Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 121/2022-T
Data da decisão: 2022-07-15  IRC  
Valor do pedido: € 57.212,18
Tema: IRC - Tributação de dividendos pagos a Organismo de Investimento Coletivo (OIC) não residente. Artigo 22.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
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SUMÁRIO: 

 

O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

I.  RELATÓRIO

Em 18 de fevereiro de 2022, A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de identificação fiscal português ..., com sede em ..., Alemanha (doravante designado por Requerente), representado por B... mbH, na qualidade de sociedade gestora, com sede na mesma morada, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em conjugação com os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

A.   Objeto do pedido:

O Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral tendo por objeto imediato a apreciação da legalidade da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa previamente apresentada contra os atos de retenção na fonte de IRC no valor global de € 57 212,18, que incidiram sobre dividendos de fonte nacional que lhe foram pagos no ano de 2019 e, como objeto mediato, os mesmos atos de retenção na fonte, cuja anulação pretende, tudo com as demais consequências legais, designadamente a restituição do indevido e o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT.

 

Mais pretende o Requerente que seja determinada a suspensão do processo até decisão por parte do TJUE no processo n.º C-545/19 em sede do pedido de reenvio prejudicial das questões formuladas no âmbito do processo n.º 93/2019-T, no qual está em causa a mesma questão de Direito, com um substrato fáctico em tudo semelhante ao dos autos.

 

Subsidiariamente, pede o Requerente o reenvio prejudicial para o TJUE quanto à questão relativa à incompatibilidade do artigo 22.º, do EBF, com o Direito da UE, ao abrigo do disposto no artigo 267.º, do TFUE.

B. Síntese da posição das Partes

a. Do Requerente:

O Requerente fundamenta o pedido de pronúncia arbitral nos seguintes termos:

 

O Requerente é uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituído sob a forma contratual e não societária (fundo de investimento), sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem estabelecimento estável, gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento igualmente com sede na Alemanha, ambos sujeitos à supervisão do BaFin entidade federal responsável pela supervisão do setor financeiro na Alemanha.

 

O Requerente está sujeito a imposto sobre as pessoas coletivas no seu país de residência, tendo-lhe sido, todavia, concedida isenção, o que o impossibilita de recuperar a título de crédito por dupla tributação internacional, ou através de qualquer pedido de reembolso, os impostos suportados ou pagos no estrangeiro.

 

No ano de 2019, o Requerente era detentor de lotes de participações sociais em sociedades residentes, das quais recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos, através de retenção na fonte liberatória, à taxa de 35% prevista no artigo 87.º, do Código do IRC, dado não ter inicialmente sido indicado o NIF do Requerente, tendo a entidade responsável pela retenção e pagamento entregue posteriormente declaração Modelo 30 devidamente retificada, da qual consta o NIF do ora Requerente, na qualidade de beneficiário efetivo dos rendimentos.

   

À data dos factos tributários, os OIC constituídos de acordo com a legislação portuguesa estavam isentos de IRC sobre os dividendos obtidos, nos termos do n.º 3 do artigo 22.º, do EBF, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro.

Nos casos de distribuição de dividendos por parte de sociedades residentes em Portugal a OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa e aqui não residentes, os rendimentos obtidos estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 25%, (ou 35% no caso identificado), tal como preceituado nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º, n.º 4, todos do CIRC, não beneficiando do regime previsto no artigo 22.º, do EBF.

 

Alega o Requerente que resulta das referidas disposições legais que um OIC constituído ao abrigo do Regime Geral dos OIC, aquando da distribuição de dividendos provenientes de sociedades sediadas em Portugal, estava sujeito, no ano de 2019, a um regime fiscal mais favorável do que o aplicável a um OIC constituído de acordo com a legislação de um qualquer outro Estado Membro da UE aquando da distribuição de dividendos de fonte portuguesa, por força do disposto no n.º 3 do artigo 22.º, do EBF, o que constitui violação da liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63.º, do TFUE.

 

Tal facto assume maior gravidade no caso do Requerente, que não consegue recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu estado de residência (Alemanha), em virtude do seu estatuto de entidade isenta de tributação.

 

A distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal ao Requerente é passível de ser qualificada como movimento de capitais na aceção do artigo 63.º, do TFUE, e da Diretiva 88/361/CEE, de 24 de junho, como se concluiu no Acórdão Verkooijen do TJUE no Processo n.º C-35/98.

 

De acordo com a jurisprudência do TJUE, o conceito relevante de discriminação à luz do Direito da União Europeia significará que: 

(i) Situações semelhantes não deverão ser tratadas de forma diferenciada a não ser nos casos em que tal tratamento diferenciado possa ser objetivamente justificado e seja proporcional ao objetivo prosseguido pela legislação nacional (Caso Ruckdeschel, Proc. n.º 16/77, ECR 1753; Caso Bachmann, Proc. N.º 204/90); 

(ii) Uma aparência de discriminação na forma poderá corresponder a uma ausência de discriminação em substância (Proc. n.º 13/63, Refrigeradores Italianos, ECR 165); 

(iii) A discriminação em razão da nacionalidade é proibida, pois restringe liberdades fundamentais previstas no TFUE, devendo a proibição abranger toda e qualquer forma de discriminação ou critérios de diferenciação que possam conduzir ao mesmo resultado (Acórdão Commerzbank, Proc. n.º C-330/91); 

(iv) Para efeitos de determinar se uma norma interna é discriminatória, não será necessário que a mesma atinja um número relevante de nacionais de outros EM´s (Caso O’Flynn, Proc. n.º C-237/94, 1996, ECR 2617).

 

Resulta da jurisprudência comunitária que a proibição geral prevista no artigo 63.º do TFUE cobre quer as restrições diretas, quer as restrições indiretas, incluindo as medidas administrativas e orientações administrativas em relação a qualquer tipo de investimento.

 

No caso concreto, poderíamos ser levados a sustentar que, por não ser uma entidade constituída em Portugal, o Requerente não estaria em condições semelhantes a um OIC nacional; contudo, o que está em causa é um tratamento discriminatório na liberdade de circulação de capitais e no próprio acesso ao mercado de capitais, baseado exclusivamente no critério da nacionalidade, sendo que, para esse efeito, o Requerente e os OIC estabelecidos em Portugal estão em situações comparáveis.

 

Não se poderá igualmente afirmar que o Requerente não se encontraria numa situação de comparabilidade porquanto um OIC em Portugal está sujeito a outros e distintos tipos de tributação, tais como o Imposto do Selo e tributações autónomas em sede de IRC – argumento que tem vindo a ser sustentado pela AT noutros processos em que se discute o quadro legislativo aqui em apreciação.

 

A legislação nacional, embora não vise estabelecer qualquer medida antiabuso, impede que o Requerente possa beneficiar da isenção de IRC, uma vez que este está legalmente impedido de constituir um Fundo em Portugal, pois a respetiva sociedade gestora não é domiciliada neste país.

 

Daqui resulta um tratamento discriminatório e uma clara restrição da liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE e pelo artigo 1.º da Diretiva 88/361, pois o ora Requerente está sujeito a tributação em Portugal sobre os dividendos aqui obtidos, ao passo que os OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa estão isentos sobre os mesmos rendimentos (cfr. a decisão do TJUE nos Processos C-338/11 a C-347/11 – Caso Santander Asset Management SGIIC, S.A. e no Processo C-480/16 – Caso Fidelity Funds).

 

Termos em que o Requerente considera que a norma do artigo 22.º, do EBF, se mostra contrária ao Direito da União Europeia, uma vez que colide com as disposições do TFUE relativas ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como relativas à livre circulação de capitais, previstas no seu artigo 63.º.

 

Assim, conclui o Requerente que o preceito do EBF em análise viola também a CRP, em concreto, o artigo 8.º, da CRP, o qual estabelece o princípio do primado do Direito Comunitário face ao direito interno.

 

Por ter conhecimento de que no âmbito do processo arbitral n.º 93/2019-T, no qual se discutia a mesma questão de direito e com um substrato factual semelhante, no qual havia sido proferida, em 9 de julho de 2019, decisão de reenvio prejudicial para apreciação pelo TJUE de questões prejudicais idênticas às colocadas nos presentes autos (processo C-545/19), o Requerente solicitou que o Tribunal Arbitral aguardasse a decisão a proferir pelo TJUE naquele processo de reenvio prejudicial. 

 

 

b. Da Requerida

Notificada por despacho arbitral de 13 de maio de 2022, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou Resposta na qual, remetendo para a fundamentação constante do processo administrativo (PA), defendeu a legalidade e a manutenção dos atos de retenção na fonte objeto do pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

 

O Requerente descreve o regime fiscal dos OIC que se constituem e operam de acordo com a legislação nacional, recorrendo aos normativos do Código do IRC e ao artigo 22.º, do EBF. Existem, porém, dois aspetos de grande relevância para a definição completa do quadro fiscal dos OIC residentes, a que importa dar o devido relevo:

– Um, tem a ver com a opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, subtraindo à base tributável os rendimentos típicos dos OIC, ou seja, os rendimentos de capitais, prediais e de mais-valias, conforme previsto no n.º 3 do artigo 22.º, do EBF, e ainda prevendo a isenção de derrama municipal e de derrama estadual, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, deslocando a tributação para a esfera do Imposto do Selo, com o aditamento, à TGIS, da Verba 29, de que resulta uma tributação trimestral à taxa de 0,0025% sobre o valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos.

– O outro, respeita à tributação incidente sobre os dividendos que, além de não integrarem a matéria coletável do IRC, também beneficiam da isenção de retenção na fonte (cf. n.º 10 do artigo 22.º, do EBF), ficando, no entanto, sujeitos a taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º, do Código do IRC (n.º 8 do artigo 22.º, do EBF), o que revela a intenção do legislador de subsumir os dividendos obtidos por estes organismos ao disposto no n.º 11 do referido artigo 88.º.

 

Ora, os OIC não abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, como é o caso do Requerente, não estão sujeitos a Imposto do Selo nem a tributação autónoma sobre os dividendos.

Assim, para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos pelo Requerente em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo – que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos.

 

O Requerente insiste em que a AT deveria aplicar o artigo 63.º, do TFUE, em conformidade com as interpretações do TJUE, remetendo para a doutrina de acórdãos que só pode ser entendida face às circunstâncias dos casos concretos submetidos àquele Tribunal.

 

A AT encontra-se subordinada ao princípio da legalidade, não podendo aplicar de forma direta e automática as decisões do TJUE proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional.

 

Os erros que afetam as retenções na fonte não são imputáveis à Administração Tributária, pois não foram por ela praticadas e, consequentemente, não há direito a juros indemnizatórios, à face do preceituado no artigo 43.º, da LGT. 

 

Caso assim se não entenda, deverá, no caso sub judice, considerar-se para efeitos de eventual contagem de juros apenas a partir da data do indeferimento da reclamação graciosa que as manteve.

 

Termina a AT por defender a prolação de decisão que julgue o presente pedido de pronúncia arbitral improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a entidade Requerida do pedido, com as devidas e legais consequências.

 

 

Pelo despacho arbitral de 20 de junho de 2022, por não haver factos controvertidos, não terem sido suscitadas exceções e não ter sido requerida a produção de prova adicional, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, com indicação de que as Partes poderiam produzir alegações escritas no prazo simultâneo de quinze dias e de que a decisão arbitral seria proferida dentro do prazo estabelecido pelo n.º 1 do artigo 21.º, do RJAT.

 

Apenas o Requerente apresentou alegações escritas, nas quais defendeu a procedência da presente ação arbitral, no seguimento da pronúncia do TJUE no processo C-545/19, que versou sobre matéria de facto e de direito idênticas às dos autos.

 

 

II. SANEAMENTO

1.   O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 11 de maio de 2022, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro; 

2.   As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março;

3.   O processo não padece de vícios que o invalidem;

4.   Não foram invocadas exceções que cumpra apreciar e decidir.

 

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (PPA) e do processo administrativo (PA), fixa-se como segue:

 

A – Factos provados:

1.   O Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com a legislação alemã, que no ano de 2019 tinha sede na Alemanha e era gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento, a B... mbH, com sede na Alemanha, sendo também sujeito passivo de IRC, não residente e sem estabelecimento estável em Portugal (Docs. n.ºs 1 e 2 juntos ao PPA);

2.   Trata-se de um fundo independente aberto baseado num contrato entre a entidade gestora, os investidores e o banco responsável pela guarda dos valores mobiliários, que não revestindo forma societária, não se encontra sujeito a qualquer obrigação de registo no Registo Comercial alemão, não podendo ser titular de direitos ou obrigações (Docs. n.ºs 3 e 4 juntos ao PPA);

3.   Ao abrigo das regras de direito alemão a que está sujeito, os ativos pertencentes ao Fundo estão num regime de compropriedade com os investidores, sendo o capital investido pela sociedade gestora, em seu próprio nome (Docs. n.ºs 3 e 4 juntos ao PPA);

4.   As unidades de participação adquiridas pelos investidores não lhes conferem direito de voto ou de dispor dos ativos do Requerente, o que apenas compete à entidade gestora, ficando os direitos dos investidores limitados à perceção dos dividendos e ao resgate das unidades de participação, a qualquer momento (Docs. n.ºs 3 e 4 juntos ao PPA);

5.   Tanto o Requerente como a sua entidade gestora estão sujeitos a supervisão do Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht (BaFin) (Doc. n.ºs 4 e 6 juntos ao PPA);

6.   O Requerente está sujeito a imposto sobre as pessoas coletivas na Alemanha, embora dele isento, nos termos da Secção 1 parágrafo 1 n.º 5 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e da secção 6 parágrafo 2 do Código de Investimento de Capital, estando impedido de recuperar os impostos suportados no estrangeiro, que não podem ser deduzidos a quaisquer impostos pagos na Alemanha (Doc. n.º 4 junto ao PPA);

7.   No ano de 2019, o Requerente era detentor de lotes de participações sociais em entidades com sede em Portugal, conforme o quadro infra, sendo entidade responsável pela custódia dos títulos detidos em Portugal o C... (Docs. n.ºs 3 e 7 juntos ao PPA):

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

8.   Os dividendos recebidos pelo Requerente no ano de 2019 foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 35% prevista no artigo 87.º, número 4, do Código do IRC, pelo valor total de € 57 212,18, entregue nos cofres do Estado, conforme o quadro seguinte (Doc. n.º 7 junto ao PPA):

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

9.   Em 2 de junho de 2021, deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa ... a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, na qual solicitou a anulação dos atos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2019 por violação do Direito Comunitário, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal (Doc. n.º 8 junto ao PPA e PA);

10.              A reclamação graciosa, registada sob o n.º ...2021..., foi objeto de decisão de indeferimento, notificada ao Requerente por ofício da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 29 de novembro de 2021 (Doc. n.º 9 junto ao PPA e PA).

B – Factos não provados:

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

 

C – Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada. 

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados decorrem da análise crítica dos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral e da posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados, face princípio da livre valoração da prova (artigo 110.º, n.º 7, do Código de Procedimento e de Processo Tributário).

 

 

III.2 DO DIREITO

1.   A questão a decidir

Está em causa nos presentes autos arbitral aferir da compatibilidade com as disposições do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), máxime, com o disposto no seu artigo 63.º, que consagra a liberdades de circulação de capitais, dos normativo nacional que, nos termos do artigo 22.º, do EBF, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, isenta de tributação, em sede de IRC, os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC com sede em Portugal, constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que tributa, em regra, à taxa de 25%, por retenção na fonte a título definitivo, nos termos dos artigos 3.º, n.º 1, alínea d), 4.º, n.ºs 2 e n.º 3, alínea c), 87.º, n.º 4 e 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.º 5 e n.º 6, todos do Código do IRC, os dividendos distribuídos por entidades residentes a OIC com sede em outro Estado Membro (EM) da União Europeia (UE), no caso, a Alemanha e, portanto, não constituídos de acordo com a legislação nacional.

 

Neste sentido, e no âmbito do processo que correu termos no CAAD sob o n.º 93/2019-T, foi a questão em análise submetida, a título prejudicial, à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), ali dando origem ao processo C-545/19, no qual foi proferido Acórdão, em 17 de março de 2022, disponível para consulta em 
https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=AED083FA8FA02CE95E7517CE8B347E6D?text=&docid=256021&pageIndex=0&doclang=pt&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=422856.

 

As questões prejudiciais submetidas ao TJUE no âmbito do processo 93/2019-T, foram as seguintes: 

 

1.   O artigo 56.º [CE] (atual artigo 63.º TFUE), relativo à livre circulação de capitais, ou o artigo 49.º [CE] (atual artigo 56.º TFUE), relativo à livre prestação de serviços, opõem-se a um regime fiscal como o que está em causa no litígio no processo principal, constante do artigo 22.º do EBF, que prevê a retenção na fonte de imposto com caráter liberatório sobre os dividendos recebidos de sociedades portuguesas a favor de OIC não residentes em Portugal e estabelecidos noutros países da UE, ao mesmo tempo que os OIC constituídos ao abrigo da legislação fiscal portuguesa e residentes fiscais em Portugal podem beneficiar de uma isenção de retenção na fonte sobre tais rendimentos?

 

2.   Ao prever uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção de retenção na fonte, a regulamentação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes, uma vez que a estes últimos não lhes é dada qualquer possibilidade de aceder a semelhante isenção?

 

3.   O enquadramento fiscal dos detentores de participações dos OIC será relevante para efeitos de apreciação do caráter discriminatório da legislação portuguesa, tendo presente que esta prevê um tratamento fiscal autónomo e distinto (i) para os OIC (residentes) e (ii) para os respetivos detentores de participações dos OIC? Ou, tendo presente que o regime fiscal dos OIC residentes não é, de todo, alterado ou afetado pela circunstância de os respetivos participantes serem residentes ou não residentes em Portugal, a apreciação da comparabilidade das situações para fins de determinar o caráter discriminatório da referida regulamentação deve ser realizada apenas por referência à fiscalidade aplicável ao nível do veículo de investimento?

 

4.   Será admissível a diferença de tratamento entre OIC residentes e não residentes em Portugal, tendo em conta que as pessoas singulares ou coletivas residentes em Portugal, que sejam detentoras de participações de OIC (residentes ou não residentes) são, em ambos os casos, igualmente sujeitas (e, em regra, não isentas) a tributação sobre os rendimentos distribuídos pelos OIC, sujeitando os detentores de participações em OIC não residentes a uma fiscalidade mais elevada?

 

5.   Tendo em consideração que a discriminação em análise no presente litígio diz respeito a uma diferença na tributação do rendimento relativamente a dividendos distribuídos pelos OIC residentes aos respetivos detentores de participações nos OIC, é legítimo, para efeitos da análise da comparabilidade da tributação sobre o rendimento considerar outros impostos, taxas ou tributos incorridos no âmbito dos investimentos efetuados pelos OIC? Em particular, é legítimo e admissível, para efeitos da análise de comparabilidade, considerar o impacto associado a impostos sobre o património sobre despesas ou outros, que não estritamente o imposto sobre o rendimento dos OIC, incluindo eventuais tributações autónomas?

 

 

2.   O Acórdão do TJUE – processo n.º C-545/19

Como já foi dito supra, o Acórdão do TJUE, de 17 de março de 2022, no processo que ali correu termos sob o n.º C-545/19, tendo por base a decisão de reenvio prejudicial proferida no processo n.º 93/2019-T, apreciou uma situação em tudo idêntica à dos presentes autos, por aplicação a factos semelhantes das mesmas normas do direito nacional, máxime, do artigo 22.º, n.ºs 1, 3, 8 e 10 do EBF, com a redação introduzida pelo do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro:

 

Artigo 22.º - Organismos de Investimento Coletivo

1 - São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional. 

(…)

3 - Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1. 

(…)

8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime. 

(…)

10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1. 

(…)”.

A prolação do referido Acórdão do TJUE, que aqui se segue, em data posterior à da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, mas anterior à da constituição do Tribunal Arbitral, prejudicou a apreciação quer do pedido de suspensão da instância nos presentes autos, quer o pedido subsidiário de reenvio prejudicial.

 

 

2.1.             Quanto à liberdade de circulação aplicável

Tendo em conta que as questões prejudiciais acima enunciadas foram submetidas à luz quer do artigo 56.º, quer do artigo 63.º, do TFUE, começou o TJUE por precisar, de acordo com a jurisprudência assente, que “Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar‑se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.ºs 35 e 36).” (parágrafo 33).

 

Acrescentando que “Além disso, admitindo que a legislação em causa no processo principal tem por efeito proibir, perturbar ou tornar menos atrativas as atividades de um OIC estabelecido num Estado‑Membro diferente da República Portuguesa, onde presta legalmente serviços análogos, esses efeitos seriam a consequência inevitável do tratamento fiscal de que são objeto os dividendos pagos a esse organismo não residente e não justificam uma análise distinta das questões prejudiciais à luz da livre prestação de serviços. Com efeito, esta liberdade afigura‑se, neste caso, secundária relativamente à livre circulação de capitais e pode estar‑lhe associada (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.º 37).”. (parágrafo 34).

 

Em face de tais considerações, foram as questões examinadas à luz da liberdade de circulação de capitais, consagrada no artigo 63.º, do TFUE.

 

2.2.              Da liberdade de circulação de capitais

No seguimento da jurisprudência constante dos Acórdãos de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.º 27 e de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.º 49, decidiu o TJUE que, “Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes”, que “pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.ºs 44, 45 e jurisprudência referida).”, poderá constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais.

 

Averiguou o TJUE da possibilidade de uma eventual derrogação ao disposto no artigo 63.º, do TFUE, tendo em conta que, nos termos do artigo 65.º, n.º 1, alínea a), do TFUE, aquele não prejudica o direito de os Estados Membros “Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido”.

 

A tal propósito, lembrou o TJUE que, de acordo com a jurisprudência firmada, “a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.º 29 e jurisprudência referida]” e que “para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.º 30 e jurisprudência referida]”.

 

Quanto à comparabilidade das situações dos OIC residentes e não residentes, bem como dos detentores das respetivas participações sociais, concluiu o TJUE que “Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.º 47 e jurisprudência referida).” (parágrafo 49).

 

A este respeito, não obstante as alegações do Governo português de que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de OIC (residentes e não residentes) é regulada por diferentes técnicas de tributação – sujeitos a IRC, por retenção na fonte, quando pagos a um OIC não residente e a imposto do selo e à tributação autónoma prevista no n.º 11 do artigo 88.º, do CIRC, se pagos a um OIC residente e que, ficando os dividendos distribuídos pelos OIC residentes a detentores das suas participações sociais, pessoas singulares residentes ou não residentes com estabelecimento estável, sujeitos a IRS à taxa de 28% e, no caso  das pessoas coletivas residentes a IRC à taxa de 25%, enquanto os dividendos pagos a detentores de participações sociais não residentes no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, o que leva a uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais, imprescindível à coerência do sistema tributário –, sem esquecer a situação de transparência fiscal do Requerente, que livremente optou por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável e cujos detentores de participações sociais podem imputar ou creditar o imposto retido na fonte em Portugal ao imposto por eles devido no país da sua residência, o TJUE concluiu que um OIC não residente se encontra numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal.

 

Quanto ao argumento da tributação dos dividendos pagos por sociedades nacionais a OIC residentes e a OIC não residentes por técnicas de tributação diferentes, considerou o TJUE, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que a legislação em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes.

 

Salienta ainda que embora o imposto do selo, de natureza patrimonial, incidente sobre o rendimento do capital acumulado, pudesse ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente poderia escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, possibilidade que não está aberta a um OIC não residente.

 

Por outro lado, a tributação autónoma prevista no n.º 11 do artigo 88.º, do CIRC, apenas incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período, só ocorre em casos limitados, não podendo ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes, não colocando estes numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.

 

Ora, apesar de os OIC residentes poderem ser tributados em sede de imposto do selo, caso optem pela não distribuição de lucros aos titulares das respetivas UP, mas antes pela sua acumulação, bem como pela tributação autónoma prevista no n.º 11 do artigo 88.º, do CIRC, apenas se reunidas as condições ali indicadas, impostos a que não estão sujeitos os OIC não residentes, estes estão sempre sujeitos a IRC, por retenção na fonte a título definitivo, sem possibilidade de beneficiar de qualquer isenção deste imposto. 

 

Deste modo, não pode o Tribunal Arbitral deixar de concluir, com o TJUE, que os OIC não residentes, beneficiários de dividendos pagos por sociedades residentes, estão colocados, deste ponto de vista, numa situação objetivamente comparável à dos OIC residentes.

 

No que concerne à opção do Requerente por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, observa o TJUE que, de acordo com a resposta dada pela Comissão em resposta às perguntas escritas que lhe foram dirigidas, “no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.° TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado‑Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado‑Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias” (parágrafo 58), apenas  sendo relevantes na apreciação da comparabilidade das situações transfronteiriças os critérios que tenham em conta o objetivo, bem como o objeto e o conteúdo das disposições nacionais controvertidas.

 

Quanto ao objetivo das disposições nacionais de tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes a OIC residentes, defendeu a AT, como aliás resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, que estabeleceu o atual regime, introduzindo, entre outras, alterações ao Estatuto dos Benefícios Fiscais e ao Código do Imposto do Selo, que este assenta num sistema de tributação “à saída”, nos termos do qual os investidores não residentes continuam a beneficiar de uma isenção de imposto sobre os rendimentos pagos por tais organismos, assim evitando, por um lado a dupla tributação económica internacional e, por outro, aproximando a tributação da que ocorreria se os mesmos fossem diretamente obtidos pelos participantes desses OIC, passando a tributar em IRS e em IRC os rendimentos auferidos pelos investidores.

 

No entanto, precisa o TJUE que, “a partir do momento em que um Estado‑Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes” (parágrafo 65), pois “é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado‑Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica” (parágrafo 66).

 

Crê-se, no entanto, que o regime de tributação “à saída”, ao transferir o imposto para a esfera  dos detentores das participações sociais dos OIC residentes, não vise apenas evitar a dupla tributação económica dos dividendos de que são beneficiários, visando, em simultâneo, evitar a renúncia à receita fiscal que decorreria da isenção de imposto sobre o rendimento dos dividendos pagos a OIC não residentes, no pressuposto de que os titulares das respetivas unidades de participação seriam, exclusivamente, investidores não residentes, relativamente aos quais  a República Portuguesa não poderia exercer o seu poder de tributar.

 

Quanto ao primeiro destes objetivos, considerou o TJUE que “o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes” (parágrafo 66) e que “Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal” (parágrafo 67).

 

Quanto ao segundo objetivo, recorda o TJUE que nada impedindo que os detentores de unidades de participação de um OIC não residente sejam fiscalmente residentes em Portugal, o OIC não residente encontra-se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal.

 

Por outro lado, não podendo Portugal exercer o poder de tributar sobre os detentores não residentes de unidades de participação em OIC não residentes e sendo o único critério de distinção entre estes e os OIC residentes o do local da respetiva sede (parágrafo 73), fica reforçada a comparabilidade objetiva das situações destas duas categorias de OIC.

 

Não obstante declarar que os OIC não residentes se encontram em situação objetivamente comparável à dos OIC residentes, sob qualquer dos pontos de vista antes indicados, analisou ainda o TJUE a eventual existência de uma razão imperiosa de interesse geral invocada pela AT, com fundamento na necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha. 

 

Relativamente à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, entendeu o Tribunal de Justiça, na esteira dos Acórdãos de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10 e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, que “para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal” (parágrafo 78).

 

No caso dos autos, não estando a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes “sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte”, não se verifica “uma relação direta (…) entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo” que permita invocar a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional como justificação para a restrição à liberdade de circulação de capitais.

 

Por outro lado, entendeu também o TJUE que não é de acolher a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre Portugal e a Alemanha, pois, tal como já decidido, entre outros, no seu Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, “quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos.”.

 

Face à análise do caso concreto, concluiu o Tribunal de Justiça que “O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”.

 

Como corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia têm carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, ao permitirem a uniformidade na aplicação do direito da União no território dos Estados-Membros, em aplicação do princípio do primado ou prevalência do direito da União sobre o direito nacional, acolhido entre nós pelo n.º 4 do artigo 8.º, da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.”.

 

Em conformidade, tendo o TJUE concluído pela incompatibilidade do artigo 22.º, do EBF, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, com o disposto no artigo 63.º, do TFUE, na medida em que limita o regime nele previsto aos  OIC constituídos segundo a legislação nacional, excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia, impõe-se a não aplicação do referido normativo nacional à situação objeto dos presentes autos, inequivocamente idêntica à que foi tratada no processo C-545/19, bem como a declaração de ilegalidade, por vício de violação de lei, dos atos de retenção na fonte objeto do pedido de pronúncia arbitral, com a sua consequente anulação, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, ex vi artigos 2.º, da  Lei Geral Tributária (LGT), 2.º, do CPPT e 29.º, do RJAT.

 

A decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra os referidos atos de retenção na fonte e que os manteve, padecendo do mesmo vício destes, deve igualmente ser anulada.

 

 

3.     Dos pedidos de restituição do indevido e juros indemnizatórios

A procedência do pedido de anulação dos atos de retenção na fonte objeto do pedido de pronúncia arbitral tem por consequência vincular a AT a, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui, para além da restituição do indevido, “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.

 

Igual consequência decorre do disposto no n.º 1 do artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, em que se estabelece que “1 - A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

 

O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, que fixa o momento a partir do qual os mesmos são devidos, por erro imputável aos serviços (n.ºs 1 e 2) ou por “outras circunstâncias” (n.º 3), bem como a respetiva taxa (n.º 4) e a consequência do atraso na execução da sentença transitada em julgado (n.º 5).

 

Nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º, da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, com entrada em vigor no dia imediato ao da sua publicação e com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2011, “São também devidos juros indemnizatórios (…) d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”. 

 

No caso dos autos, estando em causa a declaração de ilegalidade da legislação nacional, máxime, do n.º 1 do artigo 22.º, do EBF, por violação do disposto no artigo 63.º, do TFUE, e, reflexamente, do n.º 4 do artigo 8.º, da CRP, há que reconhecer o direito do Requerente a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT.

 

IV. DECISÃO 

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se:

 

a.   Declarar a ilegalidade do artigo 22.º, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a OIC constituídos segundo a legislação nacional, excluindo os OIC constituídos segundo legislações de Estados Membros da União Europeia, por desconformidade com o artigo 63.º, do TFUE;

b.   Declarar a ilegalidade, com a consequente anulação, dos atos de retenção na fonte de IRC do ano de 2019, identificados no pedido de pronúncia arbitral, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que os manteve;

c.   Condenar a Requerida na restituição do imposto indevidamente pago pelo Requerente, no valor de € 57 212,18;

d.   Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante do imposto indevidamente pago, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT.

 

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 57 212,18 (cinquenta e sete mil, duzentos e doze euros e dezoito cêntimos). 

 

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 2 142,00 (dois mil, cento e quarenta e dois euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Notifiquem-se as Partes, bem como Digno Representante do Ministério Público, nos termos e para os efeitos dos artigos 280.º, n.º 3, da Constituição e 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional e 185.º-A, n.º 2, do CPTA, subsidiariamente aplicável.

 

 

Lisboa, 15 de julho de 2022.

 

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro. 

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.