Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 478/2021-T
Data da decisão: 2022-07-22  IVA  
Valor do pedido: € 3.472.125,38
Tema: IVA. Atribuição de tablets/smartphones em subscrição de publicações. Transmissão de bens. Caráter gratuito ou oneroso. Arts. 3.º, n.ºs 1 e 3 al. f) do CIVA e 2.º, n.º 1, al. a) e 16.º da Diretiva IVA. TJ C-505/22 – Decisão de reenvio prejudicial (anexa à decisão).
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DECISÃO ARBITRAL

 

As árbitros designadas para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 2 de novembro de 2021, Alexandra Coelho Martins (presidente), Clotilde Celorico Palma, indicada pela Requerente, e Sofia Ricardo Borges, designada pela Requerida, acordam no seguinte:

 

 

I.         Relatório

 

A..., Lda., doravante “Requerente”, pessoa coletiva número..., com sede na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, na redação vigente. 

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também identificada por “AT”.

 

A Requerente peticiona a declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, autuada sob o n.º ...2020..., bem como das reclamadas autoliquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) referentes aos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018, no valor de € 2.562.500,65, e liquidações de juros compensatórios e de mora, no valor de € 270.936,70, resultantes de regularizações voluntárias no montante de € 3.472.125,38 realizadas no decurso de procedimento inspetivo àqueles anos.

 

A Requerente pretende ainda a condenação da Requerida à restituição do imposto e juros que considera indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, contados até à data do integral reembolso, ao abrigo do disposto no artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”) e no artigo 61.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”). A Requerente juntou 9 documentos e requereu a produção de prova testemunhal.

 

Em 9 de agosto de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, com a notificação da AT.

 

A Requerente designou como árbitro a Prof. Doutora Clotilde Celorico Palma, no uso da prerrogativa prevista no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.

 

Nos termos do disposto do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, e dentro do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1, a Requerida indicou como árbitro a Dra. Sofia Ricardo Borges.

 

As árbitros designadas pelas Partes comunicaram ao CAAD a designação da Dra. Alexandra Coelho Martins como árbitro presidente, conforme previsto nos artigos 6.º, n.º 2, alínea b) e 11.º, n.º 6 do RJAT.

 

Todas as árbitros comunicaram a aceitação do encargo, tendo o Exmo. Presidente do CAAD informado as Partes dessa designação em 12 de outubro de 2021, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT, não tendo estas manifestado oposição.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 2 de novembro de 2021.

 

            Em 7 de janeiro de 2022, a Requerida juntou o processo administrativo (“PA”) e a Resposta, tendo o Tribunal determinado o desentranhamento desta última por extemporaneidade, mantendo-se o processo administrativo por consubstanciar elemento de prova relevante para a descoberta da verdade material.

 

Em 21 de fevereiro de 2022, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, na qual foram inquiridas três testemunhas indicadas pela Requerente (tendo sido prescindida uma testemunha). O Tribunal determinou a notificação das Partes para, querendo, se pronunciarem sobre a intenção de colocar questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça sobre o conceito de ofertas de pequeno valor, convidando ainda a Requerente a juntar cópias de exemplos de faturas e de contratos de subscrição (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

 

Em 3 de março de 2022, a Requerente procedeu à junção de cópias de faturas, conforme solicitado pelo Tribunal, não tendo, porém, juntado exemplos de contratos de subscrição. Melhor, esclarecendo que “os contratos correspondiam aos mailings que eram (e continuam a ser) enviados aos clientes”, e juntando cópia dos mesmos. Pronunciou-se no sentido de ser pertinente a colocação de questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça.

 

Em 4 de março de 2022, a Requerida manifestou-se também em relação à auscultação do Tribunal de Justiça, não se opondo à mesma e apenas fazendo notar as questões a colocar deverem abranger “o quid para a existência do limite de 5 por mil do volume de negócios do ano anterior previsto no art.º 3.º n.º 7 do CIVA”.

 

Por despachos de 21 de abril e de 1 de julho de 2022, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.

 

 

Posição da Requerente

 

Como fundamento do seu pedido, a Requerente invoca erro de direito alegando que:

  1. A atribuição de “gadgets” efetuada a novos subscritores no momento da assinatura de publicações periódicas da Requerente não reveste caráter de liberalidade, inexistindo animus donandi;
  2. Estamos perante um pacote comercial, apresentando fins promocionais, publicitários e comerciais. Esse pacote é constituído por uma prestação de serviços (assinatura) associada a uma transmissão de bens (o “gadget”) com contrapartida pecuniária incluída no valor da assinatura da revista, ou seja, o preço final não é apenas o das revistas transacionadas, mas, antes, o preço descontado das revistas, mais o “gadget”;
  3. A referida atribuição é uma prática legítima, conforme aos usos comerciais;
  4. Não sendo uma liberalidade, não se subsume ao disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea f) do Código do IVA, cuja fonte é o artigo 16.º da Diretiva IVA[1], e não pode a escolha do nome que lhe é dado por si Requerente condicionar o enquadramento tributário em sede de IVA dos produtos que comercializa;
  5. Porém, ainda que se entendesse tratar-se de uma oferta de bens, o seu valor unitário é inferior a € 50,00, pelo que sempre seria enquadrável no conceito de reduzido valor previsto no artigo 3.º, n.º 7 do Código do IVA;
  6. O facto de globalmente os “gadgets” atribuídos ultrapassarem o montante de cinco por mil do volume de negócios do ano anterior não tem relação com o reduzido valor do bem transmitido, nem com a concretização legal do conceito de “oferta de pequeno valor”;
  7. O entendimento da AT viola o disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea f) e n.º 7 do Código do IVA e é desconforme ao artigo 16.º, II parágrafo da Diretiva IVA;
  8. A consideração do limite de cinco por mil do volume de negócios viola ainda os princípios da proporcionalidade, da neutralidade e da igualdade de tratamento ou não discriminação, porquanto:
    1. Impõe comportamentos aos operadores limitando a sua liberdade económica e a neutralidade;
    2. É excessivamente restritivo, retirando o efeito útil ao vertido no artigo 16.º da Diretiva;
    3. Discrimina os operadores económicos portugueses relativamente aos demais operadores de outros Estados-Membros que não impõem tal limite;
    4. Discrimina a Requerente em relação a operadores sedeados em território nacional cuja atividade depende de um menor número de clientes e/ou de margens de comercialização diferentes; e
    5. Excede o necessário para alcançar a finalidade de preservar eficazmente os direitos do Fisco, não existindo o risco de os sujeitos passivos fazerem ofertas de valor injustificado quando agem genuinamente com fins comerciais.

 

A Requerente sustenta que estando em causa a transposição para o direito interno do artigo 16.º da Diretiva IVA deve ser suscitado o reenvio prejudicial para aferição das dúvidas interpretativas e da (des)conformidade do regime português.

 

Posição da Requerida

 

            A Requerida não se opõe ao reenvio prejudicial e à suscitação, junto do Tribunal de Justiça, da questão da compatibilidade, à face do direito da União Europeia, do limite de cinco por mil  do volume de negócios do ano anterior previsto no artigo 3.º n.º 7 do Código do IVA, sem prejuízo de considerar que os Estados-Membros gozam de uma certa margem de apreciação no que respeita à sua interpretação do conceito de oferta de pequeno valor, desde que não desrespeitem a finalidade e a posição que essa disposição ocupa na economia da Diretiva IVA. Argui que os Estados-Membros podem fixar limites tomando em consideração diversas circunstâncias económicas e prever exceções para evitar abusos, enquadrando-se o limite dos cinco por mil do volume de negócios neste objetivo, prevenindo, nomeadamente, possíveis transmissões de dois bens em conjunto, “mas declarando um como oneroso sujeito a taxa reduzida e o outro formalmente como oferta gratuita, mas que na substância como onerosa configuraria uma transmissão de bens à taxa normal”.

 

 

            II.        Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos atos de autoliquidação de IVA, de liquidação de juros de mora e compensatórios controvertidos, sobre os quais recaiu decisão confirmativa, no contexto do ato secundário [Reclamação Graciosa] contra os mesmos deduzido, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT (no caso, releva a alínea e)), contado da notificação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, pelo ofício n.º..., de 12 de maio de 2021, tendo a ação arbitral dado entrada em 6 de agosto de 2021.

 

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

 

           

 

III.      Fundamentação de Facto

 

  1. Matéria de Facto Provada

 

            Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

  1. A..., Lda., aqui Requerente, é uma sociedade comercial que tem por objeto “Editar revistas e outro material informativo sobre defesa do consumidor” desenvolvendo, através do seu departamento editorial, publicações periódicas vocacionadas para o esclarecimento e proteção do consumidor, as quais vende através sistema de assinatura – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) junto como documento 4.
  2. A Requerente faz parte integrante do Grupo internacional da B..., que agrega diversas organizações de promoção e defesa dos interesses dos consumidores, incluindo empresas que, como a Requerente, se dedicam à atividade editorial, publicando revistas especializadas na área dos direitos, proteção e defesa dos consumidores – cf. RIT.
  3. As referidas empresas, por sua vez, estão ligadas a entidades de defesa dos direitos dos consumidores europeias, a saber: C... (Portugal); D... (Itália); E... (Espanha); e F... (Bélgica) – cf. RIT.  
  4. A Requerente adotou um modelo de negócio assente na subscrição de publicações periódicas (revistas), nomeadamente a Revista ..., a Revista ..., a ... e a ... . As revistas são exclusivamente comercializadas através do sistema de assinatura – cf. RIT e depoimentos das primeira e segunda testemunhas inquiridas.
  5. Para assegurar financeiramente a sua atividade, a Requerente necessita de um elevado número de subscritores das suas revistas – cf. depoimentos das primeira e terceira testemunhas inquiridas e documentos 8 e 9 juntos pela Requerente.
  6. Como forma de promoção comercial e de angariação de novos subscritores/clientes a Requerente adota várias técnicas de marketing, onde se incluem o “marketing direto” ou “paper mailing” através do envio de cartas em papel a potenciais subscritores, o “e-marketing”, mediante e-mails dirigidos aos mencionados clientes potenciais, e o “telemarketing” – cf. depoimentos das três testemunhas inquiridas.
  7. Neste contexto, tendo em vista a atração e a angariação de clientes em larga escala, a Requerente realiza campanhas promocionais atribuindo aos clientes que adiram a um plano de subscrições o direito a receber, além das revistas subscritas, um presente/brinde consubstanciado num “gadget” que pode ser um tablet, ou um smartphone, sempre com um valor unitário inferior a € 50,00, procedendo para o efeito a aquisições intracomunitárias nas quais aplica reverse charge, liquidando e deduzindo IVA – cf. RIT e depoimentos das três testemunhas inquiridas.
  8. O “presente de subscrição” é entregue ao subscritor, enviado por correio com as revistas, após a celebração de contrato de subscrição de publicações e pagamento da primeira mensalidade de subscrição que é de valor igual ao das mensalidades subsequentes, sendo que nos mailings enviados aos clientes, que funcionavam como sendo “os contratos”, e que eram devolvidos pelos clientes com a indicação do IBAN e autorização para débito direto, se lê, entre o mais: “(...) Receberei um fantástico Tablet como oferta de boas-vindas. Assim, pago apenas € 6,95 por mês, em vez de € 14. Para que possam cobrar o pagamento da minha subscrição, preencho agora a Autorização de Pagamento SEPA. (...) Será possível proceder ao cancelamento da subscrição, a qualquer altura (...).” – cf.  depoimentos das três testemunhas inquiridas, e doc. 5 ulteriormente junto pela Requerente a convite do Tribunal.
  9. Nas campanhas de novos subscritores em que são atribuídos os referidos brindes, o número de adesões/subscrições de assinaturas é consideravelmente superior ao que se verifica quando não são utilizadas estas técnicas de atração de clientes. Por essa razão, dada a sua eficácia, esta metodologia de promoção comercial tem sido historicamente utilizada pela Requerente e pelas demais entidades do grupo B...– cf. depoimentos das três testemunhas inquiridas e documentos 8 e 9 juntos pela Requerente.
  10. Uma parte dos novos subscritores/clientes cancela o plano de subscrição a partir do segundo mês e uma parte substancial até ao final do primeiro ano. A Requerente não aplica um período de fidelização, pelo que os clientes que paguem apenas um ou dois meses ficam com o brinde e não sofrem qualquer penalização – cf. RIT e depoimento das três testemunhas inquiridas.
  11. O valor global dos brindes atribuídos aos novos subscritores ultrapassou em cada um dos anos anteriores[2] aos das correções em referência cinco por mil do volume de negócios da Requerente – cf. RIT.
  12. As faturas emitidas pela Requerente relativas às mensalidades das revistas subscritas com atribuição de brindes contêm a menção:
  1. À assinatura da(s) revista(s), com aplicação da taxa reduzida, de 6%, sobre o correspondente valor; e, em alguns casos,
  2. À “quota A...”, debitada com isenção de IVA nos termos do artigo 9.º do Código deste imposto,

ou seja, nas faturas emitidas não consta qualquer referência à transmissão/atribuição de brindes ou presentes de boas vindas – cf. documentos ulteriormente juntos pela Requerente a convite do Tribunal.

  1. Em 2019 foi realizado um procedimento inspetivo externo à Requerente que abrangeu o IRC e o IVA e os anos 2015, 2016, 2017 e 2018, em cumprimento das ordens de serviço OI2018... [2015]; OI2019... [2016]; OI2019... [2017]; OI2019... [2018] – cf. RIT.
  2. Na sequência do referido procedimento, mantendo-se o enquadramento efetuado pela Requerente como “ofertas”, foram propostas à Requerente, no Projeto de Relatório, correções de IVA no valor global de € 3.472.125,38, por ultrapassagem do limite de cinco por mil previsto na lei portuguesa para delimitar as “ofertas de pequeno valor”. Este valor (correções) é repartido pelos anos em causa nos seguintes moldes:
  1. 2015 – € 1.496.614,81;
  2. 2016 – € 877.529,54;
  3. 2017 – € 604.495,72;
  4. 2018 – € 493.485,31,

sendo que o valor de aquisição dos “gadgets” atribuídos pela Requerente aos novos subscritores em cada um dos anos foi de:

aa)  2015 - € 6.714.047,11;

bb)  2016 - € 4.051.000,25;

cc)  2017 - € 2.878.369,57;

dd)  2018 - € 2.387.899,57.

– cf. RIT

  1. A Requerente apresentou voluntariamente declarações de substituição relativas ao mês de dezembro de cada um dos anos de 2015 a 2018, procedendo à autoliquidação dos valores de IVA referidos no ponto anterior que, tendo em conta o consumo de montantes de crédito de imposto a favor da Requerente, resultaram no pagamento efetivo (dispêndio monetário) de € 2.851.551,41, nos quais se incluem € 270.936,70 de juros de mora e compensatórios – cf. documentos 2, 5 e 6 juntos pela Requerente.
  2. Nesta sequência, foi emitido o Relatório de Inspeção Tributária, que infra se transcreve na parte relevante para a matéria em discussão nos presentes autos:

“[…]

I.4. CONCLUSÕES DA AÇÃO DE INSPEÇÃO – RESUMO

Como resultado da ação inspetiva de âmbito polivalente aos impostos de IRC e IVA, ao exercício de 2015, e univalente ao Imposto do IVA aos exercícios de 2016, 2017 e 2018 forem detetadas irregularidades, as quais se encontram discriminadas e fundamentadas no Capítulo IV e VIII deste relatório:

Regularizações Voluntárias

  • 2015 – IVA – Imposto: € 1.496.614.81 (após assinatura da Ordem de Serviço) – Capítulo IV;
  • 2016 – IVA – Imposto: € 877.529,54 (antes assinatura da Ordem de Serviço) – Capítulo VIII;
  • 2017 – IVA – Imposto: € 604.495,72 (antes assinatura da Ordem de Serviço) – Capítulo VIII;  
  • 2018 – IVA – Imposto: € 493.485,31 (antes assinatura da Ordem de Serviço) – Capítulo VIII.

[…]

II – OBJETIVOS, ÂMB1TO E EXTENSÃO DA AÇÃO INSPETIVA

II.1. Credencial e período em que decorreu a ação

Em cumprimento das ordens de serviço n.º:

  • OI2018..., com despacho datado de 2018-03-23, exercício de 2015 ;
  • OI2019..., com despacho detad0 de 2019-07-17, exercício de 2016;
  • OI2019..., com despacho datado de 2019-07-17, exercício de 2017;
  • OI2019..., com despacho datado de 2019-07-30, exercício de 2018,

nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.ºs 1 e 2 alínea a) e 12.º, n.º 1, ambos do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro e atualizado pela Lei n.º 75-A/2014, de 30 de Setembro, foram ordenadas ações inspetivas  externas aos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2018 ao sujeito passivo A... LDA […], na área do Serviço de Finanças de LISBOA-... (código ...). 

[…]

II.2. Motivo, âmbito e incidência temporal

2015

Para o exercício de 2015, a ação inspetiva resultou duma proposta de abertura de procedimento de inspeção, elaborado na sequência da análise efetuada no Documento de Acompanhamento Permanente (DAP), onde se detetou a necessidade de efetuar uma verificação mais aprofundada à evolução dos prejuízos e às deduções no Q07 da Modelo 22.

Foi iniciada como ação externa, ao exercício de 2015, com âmbito parcial ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e a 2019-02-12 foi alterado o âmbito, nos termos do art 15º n.º 1 do RCPITA, por terem sido detetadas situações suscetíveis de análise em sede do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), passando a ação a externa parcial aos Impostos de IRC e IVA.

2016, 2017 e 2018

Para os exercícios de 2016, 2017 e 2018 as ações inspetivas resultaram de, no decurso da análise ao exercício de 2015, terem sido detetadas situações suscetíveis de análise em sede do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), pelo que, foram abertas como aç5es externas, de âmbito parcial ao imposto do IVA.

II.3. Objeto Social e Enquadramento Fiscal da Atividade Exercida

O objeto social da sociedade A... LDA, de ora em diante designada por A... ou sujeito passivo, é «Editar revistas e outro material informativo sobre defesa do consumidor».

De acordo com o sujeito passivo, o seu objeto social consiste «no desenvolvimento através do seu departamento editorial, de publicações periódicas vocacionadas para o esclarecimento e proteção do consumido[r] as quais vende através sistema de assinatura».

De referir que a A... se encontra inserida no GRUPO Internacional B... .

A B... é um grupo líder internacional de organizações de consumidores criado para promover e defender os interesses dos consumidores, resolver os seus problemas e ajudá-los a exercer os seus direitos fundamentais. É uma organização sem fins lucrativos formada pelas seguintes organizações de Defesa do Consumidor Europeias:

  • a A..., associação Portuguesa de defesa do consumidor;
  • a B..., associação Italiana de defesa do consumidor;  
  • a E..., associação Espanhola de defesa ao consumidor;
  • a F..., associação Belga de defesa do consumidor;
  • a A... associação Brasileira de defesa do consumidor.

A C... (C...) é a maior e mais antiga associação Portuguesa de Defesa do Consumidor e surgiu a 12 de Fevereiro de 1974, da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES).

Em 1978 foi lançado o número zero da revista ... destinada a set distribuída pelos sócios da associação. Em 1986 iniciou a profissionalização dos seus quadros não só para as questões relacionadas com a divulgação das pesquisas a produtos e serviços, como para a edição da revista ... que iniciou a sua publicação mensal a partir de Janeiro desse ano. Iniciou-se no mesmo ano o apoio jurídico aos associados.

Esta nova estratégia da A... foi suportada financeiramente quer pelo Governo Português através do então Instituto de Defesa do Consumidor, quer pela Comissão Europeia – DGXI e pelo BEUC, que é a cúpula europeia das organizações de consumidores.

Dada a necessidade de ampliar e profissionalizar a equipa editorial, a A..., em conjunto com a B..., fundou, em 1991, uma editora – a G..., PARA A C..., LDA, a atual A... .

Ao longo dos anos, o número de publicações foi-se alargando e, em 2011, a A... editava, além da ..., a..., a ... e a ... . Sob a designação A...– Guias Práticos, a A... edita vários livros sobre os mais variados temas: Informática, Bricolage, Economia, Seguros, Direitos do Consumidor, Direitos do Trabalhador, Saúde, Segurança, entre outros.

II.3.1. Em sede de IRC

     […]

II.3.1. Em sede de IRC

De acordo com a base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), a A... iniciou a atividade em 1991-05-01, encontrando-se, nos exercícios em análise, enquadrada no Regime Geral de Tributação e, em termos de atividade enquadrada na Código de Atividade Económica (CAE):

Principal:           58140 – EDIÇÃO DE REVISTAS E DE OUTRAS PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS.

Secundário 1:     85593 – OUTRAS ACTIVIDADES EDUCATIVAS, N.E.

Secundário 2:     85591 – FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Secundário 3: 70220 – OUTRAS ACTIVIDADES CONSULTORIA PARA OS NEGÓCIOS E A GESTÃO

II.3.2. Em sede de IVA

Em sede de IVA, o sujeito passivo, encontra-se enquadrado no Regime Normal, Mensal.

II.4. Representantes Fiscais do Sujeito Passivo

[…]

     II.5. Cumprimento formal das Obrigações Fiscais/Existência de Dívidas Fiscais

Quando da consulta ao sistema informático da AT, confirmámos que o sujeito passivo objeto de análise face à atividade exercida, e ao disposto legalmente, cumpriu com as suas obrigações declarativas através da entrega das respetivas declarações […].

II.6. Infração à Obrigação de Emissão de Faturas

A A... é uma empresa que edita revistas especializadas. As revistas e guias práticos que são publicados são pensados para informar, defender e apoiar os consumidores.

Sendo estas as Revistas que a própria A... apresenta deste modo:

  • ...– É nesta revista mensal que encontra grande parte dos nossos testes a pequenos e grandes eletrodomésticos, equipamentos da área da tecnologia, últimos gritos em “gadgets”, automóveis, entre outros produtos. Divulgamos também inquéritos e estudos para encontrar os melhores serviços aos melhores preços.
  • ...– Promove a qualidade e a segurança de produtos e serviços de saúde, permite decidir com base em evidência científica e luta pelo acesso e qualidade dos cuidados de saúde, medicamentos e segurança alimentar. Revista bimestral. Após 1 ano de subscrição, recebe gratuitamente o Cartão de Saúde, com descontos em consultas, serviço de médico em casa, envio de medicamentos, entre outros serviços, para todo o agregado familiar.
  • ...– Poupe centenas de euros por ano e receba a orientação legal adequada para defender os seus direitos com esta revista bimestral. Crédito à habitação, seguros, fiscalidade, cláusulas de contratos e comissões bancárias são algumas das áreas de ação e temas complexos simplificados. Ao assinar receberá também o Guia Fiscal, um suplemento anual para os subscritores da ..., que ajuda a preencher a declaração de IRS e cumprir obrigações fiscais.
  • ... Conselhos financeiros da A... através de publicações semanais e mensais. Dedica-se à análise de produtos financeiros, como obrigações, fundos, depósitos a prazo, produtos estruturados, imobiliário, e as melhores alternativas para investir e poupar. Disponibiliza ainda linhas telefónicas de apoio e ações de formação online e presenciais.
  • ...– Mais de 60 títulos sobre condomínio, arrendamento, impostos (GUIA FISCAL), emprego, saúde e bem-estar, alimentação, desporto, entre outros temas. Os subscritores da ... podem pedir um guia por mês do catálogo Veja o catálogo completo dos guias práticos e encomende na loja online. Ao subscrever o ..., beneficia de vantagens exclusivas. Todos os anos, no guia, incluímos um dossiê especial sobre um determinado tipo de vinho ou uma região demarcada. Como ler um rótulo, servir, degustar e conservar são algumas das informações que também encontra.

Através da angariação de subscritores das revistas é feita igualmente a angariação de novos sócios para a C..., a associação para defesa do consumidor. Se o subscritor da revista aceita ser sócio da C..., a A... cobra e fatura a quota em nome da C..., sendo esta última, abatida às vendas e o valor entregue à C... .

Assim os Rendimentos referem-se essencialmente a:

•   Subscrição das Revistas;

•   Prestações de serviço intra-grupo (redébitos de encargos).

Foram analisados alguns documentos selecionados por amostragem. Tendo-se detetado o seguinte: A A... só emite faturas aos seus subscritores quando solicitado.

[…]

VI – REGULARIZAÇÕES EFETUADAS PELO SP NO DECURSO DA AÇÃO DE INSPEÇÃO

VI. 1. Regularizações em sede de IVA – Ofertas aos Clientes – 2015

Da nossa análise verificámos que a A... procedeu à oferta de “tablet's”, telemóveis, etc., aos novos clientes (subscritores).

Para tal, no exercício de 2015, verificou-se que adquiriu este tipo de bens ao fornecedor Belga F... e italiano D... . Dado tratar-se de aquisições intracomunitárias, a A... aplicou o “reverse charge”, tendo liquidado e deduzido o IVA desses bens.

Estes bens encontram-se em “stock”, contabilizados na conta #32110200 – “STOCKS –PREMIOS" e à medida que são angariados novos clientes, o bem oferecido sendo contabilizado como um encargo, na conta #61120020 – “CONSUMOS PRÉMIOS”.

Na conta #61120020 – “CONSUMOS PRÉMIOS”, para além das ofertas, encontra-se também contabilizado, o valor dos bens que, não tendo sido oferecidos, são devolvidos aos próprios fornecedores, por contrapartida da conta de Rendimentos #71500010 –“REINVOICING GADGETS”.

Dado tratar-se de ofertas aos clientes foram analisadas as operações, em sede de IVA, de acordo com o regime de transmissão gratuita de amostras e de ofertas de pequeno valor previsto na alínea f) do n.º 3, conjugado como o n.º 7, ambos do artigo 3º do CIVA.

Na realidade o artigo 3.º do CIVA, define o conceito de transmissão de bens e a alínea f) do n.º 3 deste artigo considera como tal a transmissão gratuita de bens quando, relativamente a tais bens ou aos elementos que os constituam, tenha havido dedução total ou parcial do imposto, excluindo-se, porém, do regime estabelecido por esta alínea f) as amostras e as ofertas de pequeno valor e em conformidade com os usos comerciais.

A este respeito, interessa, pela leitura da Informação Vinculativa – Ficha Doutrinária,  Processo: nº 731 , por despacho do Diretor-Geral, em 2010-06-15; que versa sobre esta matéria, fazer o enquadramento, em sede IVA, dos bónus, ofertas e descontos bem como de bens contendo publicidade:

     -«……..

     6. Decorre do anteriormente referido que, quando se trate da entrega de produtos diferentes dos faturados ao cliente, se está perante uma oferta, que será tributada ou não em IVA, consoante o seu valor unitário.

     7. Deste modo, há que recorrer ao disposto na alínea f) do n.º 3 do art.º 3.º do CIVA, nos termos do qual se consideram transmissões de bens, as transmissões gratuitas de bens da empresa, quando, relativamente aos mesmos, tenham havido dedução total ou parcial do imposto.

     8. Não há, contudo, sujeição a imposto, ainda que tenha havido lugar à dedução total ou parcial do IVA contido nos bens objeto de transmissão gratuita, nos casos em que, em conformidade com o disposto no n.º 7 do art.º 3º do CIVA, se esteja perante ofertas de valor unitário igual ou inferior a € 50,00 e cujo valor global anual não exceda cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais.

     9. Caso o valor da oferta ultrapasse o valor estabelecido no n.º 7 do art.º 3º do CIVA, há obrigatoriedade de liquidação de imposto, salvo, naturalmente, se não tiver exercido o direito à dedução do correspondente imposto suportado a montante.

     10. A oferta pode ser constituída por bens comercializados ou produzidos pelo próprio ou por bens adquiridos a terceiros.

     11. Nas situações em que o valor da transmissão gratuita dos bens ultrapasse o valor estabelecido no n.º 7 do art.º 3º do CIVA e se estiverem em causa bens que se encontram desonerados de IVA, por o imposto que incidiu sobre a respetiva aquisição ter sido deduzido total ou parcialmente, a sua entrega é assimilada a uma transmissão onerosa de bens, sendo sujeita a tributação.

     12. Nesse caso, o respetivo valor tributável, de acordo com a alínea b) do n.º  do art.º 16.º do CIVA, é o preço de aquisição dos bens ou de bens similares ou, na sua falta, o preço de custo, reportados ao momento da realização das operações.

     …….» -

Foi analisado o valor unitário das ofertas e verificou-se que se encontra abaixo de € 50,00, pelo que estas ofertas estão excluídas do regime de transmissão gratuita de amostras e de ofertas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais, «pressupondo que o valor anual ofertas não exceda cinco por mil do volume de negócios da empresa no ano anterior».

Ora, comparando o valor total das ofertas, em 2015, que ascendeu a € 6.714.047,11 (valor registado na conta #61120020 – “CONSUMOS PRÉMIOS” diminuído do valor dos bens devolvidos aos fornecedores, registado na conta #71500010 – “REINVOICING- GADGETS”), com o volume de negócios do ano anterior, que ascendeu a €  41.405.239,45 e  multiplicando por cinco por mil, vamos confirmar que o valor anual das ofertas, em 2015, excedeu o limite em € 6.507.020,91. Ora, tendo sido exercido o direito à dedução, nas aquisições destas ofertas, aquele valor está sujeito ao regime de transmissão gratuita da amostras e ofertas e de acordo com o n.º 7 do artigo 3º do CIVA há obrigatoriedade liquidar o IVA desta transmissão gratuita.

     Analisando os exercícios posteriores, verificámos que o procedimento se mantém, pelo que ao efetuarmos análise idêntica, resulta em falta de liquidação de IVA, de acordo com o n.º 1 do artigo 18º do CIVA, nas últimas declarações do ano, ou seja: 201512, 201612, 201712 e 201812.

Descrição

Valor Euros

Ano n

2015

2016

2017

2018

Volume Negócios (n-1)

a

41.405.239,45

47.130.883,22

50.025.465,74

48.462.250,31

limite 5%o

b

0,005

0,005

0,005

0,005

Limite Ofertas para (n)

c=axb

207.026,20

235.654,42

250.127,33

242.311,25

 

 

 

 

 

 

Consumo Prémios-#611 (n)

d

6.769.151,20

4.126.492,95

3.292.247,65

2.387.899,57

Reinvoicing Gadgets-#71500010 (n)

e

55.104,09

75.492,70

413.878,08

-

Ofertas-#611 (n)

f=d-e

6.714.047,11

4.051.000,25

2.878.369,57

2.387.899,57

 

 

 

 

 

 

Excede=Transmissão Gratuita

g=f-c

6.507.020,91

3.815.345,84

2.628.242,24

2.145.588,32

Taxa IVA 23%

h

0,23

0,23

0,23

0,23

Correção IVA Liquidado

l=gxh

1.496.614,81

877.529,54

604.495,72

493.485,31

 

 

Durante a ação de inspeção o contribuinte regularizou a sua situação tributária voluntariamente, tendo procedido à liquidação de IVA no período de 201512 do valor de € 1.496.614,81, entregando, para o efeito, a declaração de substituição – Anexo V:

Declaração de IVA 201512:

  • ID: ... com data de receção a 2019-08-26.

Constata-se assim, encontrar-se regularizada voluntariamente para o exercício de 2015, a correção anteriormente proposta.

Para os exercícios seguintes o sujeito passivo corrigiu as suas declarações de IVA após o envio das cartas aviso e antes do início das ações de inspeção.

[…]”

VII – INFRAÇÕES VERIFICADAS

[…]

VIII – OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES

VIII. 1. Regularizações em sede de IVA – Ofertas aos Clientes – 2016, 2017 e 2018

Após o envio da Carta Aviso e antes da assinatura das Ordens de Serviço OI2019..., OI2019... e OI2019..., relativas ao exercício de 2016, 2017 e 2018, o sujeito passivo, no âmbito do princípio da colaboração, de acordo com o artigo 59º da LGT, procedeu ao envio dos elementos comprovativos da regularização da sua situação tributária, tendo espontaneamente solicitado o pagamento das coimas reduzidas antes do início da inspeção. Para tal procedeu à entrega dos documentos comprovativos da regularização voluntária e o pedido de redução de coimas ao abrigo do artigo 29º do RGIT – Anexo VI.

Antes do início da ação de inspeção o contribuinte regularizou a sua situação tributária voluntariamente, tendo procedido à liquidação de IVA nos períodos:

  • 201612 do valor de  € 877.529,54;
  • 201712 do valor de  € 604.495,72;
  • 201812 do valor de  € 493.485,31.

Entregando para o efeito as seguintes declarações – Anexo VII:

•   ID: ... com data de receção a 2019-08-26 (201612).

•   ID:... com data de receção a 2019-08-26 (201712).

•   IO: ...com data de receção a 2019-08-26 (201812).

Constata-se assim, encontrarem-se regularizadas voluntariamente, para os exercícios de 2016, 2017 e 2018 as correções anteriormente propostas.

Deste modo, propõe-se o encerramento das Ordens de Serviço com regularizações voluntárias em sede de IVA.

[…]”

  1. A AT emitiu liquidações de juros de mora e de juros compensatórios no valor total de € 270.936,70, que foram pagos pela Requerente – cf. documentos 3 e 6 juntos pela Requerente.
  2. A Requerente não se conformou com as autoliquidações de IVA efetuadas, em observância do entendimento da Requerida vertido no Relatório de Inspeção Tributária, através de declarações de substituição para os anos de 2015, 2016, 2017 e 2018, e apresentou Reclamação Graciosa pugnando pela anulação dessas autoliquidações e, bem assim, das liquidações de juros de mora e compensatórios a que foi sujeita – cf. PA.
  3. A Reclamação Graciosa foi indeferida, por despacho de 11 de maio de 2021, do Diretor adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo de delegação de competências, notificado à Requerente pelo ofício n.º ..., de 12 de maio de 2021 – cf. documento 1 junto pela Requerente.
  4. Constituem fundamentos do indeferimento da Reclamação Graciosa os seguidamente transcritos:

[…]

V – ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER

17. Na sequência da submissão voluntária das declarações periódicas de substituição – períodos 2015-12, 2016-12, 2017-12 e 2018-12, resultaram das mesmas as liquidações ora contestadas, referidas no ponto 1, as quais originaram repercussões nos sucessivos períodos seguintes a nível do campo 61- Excesso a reportar para o período seguinte.

18. Como acima descrito, refere a reclamante, que, no âmbito da sua atividade, desenvolve publicações periódicas, que são comercializadas através de um sistema de assinatura mensal, sendo que, por cada assinatura contratada, é atribuído um brinde ao subscritor, de valor unitário inferior a € 50,00, alegando, que os brindes não se tratam de ofertas de bens, sendo concedidos por efeito da sua transmissão de bens.

19. Ora, importa aqui fazer referência à Informação Vinculativa – Ficha Doutrinária – Proc.º 731 (Despacho do Diretor-Geral de 2010-06-15), a qual esclarece que «(…) quando se trate da entrega de produtos diferentes dos faturados cliente, se está perante uma oferta, que será tributada ou não, consoante o seu valor unitário. (…) A oferta pode ser constituída por bens comercializados ou produzidos pelo próprio ou por bens adquiridos a terceiros.», pelo que, no caso em apreço se considera tratar-se de ofertas a clientes.

20. De relevar para a presente reclamação, o enquadramento, em sede de IVA, das operações efetuadas que determinaram as aludidas correções em sede de procedimento inspetivo, de acordo com o regime de transmissão gratuita de amostras e de pequenas ofertas de pequeno valor, previsto na alínea f) do n.º 3 conjugado com o n.º 7, ambos do art.º 3.º do CIVA.

21 . O conceito de transmissão de bens aí definido (artº 3º do CIVA), considera como tal, a  transmissão gratuita de bens quando, relativamente a tais bens ou aos elementos que os  constituam, tenha havido dedução total ou parcial do imposto.

22. Porém, excluem-se do regime estabelecido na alínea f) do nº 3, os bens não destinados a posterior comercialização que, pelas suas características ou pelo tamanho ou formato diferentes do  produto que constitua a unidade de venda, visem, sob a forma de amostras, apresentar ou  promover bens produzidos ou comercializados pelo próprio sujeito passivo, assim como as ofertas de valor unitário igual ou inferior a € 50 e cujo valor global anual não exceda cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais, conforme o disposto no n.º 7 do art.º 3.º do CIVA.

23. Contudo, tal como é referido no relatório dos Serviços de Inspeção Tributária (SIT), «(…) comparando o valor total das ofertas, em 2015, que ascendeu a € 6.714.047,11 (…), com o volume de negócios do ano anterior, que ascendeu a € 41.405.239,45 e multiplicando por cinco por mil, vamos confirmar que o valor anual das ofertas, em 2015, excedeu o limite em € 6.507.020,91.»

24. A mesma análise foi efetuada para os anos seguintes, 2016, 2017 e 2018, sendo que o resultado foi idêntico.

25. Ora, uma vez que foi exercido o direito à dedução, nas aquisições dessas ofertas, aquele valor está sujeito ao regime de transmissão gratuita de amostras e ofertas, havendo obrigatoriedade de liquidar o imposto (IVA) desta transmissão gratuita, de acordo com o disposto no n.º 7 do art.º 3.º do CIVA.

26. Relativamente à exclusão do âmbito de incidência do IVA das ofertas de reduzido valor, para além da referência a valores quantitativos, a remissão para os usos comerciais tem inerente que haja obrigatoriamente um fim empresarial em vista, de modo a não abranger as liberalidades desprovidas de qualquer intenção de divulgação ou promoção da imagem da empresa ou dos seus produtos, na relação que estabelece com os outros.

27. A lei portuguesa, seguindo a linha da Diretiva IVA, recorre a uma cláusula geral ou conceito indeterminado na definição das ofertas não equiparáveis a transmissões onerosas. As ofertas a excluir do regime geral de equiparação das transmissões gratuitas a transmissões onerosas têm de ser de “pequeno valor” e devem estar “em conformidade com os usos comerciais”.

28. Atendendo ao acima descrito temos, por correta. a interpretação dos factos e da lei efetuada pela Inspeção Tributária e, consequentemente, o apuramento das liquidações ora reclamadas.

29. Face ao exposto, conclui-se que as liquidações postas em crise, consubstanciam a regularização das anomalias detetadas em sede de procedimento inspetivo, sendo certo que o correspondente relatório de inspeção explicita devidamente o quadro legal aplicável à situação em análise, bem como os factos que justificaram as irregularidades detetadas.

30. Na presente sede, a reclamante vem juntar à petição documentação em tudo idêntica á que já tinha sido apresentada em sede de ação inspetiva, não apresentando qualquer elemento novo suscetível que venha pôr em causa as correções efetuadas.

31. Em sequência, conclui-se não ser de atender à pretensão da reclamante quanto à anulação das liquidações contestadas, relativas aos anos de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019.

32. Nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque», o que  significa que os fundamentos apresentados pela reclamante para sustentar a reclamação apresentada terão de ser provados pela mesma.

33. Cumpre ainda referir que por não se verificarem “in casu” os pressupostos do n.º 1 do art.º 43.º da LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios – cf. documento 1 junto pela Requerente. […]”

  1. Em 6 de agosto de 2021, por não se conformar com as referidas autoliquidações de IVA, liquidações de juros de mora e de juros compensatórios e com o indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida contra tais atos tributários, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – conforme registo no sistema de gestão processual do CAAD.

 

            2.         Factos não Provados

 

Não se provou que a periodicidade da assinatura das publicações da Requerente que confere o direito ao “presente de subscrição” aos novos assinantes tenha de ser “anual” (artigos 32.º e 34.º do pedido de pronúncia arbitral – “ppa”). 

 

Com relevo para a decisão, não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

3.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos por ambas as Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos que, de um modo geral, nos pontos essenciais não apresentam dissonâncias.

 

Foram também relevantes os depoimentos das três testemunhas inquiridas que manifestaram conhecimento direto das matérias a que responderam, contextualizando e descrevendo o modelo de negócio, as motivações das campanhas promocionais, suas implicações na atividade da Requerente e procedimentos adotados.

 

Os depoimentos de H..., Diretor Nacional da Requerente, (primeira testemunha) e de I..., Diretor Comercial e de Marketing (segunda testemunha) apenas revelaram conhecimento direto de uma parte do período abrangido na presente ação, pois o ingresso destes ao serviço da Requerente ocorreu em setembro de 2018 e outubro de 2017, respetivamente, remontando os factos a 2015, 2016, 2017 e 2018. Não obstante, foi percetível do depoimento da terceira testemunha inquirida, J..., Diretor Financeiro, que é colaborador da Requerente há 21 anos, que existe uma continuidade de políticas e procedimentos, sendo o contexto e práticas dos anos anteriores idêntico.

 

 

            IV.      Do Direito

 

            1.         Questões Decidendas

 

            As questões em discussão nos presentes autos respeitam ao enquadramento da atribuição de brindes (in casu, “gadgets”) pela Requerente a novos subscritores de assinaturas das suas publicações periódicas, no âmbito das campanhas promocionais de angariação de clientes.  Reconduzem-se, essencialmente, a dois pontos:

 

  • O primeiro consiste em saber se esta atribuição constitui uma verdadeira oferta ou transmissão gratuita, na aceção do IVA, ou se, diversamente, estamos perante um pacote comercial global com contrapartida pecuniária, em que a assinatura da(s) revista(s) está associada à transmissão do brinde (o “gadget”), sendo o valor recebido o preço transacional do conjunto comercializado, abrangendo as revistas e o “gadget”. Dito por outras palavras, nesta última hipótese uma parte do preço suportado pelos subscritores corresponderia ao pagamento/contraprestação pela aquisição do “gadget”, pelo que não existiria qualquer liberalidade ou subsunção ao disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea f) do Código do IVA;
  • Em segundo lugar, caso se conclua que a atribuição do “gadget” constitui uma oferta ou transmissão gratuita de bens, sendo o seu valor unitário sempre inferior a € 50,00, está em causa aferir se o estabelecimento, pelo artigo 3.º, n.º 7 do Código do IVA, a par do limite quantitativo unitário de € 50,00, de um limite quantitativo global de cinco por mil de brindes atribuídos em função do volume de negócios do sujeito passivo (reportado ao ano anterior) é conforme ao disposto no artigo 16.º, 2.º parágrafo da Diretiva IVA e constitui critério adequado ao recorte do conceito de “ofertas de pequeno valor” previsto nesta norma. Em caso afirmativo, acresce determinar se o dito limite de cinco por mil do volume de negócios viola os princípios da proporcionalidade, da neutralidade e da igualdade de tratamento e não discriminação.

 

            Interessa sublinhar que ambas as Partes confluem no entendimento de que a atribuição dos “gadgets” nos moldes acima descritos é uma prática legítima, dentro dos usos comerciais, e que tem por objetivo a atração e captação de novos clientes.

 

            2.         Quadro Legal

 

            Interessa começar por compulsar o disposto no Código do IVA português, em concreto no seu artigo 3.º, n.º 1, n.º 3, alínea f) e n.º 7 e, bem assim, o regime da Diretiva IVA (2006/112/CE, de 28 de novembro de 2006), cujas coordenadas conformam o direito interno, de acordo com o preceituado no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição[3] e com o princípio do primado do direito da União Europeia[4].

 

            No Direito Interno

 

O artigo 3.º, n.º 1, n.º 3, alínea f) e n.º 7 do Código do IVA, consagra o seguinte:

 

Artigo 3.º
Conceito de transmissão de bens
 

1 - Considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.

[…]

3 - Consideram-se ainda transmissões de bens, nos termos do n.º 1 deste artigo:

[…]

f) Ressalvado o disposto no artigo 26.º, a afectação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto; (sublinhado nosso)

[…]

7 - Excluem-se do regime estabelecido na alínea f) do n.º 3, nos termos definidos por portaria do Ministro das Finanças, os bens não destinados a posterior comercialização que, pelas suas características, ou pelo tamanho ou formato diferentes do produto que constitua a unidade de venda, visem, sob a forma de amostra, apresentar ou promover bens produzidos ou comercializados pelo próprio sujeito passivo, assim como as ofertas de valor unitário igual ou inferior a (euro) 50 e cujo valor global anual não exceda cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais.” (sublinhado nosso)

 

Artigo 18.º - Taxas do imposto

1. As taxas do imposto são as seguintes:

a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 6%;

b) (…)

c) Para as restantes importações, transmissões de bens e prestações de serviços, a taxa de 23%.

(…)

7. Às prestações de serviços por via electrónica, nomeadamente as descritas no anexo D, aplica-se a taxa referida na alínea c) do n.º 1.

(…)

9. A taxa aplicável é a que vigora no momento em que o imposto se torna exigível.

 

            A Portaria n.º 497/2008, de 24 de junho, que regulamenta as condições delimitadoras do conceito de amostras e de ofertas de pequeno valor e define os procedimentos e obrigações contabilísticas a cumprir pelos sujeitos passivos deste imposto, para efeitos de aplicação do disposto no n.º 7 do artigo 3.º do Código do IVA, estabelece, com relevância para a matéria dos autos, no seu artigo 3.º, sob a epígrafe “Delimitação do conceito de oferta”:

 

1 - A oferta pode ser constituída por bens comercializados ou produzidos pelo sujeito passivo ou por bens adquiridos a terceiros.

2 - Quando a oferta seja constituída por um conjunto de bens, o valor de (euro) 50, a que se refere o n.º 7 do artigo 3.º do Código do IVA, aplica-se a esse conjunto.

3 - Excluem-se do conceito de oferta os bónus de quantidade concedidos pelo sujeito passivo aos seus clientes.”

 

No Direito da União Europeia

 

A Diretiva IVA que institui o sistema harmonizado deste imposto, de acordo com o artigo 113.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), prevê, no seu artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e c), integrado no Título I – “Objeto e Âmbito de Aplicação”, a sujeição a IVA das transmissões de bens e das prestações de serviços “efetuadas a título oneroso”.

 

Adicionalmente, no Título IV, relativo às Operações Tributáveis, Capítulo 1 – Entregas [transmissões] de bens, a Diretiva contém uma norma que rege as situações de equiparação de transmissões gratuitas a operações efetuadas a título oneroso, com a consequente tributação, nos seguintes termos:

 

Artigo 16.º

É assimilada a entrega de bens efectuada a título oneroso a afectação, por um sujeito passivo, de bens da sua empresa ao seu uso próprio ou do seu pessoal, a transmissão desses bens a título gratuito ou, em geral, a sua afectação a fins alheios à empresa, quando esses bens ou os elementos que os constituem tenham conferido direito à dedução total ou parcial do IVA.

Todavia, não é assimilada a entrega de bens efectuada a título oneroso a afectação a ofertas de pequeno valor e a amostras efectuadas para os fins da empresa.

 

            3.         Enquadramento das Questões e Reenvio Prejudicial

 

            Na situação dos presentes autos a Requerente comercializa a assinatura de revistas de publicação periódica, publicitando, pelos meios de marketing que utiliza, a informação de que os novos subscritores receberão um brinde ou presente de “boas vindas” quando da subscrição. É também indiscutível que este brinde não é mencionado na faturação emitida pela Requerente aos subscritores, documento que se limita a indicar a assinatura da(s) revista(s)[5] por contrapartida do valor da mensalidade em causa.

 

            As duas questões que, neste âmbito, importa solucionar respeitam à aplicação dos conceitos de “transmissão gratuita” e de “afetação a ofertas de pequeno valor”, postulando a interpretação do artigo 16.º da Diretiva IVA, que deve ser uniforme.

 

            Com efeito, decorre das “exigências tanto de aplicação uniforme do direito comunitário como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito comunitário que não contenha qualquer remissão expressa para o direito dos Estados Membros para determinar o seu sentido e alcance devem normalmente ser interpretados em toda a Comunidade de modo autónomo e uniforme, tendo em conta o contexto da disposição e o objectivo prosseguido pelas normas em causa” – v. acórdão do Tribunal de Justiça no processo C-98/07, Nordania Finans, de 6 de março de 2008.

 

            A questão controvertida reconduz-se assim à interpretação do direito da União Europeia, in casu, do artigo 16.º da Diretiva IVA, em duas vertentes que suscitam a este Tribunal Arbitral as dúvidas a seguir explicitadas.

 

            Sobre o Conceito de Transmissão Gratuita

 

            A primeira dúvida prende-se com a qualificação da campanha promocional da Requerente como:

           

  1. Duas operações distintas, uma relativa à assinatura das revistas, efetuada a título oneroso, e outra de transmissão de brindes a título gratuito na aceção do artigo 16.º da Diretiva IVA; ou
  2. Uma operação onerosa em que o preço é a contrapartida do conjunto. Neste âmbito, podem equacionar-se duas sub-hipóteses:
  1. Estarmos perante um pacote comercial correspondente a uma operação única;
  2. Estarmos perante um pacote comercial constituído por uma operação principal (a assinatura da revista[6]) e outra acessória (a atribuição do brinde), sendo este último considerado transmitido a título oneroso e instrumental à assinatura da revista.

           

            O Tribunal de Justiça pronunciou-se no processo C-48/97, Kuwait Petroleum, com acórdão datado de 27 de abril de 1999, no sentido de que uma transmissão de bens só é efetuada a título oneroso na aceção do artigo 2.º, n.º 1 da Sexta Diretiva (que corresponde ao atual artigo 2.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA) “se existir entre o fornecedor e o comprador uma relação jurídica durante a qual são transaccionadas prestações recíprocas, constituindo o preço recebido pelo fornecedor o contravalor efectivo do bem fornecido”. O ponto reside em saber se em circunstâncias como as ora descritas, se pode entender que o brinde foi atribuído por contrapartida de um valor, ainda que este não esteja identificado ou autonomizado. 

 

            Sobre o Conceito de Oferta de Pequeno Valor

 

            A este respeito, e sem prejuízo de o Tribunal de Justiça ter já clarificado que a fixação de um limite monetário para a concretização do conceito de pequeno valor pode ser conforme à Diretiva IVA (v. acórdão de 30 de setembro de 2010, processo C-581/08, EMI Group), importa determinar se a consagração pelo direito nacional, cumulativamente ao limite unitário igual ou inferior a € 50,00, de um limite dissociado do valor unitário dos bens oferecidos é conforme ao artigo 16.º da referida Diretiva e aos objetivos do legislador europeu.

 

            Nestes termos, caso se entenda que a atribuição do brinde consubstancia uma transmissão gratuita (oferta de bens) as dúvidas que se suscitam consistem em saber se, de acordo com o direito da União Europeia:

 

  1. O conceito de afetação a ofertas de pequeno valor previsto no artigo 16.º da Diretiva IVA pode ser determinado por recurso não só ao valor unitário como também, e em simultâneo, a um rácio do valor global das ofertas atribuídas pelo sujeito passivo em função do volume de negócios no ano precedente e, se a resposta for afirmativa, se um limite de cinco por mil do volume de negócios é de tal forma baixo que retira o efeito útil ao segundo parágrafo do artigo 16.º da Diretiva IVA;
  2. Este limite de cinco por mil do volume de negócios é discriminatório face a operadores cuja atividade dependa de um menor número de clientes ou de diferentes margens de comercialização e em relação a operadores de outros Estados-Membros que não estabelecem um limite dessa natureza, violando os princípios da neutralidade e da igualdade de tratamento ou não-discriminação;
  3. O mesmo limite viola o princípio da proporcionalidade, por ir além do necessário para assegurar a inexistência de operações gratuitas utilizadas de forma abusiva pelos sujeitos passivos.

 

            Em conformidade com as conclusões emanadas da jurisprudência do Tribunal de Justiça, o reenvio prejudicial é “um instrumento de cooperação judiciária […]  pelo qual um juiz nacional e o juiz comunitário são chamados, no âmbito das competências próprias, a contribuir para uma decisão que assegure a aplicação uniforme do Direito Comunitário no conjunto dos estados membros” – v. acórdão proferido no processo 16/65, Schwarze, de 1 de dezembro de 1965.

 

            Em caso de dúvida sobre o direito da União Europeia, o juiz nacional é obrigado a efetuar o reenvio prejudicial, exceto se, como se depreende do acórdão do Tribunal de Justiça no processo 283/81, Cilfit, de 6 de outubro de 1982:

  1. A questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal;
  2. O Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma;
  3. O juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.  

 

            Pelas razões supra descritas, o preenchimento destas condições não se verifica no caso sub judice. Com efeito, não pode afirmar-se que o ato em questão seja claro ou esteja devidamente aclarado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça de forma firme ou por meio de jurisprudência consolidada. Acresce que, em caso de dúvida sobre a existência de uma exceção à obrigação de reenvio é, de igual modo, aconselhável colocar a questão prejudicial, pelo que se decide suspender a instância e proceder ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, de harmonia com o disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).

 

            4.         Questões Prejudiciais

           

            Deste modo, formulam-se as seguintes questões ao Tribunal de Justiça:

  1. Nas circunstâncias em que mediante a subscrição de publicações periódicas através de uma assinatura é atribuído aos novos subscritores um brinde (um “gadget”), na aceção do artigo 16.º da Diretiva IVA essa atribuição deve ser considerada:
    1. Como uma transmissão realizada a título gratuito, distinta da operação de assinatura das publicações periódicas?

Ou,

  1. Como parte integrante de uma única operação efetuada a título oneroso?

Ou ainda,

  1. Como parte integrante de um pacote comercial, constituído por uma operação principal (a assinatura da revista) e outra acessória (a atribuição do brinde), sendo esta última considerada uma transmissão a título oneroso e instrumental à assinatura da revista?
  2. Sendo a resposta à primeira questão no sentido de estarmos perante uma transmissão gratuita, é conforme ao conceito de afetação a ofertas de pequeno valor previsto no segundo parágrafo do artigo 16.º da Diretiva IVA a determinação de um limite anual do valor global dos brindes correspondente a um rácio de cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano precedente (a acrescer ao limite do valor unitário)?
  3. Se a resposta à questão anterior for afirmativa, deve considerar-se que esse rácio de cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano anterior é de tal forma baixo que retira o efeito útil ao segundo parágrafo do artigo 16.º da Diretiva IVA?
  4. O referido limite de cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano anterior viola, e tendo em consideração também os fins com que é consagrado, os princípios da neutralidade e da igualdade de tratamento ou não-discriminação e da proporcionalidade?

 

 

            VI.      Decisão

 

À face do exposto, acordam as árbitros deste Tribunal Arbitral em suspender a instância, até à pronúncia do Tribunal de Justiça, e determinar a passagem de carta a dirigir pelo CAAD à Secretaria daquele Tribunal Europeu, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado do translado do processo, incluindo cópias do pedido inicial e da resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como cópia dos diplomas legais mencionados na presente decisão.

 

 

VI.      Valor do Processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 3.472.125,38, correspondente ao valor das regularizações de IVA (autoliquidado) referentes aos anos 2015, 2016, 2017 e 2018, conforme indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de julho de 2022

 

 

Os Árbitros,

 

 

Alexandra Coelho Martins

 

 

Clotilde Celorico Palma

 

 

Sofia Ricardo Borges

 

 



[1] Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, que estabelece o sistema comum do IVA e que sucedeu à Diretiva 388/77/CEE, de 17 de Maio, conhecida por Sexta Diretiva. A nova Diretiva procedeu à renumeração e reorganização da Sexta Diretiva, mantendo praticamente inalterado seu conteúdo, pelo que a anterior jurisprudência do Tribunal de Justiça, referente à Sexta Diretiva, em regra, permanece válida e aplicável.

 

[2] Os anos anteriores são 2014, 2015, 2016 e 2017 em relação às correções realizadas nos anos 2015 a 2018.

[3] Esta norma do texto fundamental dispõe que “4. As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

[4] Sobre a génese e evolução do princípio do primado, de construção jurisprudencial, veja-se Diogo Freitas do Amaral e Nuno Piçarra, O Tratado de Lisboa e o Princípio do Primado do Direito da União Europeia: uma “Evolução na Continuidade”, Revista de Direito Público, Ano I, n.º 1, 2009, Almedina, pp. 9-56, que fazem o percurso da origem jurisprudencial deste princípio, desde os acórdãos Van Gend Loos (processo 26/62, de 5 de fevereiro de 1963), Costa/ENEL (processo 6/64, de 15 de julho de 1964) e Simmenthal (processo 106/77, de 9 de março de 1978), entre outros que se sucederam. Especificamente em matéria de IVA e ligando o primado do direito europeu ao princípio da efetividade vide Sérgio Vasques, op. cit. p. 93.

[5] E também, quando aplicável, a quota da associação C..., que, porém, não constitui matéria objeto dos presentes autos. 

[6] Isto independentemente da qualificação da assinatura da revista como uma prestação de serviços, preconizada pela Requerente. Com efeito, a qualificação de prestação de serviços pode não ser correta se se tratar de revistas vendidas em suporte físico (papel). Em qualquer caso, a questão é a de, sendo prestação de serviços ou transmissão de bens (de revistas), tal operação estar associada aos brindes como um pacote comercial global realizado a título oneroso, i.e., com contraprestação para ambas as componentes: assinatura das revistas e brinde.

 

2.ª DECISÃO Versão em PDF

Sumário:

  1. A atribuição de um tablet ou de um smartphone no âmbito de uma campanha promocional de subscrição inicial de publicações periódicas / revistas através de assinatura, nas circunstâncias em que não é definido um período de fidelização, podendo os clientes desistir a partir da segunda mensalidade, mantendo a titularidade do “brinde”, configura uma operação efetuada a título oneroso, mesmo que a contrapartida seja globalmente definida, sem segregação da parte atribuível a cada uma das sua componentes/prestações, assinatura e brinde.
  2. Nestas circunstâncias, não é de aplicar o regime das ofertas de “pequeno valor”, por não se tratar de uma operação a título gratuito assimilada a onerosa enquadrável na previsão do artigo 3.º, n.º 3, alínea f) e n.º 7 do Código do IVA.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

As árbitros designadas para formarem o Tribunal Arbitral, constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), em 2 de novembro de 2021, Alexandra Coelho Martins (presidente), Clotilde Celorico Palma, indicada pela Requerente, e Sofia Ricardo Borges, designada pela Requerida, acordam no seguinte:

 

 

 

I.         Relatório

 

A..., Lda., doravante “Requerente”, pessoa coletiva número ..., com sede na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, na redação vigente. 

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também identificada por “AT”.

 

A Requerente peticiona a declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, autuada sob o n.º ...2020..., bem como das reclamadas autoliquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) referentes aos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018, no valor de € 2.562.500,65, e liquidações de juros compensatórios e de mora, no valor de € 270.936,70, resultantes de regularizações voluntárias, no montante de € 3.472.125,38, realizadas no decurso de procedimento inspetivo àqueles anos.

 

A Requerente pretende ainda a condenação da Requerida à restituição do imposto e juros que considera indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, contados até à data do integral reembolso, ao abrigo do disposto no artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”) e no artigo 61.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”). A Requerente juntou 9 documentos e requereu a produção de prova testemunhal.

 

Em 9 de agosto de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, com a notificação da AT.

 

A Requerente designou como árbitro a Prof. Doutora Clotilde Celorico Palma, no uso da prerrogativa prevista no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.

 

Nos termos do disposto do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, e dentro do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1, a Requerida indicou como árbitro a Dra. Sofia Ricardo Borges.

 

As árbitros designadas pelas Partes comunicaram ao CAAD a designação da Dra. Alexandra Coelho Martins como árbitro presidente, conforme previsto nos artigos 6.º, n.º 2, alínea b) e 11.º, n.º 6 do RJAT.

 

Todas as árbitros comunicaram a aceitação do encargo, tendo o Exmo. Presidente do CAAD informado as Partes dessa designação em 12 de outubro de 2021, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT, não tendo estas manifestado oposição.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 2 de novembro de 2021.

 

            Em 7 de janeiro de 2022, a Requerida juntou o processo administrativo (“PA”) e a Resposta, tendo o Tribunal determinado o desentranhamento desta última por extemporaneidade, mantendo-se o processo administrativo por consubstanciar elemento de prova relevante para a descoberta da verdade material.

 

Em 21 de fevereiro de 2022, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, na qual foram inquiridas três testemunhas indicadas pela Requerente (tendo sido prescindida uma testemunha). O Tribunal determinou a notificação das Partes para, querendo, se pronunciarem sobre a intenção de colocar questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça, convidando ainda a Requerente a juntar cópias de exemplos de faturas e de contratos de subscrição (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

 

Em 3 de março de 2022, a Requerente procedeu à junção de cópias de faturas, conforme solicitado pelo Tribunal, não tendo, porém, juntado exemplos de contratos de subscrição. Melhor, esclarecendo que “os contratos correspondiam aos mailings que eram (e continuam a ser) enviados aos clientes”, juntando cópia dos mesmos. Pronunciou-se no sentido de ser pertinente a colocação de questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça.

 

Em 4 de março de 2022, a Requerida manifestou-se também em relação à auscultação do Tribunal de Justiça, não se opondo à mesma e apenas fazendo notar as questões a colocar deverem abranger “o quid para a existência do limite de 5 por mil do volume de negócios do ano anterior previsto no art.º 3.º n.º 7 do CIVA”.

 

Por despachos de 21 de abril e de 1 de julho de 2022, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.

 

Em 22 de julho de 2022, o Tribunal Arbitral suspendeu a instância e procedeu ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, de harmonia com o disposto no artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), tendo formulado as seguintes questões:

 

  1. Nas circunstâncias em que mediante a subscrição de publicações periódicas através de uma assinatura é atribuído aos novos subscritores um brinde (um “gadget”), na aceção do artigo 16.º da Diretiva IVA essa atribuição deve ser considerada:
    1. Como uma transmissão realizada a título gratuito, distinta da operação de assinatura das publicações periódicas?

Ou,

  1. Como parte integrante de uma única operação efetuada a título oneroso?

Ou ainda,

  1. Como parte integrante de um pacote comercial, constituído por uma operação principal (a assinatura da revista) e outra acessória (a atribuição do brinde), sendo esta última considerada uma transmissão a título oneroso e instrumental à assinatura da revista?
  2. Sendo a resposta à primeira questão no sentido de estarmos perante uma transmissão gratuita, é conforme ao conceito de afetação a ofertas de pequeno valor previsto no segundo parágrafo do artigo 16.º da Diretiva IVA a determinação de um limite anual do valor global dos brindes correspondente a um rácio de cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano precedente (a acrescer ao limite do valor unitário)?
  3. Se a resposta à questão anterior for afirmativa, deve considerar-se que esse rácio de cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano anterior é de tal forma baixo que retira o efeito útil ao segundo parágrafo do artigo 16.º da Diretiva IVA?
  4. O referido limite de cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano anterior viola, e tendo em consideração também os fins com que é consagrado, os princípios da neutralidade e da igualdade de tratamento ou não-discriminação e da proporcionalidade?

 

O processo deu entrada no Tribunal de Justiça e foi-lhe atribuído o número C-505/22.

 

Em 5 de outubro de 2023, o Tribunal de Justiça proferiu o Acórdão no caso C-505/22, concluindo o seguinte:

 

O artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e o artigo 16.º. primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado,

Devem ser interpretados no sentido de que:

A atribuição de um presente de subscrição por contrapartida da subscrição de publicações periódicas através de uma assinatura constitui uma prestação acessória da prestação principal, que consiste na entrega de publicações periódicas, abrangida pelo conceito de «entrega de bens efetuada a título oneroso», na aceção destas disposições, e não deve ser considerada uma transmissão de bens a título gratuito, na aceção do referido artigo 16.º, primeiro parágrafo.

Em 6 de outubro de 2023, o Tribunal Arbitral determinou a cessação da suspensão da instância e a notificação das Partes para alegações, fixando a data-limite para a prolação da decisão arbitral.

 

A Requerente apresentou alegações em 16 de outubro de 2023, suportando-se no mencionado Acórdão do Tribunal de Justiça para reforçar a posição expressa no pedido de pronúncia arbitral, no sentido da ilegalidade dos atos tributários impugnados. 

 

Em 20 de outubro de 2023, a AT contra-alegou. Argumenta que, no processo de reenvio prejudicial suscitado, o Tribunal de Justiça não deixa de ressalvar que a sua conclusão sobre o caso sub judice não prescinde da verificação, pelo órgão jurisdicional de reenvio, da natureza acessória da oferta de um tablet ou de um smartphone, concluindo, da análise dos factos, que esta acessoriedade não se verifica na situação concreta. Reitera a admissibilidade do limite de 50/00 em relação ao recorte do conceito de oferta de pequeno valor, pugnando pela improcedência da ação arbitral.

 

Posição da Requerente

 

Como fundamento do seu pedido, a Requerente invoca erro de direito alegando que:

  1. A atribuição de “gadgets” efetuada a novos subscritores no momento da assinatura de publicações periódicas da Requerente não reveste caráter de liberalidade, inexistindo animus donandi;
  2. Estamos perante um pacote comercial, apresentando fins promocionais, publicitários e comerciais. Esse pacote é constituído por uma prestação de serviços (assinatura) associada a uma transmissão de bens (o “gadget”) com contrapartida pecuniária incluída no valor da assinatura da revista, ou seja, o preço final não é apenas o das revistas transacionadas, mas, antes, o preço descontado das revistas, mais o “gadget”;
  3. A referida atribuição é uma prática legítima, conforme aos usos comerciais;
  4. Não sendo uma liberalidade, não se subsume ao disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea f) do Código do IVA, cuja fonte é o artigo 16.º da Diretiva IVA[1], e não pode a escolha do nome que lhe é dado por si, Requerente, condicionar o enquadramento tributário em sede de IVA dos produtos que comercializa;
  5. Porém, ainda que se entendesse tratar-se de uma oferta de bens, o seu valor unitário é inferior a € 50,00, pelo que sempre seria enquadrável no conceito de reduzido valor previsto no artigo 3.º, n.º 7 do Código do IVA;
  6. O facto de, globalmente, os “gadgets” atribuídos ultrapassarem o montante de cinco por mil do volume de negócios do ano anterior não tem relação com o reduzido valor do bem transmitido, nem com a concretização legal do conceito de “oferta de pequeno valor”;
  7. O entendimento da AT viola o disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea f) e n.º 7 do Código do IVA e é desconforme ao artigo 16.º, II parágrafo da Diretiva IVA;
  8. A consideração do limite de cinco por mil do volume de negócios viola ainda os princípios da proporcionalidade, da neutralidade e da igualdade de tratamento ou não discriminação, porquanto:
    1. Impõe comportamentos aos operadores limitando a sua liberdade económica e a neutralidade;
    2. É excessivamente restritivo, retirando o efeito útil ao vertido no artigo 16.º da Diretiva;
    3. Discrimina os operadores económicos portugueses relativamente aos demais operadores de outros Estados-Membros que não impõem tal limite;
    4. Discrimina a Requerente em relação a operadores sedeados em território nacional cuja atividade depende de um menor número de clientes e/ou de margens de comercialização diferentes; e
    5. Excede o necessário para alcançar a finalidade de preservar eficazmente os direitos do Fisco, não existindo o risco de os sujeitos passivos fazerem ofertas de valor injustificado quando agem genuinamente com fins comerciais.

 

A Requerente sustenta que estando em causa a transposição para o direito interno do artigo 16.º da Diretiva IVA, deve ser suscitado o reenvio prejudicial para aferição das dúvidas interpretativas e da (des)conformidade do regime português.

 

Posição da Requerida

 

            A Requerida não se opõe ao reenvio prejudicial e à suscitação, junto do Tribunal de Justiça, da questão da compatibilidade, à face do direito da União Europeia, do limite de cinco por mil  do volume de negócios do ano anterior previsto no artigo 3.º n.º 7 do Código do IVA, sem prejuízo de considerar que os Estados-Membros gozam de uma certa margem de apreciação no que respeita à sua interpretação do conceito de oferta de pequeno valor, desde que não desrespeitem a finalidade e a posição que essa disposição ocupa na economia da Diretiva IVA. Argui que os Estados-Membros podem fixar limites tomando em consideração diversas circunstâncias económicas e prever exceções para evitar abusos, enquadrando-se o limite dos cinco por mil do volume de negócios neste objetivo, prevenindo, nomeadamente, possíveis transmissões de dois bens em conjunto, “mas declarando um como oneroso sujeito a taxa reduzida e o outro formalmente como oferta gratuita, mas que na substância como onerosa configuraria uma transmissão de bens à taxa normal”.

 

 

            II.        Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos atos de autoliquidação de IVA, de liquidação de juros de mora e compensatórios controvertidos, sobre os quais recaiu decisão confirmativa, no contexto do ato secundário [Reclamação Graciosa] contra os mesmos deduzido, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT (no caso, releva a alínea e)), contado da notificação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, pelo ofício n.º ..., de 12 de maio de 2021, tendo a ação arbitral dado entrada em 6 de agosto de 2021.

 

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

           

 

III.      Fundamentação de Facto

 

  1. Matéria de Facto Provada

 

            Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

  1. A..., Lda., aqui Requerente, é uma sociedade comercial que tem por objeto “Editar revistas e outro material informativo sobre defesa do consumidor” desenvolvendo, através do seu departamento editorial, publicações periódicas vocacionadas para o esclarecimento e proteção do consumidor, as quais vende através do sistema de assinatura – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) junto como documento 4.
  2. A Requerente faz parte integrante do Grupo internacional da B..., que agrega diversas organizações de promoção e defesa dos interesses dos consumidores, incluindo empresas que, como a Requerente, se dedicam à atividade editorial, publicando revistas especializadas na área dos direitos, proteção e defesa dos consumidores – cf. RIT.
  3. As referidas empresas, por sua vez, estão ligadas a entidades de defesa dos direitos dos consumidores europeias, a saber: C... (Portugal); D... (Itália); E... (Espanha); e F... (Bélgica) – cf. RIT.  
  4. A Requerente adotou um modelo de negócio assente na subscrição de publicações periódicas (revistas), nomeadamente a Revista ..., a Revista..., a ... e a ... . As revistas são exclusivamente comercializadas através do sistema de assinatura – cf. RIT e depoimentos das primeira e segunda testemunhas inquiridas.
  5. Para assegurar financeiramente a sua atividade, a Requerente necessita de um elevado número de subscritores das suas revistas – cf. depoimentos das primeira e terceira testemunhas inquiridas e documentos 8 e 9 juntos pela Requerente.
  6. Como forma de promoção comercial e de angariação de novos subscritores/clientes a Requerente adota várias técnicas de marketing, onde se incluem o “marketing direto” ou “paper mailing” através do envio de cartas em papel a potenciais subscritores, o “e-marketing”, mediante e-mails dirigidos aos mencionados clientes potenciais, e o “telemarketing” – cf. depoimentos das três testemunhas inquiridas.
  7. Neste contexto, tendo em vista a atração e a angariação de clientes em larga escala, a Requerente realiza campanhas promocionais atribuindo aos clientes que adiram a um plano de subscrições o direito a receber, além das revistas subscritas, um presente/brinde consubstanciado num “gadget” que pode ser um tablet, ou um smartphone, sempre com um valor unitário inferior a € 50,00, procedendo para o efeito a aquisições intracomunitárias nas quais aplica reverse charge, liquidando e deduzindo IVA – cf. RIT e depoimentos das três testemunhas inquiridas.
  8. O “presente de subscrição” é entregue ao subscritor, enviado por correio com as revistas, após a celebração de contrato de subscrição de publicações e pagamento da primeira mensalidade de subscrição, que é de valor igual ao das mensalidades subsequentes, sendo que nos mailings enviados aos clientes, que funcionavam como sendo “os contratos”, e que eram devolvidos pelos clientes com a indicação do IBAN e autorização para débito direto, se lê, entre o mais: “(...) Receberei um fantástico Tablet como oferta de boas-vindas. Assim, pago apenas € 6,95 por mês, em vez de € 14. Para que possam cobrar o pagamento da minha subscrição, preencho agora a Autorização de Pagamento SEPA. (...) Será possível proceder ao cancelamento da subscrição, a qualquer altura (...).” – cf.  depoimentos das três testemunhas inquiridas, e doc. 5 ulteriormente junto pela Requerente a convite do Tribunal.
  9. Nas campanhas de novos subscritores em que são atribuídos os referidos brindes, o número de adesões/subscrições de assinaturas é consideravelmente superior ao que se verifica quando não são utilizadas estas técnicas de atração de clientes. Por essa razão, dada a sua eficácia, esta metodologia de promoção comercial tem sido historicamente utilizada pela Requerente e pelas demais entidades do grupo B...– cf. depoimentos das três testemunhas inquiridas e documentos 8 e 9 juntos pela Requerente.
  10. Uma parte dos novos subscritores/clientes cancela o plano de subscrição a partir do segundo mês e uma parte substancial até ao final do primeiro ano. A Requerente não aplica um período de fidelização, pelo que os clientes que paguem apenas um ou dois meses ficam com o brinde e não sofrem qualquer penalização – cf. RIT e depoimento das três testemunhas inquiridas.
  11. O valor global dos brindes atribuídos aos novos subscritores ultrapassou em cada um dos anos anteriores[2] aos das correções em referência cinco por mil do volume de negócios da Requerente – cf. RIT.
  12. As faturas emitidas pela Requerente relativas às mensalidades das revistas subscritas com atribuição de brindes contêm a menção:
  1. À assinatura da(s) revista(s), com aplicação da taxa reduzida, de 6%, sobre o correspondente valor; e, em alguns casos,
  2. À “quota C...”, debitada com isenção de IVA nos termos do artigo 9.º do Código deste imposto,

ou seja, nas faturas emitidas não consta qualquer referência à transmissão/atribuição de brindes ou presentes de boas-vindas – cf. documentos ulteriormente juntos pela Requerente a convite do Tribunal.

  1. Em 2019 foi realizado um procedimento inspetivo externo à Requerente que abrangeu o IRC e o IVA e os anos 2015, 2016, 2017 e 2018, em cumprimento das ordens de serviço OI2018... [2015]; OI2019... [2016]; OI2019... [2017]; OI2019... [2018] – cf. RIT.
  2. Na sequência do referido procedimento, mantendo-se o enquadramento efetuado pela Requerente como “ofertas”, foram propostas à Requerente, no Projeto de Relatório, correções de IVA no valor global de € 3.472.125,38, por ultrapassagem do limite de cinco por mil previsto na lei portuguesa para delimitar as “ofertas de pequeno valor”. Este valor (correções) é repartido pelos anos em causa nos seguintes moldes:
  1. 2015 – € 1.496.614,81;
  2. 2016 – € 877.529,54;
  3. 2017 – € 604.495,72;
  4. 2018 – € 493.485,31,

sendo que o valor de aquisição dos “gadgets” atribuídos pela Requerente aos novos subscritores em cada um dos anos foi de:

aa)  2015 - € 6.714.047,11;

bb)  2016 - € 4.051.000,25;

cc)  2017 - € 2.878.369,57;

dd)  2018 - € 2.387.899,57.

– cf. RIT

  1. A Requerente apresentou voluntariamente declarações de substituição relativas ao mês de dezembro de cada um dos anos de 2015 a 2018, procedendo à autoliquidação dos valores de IVA referidos no ponto anterior que, tendo em conta o consumo de montantes de crédito de imposto a favor da Requerente, resultaram no pagamento efetivo (dispêndio monetário) de € 2.851.551,41, nos quais se incluem € 270.936,70 de juros de mora e compensatórios – cf. documentos 2, 5 e 6 juntos pela Requerente.
  2. Nesta sequência, foi emitido o Relatório de Inspeção Tributária, que infra se transcreve na parte relevante para a matéria em discussão nos presentes autos:

“[…]

I.4. CONCLUSÕES DA AÇÃO DE INSPEÇÃO – RESUMO

Como resultado da ação inspetiva de âmbito polivalente aos impostos de IRC e IVA, ao exercício de 2015, e univalente ao Imposto do IVA aos exercícios de 2016, 2017 e 2018 forem detetadas irregularidades, as quais se encontram discriminadas e fundamentadas no Capítulo IV e VIII deste relatório:

Regularizações Voluntárias

  • 2015 – IVA – Imposto: € 1.496.614.81 (após assinatura da Ordem de Serviço) – Capítulo IV;
  • 2016 – IVA – Imposto: € 877.529,54 (antes assinatura da Ordem de Serviço) – Capítulo VIII;
  • 2017 – IVA – Imposto: € 604.495,72 (antes assinatura da Ordem de Serviço) – Capítulo VIII;  
  • 2018 – IVA – Imposto: € 493.485,31 (antes assinatura da Ordem de Serviço) – Capítulo VIII.

[…]

II – OBJETIVOS, ÂMB1TO E EXTENSÃO DA AÇÃO INSPETIVA

II.1. Credencial e período em que decorreu a ação

Em cumprimento das ordens de serviço n.º:

  • OI2018..., com despacho datado de 2018-03-23, exercício de 2015 ;
  • OI2019..., com despacho detad0 de 2019-07-17, exercício de 2016;
  • OI2019..., com despacho datado de 2019-07-17, exercício de 2017;
  • OI2019..., com despacho datado de 2019-07-30, exercício de 2018,

nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.ºs 1 e 2 alínea a) e 12.º, n.º 1, ambos do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro e atualizado pela Lei n.º 75-A/2014, de 30 de Setembro, foram ordenadas ações inspetivas externas aos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2018 ao sujeito passivo A... LDA […], na área do Serviço de Finanças de LISBOA-... (código ...). 

[…]

II.2. Motivo, âmbito e incidência temporal

2015

Para o exercício de 2015, a ação inspetiva resultou duma proposta de abertura de procedimento de inspeção, elaborado na sequência da análise efetuada no Documento de Acompanhamento Permanente (DAP), onde se detetou a necessidade de efetuar uma verificação mais aprofundada à evolução dos prejuízos e às deduções no Q07 da Modelo 22.

Foi iniciada como ação externa, ao exercício de 2015, com âmbito parcial ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e a 2019-02-12 foi alterado o âmbito, nos termos do art 15º n.º 1 do RCPITA, por terem sido detetadas situações suscetíveis de análise em sede do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), passando a ação a externa parcial aos Impostos de IRC e IVA.

2016, 2017 e 2018

Para os exercícios de 2016, 2017 e 2018 as ações inspetivas resultaram de, no decurso da análise ao exercício de 2015, terem sido detetadas situações suscetíveis de análise em sede do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), pelo que, foram abertas como aç5es externas, de âmbito parcial ao imposto do IVA.

II.3. Objeto Social e Enquadramento Fiscal da Atividade Exercida

O objeto social da sociedade A... LDA, de ora em diante designada por A... ou sujeito passivo, é «Editar revistas e outro material informativo sobre defesa do consumidor».

De acordo com o sujeito passivo, o seu objeto social consiste «no desenvolvimento através do seu departamento editorial, de publicações periódicas vocacionadas para o esclarecimento e proteção do consumido[r] as quais vende através sistema de assinatura».

De referir que a A... se encontra inserida no GRUPO B... .

A B... é um grupo líder internacional de organizações de consumidores criado para promover e defender os interesses dos consumidores, resolver os seus problemas e ajudá-los a exercer os seus direitos fundamentais. É uma organização sem fins lucrativos formada pelas seguintes organizações de Defesa do Consumidor Europeias:

  • a C..., associação Portuguesa de defesa do consumidor;
  • a D..., associação Italiana de defesa do consumidor;  
  • a E..., associação Espanhola de defesa ao consum[i]dor;
  • a F..., associação Belga de defesa do consumidor;
  • a A... associação Brasileira de defesa do consumidor.

A C... (C...) é a maior e mais antiga associação Portuguesa de Defesa do Consumidor e surgiu a 12 de Fevereiro de 1974, da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES).

Em 1978 foi lançado o número zero da revista ... destinada a set distribuída pelos sócios da associação. Em 1986 iniciou a profissionalização dos seus quadros não só para as questões relacionadas com a divulgação das pesquisas a produtos e serviços, como para a edição da revista ... que iniciou a sua publicação mensal a partir de Janeiro desse ano. Iniciou-se no mesmo ano o apoio jurídico aos associados.

Esta nova estratégia da C... foi suportada financeiramente quer pelo Governo Português através do então Instituto de Defesa do Consumidor, quer pela Comissão Europeia – DGXI e pelo BEUC, que é a cúpula europeia das organizações de consumidores.

Dada a necessidade de ampliar e profissionalizar a equipa editorial, a C..., em conjunto com a B..., fundou, em 1991, uma editora – a G..., LDA, a atual A... .

Ao longo dos anos, o número de publicações foi-se alargando e, em 2011, a A... editava, além da ..., a..., a ... e a ... . Sob a designação A...– Guias Práticos, a C... edita vários livros sobre os mais variados temas: Informática, Bricolage, Economia, Seguros, Direitos do Consumidor, Direitos do Trabalhador, Saúde, Segurança, entre outros.

II.3.1. Em sede de IRC

     […]

II.3.1. Em sede de IRC

De acordo com a base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), a A... iniciou a atividade em 1991-05-01, encontrando-se, nos exercícios em análise, enquadrada no Regime Geral de Tributação e, em termos de atividade enquadrada na Código de Atividade Económica (CAE):

Principal:           58140 – EDIÇÃO DE REVISTAS E DE OUTRAS PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS.

Secundário 1:     85593 – OUTRAS ACTIVIDADES EDUCATIVAS, N.E.

Secundário 2:     85591 – FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Secundário 3: 70220 – OUTRAS ACTIVIDADES CONSULTORIA PARA OS NEGÓCIOS E A GESTÃO

II.3.2. Em sede de IVA

Em sede de IVA, o sujeito passivo, encontra-se enquadrado no Regime Normal, Mensal.

II.4. Representantes Fiscais do Sujeito Passivo

[…]

     II.5. Cumprimento formal das Obrigações Fiscais/Existência de Dívidas Fiscais

Quando da consulta ao sistema informático da AT, confirmámos que o sujeito passivo objeto de análise face à atividade exercida, e ao disposto legalmente, cumpriu com as suas obrigações declarativas através da entrega das respetivas declarações […].

II.6. Infração à Obrigação de Emissão de Faturas

A A... é uma empresa que edita revistas especializadas. As revistas e guias práticos que são publicados são pensados para informar, defender e apoiar os consumidores.

Sendo estas as Revistas que a própria A... apresenta deste modo:

  • ... – É nesta revista mensal que encontra grande parte dos nossos testes a pequenos e grandes eletrodomésticos, equipamentos da área da tecnologia, últimos gritos em “gadgets”, automóveis, entre outros produtos. Divulgamos também inquéritos e estudos para encontrar os melhores serviços aos melhores preços.
  • ... – Promove a qualidade e a segurança de produtos e serviços de saúde, permite decidir com base em evidência científica e luta pelo acesso e qualidade dos cuidados de saúde, medicamentos e segurança alimentar. Revista bimestral. Após 1 ano de subscrição, recebe gratuitamente o Cartão de Saúde, com descontos em consultas, serviço de médico em casa, envio de medicamentos, entre outros serviços, para todo o agregado familiar.
  • ... – Poupe centenas de euros por ano e receba a orientação legal adequada para defender os seus direitos com esta revista bimestral. Crédito à habitação, seguros, fiscalidade, cláusulas de contratos e comissões bancárias são algumas das áreas de ação e temas complexos simplificados. Ao assinar receberá também o Guia Fiscal, um suplemento anual para os subscritores da ..., que ajuda a preencher a declaração de IRS e cumprir obrigações fiscais.
  • ... Conselhos financeiros da A... através de publicações semanais e mensais. Dedica-se à análise de produtos financeiros, como obrigações, fundos, depósitos a prazo, produtos estruturados, imobiliário, e as melhores alternativas para investir e poupar. Disponibiliza ainda linhas telefónicas de apoio e ações de formação online e presenciais.
  • ...– Mais de 60 títulos sobre condomínio, arrendamento, impostos (GUIA FISCAL), emprego, saúde e bem-estar, alimentação, desporto, entre outros temas. Os subscritores da ... podem pedir um guia por mês do catálogo Veja o catálogo completo dos guias práticos e encomende na loja online. Ao subscrever o GUIA DE VINHOS, beneficia de vantagens exclusivas. Todos os anos, no guia, incluímos um dossiê especial sobre um determinado tipo de vinho ou uma região demarcada. Como ler um rótulo, servir, degustar e conservar são algumas das informações que também encontra.

Através da angariação de subscritores das revistas é feita igualmente a angariação de novos sócios para a C..., a associação para defesa do consumidor. Se o subscritor da revista aceita ser sócio da C..., a A... cobra e fatura a quota em nome da C..., sendo esta última, abatida às vendas e o valor entregue à C....

Assim os Rendimentos referem-se essencialmente a:

•   Subscrição das Revistas;

•   Prestações de serviço intra-grupo (redébitos de encargos).

Foram analisados alguns documentos selecionados por amostragem. Tendo-se detetado o seguinte: A A... só emite faturas aos seus subscritores quando solicitado.

[…]

VI – REGULARIZAÇÕES EFETUADAS PELO SP NO DECURSO DA AÇÃO DE INSPEÇÃO

VI. 1. Regularizações em sede de IVA – Ofertas aos Clientes – 2015

Da nossa análise verificámos que a A... procedeu à oferta de “tablet's”, telemóveis, etc., aos novos clientes (subscritores).

Para tal, no exercício de 2015, verificou-se que adquiriu este tipo de bens ao fornecedor Belga F... e italiano D... . Dado tratar-se de aquisições intracomunitárias, a A... aplicou o “reverse charge”, tendo liquidado e deduzido o IVA desses bens.

Estes bens encontram-se em “stock”, contabilizados na conta #32110200 – “STOCKS –PREMIOS" e à medida que são angariados novos clientes, o bem oferecido sendo contabilizado como um encargo, na conta #61120020 – “CONSUMOS PRÉMIOS”.

Na conta #61120020 – “CONSUMOS PRÉMIOS”, para além das ofertas, encontra-se também contabilizado, o valor dos bens que, não tendo sido oferecidos, são devolvidos aos próprios fornecedores, por contrapartida da conta de Rendimentos #71500010 –“REINVOICING GADGETS”.

Dado tratar-se de ofertas aos clientes foram analisadas as operações, em sede de IVA, de acordo com o regime de transmissão gratuita de amostras e de ofertas de pequeno valor previsto na alínea f) do n.º 3, conjugado como o n.º 7, ambos do artigo 3º do CIVA.

Na realidade o artigo 3.º do CIVA, define o conceito de transmissão de bens e a alínea f) do n.º 3 deste artigo considera como tal a transmissão gratuita de bens quando, relativamente a tais bens ou aos elementos que os constituam, tenha havido dedução total ou parcial do imposto, excluindo-se, porém, do regime estabelecido por esta alínea f) as amostras e as ofertas de pequeno valor e em conformidade com os usos comerciais.

A este respeito, interessa, pela leitura da Informação Vinculativa – Ficha Doutrinária, Processo: nº 731, por despacho do Diretor-Geral, em 2010-06-15; que versa sobre esta matéria, fazer o enquadramento, em sede IVA, dos bónus, ofertas e descontos bem como de bens contendo publicidade:

     -«……..

     6. Decorre do anteriormente referido que, quando se trate da entrega de produtos diferentes dos faturados ao cliente, se está perante uma oferta, que será tributada ou não em IVA, consoante o seu valor unitário.

     7. Deste modo, há que recorrer ao disposto na alínea f) do n.º 3 do art.º 3.º do CIVA, nos termos do qual se consideram transmissões de bens, as transmissões gratuitas de bens da empresa, quando, relativamente aos mesmos, tenham havido dedução total ou parcial do imposto.

     8. Não há, contudo, sujeição a imposto, ainda que tenha havido lugar à dedução total ou parcial do IVA contido nos bens objeto de transmissão gratuita, nos casos em que, em conformidade com o disposto no n.º 7 do art.º 3º do CIVA, se esteja perante ofertas de valor unitário igual ou inferior a € 50,00 e cujo valor global anual não exceda cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais.

     9. Caso o valor da oferta ultrapasse o valor estabelecido no n.º 7 do art.º 3º do CIVA, há obrigatoriedade de liquidação de imposto, salvo, naturalmente, se não tiver exercido o direito à dedução do correspondente imposto suportado a montante.

     10. A oferta pode ser constituída por bens comercializados ou produzidos pelo próprio ou por bens adquiridos a terceiros.

     11. Nas situações em que o valor da transmissão gratuita dos bens ultrapasse o valor estabelecido no n.º 7 do art.º 3º do CIVA e se estiverem em causa bens que se encontram desonerados de IVA, por o imposto que incidiu sobre a respetiva aquisição ter sido deduzido total ou parcialmente, a sua entrega é assimilada a uma transmissão onerosa de bens, sendo sujeita a tributação.

     12. Nesse caso, o respetivo valor tributável, de acordo com a alínea b) do n.º do art.º 16.º do CIVA, é o preço de aquisição dos bens ou de bens similares ou, na sua falta, o preço de custo, reportados ao momento da realização das operações.

     …….» -

Foi analisado o valor unitário das ofertas e verificou-se que se encontra abaixo de € 50,00, pelo que estas ofertas estão excluídas do regime de transmissão gratuita de amostras e de ofertas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais, «pressupondo que o valor anual ofertas não exceda cinco por mil do volume de negócios da empresa no ano anterior».

Ora, comparando o valor total das ofertas, em 2015, que ascendeu a € 6.714.047,11 (valor registado na conta #61120020 – “CONSUMOS PRÉMIOS” diminuído do valor dos bens devolvidos aos fornecedores, registado na conta #71500010 – “REINVOICING- GADGETS”), com o volume de negócios do ano anterior, que ascendeu a €  41.405.239,45 e  multiplicando por cinco por mil, vamos confirmar que o valor anual das ofertas, em 2015, excedeu o limite em € 6.507.020,91. Ora, tendo sido exercido o direito à dedução, nas aquisições destas ofertas, aquele valor está sujeito ao regime de transmissão gratuita da amostras e ofertas e de acordo com o n.º 7 do artigo 3º do CIVA há obrigatoriedade liquidar o IVA desta transmissão gratuita.

     Analisando os exercícios posteriores, verificámos que o procedimento se mantém, pelo que ao efetuarmos análise idêntica, resulta em falta de liquidação de IVA, de acordo com o n.º 1 do artigo 18º do CIVA, nas últimas declarações do ano, ou seja: 201512, 201612, 201712 e 201812.

Descrição

Valor Euros

Ano n

2015

2016

2017

2018

Volume Negócios (n-1)

a

41.405.239,45

47.130.883,22

50.025.465,74

48.462.250,31

limite 5%o

b

0,005

0,005

0,005

0,005

Limite Ofertas para (n)

c=axb

207.026,20

235.654,42

250.127,33

242.311,25

 

 

 

 

 

 

Consumo Prémios-#611 (n)

d

6.769.151,20

4.126.492,95

3.292.247,65

2.387.899,57

Reinvoicing Gadgets-#71500010 (n)

e

55.104,09

75.492,70

413.878,08

-

Ofertas-#611 (n)

f=d-e

6.714.047,11

4.051.000,25

2.878.369,57

2.387.899,57

 

 

 

 

 

 

Excede=Transmissão Gratuita

g=f-c

6.507.020,91

3.815.345,84

2.628.242,24

2.145.588,32

Taxa IVA 23%

h

0,23

0,23

0,23

0,23

Correção IVA Liquidado

l=gxh

1.496.614,81

877.529,54

604.495,72

493.485,31

 

 

Durante a ação de inspeção o contribuinte regularizou a sua situação tributária voluntariamente, tendo procedido à liquidação de IVA no período de 201512 do valor de € 1.496.614,81, entregando, para o efeito, a declaração de substituição – Anexo V:

Declaração de IVA 201512:

  • ID: ... com data de receção a 2019-08-26.

Constata-se assim, encontrar-se regularizada voluntariamente para o exercício de 2015, a correção anteriormente proposta.

Para os exercícios seguintes o sujeito passivo corrigiu as suas declarações de IVA após o envio das cartas aviso e antes do início das ações de inspeção.

[…]”

VII – INFRAÇÕES VERIFICADAS

[…]

VIII – OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES

VIII. 1. Regularizações em sede de IVA – Ofertas aos Clientes – 2016, 2017 e 2018

Após o envio da Carta Aviso e antes da assinatura das Ordens de Serviço OI2019..., OI2019... e OI2019..., relativas ao exercício de 2016, 2017 e 2018, o sujeito passivo, no âmbito do princípio da colaboração, de acordo com o artigo 59º da LGT, procedeu ao envio dos elementos comprovativos da regularização da sua situação tributária, tendo espontaneamente solicitado o pagamento das coimas reduzidas antes do início da inspeção. Para tal procedeu à entrega dos documentos comprovativos da regularização voluntária e o pedido de redução de coimas ao abrigo do artigo 29º do RGIT – Anexo VI.

Antes do início da ação de inspeção o contribuinte regularizou a sua situação tributária voluntariamente, tendo procedido à liquidação de IVA nos períodos:

  • 201612 do valor de  € 877.529,54;
  • 201712 do valor de  € 604.495,72;
  • 201812 do valor de  € 493.485,31.

Entregando para o efeito as seguintes declarações – Anexo VII:

•   ID: ... com data de receção a 2019-08-26 (201612).

•   ID: ... com data de receção a 2019-08-26 (201712).

•   IO: ... com data de receção a 2019-08-26 (201812).

Constata-se assim, encontrarem-se regularizadas voluntariamente, para os exercícios de 2016, 2017 e 2018 as correções anteriormente propostas.

Deste modo, propõe-se o encerramento das Ordens de Serviço com regularizações voluntárias em sede de IVA.

[…]”

  1. A AT emitiu liquidações de juros de mora e de juros compensatórios no valor total de € 270.936,70, que foram pagos pela Requerente – cf. documentos 3 e 6 juntos pela Requerente.
  2. A Requerente não se conformou com as autoliquidações de IVA efetuadas, na importância de € 3.472.125,38, em observância do entendimento da Requerida vertido no Relatório de Inspeção Tributária, através de declarações de substituição para os anos de 2015, 2016, 2017 e 2018, e apresentou Reclamação Graciosa pugnando pela anulação dessas autoliquidações e, bem assim, das liquidações de juros de mora e compensatórios a que foi sujeita, de € 270.936,70 – cf. PA.
  3. A Reclamação Graciosa foi indeferida, por despacho de 11 de maio de 2021, do Diretor adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo de delegação de competências, notificado à Requerente pelo ofício n.º ..., de 12 de maio de 2021 – cf. documento 1 junto pela Requerente.
  4. Constituem fundamentos do indeferimento da Reclamação Graciosa os seguidamente transcritos:

[…]

V – ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER

17. Na sequência da submissão voluntária das declarações periódicas de substituição – períodos 2015-12, 2016-12, 2017-12 e 2018-12, resultaram das mesmas as liquidações ora contestadas, referidas no ponto 1, as quais originaram repercussões nos sucessivos períodos seguintes a nível do campo 61- Excesso a reportar para o período seguinte.

18. Como acima descrito, refere a reclamante, que, no âmbito da sua atividade, desenvolve publicações periódicas, que são comercializadas através de um sistema de assinatura mensal, sendo que, por cada assinatura contratada, é atribuído um brinde ao subscritor, de valor unitário inferior a € 50,00, alegando, que os brindes não se tratam de ofertas de bens, sendo concedidos por efeito da sua transmissão de bens.

19. Ora, importa aqui fazer referência à Informação Vinculativa – Ficha Doutrinária – Proc.º 731 (Despacho do Diretor-Geral de 2010-06-15), a qual esclarece que «(…) quando se trate da entrega de produtos diferentes dos faturados cliente, se está perante uma oferta, que será tributada ou não, consoante o seu valor unitário. (…) A oferta pode ser constituída por bens comercializados ou produzidos pelo próprio ou por bens adquiridos a terceiros.», pelo que, no caso em apreço se considera tratar-se de ofertas a clientes.

20. De relevar para a presente reclamação, o enquadramento, em sede de IVA, das operações efetuadas que determinaram as aludidas correções em sede de procedimento inspetivo, de acordo com o regime de transmissão gratuita de amostras e de pequenas ofertas de pequeno valor, previsto na alínea f) do n.º 3 conjugado com o n.º 7, ambos do art.º 3.º do CIVA.

21. O conceito de transmissão de bens aí definido (artº 3º do CIVA), considera como tal, a  transmissão gratuita de bens quando, relativamente a tais bens ou aos elementos que os  constituam, tenha havido dedução total ou parcial do imposto.

22. Porém, excluem-se do regime estabelecido na alínea f) do nº 3, os bens não destinados a posterior comercialização que, pelas suas características ou pelo tamanho ou formato diferentes do  produto que constitua a unidade de venda, visem, sob a forma de amostras, apresentar ou  promover bens produzidos ou comercializados pelo próprio sujeito passivo, assim como as ofertas de valor unitário igual ou inferior a € 50 e cujo valor global anual não exceda cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais, conforme o disposto no n.º 7 do art.º 3.º do CIVA.

23. Contudo, tal como é referido no relatório dos Serviços de Inspeção Tributária (SIT), «(…) comparando o valor total das ofertas, em 2015, que ascendeu a € 6.714.047,11 (…), com o volume de negócios do ano anterior, que ascendeu a € 41.405.239,45 e multiplicando por cinco por mil, vamos confirmar que o valor anual das ofertas, em 2015, excedeu o limite em € 6.507.020,91.»

24. A mesma análise foi efetuada para os anos seguintes, 2016, 2017 e 2018, sendo que o resultado foi idêntico.

25. Ora, uma vez que foi exercido o direito à dedução, nas aquisições dessas ofertas, aquele valor está sujeito ao regime de transmissão gratuita de amostras e ofertas, havendo obrigatoriedade de liquidar o imposto (IVA) desta transmissão gratuita, de acordo com o disposto no n.º 7 do art.º 3.º do CIVA.

26. Relativamente à exclusão do âmbito de incidência do IVA das ofertas de reduzido valor, para além da referência a valores quantitativos, a remissão para os usos comerciais tem inerente que haja obrigatoriamente um fim empresarial em vista, de modo a não abranger as liberalidades desprovidas de qualquer intenção de divulgação ou promoção da imagem da empresa ou dos seus produtos, na relação que estabelece com os outros.

27. A lei portuguesa, seguindo a linha da Diretiva IVA, recorre a uma cláusula geral ou conceito indeterminado na definição das ofertas não equiparáveis a transmissões onerosas. As ofertas a excluir do regime geral de equiparação das transmissões gratuitas a transmissões onerosas têm de ser de “pequeno valor” e devem estar “em conformidade com os usos comerciais”.

28. Atendendo ao acima descrito temos, por correta. a interpretação dos factos e da lei efetuada pela Inspeção Tributária e, consequentemente, o apuramento das liquidações ora reclamadas.

29. Face ao exposto, conclui-se que as liquidações postas em crise, consubstanciam a regularização das anomalias detetadas em sede de procedimento inspetivo, sendo certo que o correspondente relatório de inspeção explicita devidamente o quadro legal aplicável à situação em análise, bem como os factos que justificaram as irregularidades detetadas.

30. Na presente sede, a reclamante vem juntar à petição documentação em tudo idêntica [à] que já tinha sido apresentada em sede de ação inspetiva, não apresentando qualquer elemento novo suscetível que venha pôr em causa as correções efetuadas.

31. Em sequência, conclui-se não ser de atender à pretensão da reclamante quanto à anulação das liquidações contestadas, relativas aos anos de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019.

32. Nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque», o que significa que os fundamentos apresentados pela reclamante para sustentar a reclamação apresentada terão de ser provados pela mesma.

33. Cumpre ainda referir que por não se verificarem “in casu” os pressupostos do n.º 1 do art.º 43.º da LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios – cf. documento 1 junto pela Requerente. […]”

  1. Em 6 de agosto de 2021, por não se conformar com as referidas autoliquidações de IVA, liquidações de juros de mora e de juros compensatórios e com o indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida contra tais atos tributários, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – conforme registo no sistema de gestão processual do CAAD.

 

            2.         Factos não Provados

 

Não se provou que a periodicidade da assinatura das publicações da Requerente que confere o direito ao “presente de subscrição” aos novos assinantes tenha de ser “anual” (artigos 32.º e 34.º do pedido de pronúncia arbitral – “ppa”). 

 

Com relevo para a decisão, não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

3.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção das árbitros fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos por ambas as Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos que, de um modo geral, nos pontos essenciais não apresentam dissonâncias.

 

Foram também relevantes os depoimentos das três testemunhas inquiridas que manifestaram conhecimento direto das matérias a que responderam, contextualizando e descrevendo o modelo de negócio, as motivações das campanhas promocionais, suas implicações na atividade da Requerente e procedimentos adotados.

 

Os depoimentos de H..., Diretor Nacional da Requerente, (primeira testemunha) e de I..., Diretor Comercial e de Marketing (segunda testemunha) apenas revelaram conhecimento direto de uma parte do período abrangido na presente ação, pois o ingresso destes ao serviço da Requerente ocorreu em setembro de 2018 e outubro de 2017, respetivamente, remontando os factos a 2015, 2016, 2017 e 2018. Não obstante, foi percetível do depoimento da terceira testemunha inquirida, J..., Diretor Financeiro, que é colaborador da Requerente há 21 anos, que existe uma continuidade de políticas e procedimentos, sendo o contexto e práticas dos anos anteriores idêntico.

 

 

           

 

            IV.      Do Direito

 

            1.         Questões Decidendas

 

            As questões em discussão nos presentes autos respeitam ao enquadramento em IVA da atribuição de brindes (in casu, “gadgets”), pela Requerente, a novos subscritores de assinaturas das suas publicações periódicas, no âmbito das campanhas promocionais de angariação de clientes. 

 

            Reconduzem-se tais questões, essencialmente, a dois pontos:

 

  • O primeiro consiste em saber se essa atribuição constitui uma verdadeira oferta ou transmissão gratuita, na aceção do IVA, ou se, diversamente, estamos perante um pacote comercial global com contrapartida pecuniária, em que a assinatura da(s) revista(s) está associada à transmissão do brinde (o “gadget”), sendo o valor recebido o preço transacional do conjunto comercializado, abrangendo as revistas e o “gadget”. Dito por outras palavras, nesta última hipótese uma parte do preço suportado pelos subscritores corresponderia ao pagamento/contraprestação pela aquisição do “gadget”, pelo que não existiria qualquer liberalidade ou subsunção ao disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea f) do Código do IVA;
  • Em segundo lugar, caso se conclua que a atribuição do “gadget” constitui uma oferta ou transmissão gratuita de bens, sendo o seu valor unitário sempre inferior a € 50,00, está em causa aferir se o estabelecimento, pelo artigo 3.º, n.º 7 do Código do IVA, a par do limite quantitativo unitário de € 50,00, de um limite quantitativo global de cinco por mil de brindes atribuídos em função do volume de negócios do sujeito passivo (reportado ao ano anterior) é conforme ao disposto no artigo 16.º, 2.º parágrafo da Diretiva IVA e constitui critério adequado ao recorte do conceito de “ofertas de pequeno valor” previsto nesta norma. Em caso afirmativo, acresce determinar se o dito limite de cinco por mil do volume de negócios viola os princípios da proporcionalidade, da neutralidade e da igualdade de tratamento e não discriminação.

 

            Interessa sublinhar que ambas as Partes confluem no entendimento de que a atribuição dos “gadgets” nos moldes acima descritos é uma prática legítima, dentro dos usos comerciais, e que tem por objetivo a atração e captação de novos clientes.

 

            2.         Quadro Legal

 

            Interessa começar por compulsar o disposto no Código do IVA português, em concreto no seu artigo 3.º, n.º 1, n.º 3, alínea f) e n.º 7 e, bem assim, o regime da Diretiva IVA (2006/112/CE, de 28 de novembro de 2006), cujas coordenadas conformam o direito interno, de acordo com o preceituado no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição[3] e com o princípio do primado do direito da União Europeia[4].

 

            No Direito Interno

 

O artigo 3.º, n.º 1, n.º 3, alínea f) e n.º 7 do Código do IVA consagra o seguinte:

 

Artigo 3.º
Conceito de transmissão de bens
 

1 - Considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.

[…]

3 - Consideram-se ainda transmissões de bens, nos termos do n.º 1 deste artigo:

[…]

f) Ressalvado o disposto no artigo 26.º, a afectação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto; (sublinhado nosso)

[…]

7 - Excluem-se do regime estabelecido na alínea f) do n.º 3, nos termos definidos por portaria do Ministro das Finanças, os bens não destinados a posterior comercialização que, pelas suas características, ou pelo tamanho ou formato diferentes do produto que constitua a unidade de venda, visem, sob a forma de amostra, apresentar ou promover bens produzidos ou comercializados pelo próprio sujeito passivo, assim como as ofertas de valor unitário igual ou inferior a (euro) 50 e cujo valor global anual não exceda cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais.” (sublinhado nosso)

 

Artigo 18.º - Taxas do imposto

1. As taxas do imposto são as seguintes:

a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 6%;

b) (…)

c) Para as restantes importações, transmissões de bens e prestações de serviços, a taxa de 23%.

(…)

7. Às prestações de serviços por via electrónica, nomeadamente as descritas no anexo D, aplica-se a taxa referida na alínea c) do n.º 1.

(…)

9. A taxa aplicável é a que vigora no momento em que o imposto se torna exigível.

 

            A Portaria n.º 497/2008, de 24 de junho, que regulamenta as condições delimitadoras do conceito de amostras e de ofertas de pequeno valor e define os procedimentos e obrigações contabilísticas a cumprir pelos sujeitos passivos deste imposto, para efeitos de aplicação do disposto no n.º 7 do artigo 3.º do Código do IVA, estabelece, com relevância para a matéria dos autos, no seu artigo 3.º, sob a epígrafe “Delimitação do conceito de oferta”:

 

1 - A oferta pode ser constituída por bens comercializados ou produzidos pelo sujeito passivo ou por bens adquiridos a terceiros.

2 - Quando a oferta seja constituída por um conjunto de bens, o valor de (euro) 50, a que se refere o n.º 7 do artigo 3.º do Código do IVA, aplica-se a esse conjunto.

3 - Excluem-se do conceito de oferta os bónus de quantidade concedidos pelo sujeito passivo aos seus clientes.”

 

No Direito da União Europeia

 

A Diretiva IVA que institui o sistema harmonizado deste imposto, de acordo com o artigo 113.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), prevê, no seu artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e c), integrado no Título I – “Objeto e Âmbito de Aplicação”, a sujeição a IVA das transmissões de bens e das prestações de serviços “efetuadas a título oneroso”[5].

 

Adicionalmente, no Título IV, relativo às Operações Tributáveis, Capítulo 1 – Entregas [transmissões] de bens, a Diretiva contém uma norma que rege as situações de equiparação de transmissões gratuitas a operações efetuadas a título oneroso, com a consequente tributação, nos seguintes termos:

 

Artigo 16.º

É assimilada a entrega de bens efetuada a título oneroso a afetação, por um sujeito passivo, de bens da sua empresa ao seu uso próprio ou do seu pessoal, a transmissão desses bens a título gratuito ou, em geral, a sua afetação a fins alheios à empresa, quando esses bens ou os elementos que os constituem tenham conferido direito à dedução total ou parcial do IVA.

Todavia, não é assimilada a entrega de bens efetuada a título oneroso a afetação a ofertas de pequeno valor e a amostras efetuadas para os fins da empresa.

 

            3.         Análise Concreta – Acórdão do Tribunal de Justiça (C-505/22)

 

            Na situação em análise, o modelo de comercialização adotado pela Requerente configura-se como um negócio de escala, pois a sua rendibilidade depende de um determinado volume de subscritores e está assente na subscrição de publicações periódicas exclusivamente por assinatura. A angariação e manutenção de um número substancial de clientes constitui um vetor fundamental de sustentabilidade da Requerente, que, para esse efeito, desenvolve campanhas promocionais.

 

            No contexto destas campanhas, a assinatura de revistas de publicação periódica é publicitada pelos diversos canais de marketing (direto, paper mailing, e-marketing e telemarketing) com a informação de que os novos subscritores receberão um brinde ou presente de “boas-vindas” no momento da subscrição, o que se materializa com o (ou na sequência do) pagamento da primeira mensalidade. Este brinde não é mencionado na faturação emitida pela Requerente aos subscritores, documento que se limita a indicar a assinatura da(s) revista(s)[6] por contrapartida do valor da mensalidade em causa.

 

            Se os clientes cancelarem a subscrição/assinatura nos meses subsequentes, mantêm o gadget, não existindo cláusula de fidelização. Por outro lado, a renovação da assinatura não resulta num novo brinde.

 

            Ficou provado que, quando a comercialização das publicações é acompanhada destas campanhas de atribuição de “brindes”, o número de aderentes subscritores é muito superior àquele que se verifica nas fases em que não existem campanhas ativas.  

 

            Neste âmbito, a primeira questão que se suscita é a de saber se a atribuição do brinde – tablet ou smartphone – pode ser reconduzida a uma operação efetuada a título gratuito, enquadrável no artigo 3.º, n.º 3, alínea f) do Código do IVA, com correspondência no artigo 16.º, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA, ou se, de forma diversa, configura uma operação onerosa, com contrapartida de tradução pecuniária.

 

            Estando em causa a interpretação do direito da União Europeia, especificamente a noção de transmissão gratuita de bens (fonte do disposto no artigo 3.º do Código do IVA), suscitou-se a pronúncia do Tribunal de Justiça, por decisão arbitral datada de 22 de julho de 2022.

 

            O Tribunal de Justiça proferiu, em 5 de outubro de 2023, o Acórdão relativo ao processo de reenvio prejudicial acima identificado (C-505/22), enxertado nos presentes autos, no qual concluiu não estar em causa uma operação gratuita, com a fundamentação autoexplicativa que, infra, se transcreve:

 

            “19   A título preliminar, importa recordar que, para efeitos de IVA, cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente. Todavia, quando uma operação compreende vários elementos, coloca‑se a questão de saber se se deve considerar que é constituída por uma prestação única ou por várias prestações distintas e independentes, que importa apreciar separadamente para efeitos de IVA (v., neste sentido, Acórdão de 27 de setembro de 2012, Field Fisher Waterhouse, C‑392/11, EU:C:2012:597, n.os 14 e 15 e jurisprudência referida).

 

20  Assim, primeiro, a operação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA. Cumpre considerar que existe uma prestação única quando dois ou mais elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria caráter artificial (Acórdão de 4 de março de 2021, Frenetikexito, C‑581/19, EU:C:2021:167, n.º 38 e jurisprudência referida).

 

21  Para determinar se o sujeito passivo efetua várias prestações principais distintas ou uma prestação única, há que identificar os elementos característicos da operação em causa, da perspetiva do consumidor médio. O conjunto de indícios a que se recorre para este objetivo inclui diferentes elementos, os primeiros, de ordem intelectual e de importância decisiva, destinados a demonstrar a indissociabilidade ou não dos elementos da operação em causa e o seu objetivo económico, único ou não; os segundos, de ordem material e sem importância decisiva, que eventualmente vêm em apoio da análise dos primeiros elementos, como a acessibilidade separada ou conjunta das prestações em causa ou a existência de uma faturação única ou distinta (Acórdão de 4 de março de 2021, Frenetikexito, C‑581/19, EU:C:2021:167, n.º 39 e jurisprudência referida).

 

22  Segundo, uma operação económica constitui uma prestação única quando um ou mais elementos devem ser considerados prestação principal, ao passo que, outros elementos devem ser considerados uma prestação ou prestações acessórias que partilham do tratamento fiscal da prestação principal (Acórdão de 4 de março de 2021, Frenetikexito, C‑581/19, EU:C:2021:167, n.º 40 e jurisprudência referida).

 

23  Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o primeiro critério a tomar em consideração a este respeito é a inexistência de finalidade autónoma da prestação do ponto de vista do consumidor médio. Assim, uma prestação deve ser considerada acessória de uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesma, mas o meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador (Acórdão de 4 de março de 2021, Frenetikexito, C‑581/19, EU:C:2021:167, n.º 41 e jurisprudência referida).

 

24  O segundo critério, que constitui, na realidade, um indício do primeiro, tem que ver com a tomada em consideração do valor respetivo de cada uma das prestações que compõem a operação económica, uma revelando‑se mínima, ou mesmo marginal, relativamente à outra (Acórdão de 4 de março de 2021, Frenetikexito, C‑581/19, EU:C:2021:167, n.º 42 e jurisprudência referida).

 

25  No caso em apreço, resulta dos elementos prestados pelo órgão jurisdicional de reenvio, resumidos nos n.os 9 a 11 do presente acórdão, que a atribuição de presentes de subscrição por cada assinatura contratada faz parte integrante da estratégia comercial da requerente no processo principal. Além disso, segundo este órgão jurisdicional, as subscrições de assinaturas são consideravelmente superiores quando acompanhadas de presentes de subscrição.

 

26  Existe, assim, uma ligação clara entre a atribuição de um presente e a assinatura das revistas da requerente no processo principal. Todavia, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, esta ligação não parece, por um lado, sistemática e, por outro, suficientemente estreita para que estas prestações sejam consideradas indissociavelmente ligadas, na aceção da jurisprudência referida nos n.os 20 e 21 do presente acórdão. A este respeito, as circunstâncias de a renovação de uma assinatura não resultar na atribuição de um novo presente e de, por outro lado, a requerente no processo principal ter efetuado campanhas promocionais sem oferecer presentes de subscrição tendem a demonstrar que as referidas prestações não são indissociáveis.

 

27  Em contrapartida, as circunstâncias do processo principal parecem ilustrar, o que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, uma prestação principal acompanhada de uma prestação acessória, na aceção da jurisprudência recordada nos n.os 22 a 24 do presente acórdão. Com efeito, a atribuição de um presente de subscrição aos novos subscritores pela requerente no processo principal constitui um incentivo à subscrição. Não tem outra finalidade senão aumentar o número de subscritores das revistas que esta requerente publica e, por conseguinte, aumentar os lucros que a mesma realiza. De resto, resulta da decisão de reenvio que, no seu cálculo comercial, a requerente no processo principal tem em conta o facto de alguns subscritores cancelarem a subscrição após o pagamento da primeira mensalidade, que lhes permite ficar com o presente, sem obrigatoriedade de manter a subscrição. Não é menos verdade que a atribuição de um presente de subscrição permite à requerente no processo principal aumentar significativamente, ano a ano, o número de subscritores. Assim, a atribuição de tal presente não tem uma finalidade autónoma da perspetiva do consumidor médio, que aceita pagar pelo menos um mês de assinatura para obter o referido presente.

 

28  Além disso, a requerente no processo principal e a Comissão Europeia sublinham, com razão, nas observações que apresentaram, que o presente de subscrição oferecido nos anos de 2015 a 2018 permitiu aos novos subscritores beneficiarem, nas melhores condições, do serviço principal do prestador, a saber, a leitura das revistas para as quais a assinatura foi contratada, dado que um tablet e um smartphone permitem, por exemplo, consultar uma versão digital destas revistas.

 

29  Por conseguinte, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, afigura‑se que a assinatura das referidas revistas, por um lado, e a oferta de um tablet ou de um smartphone com um valor unitário inferior a 50 euros por cada assinatura contratada, por outro, formam um todo, constituindo a assinatura a prestação principal e o presente uma prestação acessória que apenas tem por objeto incentivar a subscrição de uma assinatura.

 

30  Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e o artigo 16.º, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que a atribuição de um presente de subscrição por contrapartida da subscrição de publicações periódicas através de uma assinatura constitui uma prestação acessória da prestação principal, que consiste na entrega de publicações periódicas, abrangida pelo conceito de «entrega de bens efetuada a título oneroso», na aceção destas disposições, e não deve ser considerada uma transmissão de bens a título gratuito, na aceção do referido artigo 16.º, primeiro parágrafo.”

 

            Resulta, assim, da interpretação do Tribunal de Justiça que a atribuição dos tablets ou smartphones nas circunstâncias descritas não constitui uma operação de natureza gratuita, pois comporta uma contrapartida onerosa que está embutida/considerada no valor da assinatura, ainda que não esteja segregada ou autonomizada. Fica, deste modo, afastada a apreciação da questão relativa à delimitação do conceito de “pequeno valor” aplicável às ofertas (operações realizadas a título gratuito), em concreto no que respeita ao limite de 5/00, pois só tem cabimento no contexto da análise de transmissões de bens qualificadas como gratuitas, o que não sucede na presente situação.

 

            Consolidado o entendimento de que a atribuição dos tablets e smartphones é, atentas as circunstâncias do caso, efetuada a título oneroso e não pode ser regida pelo regime das transmissões gratuitas, o Tribunal de Justiça, de seguida, prossegue com a análise da natureza independente ou composta das prestações e, neste último caso (de operação composta), do caráter acessório da atribuição do “brinde” (nesta hipótese sendo a assinatura das publicações a prestação principal).

 

            O Tribunal de Justiça preconiza o enquadramento de uma única operação (e não de duas operações independentes) e, dentro deste, da natureza acessória da transmissão dos brindes, sustentando-se em diversos factos-índice e circunstâncias do caso, bem como em anterior jurisprudência do mesmo Tribunal, como atrás transcrito, sob reserva de verificação dos factos pelo Tribunal nacional (arbitral).

 

            A este respeito, interessa notar que, dada a configuração do contencioso arbitral tributário, a caracterização do tipo de operação onerosa que está em causa não carece de aprofundamento no âmbito deste processo, uma vez que o único fundamento invocado pela AT para sustentar a liquidação do IVA foi o de que se tratava de uma operação gratuita – transmissão de bens assimilada – nos termos do artigo 3.º, n.º 3, alínea f) e n.º 7 do Código do IVA – o que, tendo em conta a interpretação do Tribunal de Justiça sobre a primeira questão[7], que aqui se aplica e segue, não é manifestamente o caso.

 

            Na verdade, o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial é um meio processual de mera legalidade, que visa a declaração de ilegalidade de atos de liquidação (v. artigo 2.º do RJAT) e a eliminação dos efeitos jurídicos por aqueles produzidos, através da sua anulação ou declaração de nulidade ou inexistência.

 

            Sendo o objeto de apreciação do Tribunal o ato tributário, a sua legalidade tem de ser apreciada à face do seu teor, tal como foi praticado. Ao Tribunal cabe apreciar a legalidade dos atos de liquidação, i.e., a sua compatibilidade com o direito, nos moldes em que os mesmos foram emitidos, ficando o objeto da ação delimitado pelos fundamentos subjacentes que, em momento contemporâneo ao da sua emissão, tenham sido externados pela AT e oportunamente notificados ao contribuinte. Assim, os poderes de cognição do Tribunal “não podem ir além dos fundamentos de que o ato explicitamente partiu” (v., a título de exemplo, as decisões arbitrais n.º 563/2020-T e 626/2021-T).

 

            Esta conceção tem correspondência na jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo de impugnação judicial previsto no artigo 99.º e seguintes do CPPT (modelo e paradigma do processo arbitral) – v. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de outubro de 2020, processo n.º 02887/13.8BEPRT, e, no mesmo sentido, os acórdãos de 17 de fevereiro de 2021, processo n.º 02111/14.6BEPRT 0981/16 e de 23 de abril de 2014, processo n.º 01690/13.

 

            Retomando a situação sub iudice, constata-se que AT efetuou as correções subjacentes aos atos impugnados no pressuposto (único) de que a atribuição dos gadgets, nos moldes acima explicitados, eram “ofertas aos clientes”, aplicando o “regime de transmissão gratuita de amostras e de ofertas de pequeno valor previsto na alínea f) do n.º 3, conjugado como o n.º 7, ambos do artigo 3º do CIVA.”

 

            Concluindo-se, pelas razões expostas, que a mencionada atribuição de gadgets, pela Requerente aos seus clientes subscritores, deve ser qualificada como uma operação efetuada a título oneroso, o regime das ofertas é inaplicável. Esta asserção é suficiente para este Tribunal decidir que os atos de (auto)liquidação de IVA e de liquidação de juros compensatórios estão feridos de ilegalidade, por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

           

            A conclusão mantém-se independentemente de a prestação onerosa – a atribuição dos brindes – ser enquadrada como operação independente ou no âmbito de operação composta, com caráter acessório. Com efeito, mesmo sendo distinto o regime tributário destas qualificações (nomeadamente no que se refere à taxa aplicável), uma vez que não foi esse o fundamento dos atos tributários invocado pela Requerida, não tem este Tribunal de o aprofundar e apreciar.

 

            4.         Juros Indemnizatórios   

 

            Sobre o pedido de juros indemnizatórios deduzido pela Requerente, a jurisprudência arbitral tem reiteradamente afirmado a competência destes Tribunais para proferir pronúncias condenatórias derivadas do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT. 

 

            Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.

 

            Na situação vertente, os atos de autoliquidação de IVA e juros controvertidos enfermam de errada interpretação e aplicação do direito que, ao não ser reconhecida em fase de reclamação graciosa, configuram erro imputável à AT, não tendo a atuação da Requerente contribuído para o mesmo. São, desta forma, devidos juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 e 100 da LGT, contados a partir do dia 12 de maio de 2021, tendo em conta que o despacho de indeferimento daquela reclamação data de 11 de maio de 2021.

 

* * *

 

Por fim, resta referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil, nos termos do disposto nos artigos 608.º e 130.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, nomeadamente no que respeita à aplicação de um limite de 5/ºº às ofertas de pequeno valor, uma vez que se concluiu pela inaplicabilidade do regime de IVA das operações gratuitas à situação vertente.

 

 

            V.        Decisão

 

À face do exposto, acordam as árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar procedente a presente ação e, em consequência:

  1. Anular as (auto)liquidações de IVA objeto dos autos, referentes aos anos 2015, 2016, 2017 e 2018 e, bem assim, as liquidações de juros compensatórios inerentes, perfazendo o valor global de € 3.472.125,38;
  2. Anular a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que manteve tais atos;
  3. Determinar o pagamento de juros indemnizatórios nos termos legais, a partir do dia seguinte ao do indeferimento da referida Reclamação Graciosa, i.e., com início em 12 de maio de 2021.

 

 

VI.      Valor do Processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 3.472.125,38, correspondente ao valor das regularizações de IVA (autoliquidado) referentes aos anos 2015, 2016, 2017 e 2018, conforme indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

 

VII.     Taxa de Arbitragem

 

Dada a modalidade de designação de árbitro, a taxa de arbitragem constitui encargo da Requerente, nos termos do disposto no artigo 5.º do RCPAT e da Tabela de Custas a este anexa.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 23 de outubro de 2023

 

As Árbitros,

 

 

Alexandra Coelho Martins

 

 

Clotilde Celorico Palma

 

 

 

Sofia Ricardo Borges

 

 

 

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 478/2021-T

Tema: IVA - Transmissões de bens. Ofertas de valor inferior a € 50,00 que excedam o limite de 5%o do volume de negócios do ano anterior. Art. 3.º, n.º 3, alínea f) II parte e n.º 7 do CIVA e art. 16.º da Diretiva IVA. Reenvio prejudicial.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

As árbitros designadas para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 2 de novembro de 2021, Alexandra Coelho Martins (presidente), Clotilde Celorico Palma, indicada pela Requerente, e Sofia Ricardo Borges, designada pela Requerida, acordam no seguinte:

 

 

I.         Relatório

 

A..., Lda., doravante “Requerente”, pessoa coletiva número..., com sede na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, na redação vigente. 

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também identificada por “AT”.

 

A Requerente peticiona a declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, autuada sob o n.º ...2020..., bem como das reclamadas autoliquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) referentes aos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018, no valor de € 2.562.500,65, e liquidações de juros compensatórios e de mora, no valor de € 270.936,70, resultantes de regularizações voluntárias no montante de € 3.472.125,38 realizadas no decurso de procedimento inspetivo àqueles anos.

 

A Requerente pretende ainda a condenação da Requerida à restituição do imposto e juros que considera indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, contados até à data do integral reembolso, ao abrigo do disposto no artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”) e no artigo 61.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”). A Requerente juntou 9 documentos e requereu a produção de prova testemunhal.

 

Em 9 de agosto de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, com a notificação da AT.

 

A Requerente designou como árbitro a Prof. Doutora Clotilde Celorico Palma, no uso da prerrogativa prevista no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.

 

Nos termos do disposto do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, e dentro do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1, a Requerida indicou como árbitro a Dra. Sofia Ricardo Borges.

 

As árbitros designadas pelas Partes comunicaram ao CAAD a designação da Dra. Alexandra Coelho Martins como árbitro presidente, conforme previsto nos artigos 6.º, n.º 2, alínea b) e 11.º, n.º 6 do RJAT.

 

Todas as árbitros comunicaram a aceitação do encargo, tendo o Exmo. Presidente do CAAD informado as Partes dessa designação em 12 de outubro de 2021, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT, não tendo estas manifestado oposição.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 2 de novembro de 2021.

 

            Em 7 de janeiro de 2022, a Requerida juntou o processo administrativo (“PA”) e a Resposta, tendo o Tribunal determinado o desentranhamento desta última por extemporaneidade, mantendo-se o processo administrativo por consubstanciar elemento de prova relevante para a descoberta da verdade material.

 

Em 21 de fevereiro de 2022, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, na qual foram inquiridas três testemunhas indicadas pela Requerente (tendo sido prescindida uma testemunha). O Tribunal determinou a notificação das Partes para, querendo, se pronunciarem sobre a intenção de colocar questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça sobre o conceito de ofertas de pequeno valor, convidando ainda a Requerente a juntar cópias de exemplos de faturas e de contratos de subscrição (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

 

Em 3 de março de 2022, a Requerente procedeu à junção de cópias de faturas, conforme solicitado pelo Tribunal, não tendo, porém, juntado exemplos de contratos de subscrição. Melhor, esclarecendo que “os contratos correspondiam aos mailings que eram (e continuam a ser) enviados aos clientes”, e juntando cópia dos mesmos. Pronunciou-se no sentido de ser pertinente a colocação de questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça.

 

Em 4 de março de 2022, a Requerida manifestou-se também em relação à auscultação do Tribunal de Justiça, não se opondo à mesma e apenas fazendo notar as questões a colocar deverem abranger “o quid para a existência do limite de 5 por mil do volume de negócios do ano anterior previsto no art.º 3.º n.º 7 do CIVA”.

 

Por despachos de 21 de abril e de 1 de julho de 2022, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.

 

 

Posição da Requerente

 

Como fundamento do seu pedido, a Requerente invoca erro de direito alegando que:

  1. A atribuição de “gadgets” efetuada a novos subscritores no momento da assinatura de publicações periódicas da Requerente não reveste caráter de liberalidade, inexistindo animus donandi;
  2. Estamos perante um pacote comercial, apresentando fins promocionais, publicitários e comerciais. Esse pacote é constituído por uma prestação de serviços (assinatura) associada a uma transmissão de bens (o “gadget”) com contrapartida pecuniária incluída no valor da assinatura da revista, ou seja, o preço final não é apenas o das revistas transacionadas, mas, antes, o preço descontado das revistas, mais o “gadget”;
  3. A referida atribuição é uma prática legítima, conforme aos usos comerciais;
  4. Não sendo uma liberalidade, não se subsume ao disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea f) do Código do IVA, cuja fonte é o artigo 16.º da Diretiva IVA[8], e não pode a escolha do nome que lhe é dado por si Requerente condicionar o enquadramento tributário em sede de IVA dos produtos que comercializa;
  5. Porém, ainda que se entendesse tratar-se de uma oferta de bens, o seu valor unitário é inferior a € 50,00, pelo que sempre seria enquadrável no conceito de reduzido valor previsto no artigo 3.º, n.º 7 do Código do IVA;
  6. O facto de globalmente os “gadgets” atribuídos ultrapassarem o montante de cinco por mil do volume de negócios do ano anterior não tem relação com o reduzido valor do bem transmitido, nem com a concretização legal do conceito de “oferta de pequeno valor”;
  7. O entendimento da AT viola o disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea f) e n.º 7 do Código do IVA e é desconforme ao artigo 16.º, II parágrafo da Diretiva IVA;
  8. A consideração do limite de cinco por mil do volume de negócios viola ainda os princípios da proporcionalidade, da neutralidade e da igualdade de tratamento ou não discriminação, porquanto:
    1. Impõe comportamentos aos operadores limitando a sua liberdade económica e a neutralidade;
    2. É excessivamente restritivo, retirando o efeito útil ao vertido no artigo 16.º da Diretiva;
    3. Discrimina os operadores económicos portugueses relativamente aos demais operadores de outros Estados-Membros que não impõem tal limite;
    4. Discrimina a Requerente em relação a operadores sedeados em território nacional cuja atividade depende de um menor número de clientes e/ou de margens de comercialização diferentes; e
    5. Excede o necessário para alcançar a finalidade de preservar eficazmente os direitos do Fisco, não existindo o risco de os sujeitos passivos fazerem ofertas de valor injustificado quando agem genuinamente com fins comerciais.

 

A Requerente sustenta que estando em causa a transposição para o direito interno do artigo 16.º da Diretiva IVA deve ser suscitado o reenvio prejudicial para aferição das dúvidas interpretativas e da (des)conformidade do regime português.

 

Posição da Requerida

 

            A Requerida não se opõe ao reenvio prejudicial e à suscitação, junto do Tribunal de Justiça, da questão da compatibilidade, à face do direito da União Europeia, do limite de cinco por mil  do volume de negócios do ano anterior previsto no artigo 3.º n.º 7 do Código do IVA, sem prejuízo de considerar que os Estados-Membros gozam de uma certa margem de apreciação no que respeita à sua interpretação do conceito de oferta de pequeno valor, desde que não desrespeitem a finalidade e a posição que essa disposição ocupa na economia da Diretiva IVA. Argui que os Estados-Membros podem fixar limites tomando em consideração diversas circunstâncias económicas e prever exceções para evitar abusos, enquadrando-se o limite dos cinco por mil do volume de negócios neste objetivo, prevenindo, nomeadamente, possíveis transmissões de dois bens em conjunto, “mas declarando um como oneroso sujeito a taxa reduzida e o outro formalmente como oferta gratuita, mas que na substância como onerosa configuraria uma transmissão de bens à taxa normal”.

 

 

            II.        Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos atos de autoliquidação de IVA, de liquidação de juros de mora e compensatórios controvertidos, sobre os quais recaiu decisão confirmativa, no contexto do ato secundário [Reclamação Graciosa] contra os mesmos deduzido, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT (no caso, releva a alínea e)), contado da notificação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, pelo ofício n.º..., de 12 de maio de 2021, tendo a ação arbitral dado entrada em 6 de agosto de 2021.

 

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

 

           

 

III.      Fundamentação de Facto

 

  1. Matéria de Facto Provada

 

            Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

  1. A..., Lda., aqui Requerente, é uma sociedade comercial que tem por objeto “Editar revistas e outro material informativo sobre defesa do consumidor” desenvolvendo, através do seu departamento editorial, publicações periódicas vocacionadas para o esclarecimento e proteção do consumidor, as quais vende através sistema de assinatura – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) junto como documento 4.
  2. A Requerente faz parte integrante do Grupo internacional da B..., que agrega diversas organizações de promoção e defesa dos interesses dos consumidores, incluindo empresas que, como a Requerente, se dedicam à atividade editorial, publicando revistas especializadas na área dos direitos, proteção e defesa dos consumidores – cf. RIT.
  3. As referidas empresas, por sua vez, estão ligadas a entidades de defesa dos direitos dos consumidores europeias, a saber: C... (Portugal); D... (Itália); E... (Espanha); e F... (Bélgica) – cf. RIT.  
  4. A Requerente adotou um modelo de negócio assente na subscrição de publicações periódicas (revistas), nomeadamente a Revista ..., a Revista ..., a ... e a ... . As revistas são exclusivamente comercializadas através do sistema de assinatura – cf. RIT e depoimentos das primeira e segunda testemunhas inquiridas.
  5. Para assegurar financeiramente a sua atividade, a Requerente necessita de um elevado número de subscritores das suas revistas – cf. depoimentos das primeira e terceira testemunhas inquiridas e documentos 8 e 9 juntos pela Requerente.
  6. Como forma de promoção comercial e de angariação de novos subscritores/clientes a Requerente adota várias técnicas de marketing, onde se incluem o “marketing direto” ou “paper mailing” através do envio de cartas em papel a potenciais subscritores, o “e-marketing”, mediante e-mails dirigidos aos mencionados clientes potenciais, e o “telemarketing” – cf. depoimentos das três testemunhas inquiridas.
  7. Neste contexto, tendo em vista a atração e a angariação de clientes em larga escala, a Requerente realiza campanhas promocionais atribuindo aos clientes que adiram a um plano de subscrições o direito a receber, além das revistas subscritas, um presente/brinde consubstanciado num “gadget” que pode ser um tablet, ou um smartphone, sempre com um valor unitário inferior a € 50,00, procedendo para o efeito a aquisições intracomunitárias nas quais aplica reverse charge, liquidando e deduzindo IVA – cf. RIT e depoimentos das três testemunhas inquiridas.
  8. O “presente de subscrição” é entregue ao subscritor, enviado por correio com as revistas, após a celebração de contrato de subscrição de publicações e pagamento da primeira mensalidade de subscrição que é de valor igual ao das mensalidades subsequentes, sendo que nos mailings enviados aos clientes, que funcionavam como sendo “os contratos”, e que eram devolvidos pelos clientes com a indicação do IBAN e autorização para débito direto, se lê, entre o mais: “(...) Receberei um fantástico Tablet como oferta de boas-vindas. Assim, pago apenas € 6,95 por mês, em vez de € 14. Para que possam cobrar o pagamento da minha subscrição, preencho agora a Autorização de Pagamento SEPA. (...) Será possível proceder ao cancelamento da subscrição, a qualquer altura (...).” – cf.  depoimentos das três testemunhas inquiridas, e doc. 5 ulteriormente junto pela Requerente a convite do Tribunal.
  9. Nas campanhas de novos subscritores em que são atribuídos os referidos brindes, o número de adesões/subscrições de assinaturas é consideravelmente superior ao que se verifica quando não são utilizadas estas técnicas de atração de clientes. Por essa razão, dada a sua eficácia, esta metodologia de promoção comercial tem sido historicamente utilizada pela Requerente e pelas demais entidades do grupo B...– cf. depoimentos das três testemunhas inquiridas e documentos 8 e 9 juntos pela Requerente.
  10. Uma parte dos novos subscritores/clientes cancela o plano de subscrição a partir do segundo mês e uma parte substancial até ao final do primeiro ano. A Requerente não aplica um período de fidelização, pelo que os clientes que paguem apenas um ou dois meses ficam com o brinde e não sofrem qualquer penalização – cf. RIT e depoimento das três testemunhas inquiridas.
  11. O valor global dos brindes atribuídos aos novos subscritores ultrapassou em cada um dos anos anteriores[9] aos das correções em referência cinco por mil do volume de negócios da Requerente – cf. RIT.
  12. As faturas emitidas pela Requerente relativas às mensalidades das revistas subscritas com atribuição de brindes contêm a menção:
  1. À assinatura da(s) revista(s), com aplicação da taxa reduzida, de 6%, sobre o correspondente valor; e, em alguns casos,
  2. À “quota A...”, debitada com isenção de IVA nos termos do artigo 9.º do Código deste imposto,

ou seja, nas faturas emitidas não consta qualquer referência à transmissão/atribuição de brindes ou presentes de boas vindas – cf. documentos ulteriormente juntos pela Requerente a convite do Tribunal.

  1. Em 2019 foi realizado um procedimento inspetivo externo à Requerente que abrangeu o IRC e o IVA e os anos 2015, 2016, 2017 e 2018, em cumprimento das ordens de serviço OI2018... [2015]; OI2019... [2016]; OI2019... [2017]; OI2019... [2018] – cf. RIT.
  2. Na sequência do referido procedimento, mantendo-se o enquadramento efetuado pela Requerente como “ofertas”, foram propostas à Requerente, no Projeto de Relatório, correções de IVA no valor global de € 3.472.125,38, por ultrapassagem do limite de cinco por mil previsto na lei portuguesa para delimitar as “ofertas de pequeno valor”. Este valor (correções) é repartido pelos anos em causa nos seguintes moldes:
  1. 2015 – € 1.496.614,81;
  2. 2016 – € 877.529,54;
  3. 2017 – € 604.495,72;
  4. 2018 – € 493.485,31,

sendo que o valor de aquisição dos “gadgets” atribuídos pela Requerente aos novos subscritores em cada um dos anos foi de:

aa)  2015 - € 6.714.047,11;

bb)  2016 - € 4.051.000,25;

cc)  2017 - € 2.878.369,57;

dd)  2018 - € 2.387.899,57.

– cf. RIT

  1. A Requerente apresentou voluntariamente declarações de substituição relativas ao mês de dezembro de cada um dos anos de 2015 a 2018, procedendo à autoliquidação dos valores de IVA referidos no ponto anterior que, tendo em conta o consumo de montantes de crédito de imposto a favor da Requerente, resultaram no pagamento efetivo (dispêndio monetário) de € 2.851.551,41, nos quais se incluem € 270.936,70 de juros de mora e compensatórios – cf. documentos 2, 5 e 6 juntos pela Requerente.
  2. Nesta sequência, foi emitido o Relatório de Inspeção Tributária, que infra se transcreve na parte relevante para a matéria em discussão nos presentes autos:

“[…]

I.4. CONCLUSÕES DA AÇÃO DE INSPEÇÃO – RESUMO

Como resultado da ação inspetiva de âmbito polivalente aos impostos de IRC e IVA, ao exercício de 2015, e univalente ao Imposto do IVA aos exercícios de 2016, 2017 e 2018 forem detetadas irregularidades, as quais se encontram discriminadas e fundamentadas no Capítulo IV e VIII deste relatório:

Regularizações Voluntárias

  • 2015 – IVA – Imposto: € 1.496.614.81 (após assinatura da Ordem de Serviço) – Capítulo IV;
  • 2016 – IVA – Imposto: € 877.529,54 (antes assinatura da Ordem de Serviço) – Capítulo VIII;
  • 2017 – IVA – Imposto: € 604.495,72 (antes assinatura da Ordem de Serviço) – Capítulo VIII;  
  • 2018 – IVA – Imposto: € 493.485,31 (antes assinatura da Ordem de Serviço) – Capítulo VIII.

[…]

II – OBJETIVOS, ÂMB1TO E EXTENSÃO DA AÇÃO INSPETIVA

II.1. Credencial e período em que decorreu a ação

Em cumprimento das ordens de serviço n.º:

  • OI2018..., com despacho datado de 2018-03-23, exercício de 2015 ;
  • OI2019..., com despacho detad0 de 2019-07-17, exercício de 2016;
  • OI2019..., com despacho datado de 2019-07-17, exercício de 2017;
  • OI2019..., com despacho datado de 2019-07-30, exercício de 2018,

nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.ºs 1 e 2 alínea a) e 12.º, n.º 1, ambos do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro e atualizado pela Lei n.º 75-A/2014, de 30 de Setembro, foram ordenadas ações inspetivas  externas aos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2018 ao sujeito passivo A... LDA […], na área do Serviço de Finanças de LISBOA-... (código ...). 

[…]

II.2. Motivo, âmbito e incidência temporal

2015

Para o exercício de 2015, a ação inspetiva resultou duma proposta de abertura de procedimento de inspeção, elaborado na sequência da análise efetuada no Documento de Acompanhamento Permanente (DAP), onde se detetou a necessidade de efetuar uma verificação mais aprofundada à evolução dos prejuízos e às deduções no Q07 da Modelo 22.

Foi iniciada como ação externa, ao exercício de 2015, com âmbito parcial ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e a 2019-02-12 foi alterado o âmbito, nos termos do art 15º n.º 1 do RCPITA, por terem sido detetadas situações suscetíveis de análise em sede do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), passando a ação a externa parcial aos Impostos de IRC e IVA.

2016, 2017 e 2018

Para os exercícios de 2016, 2017 e 2018 as ações inspetivas resultaram de, no decurso da análise ao exercício de 2015, terem sido detetadas situações suscetíveis de análise em sede do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), pelo que, foram abertas como aç5es externas, de âmbito parcial ao imposto do IVA.

II.3. Objeto Social e Enquadramento Fiscal da Atividade Exercida

O objeto social da sociedade A... LDA, de ora em diante designada por A... ou sujeito passivo, é «Editar revistas e outro material informativo sobre defesa do consumidor».

De acordo com o sujeito passivo, o seu objeto social consiste «no desenvolvimento através do seu departamento editorial, de publicações periódicas vocacionadas para o esclarecimento e proteção do consumido[r] as quais vende através sistema de assinatura».

De referir que a A... se encontra inserida no GRUPO Internacional B... .

A B... é um grupo líder internacional de organizações de consumidores criado para promover e defender os interesses dos consumidores, resolver os seus problemas e ajudá-los a exercer os seus direitos fundamentais. É uma organização sem fins lucrativos formada pelas seguintes organizações de Defesa do Consumidor Europeias:

  • a A..., associação Portuguesa de defesa do consumidor;
  • a B..., associação Italiana de defesa do consumidor;  
  • a E..., associação Espanhola de defesa ao consumidor;
  • a F..., associação Belga de defesa do consumidor;
  • a A... associação Brasileira de defesa do consumidor.

A C... (C...) é a maior e mais antiga associação Portuguesa de Defesa do Consumidor e surgiu a 12 de Fevereiro de 1974, da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES).

Em 1978 foi lançado o número zero da revista ... destinada a set distribuída pelos sócios da associação. Em 1986 iniciou a profissionalização dos seus quadros não só para as questões relacionadas com a divulgação das pesquisas a produtos e serviços, como para a edição da revista ... que iniciou a sua publicação mensal a partir de Janeiro desse ano. Iniciou-se no mesmo ano o apoio jurídico aos associados.

Esta nova estratégia da A... foi suportada financeiramente quer pelo Governo Português através do então Instituto de Defesa do Consumidor, quer pela Comissão Europeia – DGXI e pelo BEUC, que é a cúpula europeia das organizações de consumidores.

Dada a necessidade de ampliar e profissionalizar a equipa editorial, a A..., em conjunto com a B..., fundou, em 1991, uma editora – a G..., PARA A C..., LDA, a atual A... .

Ao longo dos anos, o número de publicações foi-se alargando e, em 2011, a A... editava, além da ..., a..., a ... e a ... . Sob a designação A...– Guias Práticos, a A... edita vários livros sobre os mais variados temas: Informática, Bricolage, Economia, Seguros, Direitos do Consumidor, Direitos do Trabalhador, Saúde, Segurança, entre outros.

II.3.1. Em sede de IRC

     […]

II.3.1. Em sede de IRC

De acordo com a base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), a A... iniciou a atividade em 1991-05-01, encontrando-se, nos exercícios em análise, enquadrada no Regime Geral de Tributação e, em termos de atividade enquadrada na Código de Atividade Económica (CAE):

Principal:           58140 – EDIÇÃO DE REVISTAS E DE OUTRAS PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS.

Secundário 1:     85593 – OUTRAS ACTIVIDADES EDUCATIVAS, N.E.

Secundário 2:     85591 – FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Secundário 3: 70220 – OUTRAS ACTIVIDADES CONSULTORIA PARA OS NEGÓCIOS E A GESTÃO

II.3.2. Em sede de IVA

Em sede de IVA, o sujeito passivo, encontra-se enquadrado no Regime Normal, Mensal.

II.4. Representantes Fiscais do Sujeito Passivo

[…]

     II.5. Cumprimento formal das Obrigações Fiscais/Existência de Dívidas Fiscais

Quando da consulta ao sistema informático da AT, confirmámos que o sujeito passivo objeto de análise face à atividade exercida, e ao disposto legalmente, cumpriu com as suas obrigações declarativas através da entrega das respetivas declarações […].

II.6. Infração à Obrigação de Emissão de Faturas

A A... é uma empresa que edita revistas especializadas. As revistas e guias práticos que são publicados são pensados para informar, defender e apoiar os consumidores.

Sendo estas as Revistas que a própria A... apresenta deste modo:

  • ...– É nesta revista mensal que encontra grande parte dos nossos testes a pequenos e grandes eletrodomésticos, equipamentos da área da tecnologia, últimos gritos em “gadgets”, automóveis, entre outros produtos. Divulgamos também inquéritos e estudos para encontrar os melhores serviços aos melhores preços.
  • ...– Promove a qualidade e a segurança de produtos e serviços de saúde, permite decidir com base em evidência científica e luta pelo acesso e qualidade dos cuidados de saúde, medicamentos e segurança alimentar. Revista bimestral. Após 1 ano de subscrição, recebe gratuitamente o Cartão de Saúde, com descontos em consultas, serviço de médico em casa, envio de medicamentos, entre outros serviços, para todo o agregado familiar.
  • ...– Poupe centenas de euros por ano e receba a orientação legal adequada para defender os seus direitos com esta revista bimestral. Crédito à habitação, seguros, fiscalidade, cláusulas de contratos e comissões bancárias são algumas das áreas de ação e temas complexos simplificados. Ao assinar receberá também o Guia Fiscal, um suplemento anual para os subscritores da ..., que ajuda a preencher a declaração de IRS e cumprir obrigações fiscais.
  • ... Conselhos financeiros da A... através de publicações semanais e mensais. Dedica-se à análise de produtos financeiros, como obrigações, fundos, depósitos a prazo, produtos estruturados, imobiliário, e as melhores alternativas para investir e poupar. Disponibiliza ainda linhas telefónicas de apoio e ações de formação online e presenciais.
  • ...– Mais de 60 títulos sobre condomínio, arrendamento, impostos (GUIA FISCAL), emprego, saúde e bem-estar, alimentação, desporto, entre outros temas. Os subscritores da ... podem pedir um guia por mês do catálogo Veja o catálogo completo dos guias práticos e encomende na loja online. Ao subscrever o ..., beneficia de vantagens exclusivas. Todos os anos, no guia, incluímos um dossiê especial sobre um determinado tipo de vinho ou uma região demarcada. Como ler um rótulo, servir, degustar e conservar são algumas das informações que também encontra.

Através da angariação de subscritores das revistas é feita igualmente a angariação de novos sócios para a C..., a associação para defesa do consumidor. Se o subscritor da revista aceita ser sócio da C..., a A... cobra e fatura a quota em nome da C..., sendo esta última, abatida às vendas e o valor entregue à C... .

Assim os Rendimentos referem-se essencialmente a:

•   Subscrição das Revistas;

•   Prestações de serviço intra-grupo (redébitos de encargos).

Foram analisados alguns documentos selecionados por amostragem. Tendo-se detetado o seguinte: A A... só emite faturas aos seus subscritores quando solicitado.

[…]

VI – REGULARIZAÇÕES EFETUADAS PELO SP NO DECURSO DA AÇÃO DE INSPEÇÃO

VI. 1. Regularizações em sede de IVA – Ofertas aos Clientes – 2015

Da nossa análise verificámos que a A... procedeu à oferta de “tablet's”, telemóveis, etc., aos novos clientes (subscritores).

Para tal, no exercício de 2015, verificou-se que adquiriu este tipo de bens ao fornecedor Belga F... e italiano D... . Dado tratar-se de aquisições intracomunitárias, a A... aplicou o “reverse charge”, tendo liquidado e deduzido o IVA desses bens.

Estes bens encontram-se em “stock”, contabilizados na conta #32110200 – “STOCKS –PREMIOS" e à medida que são angariados novos clientes, o bem oferecido sendo contabilizado como um encargo, na conta #61120020 – “CONSUMOS PRÉMIOS”.

Na conta #61120020 – “CONSUMOS PRÉMIOS”, para além das ofertas, encontra-se também contabilizado, o valor dos bens que, não tendo sido oferecidos, são devolvidos aos próprios fornecedores, por contrapartida da conta de Rendimentos #71500010 –“REINVOICING GADGETS”.

Dado tratar-se de ofertas aos clientes foram analisadas as operações, em sede de IVA, de acordo com o regime de transmissão gratuita de amostras e de ofertas de pequeno valor previsto na alínea f) do n.º 3, conjugado como o n.º 7, ambos do artigo 3º do CIVA.

Na realidade o artigo 3.º do CIVA, define o conceito de transmissão de bens e a alínea f) do n.º 3 deste artigo considera como tal a transmissão gratuita de bens quando, relativamente a tais bens ou aos elementos que os constituam, tenha havido dedução total ou parcial do imposto, excluindo-se, porém, do regime estabelecido por esta alínea f) as amostras e as ofertas de pequeno valor e em conformidade com os usos comerciais.

A este respeito, interessa, pela leitura da Informação Vinculativa – Ficha Doutrinária,  Processo: nº 731 , por despacho do Diretor-Geral, em 2010-06-15; que versa sobre esta matéria, fazer o enquadramento, em sede IVA, dos bónus, ofertas e descontos bem como de bens contendo publicidade:

     -«……..

     6. Decorre do anteriormente referido que, quando se trate da entrega de produtos diferentes dos faturados ao cliente, se está perante uma oferta, que será tributada ou não em IVA, consoante o seu valor unitário.

     7. Deste modo, há que recorrer ao disposto na alínea f) do n.º 3 do art.º 3.º do CIVA, nos termos do qual se consideram transmissões de bens, as transmissões gratuitas de bens da empresa, quando, relativamente aos mesmos, tenham havido dedução total ou parcial do imposto.

     8. Não há, contudo, sujeição a imposto, ainda que tenha havido lugar à dedução total ou parcial do IVA contido nos bens objeto de transmissão gratuita, nos casos em que, em conformidade com o disposto no n.º 7 do art.º 3º do CIVA, se esteja perante ofertas de valor unitário igual ou inferior a € 50,00 e cujo valor global anual não exceda cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais.

     9. Caso o valor da oferta ultrapasse o valor estabelecido no n.º 7 do art.º 3º do CIVA, há obrigatoriedade de liquidação de imposto, salvo, naturalmente, se não tiver exercido o direito à dedução do correspondente imposto suportado a montante.

     10. A oferta pode ser constituída por bens comercializados ou produzidos pelo próprio ou por bens adquiridos a terceiros.

     11. Nas situações em que o valor da transmissão gratuita dos bens ultrapasse o valor estabelecido no n.º 7 do art.º 3º do CIVA e se estiverem em causa bens que se encontram desonerados de IVA, por o imposto que incidiu sobre a respetiva aquisição ter sido deduzido total ou parcialmente, a sua entrega é assimilada a uma transmissão onerosa de bens, sendo sujeita a tributação.

     12. Nesse caso, o respetivo valor tributável, de acordo com a alínea b) do n.º  do art.º 16.º do CIVA, é o preço de aquisição dos bens ou de bens similares ou, na sua falta, o preço de custo, reportados ao momento da realização das operações.

     …….» -

Foi analisado o valor unitário das ofertas e verificou-se que se encontra abaixo de € 50,00, pelo que estas ofertas estão excluídas do regime de transmissão gratuita de amostras e de ofertas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais, «pressupondo que o valor anual ofertas não exceda cinco por mil do volume de negócios da empresa no ano anterior».

Ora, comparando o valor total das ofertas, em 2015, que ascendeu a € 6.714.047,11 (valor registado na conta #61120020 – “CONSUMOS PRÉMIOS” diminuído do valor dos bens devolvidos aos fornecedores, registado na conta #71500010 – “REINVOICING- GADGETS”), com o volume de negócios do ano anterior, que ascendeu a €  41.405.239,45 e  multiplicando por cinco por mil, vamos confirmar que o valor anual das ofertas, em 2015, excedeu o limite em € 6.507.020,91. Ora, tendo sido exercido o direito à dedução, nas aquisições destas ofertas, aquele valor está sujeito ao regime de transmissão gratuita da amostras e ofertas e de acordo com o n.º 7 do artigo 3º do CIVA há obrigatoriedade liquidar o IVA desta transmissão gratuita.

     Analisando os exercícios posteriores, verificámos que o procedimento se mantém, pelo que ao efetuarmos análise idêntica, resulta em falta de liquidação de IVA, de acordo com o n.º 1 do artigo 18º do CIVA, nas últimas declarações do ano, ou seja: 201512, 201612, 201712 e 201812.

Descrição

Valor Euros

Ano n

2015

2016

2017

2018

Volume Negócios (n-1)

a

41.405.239,45

47.130.883,22

50.025.465,74

48.462.250,31

limite 5%o

b

0,005

0,005

0,005

0,005

Limite Ofertas para (n)

c=axb

207.026,20

235.654,42

250.127,33

242.311,25

 

 

 

 

 

 

Consumo Prémios-#611 (n)

d

6.769.151,20

4.126.492,95

3.292.247,65

2.387.899,57

Reinvoicing Gadgets-#71500010 (n)

e

55.104,09

75.492,70

413.878,08

-

Ofertas-#611 (n)

f=d-e

6.714.047,11

4.051.000,25

2.878.369,57

2.387.899,57

 

 

 

 

 

 

Excede=Transmissão Gratuita

g=f-c

6.507.020,91

3.815.345,84

2.628.242,24

2.145.588,32

Taxa IVA 23%

h

0,23

0,23

0,23

0,23

Correção IVA Liquidado

l=gxh

1.496.614,81

877.529,54

604.495,72

493.485,31

 

 

Durante a ação de inspeção o contribuinte regularizou a sua situação tributária voluntariamente, tendo procedido à liquidação de IVA no período de 201512 do valor de € 1.496.614,81, entregando, para o efeito, a declaração de substituição – Anexo V:

Declaração de IVA 201512:

  • ID: ... com data de receção a 2019-08-26.

Constata-se assim, encontrar-se regularizada voluntariamente para o exercício de 2015, a correção anteriormente proposta.

Para os exercícios seguintes o sujeito passivo corrigiu as suas declarações de IVA após o envio das cartas aviso e antes do início das ações de inspeção.

[…]”

VII – INFRAÇÕES VERIFICADAS

[…]

VIII – OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES

VIII. 1. Regularizações em sede de IVA – Ofertas aos Clientes – 2016, 2017 e 2018

Após o envio da Carta Aviso e antes da assinatura das Ordens de Serviço OI2019..., OI2019... e OI2019..., relativas ao exercício de 2016, 2017 e 2018, o sujeito passivo, no âmbito do princípio da colaboração, de acordo com o artigo 59º da LGT, procedeu ao envio dos elementos comprovativos da regularização da sua situação tributária, tendo espontaneamente solicitado o pagamento das coimas reduzidas antes do início da inspeção. Para tal procedeu à entrega dos documentos comprovativos da regularização voluntária e o pedido de redução de coimas ao abrigo do artigo 29º do RGIT – Anexo VI.

Antes do início da ação de inspeção o contribuinte regularizou a sua situação tributária voluntariamente, tendo procedido à liquidação de IVA nos períodos:

  • 201612 do valor de  € 877.529,54;
  • 201712 do valor de  € 604.495,72;
  • 201812 do valor de  € 493.485,31.

Entregando para o efeito as seguintes declarações – Anexo VII:

•   ID: ... com data de receção a 2019-08-26 (201612).

•   ID:... com data de receção a 2019-08-26 (201712).

•   IO: ...com data de receção a 2019-08-26 (201812).

Constata-se assim, encontrarem-se regularizadas voluntariamente, para os exercícios de 2016, 2017 e 2018 as correções anteriormente propostas.

Deste modo, propõe-se o encerramento das Ordens de Serviço com regularizações voluntárias em sede de IVA.

[…]”

  1. A AT emitiu liquidações de juros de mora e de juros compensatórios no valor total de € 270.936,70, que foram pagos pela Requerente – cf. documentos 3 e 6 juntos pela Requerente.
  2. A Requerente não se conformou com as autoliquidações de IVA efetuadas, em observância do entendimento da Requerida vertido no Relatório de Inspeção Tributária, através de declarações de substituição para os anos de 2015, 2016, 2017 e 2018, e apresentou Reclamação Graciosa pugnando pela anulação dessas autoliquidações e, bem assim, das liquidações de juros de mora e compensatórios a que foi sujeita – cf. PA.
  3. A Reclamação Graciosa foi indeferida, por despacho de 11 de maio de 2021, do Diretor adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo de delegação de competências, notificado à Requerente pelo ofício n.º ..., de 12 de maio de 2021 – cf. documento 1 junto pela Requerente.
  4. Constituem fundamentos do indeferimento da Reclamação Graciosa os seguidamente transcritos:

[…]

V – ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER

17. Na sequência da submissão voluntária das declarações periódicas de substituição – períodos 2015-12, 2016-12, 2017-12 e 2018-12, resultaram das mesmas as liquidações ora contestadas, referidas no ponto 1, as quais originaram repercussões nos sucessivos períodos seguintes a nível do campo 61- Excesso a reportar para o período seguinte.

18. Como acima descrito, refere a reclamante, que, no âmbito da sua atividade, desenvolve publicações periódicas, que são comercializadas através de um sistema de assinatura mensal, sendo que, por cada assinatura contratada, é atribuído um brinde ao subscritor, de valor unitário inferior a € 50,00, alegando, que os brindes não se tratam de ofertas de bens, sendo concedidos por efeito da sua transmissão de bens.

19. Ora, importa aqui fazer referência à Informação Vinculativa – Ficha Doutrinária – Proc.º 731 (Despacho do Diretor-Geral de 2010-06-15), a qual esclarece que «(…) quando se trate da entrega de produtos diferentes dos faturados cliente, se está perante uma oferta, que será tributada ou não, consoante o seu valor unitário. (…) A oferta pode ser constituída por bens comercializados ou produzidos pelo próprio ou por bens adquiridos a terceiros.», pelo que, no caso em apreço se considera tratar-se de ofertas a clientes.

20. De relevar para a presente reclamação, o enquadramento, em sede de IVA, das operações efetuadas que determinaram as aludidas correções em sede de procedimento inspetivo, de acordo com o regime de transmissão gratuita de amostras e de pequenas ofertas de pequeno valor, previsto na alínea f) do n.º 3 conjugado com o n.º 7, ambos do art.º 3.º do CIVA.

21 . O conceito de transmissão de bens aí definido (artº 3º do CIVA), considera como tal, a  transmissão gratuita de bens quando, relativamente a tais bens ou aos elementos que os  constituam, tenha havido dedução total ou parcial do imposto.

22. Porém, excluem-se do regime estabelecido na alínea f) do nº 3, os bens não destinados a posterior comercialização que, pelas suas características ou pelo tamanho ou formato diferentes do  produto que constitua a unidade de venda, visem, sob a forma de amostras, apresentar ou  promover bens produzidos ou comercializados pelo próprio sujeito passivo, assim como as ofertas de valor unitário igual ou inferior a € 50 e cujo valor global anual não exceda cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais, conforme o disposto no n.º 7 do art.º 3.º do CIVA.

23. Contudo, tal como é referido no relatório dos Serviços de Inspeção Tributária (SIT), «(…) comparando o valor total das ofertas, em 2015, que ascendeu a € 6.714.047,11 (…), com o volume de negócios do ano anterior, que ascendeu a € 41.405.239,45 e multiplicando por cinco por mil, vamos confirmar que o valor anual das ofertas, em 2015, excedeu o limite em € 6.507.020,91.»

24. A mesma análise foi efetuada para os anos seguintes, 2016, 2017 e 2018, sendo que o resultado foi idêntico.

25. Ora, uma vez que foi exercido o direito à dedução, nas aquisições dessas ofertas, aquele valor está sujeito ao regime de transmissão gratuita de amostras e ofertas, havendo obrigatoriedade de liquidar o imposto (IVA) desta transmissão gratuita, de acordo com o disposto no n.º 7 do art.º 3.º do CIVA.

26. Relativamente à exclusão do âmbito de incidência do IVA das ofertas de reduzido valor, para além da referência a valores quantitativos, a remissão para os usos comerciais tem inerente que haja obrigatoriamente um fim empresarial em vista, de modo a não abranger as liberalidades desprovidas de qualquer intenção de divulgação ou promoção da imagem da empresa ou dos seus produtos, na relação que estabelece com os outros.

27. A lei portuguesa, seguindo a linha da Diretiva IVA, recorre a uma cláusula geral ou conceito indeterminado na definição das ofertas não equiparáveis a transmissões onerosas. As ofertas a excluir do regime geral de equiparação das transmissões gratuitas a transmissões onerosas têm de ser de “pequeno valor” e devem estar “em conformidade com os usos comerciais”.

28. Atendendo ao acima descrito temos, por correta. a interpretação dos factos e da lei efetuada pela Inspeção Tributária e, consequentemente, o apuramento das liquidações ora reclamadas.

29. Face ao exposto, conclui-se que as liquidações postas em crise, consubstanciam a regularização das anomalias detetadas em sede de procedimento inspetivo, sendo certo que o correspondente relatório de inspeção explicita devidamente o quadro legal aplicável à situação em análise, bem como os factos que justificaram as irregularidades detetadas.

30. Na presente sede, a reclamante vem juntar à petição documentação em tudo idêntica á que já tinha sido apresentada em sede de ação inspetiva, não apresentando qualquer elemento novo suscetível que venha pôr em causa as correções efetuadas.

31. Em sequência, conclui-se não ser de atender à pretensão da reclamante quanto à anulação das liquidações contestadas, relativas aos anos de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019.

32. Nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque», o que  significa que os fundamentos apresentados pela reclamante para sustentar a reclamação apresentada terão de ser provados pela mesma.

33. Cumpre ainda referir que por não se verificarem “in casu” os pressupostos do n.º 1 do art.º 43.º da LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios – cf. documento 1 junto pela Requerente. […]”

  1. Em 6 de agosto de 2021, por não se conformar com as referidas autoliquidações de IVA, liquidações de juros de mora e de juros compensatórios e com o indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida contra tais atos tributários, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – conforme registo no sistema de gestão processual do CAAD.

 

            2.         Factos não Provados

 

Não se provou que a periodicidade da assinatura das publicações da Requerente que confere o direito ao “presente de subscrição” aos novos assinantes tenha de ser “anual” (artigos 32.º e 34.º do pedido de pronúncia arbitral – “ppa”). 

 

Com relevo para a decisão, não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

3.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos por ambas as Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos que, de um modo geral, nos pontos essenciais não apresentam dissonâncias.

 

Foram também relevantes os depoimentos das três testemunhas inquiridas que manifestaram conhecimento direto das matérias a que responderam, contextualizando e descrevendo o modelo de negócio, as motivações das campanhas promocionais, suas implicações na atividade da Requerente e procedimentos adotados.

 

Os depoimentos de H..., Diretor Nacional da Requerente, (primeira testemunha) e de I..., Diretor Comercial e de Marketing (segunda testemunha) apenas revelaram conhecimento direto de uma parte do período abrangido na presente ação, pois o ingresso destes ao serviço da Requerente ocorreu em setembro de 2018 e outubro de 2017, respetivamente, remontando os factos a 2015, 2016, 2017 e 2018. Não obstante, foi percetível do depoimento da terceira testemunha inquirida, J..., Diretor Financeiro, que é colaborador da Requerente há 21 anos, que existe uma continuidade de políticas e procedimentos, sendo o contexto e práticas dos anos anteriores idêntico.

 

 

            IV.      Do Direito

 

            1.         Questões Decidendas

 

            As questões em discussão nos presentes autos respeitam ao enquadramento da atribuição de brindes (in casu, “gadgets”) pela Requerente a novos subscritores de assinaturas das suas publicações periódicas, no âmbito das campanhas promocionais de angariação de clientes.  Reconduzem-se, essencialmente, a dois pontos:

 

  • O primeiro consiste em saber se esta atribuição constitui uma verdadeira oferta ou transmissão gratuita, na aceção do IVA, ou se, diversamente, estamos perante um pacote comercial global com contrapartida pecuniária, em que a assinatura da(s) revista(s) está associada à transmissão do brinde (o “gadget”), sendo o valor recebido o preço transacional do conjunto comercializado, abrangendo as revistas e o “gadget”. Dito por outras palavras, nesta última hipótese uma parte do preço suportado pelos subscritores corresponderia ao pagamento/contraprestação pela aquisição do “gadget”, pelo que não existiria qualquer liberalidade ou subsunção ao disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea f) do Código do IVA;
  • Em segundo lugar, caso se conclua que a atribuição do “gadget” constitui uma oferta ou transmissão gratuita de bens, sendo o seu valor unitário sempre inferior a € 50,00, está em causa aferir se o estabelecimento, pelo artigo 3.º, n.º 7 do Código do IVA, a par do limite quantitativo unitário de € 50,00, de um limite quantitativo global de cinco por mil de brindes atribuídos em função do volume de negócios do sujeito passivo (reportado ao ano anterior) é conforme ao disposto no artigo 16.º, 2.º parágrafo da Diretiva IVA e constitui critério adequado ao recorte do conceito de “ofertas de pequeno valor” previsto nesta norma. Em caso afirmativo, acresce determinar se o dito limite de cinco por mil do volume de negócios viola os princípios da proporcionalidade, da neutralidade e da igualdade de tratamento e não discriminação.

 

            Interessa sublinhar que ambas as Partes confluem no entendimento de que a atribuição dos “gadgets” nos moldes acima descritos é uma prática legítima, dentro dos usos comerciais, e que tem por objetivo a atração e captação de novos clientes.

 

            2.         Quadro Legal

 

            Interessa começar por compulsar o disposto no Código do IVA português, em concreto no seu artigo 3.º, n.º 1, n.º 3, alínea f) e n.º 7 e, bem assim, o regime da Diretiva IVA (2006/112/CE, de 28 de novembro de 2006), cujas coordenadas conformam o direito interno, de acordo com o preceituado no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição[10] e com o princípio do primado do direito da União Europeia[11].

 

            No Direito Interno

 

O artigo 3.º, n.º 1, n.º 3, alínea f) e n.º 7 do Código do IVA, consagra o seguinte:

 

Artigo 3.º
Conceito de transmissão de bens
 

1 - Considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.

[…]

3 - Consideram-se ainda transmissões de bens, nos termos do n.º 1 deste artigo:

[…]

f) Ressalvado o disposto no artigo 26.º, a afectação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto; (sublinhado nosso)

[…]

7 - Excluem-se do regime estabelecido na alínea f) do n.º 3, nos termos definidos por portaria do Ministro das Finanças, os bens não destinados a posterior comercialização que, pelas suas características, ou pelo tamanho ou formato diferentes do produto que constitua a unidade de venda, visem, sob a forma de amostra, apresentar ou promover bens produzidos ou comercializados pelo próprio sujeito passivo, assim como as ofertas de valor unitário igual ou inferior a (euro) 50 e cujo valor global anual não exceda cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais.” (sublinhado nosso)

 

Artigo 18.º - Taxas do imposto

1. As taxas do imposto são as seguintes:

a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 6%;

b) (…)

c) Para as restantes importações, transmissões de bens e prestações de serviços, a taxa de 23%.

(…)

7. Às prestações de serviços por via electrónica, nomeadamente as descritas no anexo D, aplica-se a taxa referida na alínea c) do n.º 1.

(…)

9. A taxa aplicável é a que vigora no momento em que o imposto se torna exigível.

 

            A Portaria n.º 497/2008, de 24 de junho, que regulamenta as condições delimitadoras do conceito de amostras e de ofertas de pequeno valor e define os procedimentos e obrigações contabilísticas a cumprir pelos sujeitos passivos deste imposto, para efeitos de aplicação do disposto no n.º 7 do artigo 3.º do Código do IVA, estabelece, com relevância para a matéria dos autos, no seu artigo 3.º, sob a epígrafe “Delimitação do conceito de oferta”:

 

1 - A oferta pode ser constituída por bens comercializados ou produzidos pelo sujeito passivo ou por bens adquiridos a terceiros.

2 - Quando a oferta seja constituída por um conjunto de bens, o valor de (euro) 50, a que se refere o n.º 7 do artigo 3.º do Código do IVA, aplica-se a esse conjunto.

3 - Excluem-se do conceito de oferta os bónus de quantidade concedidos pelo sujeito passivo aos seus clientes.”

 

No Direito da União Europeia

 

A Diretiva IVA que institui o sistema harmonizado deste imposto, de acordo com o artigo 113.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), prevê, no seu artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e c), integrado no Título I – “Objeto e Âmbito de Aplicação”, a sujeição a IVA das transmissões de bens e das prestações de serviços “efetuadas a título oneroso”.

 

Adicionalmente, no Título IV, relativo às Operações Tributáveis, Capítulo 1 – Entregas [transmissões] de bens, a Diretiva contém uma norma que rege as situações de equiparação de transmissões gratuitas a operações efetuadas a título oneroso, com a consequente tributação, nos seguintes termos:

 

Artigo 16.º

É assimilada a entrega de bens efectuada a título oneroso a afectação, por um sujeito passivo, de bens da sua empresa ao seu uso próprio ou do seu pessoal, a transmissão desses bens a título gratuito ou, em geral, a sua afectação a fins alheios à empresa, quando esses bens ou os elementos que os constituem tenham conferido direito à dedução total ou parcial do IVA.

Todavia, não é assimilada a entrega de bens efectuada a título oneroso a afectação a ofertas de pequeno valor e a amostras efectuadas para os fins da empresa.

 

            3.         Enquadramento das Questões e Reenvio Prejudicial

 

            Na situação dos presentes autos a Requerente comercializa a assinatura de revistas de publicação periódica, publicitando, pelos meios de marketing que utiliza, a informação de que os novos subscritores receberão um brinde ou presente de “boas vindas” quando da subscrição. É também indiscutível que este brinde não é mencionado na faturação emitida pela Requerente aos subscritores, documento que se limita a indicar a assinatura da(s) revista(s)[12] por contrapartida do valor da mensalidade em causa.

 

            As duas questões que, neste âmbito, importa solucionar respeitam à aplicação dos conceitos de “transmissão gratuita” e de “afetação a ofertas de pequeno valor”, postulando a interpretação do artigo 16.º da Diretiva IVA, que deve ser uniforme.

 

            Com efeito, decorre das “exigências tanto de aplicação uniforme do direito comunitário como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito comunitário que não contenha qualquer remissão expressa para o direito dos Estados Membros para determinar o seu sentido e alcance devem normalmente ser interpretados em toda a Comunidade de modo autónomo e uniforme, tendo em conta o contexto da disposição e o objectivo prosseguido pelas normas em causa” – v. acórdão do Tribunal de Justiça no processo C-98/07, Nordania Finans, de 6 de março de 2008.

 

            A questão controvertida reconduz-se assim à interpretação do direito da União Europeia, in casu, do artigo 16.º da Diretiva IVA, em duas vertentes que suscitam a este Tribunal Arbitral as dúvidas a seguir explicitadas.

 

            Sobre o Conceito de Transmissão Gratuita

 

            A primeira dúvida prende-se com a qualificação da campanha promocional da Requerente como:

           

  1. Duas operações distintas, uma relativa à assinatura das revistas, efetuada a título oneroso, e outra de transmissão de brindes a título gratuito na aceção do artigo 16.º da Diretiva IVA; ou
  2. Uma operação onerosa em que o preço é a contrapartida do conjunto. Neste âmbito, podem equacionar-se duas sub-hipóteses:
  1. Estarmos perante um pacote comercial correspondente a uma operação única;
  2. Estarmos perante um pacote comercial constituído por uma operação principal (a assinatura da revista[13]) e outra acessória (a atribuição do brinde), sendo este último considerado transmitido a título oneroso e instrumental à assinatura da revista.

           

            O Tribunal de Justiça pronunciou-se no processo C-48/97, Kuwait Petroleum, com acórdão datado de 27 de abril de 1999, no sentido de que uma transmissão de bens só é efetuada a título oneroso na aceção do artigo 2.º, n.º 1 da Sexta Diretiva (que corresponde ao atual artigo 2.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA) “se existir entre o fornecedor e o comprador uma relação jurídica durante a qual são transaccionadas prestações recíprocas, constituindo o preço recebido pelo fornecedor o contravalor efectivo do bem fornecido”. O ponto reside em saber se em circunstâncias como as ora descritas, se pode entender que o brinde foi atribuído por contrapartida de um valor, ainda que este não esteja identificado ou autonomizado. 

 

            Sobre o Conceito de Oferta de Pequeno Valor

 

            A este respeito, e sem prejuízo de o Tribunal de Justiça ter já clarificado que a fixação de um limite monetário para a concretização do conceito de pequeno valor pode ser conforme à Diretiva IVA (v. acórdão de 30 de setembro de 2010, processo C-581/08, EMI Group), importa determinar se a consagração pelo direito nacional, cumulativamente ao limite unitário igual ou inferior a € 50,00, de um limite dissociado do valor unitário dos bens oferecidos é conforme ao artigo 16.º da referida Diretiva e aos objetivos do legislador europeu.

 

            Nestes termos, caso se entenda que a atribuição do brinde consubstancia uma transmissão gratuita (oferta de bens) as dúvidas que se suscitam consistem em saber se, de acordo com o direito da União Europeia:

 

  1. O conceito de afetação a ofertas de pequeno valor previsto no artigo 16.º da Diretiva IVA pode ser determinado por recurso não só ao valor unitário como também, e em simultâneo, a um rácio do valor global das ofertas atribuídas pelo sujeito passivo em função do volume de negócios no ano precedente e, se a resposta for afirmativa, se um limite de cinco por mil do volume de negócios é de tal forma baixo que retira o efeito útil ao segundo parágrafo do artigo 16.º da Diretiva IVA;
  2. Este limite de cinco por mil do volume de negócios é discriminatório face a operadores cuja atividade dependa de um menor número de clientes ou de diferentes margens de comercialização e em relação a operadores de outros Estados-Membros que não estabelecem um limite dessa natureza, violando os princípios da neutralidade e da igualdade de tratamento ou não-discriminação;
  3. O mesmo limite viola o princípio da proporcionalidade, por ir além do necessário para assegurar a inexistência de operações gratuitas utilizadas de forma abusiva pelos sujeitos passivos.

 

            Em conformidade com as conclusões emanadas da jurisprudência do Tribunal de Justiça, o reenvio prejudicial é “um instrumento de cooperação judiciária […]  pelo qual um juiz nacional e o juiz comunitário são chamados, no âmbito das competências próprias, a contribuir para uma decisão que assegure a aplicação uniforme do Direito Comunitário no conjunto dos estados membros” – v. acórdão proferido no processo 16/65, Schwarze, de 1 de dezembro de 1965.

 

            Em caso de dúvida sobre o direito da União Europeia, o juiz nacional é obrigado a efetuar o reenvio prejudicial, exceto se, como se depreende do acórdão do Tribunal de Justiça no processo 283/81, Cilfit, de 6 de outubro de 1982:

  1. A questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal;
  2. O Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma;
  3. O juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.  

 

            Pelas razões supra descritas, o preenchimento destas condições não se verifica no caso sub judice. Com efeito, não pode afirmar-se que o ato em questão seja claro ou esteja devidamente aclarado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça de forma firme ou por meio de jurisprudência consolidada. Acresce que, em caso de dúvida sobre a existência de uma exceção à obrigação de reenvio é, de igual modo, aconselhável colocar a questão prejudicial, pelo que se decide suspender a instância e proceder ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, de harmonia com o disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).

 

            4.         Questões Prejudiciais

           

            Deste modo, formulam-se as seguintes questões ao Tribunal de Justiça:

  1. Nas circunstâncias em que mediante a subscrição de publicações periódicas através de uma assinatura é atribuído aos novos subscritores um brinde (um “gadget”), na aceção do artigo 16.º da Diretiva IVA essa atribuição deve ser considerada:
    1. Como uma transmissão realizada a título gratuito, distinta da operação de assinatura das publicações periódicas?

Ou,

  1. Como parte integrante de uma única operação efetuada a título oneroso?

Ou ainda,

  1. Como parte integrante de um pacote comercial, constituído por uma operação principal (a assinatura da revista) e outra acessória (a atribuição do brinde), sendo esta última considerada uma transmissão a título oneroso e instrumental à assinatura da revista?
  2. Sendo a resposta à primeira questão no sentido de estarmos perante uma transmissão gratuita, é conforme ao conceito de afetação a ofertas de pequeno valor previsto no segundo parágrafo do artigo 16.º da Diretiva IVA a determinação de um limite anual do valor global dos brindes correspondente a um rácio de cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano precedente (a acrescer ao limite do valor unitário)?
  3. Se a resposta à questão anterior for afirmativa, deve considerar-se que esse rácio de cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano anterior é de tal forma baixo que retira o efeito útil ao segundo parágrafo do artigo 16.º da Diretiva IVA?
  4. O referido limite de cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano anterior viola, e tendo em consideração também os fins com que é consagrado, os princípios da neutralidade e da igualdade de tratamento ou não-discriminação e da proporcionalidade?

 

 

            VI.      Decisão

 

À face do exposto, acordam as árbitros deste Tribunal Arbitral em suspender a instância, até à pronúncia do Tribunal de Justiça, e determinar a passagem de carta a dirigir pelo CAAD à Secretaria daquele Tribunal Europeu, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado do translado do processo, incluindo cópias do pedido inicial e da resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como cópia dos diplomas legais mencionados na presente decisão.

 

 

VI.      Valor do Processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 3.472.125,38, correspondente ao valor das regularizações de IVA (autoliquidado) referentes aos anos 2015, 2016, 2017 e 2018, conforme indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de julho de 2022

 

 

Os Árbitros,

 

 

Alexandra Coelho Martins

 

 

Clotilde Celorico Palma

 

 

Sofia Ricardo Borges

 

 

 

 



[1] Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, que estabelece o sistema comum do IVA e que sucedeu à Diretiva 388/77/CEE, de 17 de maio, conhecida por Sexta Diretiva. A nova Diretiva procedeu à renumeração e reorganização da Sexta Diretiva, mantendo praticamente inalterado seu conteúdo, pelo que a anterior jurisprudência do Tribunal de Justiça, referente à Sexta Diretiva, em regra, permanece válida e aplicável.

 

[2] Os anos anteriores são 2014, 2015, 2016 e 2017 em relação às correções realizadas nos anos 2015 a 2018.

[3] Esta norma do texto fundamental dispõe que “4. As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

[4] Sobre a génese e evolução do princípio do primado, de construção jurisprudencial, veja-se Diogo Freitas do Amaral e Nuno Piçarra, O Tratado de Lisboa e o Princípio do Primado do Direito da União Europeia: uma “Evolução na Continuidade”, Revista de Direito Público, Ano I, n.º 1, 2009, Almedina, pp. 9-56, que fazem o percurso da origem jurisprudencial deste princípio, desde os acórdãos Van Gend Loos (processo 26/62, de 5 de fevereiro de 1963), Costa/ENEL (processo 6/64, de 15 de julho de 1964) e Simmenthal (processo 106/77, de 9 de março de 1978), entre outros que se sucederam. Especificamente em matéria de IVA e ligando o primado do direito europeu ao princípio da efetividade vide Sérgio Vasques, op. cit. p. 93.

[5] No caso, relativamente às transmissões de bens, dispõe o artigo 2.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva o seguinte:

  1. Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:
  1. As entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

[…]”

[6] E também, quando aplicável, a quota da associação C..., que, porém, não constitui matéria objeto dos presentes autos. 

[7] Referente ao caráter gratuito ou oneroso das operações.

[8] Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, que estabelece o sistema comum do IVA e que sucedeu à Diretiva 388/77/CEE, de 17 de Maio, conhecida por Sexta Diretiva. A nova Diretiva procedeu à renumeração e reorganização da Sexta Diretiva, mantendo praticamente inalterado seu conteúdo, pelo que a anterior jurisprudência do Tribunal de Justiça, referente à Sexta Diretiva, em regra, permanece válida e aplicável.

 

[9] Os anos anteriores são 2014, 2015, 2016 e 2017 em relação às correções realizadas nos anos 2015 a 2018.

[10] Esta norma do texto fundamental dispõe que “4. As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

[11] Sobre a génese e evolução do princípio do primado, de construção jurisprudencial, veja-se Diogo Freitas do Amaral e Nuno Piçarra, O Tratado de Lisboa e o Princípio do Primado do Direito da União Europeia: uma “Evolução na Continuidade”, Revista de Direito Público, Ano I, n.º 1, 2009, Almedina, pp. 9-56, que fazem o percurso da origem jurisprudencial deste princípio, desde os acórdãos Van Gend Loos (processo 26/62, de 5 de fevereiro de 1963), Costa/ENEL (processo 6/64, de 15 de julho de 1964) e Simmenthal (processo 106/77, de 9 de março de 1978), entre outros que se sucederam. Especificamente em matéria de IVA e ligando o primado do direito europeu ao princípio da efetividade vide Sérgio Vasques, op. cit. p. 93.

[12] E também, quando aplicável, a quota da associação C..., que, porém, não constitui matéria objeto dos presentes autos. 

[13] Isto independentemente da qualificação da assinatura da revista como uma prestação de serviços, preconizada pela Requerente. Com efeito, a qualificação de prestação de serviços pode não ser correta se se tratar de revistas vendidas em suporte físico (papel). Em qualquer caso, a questão é a de, sendo prestação de serviços ou transmissão de bens (de revistas), tal operação estar associada aos brindes como um pacote comercial global realizado a título oneroso, i.e., com contraprestação para ambas as componentes: assinatura das revistas e brinde.