SUMÁRIO: I. A averiguação da legitimidade dos pedidos de reembolso de IVA não permite que a AT proceda a correções de faltas de liquidação de imposto ou de deduções indevidas referentes a períodos tributários que estiverem para lá do prazo geral de caducidade previsto no artigo 45.º, n.º 1 e 4, da LGT;
II. A atividade de promoção e comercialização de direitos reais de habitação periódica não pode ser considerada uma atividade referente a operações financeiras sobre títulos, tal como definidas no n.º 1, alínea f), do artigo 135.º da Diretiva 2006/112/CE e na alínea e) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, pelo que não lhe pode ser aplicada a isenção de IVA prevista nas referidas disposições legais;
III. As orientações da AT sobre a interpretação das normas fiscais não vinculam os contribuintes nem os Tribunais, que devem interpretar e aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração fiscal através dos referidos «despachos genéricos, das circulares e das instruções» (artigo 203.º da CRP).
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
1. O Pedido
A... S.A., NIF ..., com sede em ..., Rua ..., ... (doravante Requerente ou Impugnante), vem, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, e nos artigos 15.º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), deduzir IMPUGNAÇÃO do despacho do Subdiretor Geral da AT, de 14 de outubro de 2021, que indeferiu o recurso hierárquico em tempo apresentado da decisão que, por sua vez, indeferiu a reclamação graciosa oportunamente deduzida dos atos de liquidação adicional de IVA, relativos aos períodos de janeiro de 2015 a março de 2019, no valor global de € 46.815,53.
A Requerente pede, a final, que a presente ação seja julgada integralmente provada e procedente, e por via disso, anulados, por ilegais, os atos de liquidação adicional de IVA de janeiro de 2015 a março de 2019, e os atos de indeferimento de recurso hierárquico e de reclamação graciosa oportunamente deles apresentados que os confirmaram, com todas as consequências legais inferentes, designadamente a restituição dos valores já pagos e a condenação no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art.º 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).
2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida).
3. Tramitação processual
3.1. No dia 26.01.2022, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT;
3.2. Em 15.03.2022, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, sem que as Partes a tal se tivessem oposto;
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 04.04.2022;
3.4. Em 09.04.2022, a Requerida foi notificada para apresentar Resposta, juntar cópia do processo administrativo e, querendo, requerer a produção de provas adicionais;
3.5. Em 18.05.2022, a Requerida apresentou a sua Resposta e em 05.07.2022 apresentou o processo administrativo;
3.6. Por despacho arbitral de 18.06.2022 o Tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificou as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo simultâneo de 15 dias, tendo sido indicado o dia 31 de julho como data limite para proferir a decisão arbitral;
3.7. Por despacho complementar de 04.07.2022, o Tribunal considerou que, estando em causa apenas questões de direito e em obediência aos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e da informalidade (artigos 19.º 2 e 29.º 2 do RJAT), foi dispensada a inquirição das duas testemunhas indicadas no final do PPA, tendo notificado a Requerente para, em cinco dias, apresentar cópia da notificação das liquidações adicionais impugnadas;
3.8. Em 11.07.2022 as partes apresentaram alegações escritas e em 13.07.2022 a Requerente apresentou cópia das notificações das liquidações adicionais impugnadas.
4. Fundamentação invocada pelas partes
4.1. Pela Requerente
A Requerente começa por dar conta que as liquidações adicionais impugnadas tiveram por base o entendimento da Requerida, vertido em relatório de inspecção da Direção de Finanças de Faro, notificado através do ofício..., datado de 25 de Julho de 2019 (doravante RIT), segundo o qual (i) as comissões relativas aos serviços de promoção e comercialização dos títulos de DRHP (Direitos Reais de Habitação Periódica), que faturou com isenção de IVA ao abrigo do disposto na alínea e) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, constituem operações sujeitas a IVA à taxa normal e (ii) que o IVA por si deduzido referente a faturas que lhe foram emitidas em 2013 e 2014, por serviços de construção civil, não seria dedutível uma vez que a emitente das faturas violou a regra de reverse-charge prevista na al. j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.
4.1.1. Sobre a caducidade de parte das liquidações impugnadas
Segundo a Requerente, a ilegalidade que afeta uma parte do IVA liquidado, na quantia de € 21.464,00, distribuída entre uma parcela relativa às comissões, no valor de € 6.006,00, e outra relativa ao IVA na aquisição de serviços de construção civil, no valor de € 15.458,00, decorre do facto de estas duas quantias de imposto se referirem a 2013 e 2014 e já ter decorrido o prazo de caducidade quando a Requerida lançou estas liquidações;
A Requerente contesta a fundamentação da Requerida, que sustenta que a caducidade não tinha ainda ocorrido devido ao facto de se tratar de reembolsos e de ser aplicável o artigo 45.º, n.º 3, da LGT, contrapondo que as correções em causa constituíram uma verdadeira imposição de uma obrigação para a impugnante, uma liquidação adicional, que ultrapassa largamente o reembolso solicitado e visado pela inspeção, contestando também a jurisprudência invocada pela Requerida que, no seu entender, não é aplicável à situação tributária objeto do pedido.
Por outro lado, acrescenta a Requerente, é também demonstrativo de que foi ultrapassado o prazo de caducidade, o facto dos serviços da Requerida terem imputado a totalidade das liquidações de 2013 e 2014 à liquidação adicional referente a janeiro de 2015.
Verifica-se, assim, conclui a Requerente quanto a esta componente do PPA, que a liquidação adicional relativa a janeiro de 2015, no valor total de € 21.464,00, integralmente resultante de operações praticadas em 2013 e 2014, está ferida de ilegalidade por violação do disposto no artigo 45º da LGT.
Em abono da sua tese a Requerente invoca jurisprudência, quer do STA (Acd. De 13.01.2021, do proc. nº 01848/16.0BELRS), quer do CAAD (Processo 48/2015-T) segundo a qual, em resumo, a AT na sequência de um pedido de reembolso não pode fazer uma liquidação adicional para além dos quatro anos referidos no artigo 45.º, nº 4 da LGT”,
4.1.2. Da divergência quanto à interpretação da alínea e) do n.º 27.º do artigo 9.º do CIVA
Quanto às restantes correções relativas ao IVA sobre as comissões, no total de € 25.347,00, referentes aos períodos de imposto de 2015 a 2019, de acordo com os valores parcelares referidos na tabela da página 13 do RIT (cf. doc. n.º 2), diz a Requerente que a ilegalidade decorre da interpretação que a AT faz da alínea e) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA.
A Requerente invoca a jurisprudência a seu favor dizendo que, relativamente a comissões semelhantes, têm também os tribunais arbitrais entendido que as mesmas encontram lugar na isenção da referida alínea e) do n.º 27 do art. 9.º do CIVA (cf. processo nº 103/2015).
Por outro lado, a Requerente invoca também a jurisprudência do TJUE que, segundo considera, esclarece os conceitos subjacentes à norma em causa.
Assim, acrescenta, o termo “negociação” a que se refere a al. e) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA consiste, de acordo com o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), na “actividade executada por um intermediário que não ocupa o lugar de uma parte num contrato relativo a um produto financeiro e cuja actividade é diferente das prestações contratuais típicas efectuadas pelas partes em contratos desse tipo” (neste sentido, cfr. o acórdão de 13 de Dezembro de 2001, CSC Financial Services).Tratar-se-ia, pois, de uma atividade que consiste em “proceder ao necessário para que ambas as partes celebrem um contrato, sem que o negociador tenha um interesse próprio quanto ao conteúdo do contrato” (Ibidem).
Continuando, considera a Requerente, que o TJUE definiu, inclusive, que “a actividade de negociação é uma actividade de mediação que pode consistir, entre outras coisas, em indicar a uma parte no contrato as ocasiões para celebrar determinado contrato, em entrar em contacto com a outra parte” esclarecendo, repare-se, que “a actividade de negociação pode limitar-se a indicar a uma parte no contrato as ocasiões para celebrar tal contrato” (neste sentido, cfr o acórdão de 21 de Junho de 2007, Volker Ludwig).
4.1.3. Da invocação de “circulares” da AT e da sua repercussão na decisão arbitral
A Requerente vem dizer que, ao contrário do que está vertido no relatório de inspecção, é a própria doutrina anterior da administração fiscal que considera que “as operações, incluindo a negociação, relativas aos Títulos de Direitos Reais de Habitação Periódica beneficiam de isenção de IVA, uma vez que se encontram abrangidos pela expressão "e demais títulos" referida no nº 28 do art. 9º do CIVA, e dela não exceptuada”, juntando ao PPA, como documentos 4 e 5, o que denomina como circulares a divulgar esta doutrina.
Nas referidas circulares, considera a Requerente, a AT esclareceu os contribuintes em geral, incluindo ela própria, que assim confiou ser esse o tratamento correto, que “as comissões relacionadas com a promoção e comercialização dos Títulos de Direitos Reais de Habitação Periódica consubstanciam operações isentas de IVA nos termos da alínea f) do nº 28 do art. 9º, pelo que não haverá lugar à liquidação de imposto sobre as respectivas importâncias” – Ibidem.
Segundo a Requerente, são justamente essas as comissões identificadas no relatório de inspeção aqui em causa, ou seja, as comissões com origem em serviços de promoção e comercialização relativos a DRHP por prazo superior a 20 anos, sendo, portanto, isentas.
Conforme a AT esclareceu, à transmissão do DRHP é aplicada a isenção estabelecida no nº 31 do artigo 9º do CIVA, enquanto que às comissões é aplicada a isenção da (à data) alínea f) do nº 28 do artigo 9º do CIVA, uma vez que o DRHP é perpétuo.
Ora, diz a Requerente, como a administração tributária está obrigada a atuar em conformidade com os princípios da boa-fé, confiança e igualdade, a ora impugnante pode invocar o conteúdo de uma orientação administrativa publicitada e, se for o caso, fazê-lo valer perante o tribunal, se necessário com sacrifício do princípio da legalidade (assim, vide D. Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 4ª ed., pág. 625).
Segundo a Requerente, a própria jurisprudência do STA acolhe o mesmo entendimento, inter alia, no Acórdão n.º 053/15, de 26 de outubro de 2016.
Diz, pois, a Requerente que, ainda que não fosse correta a interpretação em causa, constante de orientação administrativa – o que só por hipótese se admite – sempre se haveria de concluir que qualquer correção praticada em dissonância com essa orientação enfermará de violação de lei, por incompatibilidade com os citados artigos 68.º, n.º 4, alínea b), e 68.º-A, n.º 1 da LGT.
Assim mesmo se decidiu, por exemplo, no processo arbitral nº 132/2019-T, que concluiu que “Esta vinculação implica que, mesmo que a administração tributária venha a considerar ilegal uma determinada interpretação da lei, tem de aplicá-la aos casos concretos que ocorram durante o período de tempo em que ela vigorava por força de uma orientação genérica, sendo que, segundo o referido processo arbitral, tal vinculação decorre de forma expressa e inequívoca do disposto no artigo 68.º, n.º 4, alínea b) da LGT (actual 68.º-A n.º 1 da LGT) e constitui uma decorrência necessária dos princípios da boa-fé e da igualdade, que presidem ao exercício da actividade administrativa”.
Em resposta ao argumento da Requerida de que as circulares da AT de 1991 e 1994 estavam em contradição com alguma jurisprudência do STA, a Requerente contrapõe que os arrestos do STA invocados pela Requerida são posteriores às operações em causa e que os mesmos concluíram em sentido diferente apenas porque, em face da matéria de facto neles em causa, ficou provado que o sujeito passivo não prestava um serviço correspondente à de um intermediário remunerado na aceção da referida alínea e) do n.º 27 do art. 9.º do CIVA, ao contrário do seu caso que opera o necessário para que ambas as partes celebrem o contrato, que prossegue o seu objetivo de diligenciar para que entre o atual titular do título e potenciais interessados se venha a celebrar um contrato de transmissão de direitos perpétuos de DRHP, para daí receber as suas comissões.
Insiste a Requerente que a AT está, pois, vinculada à interpretação das normas tributárias constantes das suas circulares as quais, publicadas através de diversos veículos e seguidas pela AT em vários casos, ganharam projeção externa na medida em que são conhecidas dos contribuintes e da comunidade fiscal em geral, ou seja, pelo conjunto dos aplicadores do Direito Fiscal, sob pena de estar a tratar discriminatoriamente os contribuintes, acrescentando que o artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária consagra um conceito lato de orientação genérica, que abrange uma grande diversidade de instrumentos interpretativos, independentemente do respetivo nome ou da forma de aprovação.
A Requerente conclui que mesmo que a administração tributária venha a considerar ilegal uma determinada interpretação da lei, como aparentemente terá sido o caso, tem de aplicá-la aos casos concretos que ocorram durante o período em que ela vigorava por força de uma orientação genérica, mesmo tal implique o sacrifício do princípio da legalidade, como foi entendimento do CAAD no processo nº 212/2021-T de 22-09-2021 que, conclui pela “violação do princípio da boa-fé e do princípio da confiança que lhe está subjacente” já que “havia um comportamento público da Administração Tributária, materializado em várias decisões administrativas publicadas, gerador da confiança”, já que esse comportamento era “gerador de confiança, a existência de uma situação de confiança, a efectivação de um investimento de confiança», pelo que a alteração desse entendimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira nas inspecções tributárias subjacentes às liquidações impugnadas consubstancia «a frustração da confiança por parte de quem a gerou» que implica vício autónomo de violação de lei”.
A requerente opõe-se ao argumento da Requerida de que as “circulares” de 1991 e 1994 foram emitidas antes da Diretiva 2006/112/CE e que deixaram de valer, observando que as regras sobre as quais incidiram essas informações (nomeadamente, a alínea f) do n.º 27 do art. 9.º do CIVA, em vigor à data) têm o mesmo conteúdo que hoje tem a alínea e) do n.º 27 do art. 9.º do CIVA, o mesmo acontecendo com o artigo 135.º, n.º 1, al. f), da Diretiva 2006/112/CE e com o artigo 13.º, B) Outras isenções, n.º 5, da Diretiva 77/388/CEE, em vigor no momento da produção das circulares, os quais têm a mesma redação.
4.1.4. Apresentação de Alegações escritas
A Requerente apresentou Alegações escritas onde, em resumo, sintetiza e mantém a argumentação constante no PPA, quer quanto à caducidade das correções referentes aos anos de 2013 e 2014, quer quanto à aplicação da isenção prevista na alínea e) do n.º 27.º do artigo 9.º do CIVA às comissões que cobra pela intermediação em contratos de alienação de direitos reais de habitação periódica.
4.2. Fundamentação invocada pela Requerida
A Requerida, na sua Resposta, começa por confirmar que o pedido de pronúncia arbitral tem por objeto as correções apuradas por falta de liquidação de IVA (nos montantes de € 5.011,13, € 6.070,85, € 7.719,38, € 4.631,63 e € 1.914,75, nos exercícios de 2015 a 2019), e por dedução indevida do imposto (períodos 1601 e 1602, nos montantes de € 175.197,89 e €195.309,07, respetivamente), no âmbito do procedimento de inspeção tributária externo/interno, de âmbito parcial (IVA), com extensão aos anos 2013/4/5/6/7/8/9, realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças de Faro, a coberto das Ordens de Serviço n.º OI2019.../.../.../.../... e Despachos n.º DI2019.../... (início da ação inspetiva em 2019-05-14).
Acrescentando que o dito procedimento de inspecção foi motivado por um pedido de reembolso solicitado na declaração periódica apresentada para o período 2019.03M, foi sujeita a um procedimento inspetivo interno, de âmbito parcial, credenciado pelas Ordens de Serviço n.ºs OI2019.../.../.../.../..., levado a efeito pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Faro.
A Requerida pugna pela manutenção na ordem jurídica das decisões e das liquidações impugnadas, dizendo, resumidamente, o seguinte:
4.2.1. Da contestação à caducidade das liquidações adicionais referentes a 2013 e 2014
Quanto à invocada violação, por caducidade, do direito à liquidação de € 21.464,00, relativa a 2013 e 2014, a Requerida confirma estas correções e confirma a fundamentação do RIT dizendo que “esta correção é efetuada no período 1501, por força de ser o primeiro não abrangido pela regra geral do art.º 45.º da LGT, sendo que a correção em causa encontra cabimento no n.º 3 do mesmo artigo, em linha com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, referente ao processo n.º 0303/07, de 12-07-2007”.
Anota, porém, a Requerida, que o montante de € 21.464,00, referido pela Requerente como valor liquidado adicionalmente pela AT, corresponde, na realidade, à correção efetuada ao valor de excesso a reportar existente na conta corrente de IVA, não considerado para o período seguinte, que não foi objeto de liquidação adicional, tal como consta dos documentos de liquidação devidamente notificados à Requerente, e que foram anexados ao pedido de reclamação graciosa (apenas o período 1903 deu origem a liquidação adicional).
Ora, continua a Requerida, não estando em causa uma liquidação, mas sim uma diminuição do crédito de imposto, até à sua concorrência, no período 1501, sendo o ajustamento efetuado no primeiro período não caducado, respeitando sempre o limite em causa, portanto, acrescenta que o prazo de caducidade previsto no n.º 1 do art.º 45.º da LGT apenas condiciona o ato de liquidação, não tem a virtualidade de condicionar demais atos em matéria tributária como aquele que se encontra em apreciação, nomeadamente, a correção à conta corrente que anula, parcialmente, o crédito de imposto acumulado.
Segundo a Requerida a jurisprudência dos tribunais superiores tem acolhido de forma unânime esta interpretação, sobre a questão de direito relativa ao prazo de caducidade de liquidações, e dela resulta a importância de distinguir estas situações – vide, neste sentido, acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) de 2016-05-12, proferido no processo n.º 08095/14 e de 2015-09-24, proferido no processo n.º 08523/15; bem como o do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 2015-12-16, proferido no processo n.º 0773/14.
Observa a Requerida que, como resulta da jurisprudência em referência, seria contrário ao princípio da legalidade e da verdade material aplicar o efeito preclusivo da caducidade do direito à liquidação em situações em que o sujeito passivo solicita o reembolso de imposto, sendo que no acórdão de 2007-07-12, referente ao processo n.º 0303/07, o STA concluiu que é apenas em relação aos atos de liquidação, em sentido estrito, que provocam uma modificação na situação tributária do contribuinte, definindo a existência de uma obrigação (que através desse acto se torna certa, líquida e exigível, inclusivamente por via coerciva no caso de não cumprimento voluntário), que se justifica, por evidentes razões de segurança jurídica, que se limite o período de tempo em que tais actos podem ser praticados.
O que não é o caso dos actos que recusam o reembolso de IVA, pois deles não resulta para os contribuintes qualquer obrigação que não tivessem anteriormente. Aliás, nem seria compreensível outro regime, pois, reportando-se o pedido de reembolso à globalidade das relações tributárias relativas a um determinado período, o seu conteúdo definitivo está forçosamente por definir, pelo que não se pode justificar, pelas razões de segurança jurídica subjacentes ao regime da caducidade do direito de liquidação, que haja restrições ao apuramento e relevância dos factos que importam para as definir. Para além de não haver suporte legal para aplicar o prazo de caducidade do direito de liquidação aos actos que apreciam pedidos de reembolso de IVA, por não serem actos que declaram uma obrigação tributária do contribuinte em relação à Administração Tributária, não se trata de uma situação idêntica, que justifique a aplicação analógica do referido art. 45.º.
Com base nessa fundamentação concluiu, portanto, que: “não há suporte jurídico para entender que a Administração Tributária estava limitada pelo prazo de caducidade do direito de liquidação, ao apreciar a existência dos pressupostos do reembolso de IVA.”
E invoca ainda outro acórdão do STA (processo n.º 0682/09), segundo o qual «(…) os reembolsos não devem ser efetuados sem uma comprovação, no momento do reembolso, da verificação dos seus pressupostos, o que é corroborado pelos n.ºs 10 e 11 do mesmo artigo, ao preverem que, para efeitos de reembolso, possam ser pedidos documentos e informações adicionais, sob pena de o reembolso se considerar indevido. Aliás, nem seria compreensível outro regime, pois, reportando-se o pedido de reembolso à globalidade das relações tributárias relativas a um determinado período, o seu conteúdo definitivo está forçosamente por definir, pelo que não se pode justificar, pelas razões de segurança jurídica subjacentes ao regime da caducidade do direito de liquidação, que haja restrições ao apuramento e relevância dos factos que importam para as definir.».
A Requerida invoca depois a redação em vigor à data dos factos do n.º 3 do art.º 45.º da LGT que, em caso de crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito, sendo que este prazo (de caducidade) se conta a partir do momento em que os sujeitos passivos exercem esses direitos, normalmente nas declarações de liquidação e não desde a data da ocorrência dos factos que lhes deram origem.
Segundo alega, a doutrina e a jurisprudência (processos CAAD n.º 48/215-T, n.º 297/2016-T e n 626/2018-T) que, em resumo, consideram que até ao momento em que o sujeito passivo exerce o seu direito ao reembolso, a AT não toma conhecimento dos factos relevantes para poder iniciar a sua intervenção corretiva, pelo que não se encontra limitada a observar o prazo de caducidade do direito à liquidação quando aprecia a existência dos pressupostos de reembolso de IVA.
Também o Acórdão do STA, de 12/7/2007, processo n.º 303/07, vai no mesmo sentido consignando que “reportando-se o pedido de reembolso à globalidade das relações tributárias relativas a um determinado período, o seu conteúdo definitivo está forçosamente por definir, pelo que não se pode justificar, pelas razões de segurança jurídica subjacentes ao regime da caducidade do direito de liquidação, que haja restrições ao apuramento e relevância dos factos que importam para as definir”.
4.2.2. Do enquadramento da isenção das comissões auferidas com a comercialização de direitos reais de habitação periódica
Referência à anterior doutrina da AT
A Requerida começa por responder ao invocado vício de violação de lei que, segundo a Requerente, impende sobre as liquidações impugnadas, por violação dos princípios da boa-fé, confiança e igualdade, devido ao facto de a AT não ter acolhido a sua própria doutrina consagrada em decisões proferidas em 13.02.1991 e 18.07.1994.
Ao invocado vício, responde a Requerida que tais informações foram emitidas pela DGCI em1991 e 1994, em data anterior à Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, cuja interpretação é aplicável à data dos factos em apreço, decorrente do primado do direito comunitário, dado que o art.º 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia estabelece que as diretivas vinculam os Estados-Membros.
Da inaplicabilidade da isenção prevista na alínea f) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA às comissões auferidas pela transmissão de Direitos Reais de Habitação Periódica (DRHP)
A Requerida sustenta a sua posição de discordância com a Requerente, quanto à aplicação da isenção prevista na alínea f) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA às comissões auferidas pela transmissão de Direitos Reais de Habitação Periódica (DRHP), invocando a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) que considera que as operações isentas de IVA nos termos desta disposição são operações realizadas no mercado de valores mobiliários e são operações relativas, ou a títulos que conferem um direito de propriedade sobre pessoas coletivas ou a títulos que representam uma dívida (com invocação do acórdão de 12 de junho de 2014, Granton Advertising, C 461/12, n.° 27). – cf. n.º 31 do despacho Kerr.
Por seu lado, o STA também concluiu, no âmbito do processo n.º 01236/16, em acórdão de 2018-05-03 (órgão jurisdicional de reenvio do caso Kerr) que: “Não correspondendo a atividade da Requerente à de um intermediário remunerado para prestar um serviço a uma das partes num contrato relativo a operações financeiras sobre títulos, não pode beneficiar da isenção a que alude o artigo 9º, n.º 27, al. e) do CIVA”.
Ora, conclui a Requerida que na situação vertente as operações efetuadas pela Requerente não podem ser consideradas operações financeiras relativas a títulos de natureza jurídica comparável à dos títulos visados no artigo 135. °, n.º 1, alínea f), da Diretiva IVA, não está em causa a apreciação da aplicabilidade da exceção à isenção prevista no artigo 15.º, n.º 2, dessa diretiva, com base no direito nacional, aos referidos direitos.
Apresentação de alegações escritas
A Requerida apresentou requerimento em que manteve as alegações produzidas na sua Resposta
5. Saneamento
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Tudo visto e não havendo qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa cumpre proferir
Decisão.
II. MATÉRIA DE FACTO
Dá-se por provado:
1. Quanto à atividade principal da Requerente
A atividade da Requerente, face ao denominado CAE-Rev.3, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14.11, enquadra-se na Divisão do “Alojamento, Restauração e Similares”, subclasse 55118, que corresponde à atividade de “Alojamentos Turísticos com Restaurantes”.
A Requerente prossegue complementarmente a atividade de prestação de serviços de angariação e mediação tendo em vista a transmissão das unidades de alojamento em regime de “direitos reais de habitação periódica” (DRHP) a que se encontra submetido o empreendimento turístico de que é proprietária denominado “B...”.
2. Da prova da atividade complementar de angariação e mediação e as comissões auferidas com a prestação desses serviços
No processo administrativo (Anexos 12 a 17) foram juntas cerca de centena e meia de fotocópias simples de faturas e de acordos de compra e venda (sendo a maioria entre cidadãos estrangeiros), referentes aos anos de 2013 a 2019, tendo por objeto a transmissão de direitos turísticos, referentes ao empreendimento “B...”, também designado como “C...” ou por “A..., SA”, NIPC, ..., com sede e instalações em Rua ..., ...-... ..., contendo os seguintes elementos informativos:
Quanto às fotocópias dos acordos de compra e venda:
Identificação do vendedor e do comprador;
Indicação do número e data da celebração do acordo, indicação do número do apartamento e do período temporal (semana) abrangido, bem como a data da primeira ocupação;
Indicação do preço e do custo administrativo;
Referência a que o pagamento (do preço e do custo administrativo) seria feito por cheque emitido em nome de “A..., SA” (NIPC ...), a enviar a “C...”, Rua ..., ou por transferência bancária para o seu NIB/IBAN (do A..., SA).
Quanto às fotocópias das faturas:
Junto a cada um dos “acordos” supra referidos aparece uma fatura em nome do vendedor (devidamente identificado) emitida por “B...”, a debitar os serviços referentes à “comissão de venda” ou à “comissão de revenda”, conforme o caso, com indicação do número e data da fatura, e com indicação que a mesma deverá ser paga a “A..., SA” (indicação abreviada de “A..., SA”), constando na dita fatura o NIB/IBAN (do A..., SA)
Anota-se que as referidas prestações de serviço eram remuneradas com comissões, geralmente de 15% sobre o valor da venda ou revenda, que eram lançadas na conta SNC 72341-Revenda-Isentos de IVA, sendo aposto nas faturas que eram isentos de IVA ao abrigo do artigo 9.º, n.º 27, alínea e) (do CIVA).
3. Enquadramento da Requerente em sede de IVA
Em sede do Imposto sobre o Valor Acrescentado, a Requerente é, de acordo com o disposto no art.º 2.º, n.º 1, al. a), do Código do IVA (CIVA), um sujeito passivo que exerce atividades económicas de forma independente com carácter de habitualidade, que se encontra enquadrada, no regime normal, com periodicidade mensal, por força do disposto no art.º 41.º, n.º 1, al. a), do CIVA, cumprindo com as suas obrigações declarativas.
4. Identificação do pedido de reembolso
Em 09.05.2019 a Requerente apresentou um pedido de reembolso, no montante de € 325.000,00, através da declaração periódica de IVA relativa ao período 1903, cujos dados são os que constam na fotografia seguinte (inserida no processo administrativo junto ao presente processo pela Requerida):
5. O procedimento de inspeção desencadeado pelo pedido de reembolso
O pedido de reembolso identificado no número anterior deu origem a um procedimento de inspeção de âmbito interno e externo, com extensão aos anos 2013/4/5/6/7/8/9 (2013 a 2019), iniciado em 14.05.2019 pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças de Faro, a coberto das Ordens de Serviço n.º OI2019.../.../.../.../... e Despachos n.º DI2019.../..., tendo o relatório final (RIT) sido notificada à Requerente através do ofício n.º..., de 25 de Julho de 2019, da referida D. Finanças.
6. Discriminação, por períodos tributários, do imposto em falta e das deduções indevidas, na quantia total de € 417.319,22
No referido procedimento de inspeção foi proposto o indeferimento do pedido de reembolso e foram apurados montantes de “imposto em falta” e de “dedução indevida”, nos seguintes termos e quantitativos (transcrição do RIT):
7. Desconsideração de regularização a favor da Requerente (que não faz parte do objeto do pedido arbitral)
Ainda que não faça parte do objeto do PPA, anota-se, face a dados informativos constantes no processo administrativo, que as “deduções indevidas”, referentes aos períodos de 16.01 e 16.02, nos montantes, respetivamente, de € 175.197,89 e de € 195.309,07, diziam respeito a regularizações que a Requerente operou a seu favor devido a uma diferença de taxas, dado que entre os períodos tributários 12.04 e 13.10 prestou serviços de alojamento turísticos que foram debitados com a taxa normal de 23% quando seria aplicável a taxa reduzida de 6%.
Porém, como a Requerente não procedeu à regularização a seu favor no prazo de 2 anos previsto no artigo 78.º, n.º 3, do CIVA, no procedimento de análise do pedido de reembolso a AT desconsiderou o crédito objeto da dita regularização.
8. Liquidações adicionais concretizadas através da redução dos valores do crédito a reportar para períodos seguintes
As liquidações adicionais não deram origem a apuramento de imposto a pagar (salvo uma pequena quantia referente a março de 2019) dado que, conforme cópia das notificações dirigidas à Requerente e que esta juntou ao processo arbitral, as mesmas se traduziram em correções aos valores do excesso de crédito a reportar existente na conta corrente do IVA que, assim, não foram considerados a favor do sujeito passivo (Na Resposta da Requerida foi confirmada esta modalidade de correção dos créditos em reporte e que apenas o período 1903 deu origem a liquidação adicional a pagar).
Como se constata e dá por provado, o montante das correções operadas pelo RIT (€ 417.319,22) é substancialmente superior ao do Reembolso pedido (€ 325.000,00), sendo que o crédito que a Requerente regularizou a seu favor para lá dos dois anos previstos no n.º 3 do artigo 78.º do CIVA, no montante de € 370.505,96, e que a Requerida considerou indevidamente deduzido, seria mais que suficiente para compensar o montante do reembolso pedido.
9. Liquidações que são objeto do pedido arbitral.
Anota-se que o montante das liquidações adicionais (correções de crédito) objeto do pedido arbitral é de € 46.815,53, sendo este valor desdobrado em parcelas correspondentes a cada uma das causas de pedir invocadas pela Requerente. Assim:
a) Por violação do prazo geral de caducidade.
A Requerente invoca a ilegalidade de uma parte das correções, por violação do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º, n.º 1, da LGT, em relação a € 21.464,00, por se tratar de correções referentes aos períodos de 2013 e 2014, distribuída entre uma parcela relativa ao IVA sobre as comissões de angariação e mediação, de € 6.006,00, e outra parcela relativa ao IVA suportado na aquisição de serviços de construção civil, de € 15.458,00.
Anota-se e dá-se por provado que foi consignado no RIT que as correções referentes a 2013 e 2014 foram incluídas nas correções referentes ao período 2015 01 com o fundamento de que este período tributário “era o primeiro não abrangido pela regra geral do artigo 45.º da LGT, sendo que a correcção em causa encontra cabimento no n.º 3 do mesmo artigo, em linha com o Acórdão do STA, processo 0303/07, de 12.07.2007”.
b) Por violação da norma prevista na alínea e) do n.º 27.º do artigo 9.º do CIVA.
A outra causa de pedir, a que corresponde a quantia impugnada de € 25.351,53, tem a ver com a invocada violação da alínea e) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, dado que a AT não aceitou que as comissões cobradas com a angariação e mediação em contratos de transmissão de direitos reais de habitação periódica, celebrados entre 2015 e 2019, estavam isentas de IVA ao abrigo da referida disposição legal.
10. Procede-se à inclusão na matéria de facto de cópia dos despachos proferidos em 1991 e 1994 invocados pela Requerente
Factos não provados
A Requerida não provou que as faltas de liquidação e as deduções indevidas por si arroladas, relativamente a alguns períodos tributários de 2013 e 2014, tiveram influência direta na quantificação do montante do crédito objeto do pedido de reembolso apresentado na declaração periódica do mês de março de 2019.
Não se provou em que datas é que a Requerente pagou imposto superior ao devido em consequência das correções, refletidas nas notificações que lhe foram endereçadas na sequência do procedimento de inspeção instaurado para apreciação do referido pedido de reembolso.
A Requerente informa que os despachos da AT de 1991 e 1994 “foram publicitadas através de diversos veículos e que eram seguidas pela AT em vários casos” mas não fez prova de nenhuma destas afirmações.
III. MATÈRIA DE DIREITO
Questões que ao tribunal cumpre conhecer e decidir
O litígio que é colocado à apreciação e julgamento deste tribunal arbitral prende-se com duas questões essenciais, a saber:
Por um lado, saber se no âmbito do procedimento de inspeção instaurado para apreciação dos pressupostos de um crédito, objecto de um pedido de reembolso assinalado na declaração periódica referente ao mês de março de 2019, é legítimo que a AT possa proceder a correções por imposto “indevidamente deduzido” e por imposto “não liquidado”, em ambos os casos referentes a períodos tributários dos anos de 2013 e 2014.
E, por outro lado, saber se a alínea e) do n.º 27.º do artigo 9.º do CIVA permite isentar de IVA as comissões cobradas por serviços de angariação e mediação prestados no âmbito da celebração de contratos de alienação de direitos reais de habitação periódica incidentes sobre um empreendimento turístico de que a prestadora desses serviços é proprietária
Haverá igualmente que apreciar e decidir o pedido de condenação da AT à devolução do que foi pago a mais e ao pagamento de juros indemnizatórios.
1. O prazo geral de caducidade e as correções operadas no âmbito do procedimento de análise dos pressupostos de um pedido de reembolso
Quanto à questão da caducidade está em causa saber se a AT poderia, em 2019 e no âmbito de um procedimento de análise dos pressupostos de um pedido de reembolso, proceder a correções de créditos de IVA com fundamento em dois tipos de infrações cometidas em 2013 e 2014, a saber, por um lado por ter sido indevidamente aplicada a isenção prevista na alínea e) do n.º 27.º do artigo 9.º do CIVA a comissões de angariação e mediação, não tendo assim sido liquidado nem pago IVA no montante de € 6.006,00 e, por outro lado, por ter sido deduzido indevidamente IVA referente a serviços de construção civil, no montante de € 15.458,00, o qual está sujeito à regra de reverse charge prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.
Começa-se por anotar que a questão do decurso do prazo geral de caducidade não passou despercebida à inspeção que, para ultrapassar tal constrangimento, decidiu transpor o montante das correções para o período de janeiro de 2015, por força de ser o primeiro mês não abrangido pela regra geral do art.º 45.º da LGT, como foi escrito no RIT.
O método utilizado foi, pois, o de proceder a correções ao valor do excesso de IVA em crédito na conta corrente referente ao mês de janeiro de 2015, no quantitativo de € 21.464,41 (observa-se uma divergência de 0,41 cêntimos nos dois montantes o que se considera desprezível), confirmando-se pela análise da correção referente ao período 15.03 que esse montante foi afastado do crédito reportado do período anterior.
Assim, ainda que a AT informe que não estão em causa liquidações adicionais com imposto a pagar e que tais correções se justificam porque tiveram por base um pedido de reembolso, a verdade é que nas notificações que dirigiu à Requerente, dando-lhe conhecimento do que designou como “liquidação adicional”, a AT indicou que as mesmas foram efetuadas ao abrigo do artigo 87.º do CIVA.
Ora, este artigo determina justamente que quando, no âmbito dos seus poderes de controlo das situações tributárias, a AT detetar faltas de liquidação ou deduções indevidas de imposto deve proceder à correção dos elementos declarados e, sendo caso disso, proceder à competente liquidação adicional.
Foram justamente essas as infrações que o RIT informa que detetou quanto a algumas declarações periódicas apresentadas em 2013 e 2014, propondo as competentes liquidações adicionais, tendo sido dessas liquidações adicionais que os serviços competentes da AT notificaram a Requerente.
1.1. Conceito de reembolso e os diferentes prazos de caducidade para corrigir a situação tributária dos contribuintes de IVA
Quando um sujeito passivo apresenta uma declaração periódica assinalando o campo necessário para requerer a mobilização do crédito acumulado, através do seu reembolso, o dito crédito pode ter, entre outras causas, duas ou três origens mais comuns.
Ou foi um imposto que o requerente suportou em determinado período tributário por, por exemplo, ter efetuado um investimento e haver interesse financeiro na dedução imediata do IVA suportado, ou porque ocorreu uma regularização por ter havido imposto liquidado a mais (como foi o caso da Requerente que debitou imposto à taxa de 23% quando o poderia ter feito com a taxa reduzida), ou, noutros casos, o crédito foi gerado por sucessivos reportes a favor do sujeito passivo que acumularam um saldo significativo, como acontece, por exemplo, quando os inputs são gravados com a taxa normal e os outputs estão sujeitos a uma taxa reduzida.
Em todos estes casos, cumprindo os requisitos legais, o sujeito passivo pode ou não optar pela dedução imediata do imposto ou pode manter o crédito em conta corrente e esperar para o abater em futuras liquidações efetuadas a jusante.
A nota a reter é que nas referidas situações não existe um prazo de caducidade para exercer o direito à mobilização do crédito sobre o Estado, dado que aqui não é aplicável a limitação temporal de 4 anos prevista no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, sendo que da mesma maneira só quando o sujeito passivo decidir utilizar o crédito acumulado, seja pela via da dedução seja pelo pedido de reembolso, é que se inicia o prazo de 4 anos previsto no artigo 45.º, n.º 3, da LGT para que a AT possa, se for o caso, corrigir ou indeferir o reembolso.
Porém, as coisas não se passam assim, quando o sujeito passivo deduz o imposto suportado a montante no imposto que liquida aos seus clientes, entregando ao Estado a diferença, ou, noutros casos, quando deduz indevidamente ou quando não liquida imposto por considerar, por exemplo, que tinha direito a uma determinada isenção. Nestas situações, o Estado tem o ónus de corrigir estas deduções ou estas faltas de liquidação no prazo geral da caducidade de quatro anos previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT que se contam a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto (n.º 4 do citado artigo 45.º).
Tais correções podem ser efetuadas através de liquidações adicionais com imposto a pagar, através de cortes no crédito acumulado ou através do indeferimento total ou parcial de pedido de reembolso entretanto apresentado pelo sujeito passivo.
O que não está contemplado na lei é o que a AT fez no caso em apreço, ou seja, na sequência de um pedido de reembolso desencadear uma acção de inspeção em que, além de analisar a legitimidade do reembolso pedido, deferindo-o ou indeferindo-o em função da sustentabilidade do crédito apresentado pelo interessado, proceda também à correcção de deduções indevidas ou de faltas de liquidação de imposto, fazendo isto muito para lá do prazo geral de caducidade previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT
É que há aqui dois tipos de prazos que não são coincidentes. Para analisar a legitimidade do pedido de reembolso apresentado em 2019, a AT estaria perfeitamente em tempo na medida em que, como se referiu, o prazo de caducidade para esse efeito começa a contar a partir da data em que o pedido foi apresentado. O mesmo não acontecendo com o prazo para corrigir deduções indevidas ou faltas de liquidação referentes aos anos de 2013 e 2014, dado que os quatro anos se iniciaram a partir do dia 1 de janeiro de cada um dos anos civis subsequentes àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto (não liquidado ou indevidamente deduzido).
Pode perguntar-se, no entanto, se não seria possível que o crédito acumulado e que foi objecto do pedido de reembolso apresentado na declaração periódica de março de 2019, tivesse sido influenciado por imposto indevidamente deduzido ou por falta de liquidação ocorridas em 2013 e 2014?
A resposta a esta questão é afirmativa, ou seja, sim o crédito mobilizado em 2019 através de um pedido de reembolso poderia ter sido gerado, total ou parcialmente, nesses exercícios. E nesse caso, como se referiu, nada haveria a objetar à sua correcção em 2019.
Só que, no caso em apreço, não foi isso que aconteceu. Ou, pelo menos, a AT não demonstrou que o crédito objeto do pedido de reembolso tivesse começado a acumular-se nos referidos períodos tributários e estava reflectido no saldo apresentado na declaração em que foi assinalado o referido pedido. Ao contrário, analisando as notificações das liquidações adicionais remetidas à Requerente, constata-se que o referido crédito foi gerado em anos mais recentes. Só a regularização que a Requerente considerou em 16.01 e 16.03 e que a AT desconsiderou na sequência do pedido de reembolso era de montante superior ao montante desse pedido.
Por outro lado, atentando no teor das notificações, constata-se que a sua destinatária, ora Requerente, foi informada que as liquidações adicionais foram efetuadas ao abrigo do artigo 87.º do CIVA que é justamente o preceito legal que prevê que, quando forem detetadas faltas de liquidação de imposto ou deduções indevidas, a AT deve proceder à correção dos elementos declarados e, sendo caso disso, proceder à competente liquidação adicional.
Ora, foram justamente essas as situações que o RIT informa que detetou quanto às declarações periódicas apresentadas em 2013 e 2014, propondo as competentes liquidações adicionais, e foi dessas liquidações adicionais que os serviços competentes da AT notificaram a Requerente. Isto sem que antes tivesse sido ficcionado – para tentar entrar no prazo dos quatro anos que a AT tinha para agir – que a exigibilidade do imposto ocorreu, afinal, não em 2013 e 2014, mas sim em janeiro de 2015.
1.2. A posição clara da jurisprudência
Em recente Acórdão do STA (ACD de 09.03.2022, processo 0415/13.4BELRS), invocando, aliás, mais jurisprudência no mesmo sentido (ac.S.T.A.-2ª.Secção, de 5/02/2020, rec. 844/12.0BELRA e ac.S.T.A.-2ª.Secção, de 13/01/2021, rec.1848/16.0BELRS), foi consignado que “Os actos de liquidação adicional de I.V.A. praticados na sequência de um procedimento de inspecção tributária, motivado por um pedido de reembolso, estão sujeitos à regra geral da caducidade do direito à liquidação, consagrada no artº.45, nº.1 e 4, da L.G.T”
Acrescentando-se nesse arresto que “no caso "sub iudice",não estamos perante um acto de recusa de reembolso dos montantes declarados pelo sujeito passivo com fundamento em correcções efectuadas às declarações dos contribuintes relativas ao período em relação ao qual é pedido o reembolso (caso que foi analisado e discutido no acórdão de 12 de Julho de 2007, exarado no processo 303/07, invocado pela entidade recorrente), mas sim perante verdadeiros actos de liquidação adicional de imposto, praticados na sequência de uma inspecção tributária motivada pelo pedido de reembolso, razão pela qual, acrescenta-se, “ não existem razões que possam afastar a aplicação da regra da caducidade do direito à liquidação consagrada no artº.45, nºs.1 e 4, da Lei Geral Tributária, mais se devendo concluir que não tem aplicação, ao caso dos autos, o regime consagrado no artº.45, nº.3, da L.G.T., contrariamente ao defendido pela recorrente.
A recorrente no referido processo foi também a AT, ora Recorrida, que nas alegações do recurso veio defender a mesma interpretação e o mesmo procedimento que levou a cabo no caso subjudice para proceder, em 2019, à correção das liquidações referentes aos anos de 2013 e 2014, o que, obviamente, não pode proceder.
2. A isenção prevista na alínea e) do n.º 27.º do artigo 9.º do CIVA e a sua aplicabilidade a comissões por serviços de angariação e mediação referentes a contratos de alienação de direitos reais de habitação periódica (DRHP)
A Requerente cobra comissões pelos serviços de angariação e mediação prestados no âmbito dos contratos de alienação dos direitos reais de habitação periódica, como amplamente considerado na matéria de facto dada por provada, comissões essas que considerou isentas de IVA ao abrigo da alínea e) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA e, contrariando a posição da AT, defende que a referida isenção deve ser mantida, ainda que mais não seja porque as circulares emitidas pela AT sobre essa matéria assim o impõem.
A Requerente descreve em termos muito claros em que consistem os serviços que presta e pelos quais aufere as comissões. Diz a Requerente que os seus serviços consistem em “operar o necessário para que ambas as partes celebrem o contrato, que prossegue o seu objetivo de diligenciar para que entre o atual titular do título e potenciais interessados se venha a celebrar um contrato de transmissão de direitos perpétuos de DRHP, para daí receber as suas comissões (artigos 52.º a 55.º do PPA e artigo 53.º das alegações).
2.1. Atente-se, em primeiro lugar, no teor da norma em causa, nos seus antecedentes e na sua fonte no sistema do IVA comum
A norma referente à isenção de IVA que abrange as operações conexas com a negociação de participações sociais, de obrigações e de títulos da mesma natureza, tem praticamente a mesma redação desde 1992.
Com efeito, a alínea f) do n.º 28.º do artigo 9.º do CIVA (que antecedeu a atual alínea e) do n.º 27 do mesmo artigo) determinava já em 1992 que estavam isentas de IVA As operações e serviços, incluindo a negociação, mas com exclusão da simples guarda e administração ou gestão, relativos a acções, outras participações em sociedades ou associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos títulos representativos de operações sobre bens imóveis quando efectuadas por um prazo inferior a 20 anos;
Esta redação foi dada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 139/92, de 17 de Julho, publicado ao abrigo da autorização legislativa concedida pelo artigo 32.º da Lei n.º 2/92, de 9 de Março (Lei OE/93), no sentido de excluir da isenção os títulos representativos de operações sobre bens imóveis, quando efetuadas por um prazo inferior a 20 anos.
Vigorava nessa altura o artigo 13.º da 6.ª Diretiva (Diretiva 77/388/CEE, de 17 de maio de 1977), cujo artigo 13.º determinava que:
B) Outras isenções
Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso:
d) As seguintes operações:
5. As operações, incluindo a negociação, mas exceptuando a guarda e a gestão, relativas às acções, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos, com exclusão:
- dos títulos representativos de mercadorias,
- dos direitos ou títulos referidos no n º 3 do artigo 5 º ;
Os direitos ou títulos referidos no n.º 3 do artigo 5.º da Diretiva eram os que conferiam a propriedade ou o gozo de um bem imóvel ou de uma fracção de um bem imóvel.
A redação da actual alínea e) do n.º 27.º do artigo 9.º do CIVA determina o seguinte:
Estão isentas de imposto:
e) As operações e serviços, incluindo a negociação, mas com exclusão da simples guarda e administração ou gestão, relativos a acções, outras participações em sociedades ou associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos títulos representativos de operações sobre bens imóveis quando efectuadas por um prazo inferior a 20 anos;
Ao nível do sistema comum do IVA foi entretanto aprovada a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, que dispõe no seu artigo 135.º o seguinte:
Artigo 135.º
1. Os Estados–Membros isentam as seguintes operações:
f) As operações, incluindo a negociação mas excluindo a guarda e gestão, relativas às acções, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos direitos ou títulos referidos no n.o 2 do artigo 15.º.
Como se constata a redação das duas Diretivas comunitárias é, no essencial, a mesma, anotando-se que o n.º 2 do artigo 15.º tem também redação de conteúdo idêntico ao do n.º 3 do artigo 5.º da anterior 6.ª Diretiva.
2.2. Da natureza jurídica do direito real de habitação periódica
Para melhor entender a natureza jurídica do direito real de habitação periódica há que recuar aos diplomas iniciais que criaram este direito.
Assim, através do Decreto-Lei n.º 355/81, de 31.12, foi aprovado um regime jurídico que, visando o mercado turístico das férias, teve por escopo a captação de investimento de poupanças em empreendimentos turísticos, constituindo, a favor do investidor, um direito de habitação periódica dotado de natureza real e que, além disso, fosse facilmente alienável pelo respectivo titular, sem sujeição a sisa, e susceptível de transmissão hereditária.
Face ao preâmbulo do diploma este direito de habitação periódica tinha as seguintes principais características:
a) Só poderá ser constituído por períodos mensais sobre imóveis ou conjuntos imobiliários que previamente sejam reconhecidos como destinados a fins turísticos pela entidade competente para aprovar o respectivo projecto;
b) Tendo natureza real, estará sujeito a registo e oponível erga omnes;
c) A fim de facilitar a sua alienação ou oneração, o direito de habitação periódica constará de um certificado predial e será negociável por via de endosso, assumindo desta forma a natureza de um valor de mercado, dotado de enorme mobilidade e cujo valor económico poderá ser rapidamente realizado pelo respectivo titular;
Face ao referido diploma, os direitos de habitação periódica eram constituídos sobre empreendimentos imobiliários cujo proprietário mantinha, no essencial, os direitos e deveres coincidentes com o exercício do direito de propriedade, direito este que era amputado do direito de habitação periódica que era autonomizado e alienado a terceiros.
Por sua vez, o titular do direito de habitação periódica poderia habitar a casa no período temporal adquirido e poderia onerar ou alienar o seu direito, bem como ceder o respectivo uso, mediante locação ou comodato.
Posteriormente, o Decreto- Lei 130/89, de 18.4, veio publicar um novo regime do direito real de habitação periódica, aperfeiçoando algumas normas do anterior diploma, prevendo, nomeadamente, que tal direito seria, na falta de indicação em contrário, perpétuo, mas poderá ser-lhe fixado no respectivo título constitutivo um limite de duração não inferior a vinte anos.
Por seu lado, o período de tempo da sua vigência poderia variar entre o mínimo de 7 e o máximo de 30 dias consecutivos.
Em matéria fiscal este novo diploma, pela sua transmissão, manteve a isenção de sisa constante no artigo 15.º do DL 355/81.
Com o decorrer dos anos a natureza jurídica do direito habitacional em causa foi sendo reafirmada como direito real, ainda que com algumas caraterísticas de direito obrigacional, sendo que a sujeição a escritura pública ou documento equivalente para a sua constituição e transmissão e a sujeição a registo predial acentuaram a sua qualificação como direito real a considerar no “numerus clausus” a que se refere o artigo 1306.º do Código Civil.
Assim, foi publicado o Decreto-Lei n.º 275/93, de 5 de agosto, que, mantendo no essencial as caraterísticas iniciais dos DRHP, visou melhorar a qualidade e o funcionamento dos empreendimentos turísticos submetidos a este regime e reforçar o grau de proteção dos seus adquirentes.
Face ao seu artigo 3.º a duração do direito real de habitação periódica é, na falta de indicação em contrário, perpétuo, mas pode ser-lhe fixado um limite de duração de 30 anos, tendo assim aumentado este limite de 20 para 30 anos.
Este diploma manteve a isenção de Sisa na transmissão destes direitos (artigo 61.º) que, mais tarde, passou a fazer referência ao IMT (redacção dada pelo artigo 4.º, n.º 2, do DL 37/2011, de 10 de março).
Anota-se que face ao artigo 43.º, n.º 2, deste DL 275/93, foi expressamente determinado que a aquisição do direito real de habitação periódica não deveria ser considerado como um investimento financeiro.
O Regime sofreu várias alterações ao longo do tempo, sendo que em termos do seu prazo, através do DL 180/99, de 25.5, desceu para um mínimo de 15 anos (artigo 3.º 1) e mais tarde foi publicado o Decreto-Lei n.º 37/2011, de 10 de Março, que transpôs a Diretiva 2008/122/CE, de 14 de janeiro de 2009, tendo em vista a dinamização da atividade da oferta dos denominados «produtos de férias de longa duração», qualificados como «direitos de habitação turística» no direito português, nos quais se incluem os cartões de desconto, de férias ou de outras vantagens.
Este diploma manteve as caraterísticas essenciais do regime do direito real de habitação periódica, tendo, no entanto, reduzido o seu período mínimo para 1 ano.
Ou seja, a partir deste diploma, o prazo do direito real de habitação periódica pode ser fixado entre o mínimo de 1 ano e pode também ser acordado um prazo sem limite, isto é, perpétuo.
O que decorre da análise sumária destes diplomas é que embora nos seus primeiros anos de vigência, mormente nas versões do DL 355/81, de 31.12 e do DL 130/89, de 18.4, o denominado direito real de habitação periódica era apresentado como um investimento financeiro, como se afirmava no diploma que o criou e, quanto à sua natureza jurídica, era um direito de habitação periódica dotado de natureza real que assumia simultaneamente contornos de direito obrigacional.
Ao longo dos anos e dos aperfeiçoamentos que o regime sofreu, o DRHP deixou de ser qualificado como um investimento financeiro e assumiu, para todos os efeitos, a natureza jurídica de direito real, um novo direito real a acrescer aos que o Código Civil expressamente já contemplava.
2.3. Sobre a natureza dos títulos por cuja alienação a Requerente aufere comissões
Analisadas as caraterísticas mais relevantes do DRHP tal como resultam do seu regime jurídico – nisso consistindo o interesse da sua invocação – afigura-se sustentável concluir que os títulos por cuja transação a Requerente aufere comissões não são equiparáveis, nem a participações sociais, nem a obrigações, nem a títulos da mesma natureza, sendo antes títulos que conferem ao seu titular o direito de fruição sobre um bem imóvel em termos próximos das figuras parcelares do direito de propriedade tipificados na lei civil.
Com efeito, concedendo que nos primeiros anos de vigência do regime do DRHP, dada a preponderância da sua natureza obrigacional e financeira, ainda seria admissível que as operações relativas a esses direitos, mormente as comissões auferidas com a sua comercialização, pudessem ser enquadradas nos “outros títulos” a que se refere a legislação comunitária e nacional acima citada, a verdade é que com o decorrer do tempo e com a consolidação da sua natureza de direito real, independentemente da sua durabilidade, é hoje inaceitável que as comissões auferidas com a atividade da angariação e mediação desses direitos tivessem um tratamento diferente daquele que é conferido à generalidade das comissões auferidas pela atividade da angariação e mediação imobiliária em geral.
Neste contexto, impõe-se então indagar da questão controvertida de saber se às comissões cobradas por serviços de angariação e mediação de contratos de alienação de direitos reais de habitação periódica é aplicável a isenção de IVA pretendida pela Requerente ou se, ao contrário, tais comissões devem ser sujeitas a imposto, como defende a Requerida, e responder também à questão de saber em que medida os despachos proferidos pela AT em 1991 e 1994 poderão influenciar a resposta que o tribunal arbitral terá que dar à questão colocada à sua apreciação.
2.4. Conceito e abrangência das expressões “negociação” e “demais títulos” referidas na legislação do sistema do IVA comum e na alínea e) do n.º 27.º do artigo 9.º do CIVA
A jurisprudência tomou já posição sobre a interpretação que deve ser conferida à alínea e) do n.º 27.º do artigo 9.º do CIVA e às normas comunitárias que são a sua fonte.
Com efeito, a interpretação dos conceitos previstos na referida norma está hoje sintetizada no Acórdão do STA, de 09.05.2018, Processo 01648/15, que considerou o seguinte e que este tribunal arbitral não pode deixar de acolher. Assim:
«O artigo 15º, nº 2, e o artigo 135º, nº 1, alínea f), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que o conceito de «negociação», na aceção desta última disposição, se refere à atividade de um intermediário remunerado para prestar um serviço a uma das partes num contrato relativo a operações financeiras sobre títulos, consistindo esse serviço em fazer o necessário para que o vendedor e o comprador assinem esse contrato, sem que o próprio intermediário o assine e, em todo o caso, sem que ele tenha um interesse próprio no conteúdo desse mesmo contrato.
Quanto ao conceito de «título», a que se refere o artigo 135º, nº 1, alínea f), da Diretiva IVA
há que salientar, em primeiro lugar, que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as operações isentas de IVA nos termos desta disposição são operações realizadas no mercado de valores mobiliários (v., neste sentido, acórdãos de 5 de junho de 1997, SDC, C-2/95, EU:C:1997:278, nº 72, e de 29 de outubro de 2009, SKF, C-29/08, EU:C:2009:665, nº 48) e constituem, pela sua natureza, operações financeiras (v., neste sentido, acórdão de 12 de junho de 2014, Granton Advertising, C-461/12, EU:C:2014:1745, n.º 29).
Em segundo lugar, resulta da redação do artigo 135º, nº 1, alínea f), da Diretiva IVA que a isenção aí prevista se refere especificamente às operações relativas, por um lado, a títulos que conferem um direito de propriedade sobre pessoas coletivas e, por outro, a títulos que representam uma dívida (v., neste sentido, acórdão de 12 de junho de 2014, Granton Advertising, C-461/12, EU:C:2014:1745, nº 27).
Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça também já declarou que os «demais títulos» visados por essa isenção devem ser de natureza jurídica comparável quer aos títulos especificamente visados pelas operações isentas com base no artigo 135º, nº 1, alínea f), da Diretiva IVA quer aos expressamente excluídos dessa isenção, a saber, os títulos representativos de mercadorias, bem como as participações e as ações cuja posse confira, de direito ou de facto, a propriedade ou o gozo de um bem imóvel ou de uma fração de um bem imóvel, desde que o Estado-Membro considere que aquelas são bens corpóreos, em conformidade com o artigo 15º, nº 2, alínea c), da Diretiva IVA (v., neste sentido, acórdão de 12 de junho de 2014, Granton Advertising, C-461/12, EU:C:2014:1745, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).
A concluir, o referido acórdão considerou que o aí recorrente não presta um serviço, uma atividade correspondente à de um intermediário remunerado para prestar um serviço a uma das partes num contrato relativo a operações financeiras sobre títulos, pelo que, assim, a actividade por si desempenhada não cabe na previsão do disposto no referido art. 9º, nº 27, al. e) do CIVA (uma vez que também não cabe na previsão do art. 135º, nº 1, al. f) da Directiva IVA).
Mais recentemente, o Acórdão do STA de 13.07.2021, processo 0172/15, remeteu para os anteriores acórdãos proferidos no Processo n.ºs 1654/15, em 28 de Fevereiro de 2018, e no processo n.º 1648/15, em 9 de Maio de 2018, anotando o facto de terem sido sujeitos a apreciação, por Reenvio Prejudicial, pelo Tribunal de Justiça da União, tendo consignado que a atividade em causa não era correspondente à de um intermediário remunerado para prestar um serviço a uma das partes num contrato relativo a operações financeiras sobre títulos, pelo que a actividade por si desempenhada não cabe na previsão do disposto no referido artigo 9.º, n.º 27, alínea e) do CIVA, correspondente à previsão do artigo 135.º, n.º 1, alínea f) da Directiva IVA.
Conclui-se, pois, de acordo com a referida jurisprudência, que a atividade de angariação e mediação em contratos de alienação de direitos reais de habitação periódica, pelas quais a Requerente aufere comissões, não é uma actividade referente a operações financeiras sobre títulos, pelo que não pode caber na alínea e) do n.º 27.º do artigo 9.º do CIVA, sendo, pois, ilegal a isenção que a Requerente aplicou às referidas comissões.
2.5. As invocadas “circulares” da AT e a sua aplicabilidade à interpretação da alínea e) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA feita pelos tribunais
Um dos principais argumentos invocados pela Requerente a favor da procedência do pedido arbitral prende-se com a justificação de não ter debitado imposto nas comissões que auferiu por ter agido em conformidade com as orientações da AT e, portanto, tais orientações terão que ser aplicadas à sua situação tributária.
A Requerente refere-se a dois despachos proferidos em 1991 e 1994, cuja cópia se junta na matéria de facto, anotando-se contudo que a mesma não faz prova que os referidos despachos foram divulgados como orientações genéricas e também não prova a sua afirmação de que tais orientações foram publicitadas através de diversos veículos e que eram seguidas pela AT em vários casos.
O que se observa é que os ditos despachos estarão disponíveis na base de dados de uma empresa de consultoria mas não foi provado que tenham sido divulgados noutros termos.
Por outro lado, face à prova produzida, não se pode considerar que a interpretação que os Serviços do IVA da então DGCI consignaram nos referidos despachos, tenha constituído mais do que a resposta a pedidos de informação que lhe terão sido colocados, de circulação restrita, não tendo revestido a qualidade de orientações genéricas, denominadas circulares, habitualmente divulgadas, em suporte de papel (nas datas em causa), pelos serviços da administração fiscal, pelas associações empresariais e ordens profissionais ligadas à fiscalidade e com publicação em revistas e jornais da especialidade (nos anos mais recentes com publicação no site da AT).
A Requerente entende o contrário, dizendo que estão em causa circulares com orientações genéricas e que a AT, mesmo que as considerasse ilegais, estaria obrigada a aplicar essa orientação aos casos concretos que ocorram durante o período em que ela vigorava, mais defendendo que tal obrigação se deve traduzir no sacrifício do princípio da legalidade,restringido à norma que concretamente regula a situação, para salvaguarda dos princípios da igualdade e da boa-fé, que também integram o bloco da legalidade.
Com o devido respeito este tribunal não acompanha o entendimento de que o facto de terem sido proferidos dois despachos há cerca de 30 anos – e mais nenhum foi apresentado desde então – numa altura em que, como supra referido, havia ainda algumas dúvidas e hesitações sobre a natureza jurídica dos direitos reais de habitação periódica e sobre se os títulos representativos desses direito eram ou não de natureza financeira, se possa agora atribuir a relevância e eficácia pretendida pela Requerente, muito menos que se lhe possa atribuir natureza supra constitucional, dizendo que os mesmos devem prevalecer sobre o próprio princípio da legalidade.
Para fazer valer a sua posição perante a AT e obrigá-la a agir em conformidade com a sua doutrina, a Requerente poderia, porventura, lançar mão de outros meios processuais que estão fora da competência deste tribunal arbitral.
Também não deixa de se anotar que a Requerente não demonstrou que ao longo dos anos em que exerce a sua actividade de mediadora tivesse utilizado a figura do pedido de informação prévia sobre a sua situação tributária e sobre a aplicação da isenção em causa, direito este previsto nas leis tributárias desde há longos anos, incluindo ao tempo em que foram proferidos os despachos que vem invocar.
Com efeito, quando foi emitido o primeiro despacho estava em vigor o Código de Processo das Contribuições e Impostos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45.005, de 27.4 que, no seu artigo 14.º, determinava que “Constituem garantias gerais do contribuinte, além das estabelecidas nas leis especiais de tributação:
a) O esclarecimento, pelos serviços competentes da administração fiscal, acerca da interpretação das leis tributárias e do modo mais cómodo e seguro de lhes dar cumprimento;
b) A informação sobre a sua concreta situação tributária;
§ 1.º Quando a informação a que se refere a alínea b) for solicitada pessoalmente pelo interessado ou seu representante legal e a resposta for confirmada pelo director-geral das Contribuições e Impostos, não poderão os serviços da administração fiscal proceder por forma diferente em relação ao objecto exacto do pedido, salvo em cumprimento de decisão judicial.
O Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23.4, consagrava o direito à informação no seu artigo 20.º e nos seus artigos 72.º e 73.º, cujo teor era o seguinte:
Artigo 72.º
1 - As informações nos termos do n.º 1 do artigo 20.º podem ser solicitadas, sem sujeição a quaisquer formalidades, pelos próprios contribuintes.
2 - As informações vinculativas serão solicitadas por escrito, pelo interessado ou seu representante legal, ao director-geral das Contribuições e Impostos, devendo o pedido ser acompanhado da identificação do requerente e da descrição dos factos cuja qualificação jurídico-tributária se pretenda.
……
Artigo 73.º
Os serviços da administração fiscal não poderão proceder de forma diversa em relação ao sentido da informação prestada nos termos do n.º 2 do artigo anterior, salvo em cumprimento de decisão judicial.
Entretanto foi publicada a Lei Geral Tributária que, na versão original, determinava no seu artigo 68.º, que:
1 - As informações vinculativas sobre a situação tributária dos sujeitos passivos e os pressupostos ainda não concretizados dos benefícios fiscais são requeridas ao dirigente máximo do serviço, sendo o pedido acompanhado da identificação dos factos cuja qualificação jurídico-tributária se pretenda.
2 - O pedido pode ser apresentado pelos sujeitos passivos e outros interessados ou seus representantes legais, não podendo a administração tributária proceder posteriormente no caso concreto em sentido diverso da informação prestada.
3…..
4 - A administração tributária está ainda vinculada:
a) Às informações escritas prestadas aos contribuintes sobre o cumprimento dos seus deveres acessórios;
b) Às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza emitidas sobre a interpretação das normas tributárias que estiverem em vigor no momento do facto tributário.
5 ….
6 - Presume-se a boa fé para efeitos do número anterior quando o contribuinte solicitar à administração tributária esclarecimento sobre a interpretação e aplicação das normas em causa.
7 - A sujeição da administração tributária às informações vinculativas previstas no presente artigo não abrange os casos em que actue em cumprimento da decisão judicial.
Através do artigo 108.º da Lei 64-A/2008, de 31.12, foi aditado um artigo 68.º-A à Lei Geral Tributária com o seguinte teor:
Orientações genéricas
1 - A administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias.
2 - Não são invocáveis retroactivamente perante os contribuintes que tenham agido com base numa interpretação plausível e de boa-fé da lei as orientações genéricas que ainda não estavam em vigor no momento do facto tributário.
3 - A administração tributária deve proceder à conversão das informações vinculativas ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, quando tenha sido colocada questão de direito relevante e esta tenha sido apreciada no mesmo sentido em três pedidos de informação ou seja previsível que o venha a ser.
4 - A administração tributária deve rever as orientações genéricas referidas no n.º 1 atendendo, nomeadamente, à jurisprudência dos tribunais superiores (Este n.º 4 foi aditado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro)
Entretanto, através do artigo 107.º da mesma Lei 64-A /2008 foi alterado o regime das informações vinculativas previsto no artigo 68.º da LGT, o qual vinha já constando na versão original da LGT mas que aqui foi significativamente regulamentado e aperfeiçoado, mantendo no entanto o princípio da prevalência das decisões dos tribunais sobre a interpretação das normas fiscais.
Ora, como supra referido, os tribunais nacionais e o TJUE interpretaram o sentido e a abrangência da isenção prevista na alínea e) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, em termos que não deixam qualquer dúvida, e certamente a própria Requerente concordará que não seriam agora dois despachos de 1991 e 1994 que iriam prevalecer sobre as referidas interpretações judiciais.
A cedência da interpretação das normas fiscais efetuada pela administração fiscal às decisões dos tribunais
Um dos aspectos comuns a todas as normas supra transcritas é a consagração do princípio da prevalência das decisões judiciais sobre a interpretação dessas mesmas normas, o que é afirmado na generalidade da jurisprudência.
É certo que a Requerente invoca alguma doutrina e jurisprudência recente em abono das suas teses.
Este tribunal, respeitando embora todas as opiniões, também não acompanha a Requerente quanto ao sentido que pretende retirar da referida doutrina e jurisprudência onde, de resto, são analisadas orientações da AT que não se assemelham, quer quanto à sua amplitude, quer quanto à sua divulgação, ao que aconteceu com os referidos despachos de 1991 e 1994.
Quanto à prevalência das decisões dos tribunais sobre a interpretação que a administração fiscal faça das normas fiscais, transcreve-se o que foi consignado em recente decisão arbitral proferida no processo 844/2021-T, que este tribunal acompanha, na qual se resume adequadamente a temática da aplicabilidade das orientações da AT sobre a interpretação das normas fiscais onde, como há muito é seguido pela generalidade da jurisprudência, se considera que tais orientações não vinculam os contribuintes nem os Tribunais, que devem interpretar e aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração fiscal através dos referidos «despachos genéricos, das circulares e das instruções» (artigo 203.º da CRP).
É o que consta no seguinte trecho do referido processo arbitral 844/2021-T:
(…) por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal, em que se está perante matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP].
Na verdade, a força vinculativa das circulares e outras resoluções da Autoridade Tributária e Aduaneira de natureza geral e abstracta, publicitadas, circunscreve-se à ordem administrativa, pois resulta somente da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm e
dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem. Por isso, as orientações
genéricas da Autoridade Tributária e Aduaneira, nomeadamente quanto à interpretação da lei fiscal, apenas vinculam os funcionários sobre quem o emissor tem posição superior na
hierarquia, mas essas orientações não vinculam os particulares, cidadãos ou contribuintes,
nem os Tribunais, que devem interpretar e aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência
dos critérios adoptados pela Administração fiscal através dos referidos «despachos genéricos, das circulares e das instruções» (artigo 203.º da CRP).
É com este alcance que o n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT estabelece que «administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias».
Conclusões
Face ao exposto, este tribunal arbitral considera que assiste razão à Requerente quanto ao pedido de declaração da verificação da caducidade relativamente às liquidações adicionais referentes aos anos de 2013 e 2014, no montante de € 21.464,00
Quanto às liquidações não abrangidas pelo prazo de caducidade, conclui-se, de acordo com a jurisprudência invocada, que a atividade de promoção e comercialização de direitos reais de habitação periódica, pelas quais a Requerente aufere comissões, não é uma atividade referente a operações financeiras sobre títulos no sentido previsto no n.º 1, alínea f), do artigo 135.º da Diretiva 2006/112/CE e na alínea e) do n.º 27.º do artigo 9.º do CIVA, sendo, pois, ilegal a isenção de IVA que a Requerente aplicou às referidas comissões, deixando assim de liquidar imposto no montante de € 25.347,00.
Pedido de restituição dos valores já pagos e condenação no pagamento de juros indemnizatórios
A Requerente pede também a restituição dos valores já pagos e a condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
Uma das consequências da decisão arbitral, uma vez que a mesma transite em julgado, é a de “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, como está previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, bem como a de “proceder ao pagamento dos juros que se mostrarem devidos nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, como está previsto no n.º 5 do mesmo artigo 24.º
O artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em consonância com o n.º 2 do artigo 99.º do CIVA, determina
que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Por sua vez, face ao n.º 5 do artigo 61.º do CPPT, “os juros (indemnizatórios) são contados
desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva
nota de crédito, em que são incluídos”.
No caso subjudice os juros poderiam incidir sobre a parte das liquidações adicionais abrangidas pela caducidade, no montante de € 21.464,00, dependendo dos factos de ter sido efectuado pagamento superior ao devido ou de ter sido reduzido o crédito a que a Requerente tinha direito, em ambos os casos desde as datas em que tais factos ocorreram.
Porém, não tendo as correções indicadas dado diretamente lugar a liquidação adicional de imposto e não tendo sido feita prova das datas em que a redução do crédito determinou maior pagamento de imposto do que o que seria devido sem tais correções, improcedem os pedidos de condenação da AT na restituição dos valores supostamente já pagos e no pagamento de juros indemnizatórios, sem prejuízo dos eventuais direitos a reembolso e a esses juros poderem ser reconhecidos à Requerente em execução de julgado, que é o meio processual adequado para os definir quando não há elementos para esse efeito no processo declarativo (artigo 609.º, n.º 2, do CPC e 61.º, n.º 2, do CPPT).
IV. DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide este tribunal arbitral:
a) Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral na parte referente às correções, no montante de € 21.464,00, que incidiram sobre os períodos tributários de 2013 e 2014, por terem sido efetuadas em violação do prazo geral de caducidade previsto no artigo 45.º, números 1 e 4, da LGT, anulando na mesma medida as decisões da reclamação graciosa e do recurso hierárquico que mantiveram as referidas correções;
b) Julgar improcedente o pedido arbitral na parte referente às correções, no montante de € 25.347,00, que incidiram sobre os períodos tributários de 2015 a 2019, na medida em que as autoliquidações enfermaram de erros sobre os pressupostos de facto e de direito relativos à isenção prevista na alínea e) do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, absolvendo a Requerida dessa parte do pedido;
c) Julgar improcedentes os pedidos de condenação da AT na restituição dos valores (eventualmente) já pagos e no pagamento de juros indemnizatórios, sem prejuízo de os respetivos direitos, relativamente à parte anulada, deverem ser apreciados em execução da presente decisão arbitral.
Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 305.º, n.º 2, do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 46.815,53
Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo de ambas as partes, na proporção de 54% pela Requerente e 46% pela Requerida.
Lisboa, 21 de Julho de 2022
O Árbitro,
(Joaquim Silvério Dias Mateus)