11.18 BMW …
18/… 29.11.18 Renault …
18/... 30.11.18 Mercedes ...
18/... 01.12.18 Volvo ...
18/... 04.12.18 Mercedes ...
18/... 06.12.18 Peugeot ...
18/... 06.12.18 BMW ...
18/... 07.12.18 Mercedes ...
18/... 28.12.18 BMW ...
18/... 28.12.18 VW ...
18/... 28.12.18 Nissan ...
18/... 11-10.2018 Mercedes ...
16.3 O ISV foi formado a partir do cálculo das taxas em vigor para a cilindrada, com uma redução em função da antiguidade de cada veículo, calculada nos termos do n.º 1 do artigo 11.º do CISV e do cálculo das taxas em vigor para a componente ambiental, sem qualquer redução.
16.4 O Requerente não apresentou qualquer pedido de revisão oficiosa do ISV na Alfândega do Freixieiro nem na Alfândega de Leixões.
V - QUESTÕES A DECIDIR:
17. No entendimento do Tribunal Arbitral as questões a decidir são as seguintes:
1 – Questão das exceções da incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria e da caducidade do direito de ação.
2 – Questão da legalidade dos atos de liquidação efetuados em sede de ISV.
VI - DAS EXCEÇÕES
18. Uma vez que a Requerida na sua Resposta suscita duas exceções, importa antes de tudo, proceder à sua apreciação, dado que a sua procedência é suscetível de implicar a absolvição da instância e o não conhecimento do pedido ou mesmo a sua absolvição.
19. A primeira respeita à incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria.
20.1 A Requerente veio solicitar a constituição de um tribunal arbitral no âmbito do CAAD e deduzir um pedido de revisão de um conjunto de liquidações do ISV, efetuadas na admissão de 63 veículos, visando a anulação parcial das liquidações do ISV, de forma a aplicar-se a redução prevista no artigo 11.º do CISV à componente ambiental com a AT a ser condenada a proceder à restituição de 13 520,83 €, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.
20.2 Sobre esta matéria importa referir que a arbitragem é um meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, compreendendo a sua competência, conforme decorre da alínea a) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.
Os tribunais arbitrais funcionam no Centro de Arbitragem Administrativa, encontrando-se a administração tributária vinculada à jurisdição destes tribunais, conforme decorre da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
20.3 Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do referido decreto-lei o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir do facto previsto no n.ºs 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;
Este facto respeita ao prazo de apresentação da impugnação judicial a qual deve ocorrer no prazo de três meses do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas (alínea a) ou da formação do indeferimento tácito (alínea d).
20.4 No referido pedido deve ser identificado o ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral, bem como a sua identificação, constituindo fundamentos do pedido os previstos no artigo 99.º do CPPT e, bem assim, a exposição das questões de facto e de direito objeto do referido pedido de pronúncia.
Este artigo 99.º preceitua que constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, designadamente, a errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários; a incompetência, a ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida ou a preterição de outras formalidades legais.
21. Conforme decorre do artigo 1.º, a Lei Geral Tributária regula as relações jurídico-tributárias, assim se considerando as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e coletivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas.
22.1 Para estes efeitos, integram a administração tributária, nomeadamente a AT, e as demais entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança dos tributos.
22.2 A mesma lei geral tributária, estabelece capítulos específicos para o procedimento tributário, que regula no Capítulo III, artigos 69.º a 94.º e para o processo tributário que regula no Capítulo IV, artigos 95.º a 105.º.
22.3 Em matéria de procedimentos, designadamente, o artigo 78.º, n.º 1 da LGT prevê que a revisão dos atos tributários pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
Por seu turno, o n.º 3 preceitua que independentemente de se tratar de erro material ou de direito, o respetivo reconhecimento exige que seja devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
22.4 Os pedidos de revisão oficiosa são procedimentos típicos da relação jurídico-tributária, donde a razão de constarem no capítulo III e constituírem uma forma de os serviços tributários corrigirem situações que enfermem de alguma ilegalidade, sejam erros de direito ou materiais, sem prejuízo do procedimento de correção de erros da administração tributária prevista no artigo 95.º- A e seguintes do CPPT.
23. O artigo 95.º prescreve que o direito de impugnação ou recurso, confere ao interessado o direito de impugnar ou recorrer de todo o ato lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei, sendo considerado lesivo, nomeadamente, a liquidação de tributos.
24. Do exposto, constata-se que a Requerente procedeu à admissão de 63 veículos usados provenientes de países da União Europeia entre 02.08.2018 e 28.12.2018, procedeu ao pagamento das imposições em sede de ISV que, por força da lei em vigor, a AT liquidou e exigiu o respetivo pagamento, não tendo a Requerente em relação a qualquer uma dessas admissões apresentado impugnação ou recurso na forma prescrita por lei, ou seja no prazo de que dispunha legalmente, de 90 dias ou três meses, ou de 120 dias em termos de reclamação administrativa.
25. Procedeu ao pagamento dos impostos que lhe foram exigidos, por estar convencido da legalidade das normas que lhe foram aplicadas ou, não estando convencido, por ter avaliado os riscos da relação custo/benefício em matéria de suscitar a sua apreciação jurisdicional.
26. Posteriormente ao respetivo pagamento veio a constatar-se que as liquidações efetuadas no referido período enfermavam de ilegalidade, tendo por referência um Acórdão do TJUE (Nona Seção), de 2 de setembro de 2021, que declarou a desconformidade da lei aplicada com o ordenamento comunitário.
27. Face ao referido acórdão e estando em causa um erro de direito praticado na liquidação do imposto, a Requerente tem direito de facto à apreciação de uma revisão do ato tributário mas não o pode fazer dirigindo uma petição diretamente a um tribunal judicial ou arbitral, tendo de submeter tal pretensão à consideração do autor dos atos, dado que os prazos de que dispunha nos termos da lei já decorreram.
28. Com efeito, de acordo com o artigo 98.º da LGT, no processo tributário há uma igualdade de meios processuais, por via de iguais faculdades e meios de defesa, o mesmo sucedendo com o processo arbitral, por força da alínea b) do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 10/2011.
Também no procedimento tributário a interpretação jurisprudencial vai no sentido de não negar aos sujeitos passivos a possibilidade de, para além dos prazos de impugnação judicial, verem os atos de liquidação serem revistos, ou seja o prazo de quatro anos conferido à administração tributária para proceder a uma revisão oficiosa não pode deixar de ser considerado também em favor dos contribuintes, muito em especial quando haja erros de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário, praticados precisamente por serviços dessa administração.
Outra interpretação levaria a que, no limite, a administração tributária apenas agisse, quando estivessem em causa montantes que revertessem a seu favor, o que conduziria a uma desigualdade no procedimento contrária precisamente ao que o legislador preconiza para o processo tributário e arbitral.
29. É a AT que vai avaliar o bem fundado da petição, reconhecendo, ou não, em termos de revisão oficiosa, se o erro existe e pode ser considerado imputado aos serviços.
Da decisão tomada pelo respetivo serviço da AT decorre a possibilidade de impugnação, caso a mesma não corresponda à pretensão que tinha sido formulada, esta sim, já passível de apresentação em sede de recurso judicial ou arbitral.
30. Da informação prestada pela Alfândega do Freixieiro e pela Alfândega de Leixões constata-se que nenhum pedido de apresentação de pedido de revisão oficiosa da liquidação foi apresentado para os veículos declarados naquelas estâncias aduaneiras que foram objeto de liquidação de ISV e pagos, tendo em vista a obtenção de uma matrícula nacional pela Requerente.
31. Não o tendo feito, há uma incompetência material absoluta que o Tribunal Arbitral declara, dado que, em função das atribuições que lhe estão cometidas, não tem competência para, fora dos prazos prescritos por lei, em sede de recurso da liquidação ou do ato em que lhe é indeferida a pretensão de revisão dessa liquidação, se pronunciar arbitralmente sobre o mérito da causa, ocorrendo, por força do n.º 2 do artigo 576.º do Código do Processo Civil uma exceção dilatória que dá lugar à absolvição da instância.
Ainda que a Requerida a não tivesse invocado, sempre se dirá que em razão do n.º 2 do artigo 16.º do CPPT a incompetência absoluta em processo judicial é matéria de conhecimento oficioso.
32. A segunda exceção invocada pela Requerida tem a ver com a caducidade do direito de ação.
A resposta dada à primeira exceção prejudica a apreciação da segunda exceção que foi invocada, assim como de tudo o resto que foi invocado pela Requerente na respetiva petição, designadamente em sede impugnatória, uma vez que o Tribunal Arbitral não se encontra habilitado para a sua apreciação.
VII - DECISÃO
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
-
Julgar procedente a exceção dilatória da incompetência material absoluta do Tribunal Arbitral e, em consequência, absolver a Requerida da instância, relativamente ao pedido de revisão do ISV das DAV supra mencionadas.
-
Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
Valor do Processo:
Em conformidade com os artigos 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária é fixado como valor do processo a quantia de 13 520,83 € (treze mil quinhentos e vinte euros e oitenta e três cêntimos)
Custas:
Ao abrigo do artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em 918 €, (novecentos e dezoito euros) a cargo da Requerente.
Logo que se confirme o pagamento da taxa de arbitragem subsequente, notifique-se.
Lisboa, 25 de maio de 2022
O Árbitro Singular
António Manuel Melo Gonçalves