Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 11/2022-T
Data da decisão: 2022-08-09  IMI Outros 
Valor do pedido: € 771.341,30
Tema: Adicional ao IMI - terrenos para construção; determinação do VPT; revisão do acto tributário - artigos 38.º e 45.º do Código do IMI e artigo 78.º da LGT.
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Sumário:

I. A excepção ao princípio da impugnação unitária que permite a impugnação contenciosa, directa e autónoma, dos actos de fixação do VPT, consiste numa faculdade concedida aos sujeitos passivos que não preclude a sindicância das suas ilegalidades no âmbito do acto final do procedimento, isto é, no âmbito da impugnação do acto de liquidação subsequente;

II. O artigo 78.º, n.º 1, da LGT permite a revisão oficiosa do acto de liquidação de IMI no prazo de quatro anos com base em erro na fixação do VPT que seja imputável aos serviços;

III. O artigo 45.º do Código do IMI, na redacção anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, não previa a aplicação na determinação do VPT dos terrenos para construção dos coeficientes de afectação, de localização e/ou de qualidade e conforto previstos no artigo 38.º do Código do IMI.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Vasco Valdez e Magda Feliciano, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

1. A..., S.A., com o número de identificação fiscal..., com sede na ..., ...‐... Porto (“Requerente”), vem, na sequência da formação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que apresentou junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”) em 31 de Agosto de 2021, requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à anulação parcial dos actos tributários de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) n.º 2017 ..., n.º 2018 ..., n.º 2019 ... e n.º 2020 ..., referentes aos períodos de tributação de 2017, 2018, 2019 e 2020 no montante parcial de € 771.341,30.

 

            2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 10 de Janeiro de 2022 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à AT.

 

            3. Em 28 de Fevereiro de 2022 a AT comunicou a revogação parcial dos actos objecto do pedido nos termos do artigo 13.º do RJAT, tendo o Requerente manifestado em 22 de Março de 2022 a manutenção do interesse no prosseguimento da acção.

 

            4. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a)e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

            As partes foram notificadas dessa designação em 2 de Março de 2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

            5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 22 de Março de 2022.

 

            6. O Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, em síntese, tendo em conta os seguintes argumentos:

Como ponto de partida sublinhou o Requerente que, no seu entendimento, o Tribunal Arbitral era competente para apreciar a título imediato pedidos de revisão oficiosa tacitamente indeferidos e, nessa medida, era competente para apreciar a título mediato a legalidade dos actos de liquidação que incidiram sobre o pedido de revisão oficiosa.

Prosseguiu o Requerente por referir que o Código do IMI prevê de forma clara e expressa diferentes métodos de avaliação consoante as espécies de prédios urbanos em questão, não cabendo aplicar a uns prédios regras que apenas se encontravam especificamente previstas para outros. 

Quanto aos terrenos para construção, cujo valor patrimonial tributário (“VPT”) era determinado nos termos do artigo 45.º do Código do IMI, não se previa à data dos factos, segundo o Requerente, a aplicação das regras estabelecidas no artigo 38.º daquele mesmo código para a determinação do VPT dos prédios urbanos habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços. Assim, de acordo com o Requerente, os coeficientes de afectação, de localização, de qualidade e conforto e/ou de vetustez previstos para a avaliação dos prédios urbanos não podiam ser aplicados na fixação do VPT dos terrenos para construção. Na falta de base legal para o efeito, aquela aplicação apenas seria possível através da integração analógica, que é proibida quanto a normas de incidência tributária por força do disposto no n.º 4 do artigo 11.º da LGT.

Entendeu também o Requerente que a aplicação aos terrenos para construção do coeficiente de localização previsto nas regras referentes aos prédios urbanos habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, implicava uma dupla valoração da mesma realidade, porquanto as regras de cálculo do VPT aplicáveis aos terrenos para construção já tinham em conta certas características de localização.

Invocou ainda o Requerente que não fazia sentido aplicar os coeficientes de afectação e de qualidade e conforto na determinação do VPT dos terrenos para construção, não só porque os mesmos não estão previstos no artigo 45.º do Código do IMI mas também porque os mesmos têm subjacente as edificações existentes.

Quantos às normas específicas que regulam o Adicional ao IMI, mencionou o Requerente que nos termos do artigo 135.º‐B do Código do IMI apenas estão sujeitos ao adicional os terrenos para construção, sendo excluídos do seu âmbito de incidência objectiva os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros”. Indicou também o Requerente que segundo o disposto no n.º 1 do artigo 135.º‐G do Código do IMI o Adicional ao IMI é liquidado anualmente com base nos VPT’s dos terrenos para construção determinados pela AT.

Nestes termos, concluiu o Requerente que ao ter sido liquidado o Adicional ao IMI nos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 em montante superior ao legalmente devido, em virtude de erro nos pressupostos de facto e/ou de direito, na determinação do VPT dos terrenos para construção, exclusivamente imputável à AT, deviam os referidos actos de liquidação ser parcialmente anulados.

Por fim, alegou o Requerente que sempre seria inconstitucional, por violação do princípio da legalidade tributária no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º e no n.º 2, do artigo 103.º, ambos da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, quando interpretada no sentido de os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo código serem aplicáveis – por analogia ou outra técnica de interpretação –, na determinação do VPT de terrenos para construção. 

 

            7. A Requerida, tendo sido devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta e junto aos autos o processo administrativo (“PA”) em 6 de Maio de 2022, tendo concluído pela improcedência da presente acção e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido. Em síntese, a sua posição baseou-se nos seguintes argumentos:

            De acordo com a Requerida, o Requerente pretende a anulação dos actos impugnados com fundamento em vícios que não são dos actos de liquidação, mas sim do actos destacáveis que fixaram o VPT, sendo que estes actos não são susceptíveis de ser impugnados no acto de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

            Prosseguiu a Requerida por referir que o diferendo que opõe o Requerente à AT diz respeito à fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção objecto do pedido arbitral, sendo que a AT já acolheu o entendimento dos tribunais superiores no sentido de que na determinação do VPT dos terrenos para construção apenas é aplicável o artigo 45.º do Código do IMI, ou seja, não são aplicáveis os coeficientes de localização, de afectação, de qualidade e conforto previstos no artigo 38.º do Código do IMI.

            De acordo com a Requerida, já foram inclusive anuladas oficiosamente parte das avaliações por despacho da Sra. Subdiretora-Geral dos Impostos para a área do património. Sendo que parte dos prédios objecto de impugnação estão inscritos na matriz predial como prédios em propriedade total, pelo que as avaliações em questão reflectem esse enquadramento, de tal modo que estes imóveis não são terrenos para construção.

            Referiu também a Requerida que por força do disposto no artigo 168.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”), já não podem ser anulados administrativamente os actos de fixação do VPT relativamente aos quais já tenha decorrido mais de 5 anos desde a sua determinação. Assim sendo, não se pode verificar qualquer ilegalidade dos actos impugnados nem qualquer erro por parte dos serviços, pois a AT limitou-se, na perspectiva da Requerida, a dar integral cumprimento ao disposto na lei.

            Segundo a Requerida, o prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável era de 3 anos, nos termos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT e não o prazo de 4 anos previsto n.º 1 daquele artigo para a revisão dos actos de liquidação. Tendo em conta a data de apresentação do pedido de revisão oficiosa das liquidações impugnadas e a data da respectiva avaliação dos terrenos para construção, ou, até mesmo, a data dos actos de liquidação, concluiu a Requerida pela intempestividade do pedido de revisão oficiosa.

            Prosseguiu a Requerida por salientar que o procedimento avaliativo constitui um acto autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral, o que significa que se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido se não for contestado nos termos e prazo fixados para o efeito. Quanto a estes actos o legislador teve em vista alcançar a estabilização e consolidação da matéria tributável em momento anterior ao da efectivação da liquidação, razão pela qual conformou o respectivo regime como uma excepção ao princípio da impugnação unitária. Neste sentido, entendeu a Requerida que os actos de fixação do VPT se consolidaram na ordem jurídica por falta de impugnação do Requerente, não sendo nem legal, nem admissível, a apreciação da legalidade do VPT no âmbito da impugnação do acto de liquidação subsequente.

            Quanto à inconstitucionalidade invocada pelo Requerente, entendeu a Requerida que o foco não devia estar na pretensa violação do princípio da legalidade tributária, mas antes na constitucionalidade do regime da consolidação dos actos administrativos tributários por falta da sua impugnação atempada. Segundo a Requerida, a argumentação do Requerente é que acarretaria uma violação do princípio da igualdade tributária, privilegiando os contribuintes que em tempo não contestaram o VPT face àqueles que o fizeram tempestivamente

            Alegou também a Requerida que o pedido formulado pelo Requerente não estava fundamentado na lei, sendo que o Tribunal Arbitral está obrigado a julgar de acordo com o direito constituído, estando impedido de julgar o processo de acordo com critérios da equidade.

Por fim, referiu a Requerida que a AT está vinculada ao princípio da legalidade previsto nos artigos 266.º da CRP, 55.º da LGT e 3.º do CPA e que não podia deixar de cumprir com as normas vigentes no ordenamento jurídico, pelo que os actos impugnados pelo Requerente não padeciam de quaisquer vícios, não existindo também qualquer erro imputável aos serviços que conferisse o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

            8. Ainda que a Requerida não tenha identificado as excepções dilatórias que invocou e ainda que não tenha peticionado a sua absolvição da instância, a verdade é que não se defendeu apenas por impugnação. Por conseguinte, em 9 de Maio de 2022 foi proferido despacho arbitral no qual se concedeu à Requerente a possibilidade de exercer o contraditório quanto às excepções invocadas pela Requerida. O Requerente exerceu aquele direito em 23 de Maio de 2022, tendo referido, em síntese, o seguinte:

            Começou o Requerente por registar que o pedido arbitral tem como objecto os actos de liquidação do Adicional ao IMI referentes aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, e não os meros actos de fixação do VPT dos terrenos para construção.

            Salientou de seguida o Requerente que não se pode confundir o meio de impugnação do acto de fixação do VPT com o meio de impugnação do acto de liquidação do Adicional ao IMI que lhe é subsequente, já que os pressupostos e os efeitos de cada um deles são distintos. 

            O facto de os actos de fixação do VPT poderem se autónoma e directamente impugnados não prejudica, segundo o Requerente, a possibilidade de contestação dos actos de liquidação de Adicional ao IMI que lhe são posteriores com base em ilegalidades na fixação do VPT.

            Referiu também o Requerente que a impugnação directa e autónoma dos actos de determinação do VPT consiste numa excepção ao princípio da impugnação unitária previsto no artigo 54.º do CPPT que não pretende limitar a impugnação do acto final de liquidação, mas antes aumentar as garantias dos contribuintes em cumprimento do princípio da tutela jurisdicional efectiva.

            A terminar, sublinhou o Requerente que não resulta da lei a pretensa inimpugnabilidade dos actos invocada pela Requerida. Caso contrário nem faria sentido, na perspectiva do Requerente, que a “errónea (…) quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais, e outros factos tributários” seja fundamento de impugnação judicial e de pedido arbitral nos termos do disposto na alínea a), do artigo 99.º do CPPT e da alínea c), do n.º 2, do artigo 10.º do RJAT.

            Salientou ainda o Requerente a existência de jurisprudência que considera que a impugnação autónoma de um acto intermédio ou preparatório como a fixação do VPT não impede o contribuinte de contestar o acto de liquidação de Adicional ao IMI que lhe é subsequente e cuja ilegalidade resulta daquele acto intermédio, independentemente de este ter sido ou não objecto de impugnação contenciosa autónoma.

            Em face do exposto, concluiu o Requerente pela improcedência da excepção de inimpugnabilidade dos actos de liquidação de IMI invocada pela Requerida.

 

9. Por despacho proferido em 6 de Junho de 2022, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT bem como a apresentação de alegações ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais, previstos nos artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT.

 

II. SANEAMENTO

 

            10. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

A matéria de excepção invocada pela Requerida será conhecida a título prévio no âmbito da apreciação da matéria de direito.

 

III. DO MÉRITO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

 

11. Analisada a prova produzida no âmbito do presente Processo Arbitral, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

a)    O Requerente é proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção;

b)    Por referência ao ano de 2017, o Requerente foi notificado do acto de liquidação do Adicional ao IMI com o n.º 2017..., no montante total de € 4.025.291,53;

c)    Por referência ao ano de 2018, o Requerente foi notificado do acto de liquidação do Adicional ao IMI com o n.º 2018..., no montante total de € 4.054.699,52;

d)    Por referência ao ano de 2019, o Requerente foi notificado do acto de liquidação do Adicional ao IMI com o n.º 2019..., no montante total de € 3.580.298,52;

e)    Por referência ao ano de 2020, o Requerente foi notificado do acto de liquidação do Adicional ao IMI com o n.º 2020..., no montante total de € 2.979.749,57;

f)     O VPT de cada um dos terrenos para construção sobre os quais foi liquidado o Adicional ao IMI foi apurado pela AT através da aplicação de uma fórmula de cálculo que teve em consideração coeficientes multiplicadores de localização, de afectação e/ou de qualidade e conforto;

g)    Em 31 de Agosto de 2021, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, o Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa quanto aos actos de liquidação acima mencionados;

h)    No pedido de revisão oficiosa – bem como no presente pedido arbitral – o Requerente invocou a existência de um erro nos pressupostos de facto e de direito no apuramento do VPT dos terrenos para construção objecto dos actos de liquidação ora contestados, que alegadamente resultou no apuramento de uma colecta de Adicional ao IMI indevidamente paga no montante de € 771.341,30;

i)     A AT não decidiu o pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 meses que dispunha para o efeito, tendo-se formado uma presunção de indeferimento tácito;

j)     Em 10 de Janeiro de 2022 o Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem aos presentes autos;

k)    No pedido arbitral o Requerente incluiu como objecto de impugnação os prédios com os artigos U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-..., que estão inscritos na matriz predial como prédios em propriedade total e não como terrenos para construção.

 

III.1.2. Factos não provados 

 

12. Com relevo para a decisão da causa, consideraram-se como não provados os seguintes factos:

a)    Não existem elementos probatórios nos autos que certifiquem que o Requerente procedeu ao integral pagamento dos montantes liquidados a título de Adicional ao IMI objecto do presente processo;

b)    Não existem elementos probatórios nos autos que evidenciem que o Requerente impugnou directa e autonomamente os actos de fixação do VPT de cada um dos terrenos para construção objecto do presente processo.

 

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

13. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Neste sentido, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Considerando as posições assumidas pelas partes nas respectivas peças processuais, o disposto no artigo 110.º, n.ºs 6 e 7, do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

III.2.1. Questões prévias

 

            14.  Enquanto ponto prévio cumpre proceder ao saneamento do processo e conhecer da matéria de excepção invocada pela Requerida. Para o efeito, apreciar-se-á, em primeiro lugar, e de forma conjunta, a alegada consolidação do VPT e a inimpugnabilidade dos actos de liquidação do Adicional ao IMI com fundamento em vícios próprios do acto de fixação do VPT e, em segundo lugar, apreciar-se-á a alegada intempestividade do pedido de revisão oficiosa.

 

15. No que respeita ao primeiro conjunto de excepções invocadas pela Requerida, cabe fundamentalmente aferir se o conhecimento de ilegalidades dos actos de fixação do VPT no âmbito da impugnação dos actos de liquidação subsequentes é ou não impedida pelo princípio da impugnação unitária.

Este princípio está consagrado no artigo 54.º do CPPT e dele resulta que “[s]alvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”.

Portanto, em princípio, apenas será impugnável o acto final do procedimento (o acto de liquidação), no âmbito do qual poderão ser invocados todos os vícios especificamente imputáveis aos actos interlocutórios/intermédios do mesmo.

Porém, prevê-se naquela norma uma excepção ao princípio da impugnação unitária, já que se determina que podem ser directa e autonomamente impugnados os actos interlocutórios/intermédios do procedimento que sejam imediatamente lesivos dos direitos dos contribuintes ou em que essa possibilidade seja expressamente conferida por lei.

Nos termos da citada norma esta é uma faculdade concedida aos contribuintes e não um ónus de impugnação, dado que se determina expressamente que a contestação dos actos interlocutórios/intermédios se processa “sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”.

Ora, o acto de fixação do VPT é um dos actos interlocutórios/intermédios do procedimento a que alude o artigo 54.º do CPPT e que comporta a possibilidade de produzir efeitos lesivos externos e imediatos na esfera dos contribuintes. Isto na medida em que está em causa um acto que irá avaliar os prédios e fixar a base tributável para efeitos de apuramento do imposto a pagar, designadamente do Adicional ao IMI.

Acresce que a impugnação contenciosa directa destes actos está especificamente prevista nos artigos 86.º da LGT e 134.º do CPPT, onde se prevê o seguinte:

Artigo 86.º

Impugnação judicial

1 – A avaliação directa é susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa.”

2 – A impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão.

Artigo 134.º

Objecto da impugnação

1 – Os actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade.

(…) 7 - A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.”.

Ainda que se admita a impugnação contenciosa directa e imediata dos actos de fixação do VPT, a verdade é que a mesma se encontra limitada à anterior utilização dos meios de tutela graciosos previstos no procedimento de avaliação. Por conseguinte, a impugnação judicial daqueles actos apenas será admitida se e na medida em que tenha ocorrido o esgotamento prévio daqueles meios de tutela graciosos, tal como decorre do artigo 97.º, n.º 1, alínea f), do CPPT.

Deste regime consagrado nos artigos 54.º e 134.º ambos do CPPT e do artigo 86.º da LGT que consagra uma excepção à “regra” decorrente do princípio da impugnação unitária não resulta, portanto, uma impossibilidade de impugnação futura dos vícios próprios dos actos de fixação do VPT no âmbito da impugnação dos actos de liquidação de IMI subsequentes. Não só tal norma não encontra previsão legal expressa como, em sentido contrário, se determina na parte final do artigo 54.º do CPPT que tal possibilidade se mantém.

Assim sendo, esta excepção ao princípio da impugnação unitária tem de ser entendida enquanto faculdade ou garantia de tutela adicional antecipada das posições jurídicas dos contribuintes – que pode ou não ser por estes utilizada –, e já não um ónus que preclude o direito de impugnação dos vícios próprios na determinação do VPT no âmbito das liquidações subsequentes.

            A este respeito, entende-se necessário clarificar que o regime de tutela administrativa prévia que resulta dos artigos 86.º, n.º 2, da LGT e 134.º, n.º 7, do CPPT não é extensível à impugnação do acto final do procedimento, mas tão só à impugnação do acto interlocutório/intermédio de fixação do VPT, que é o acto objecto daquelas normas. Quer isto dizer que a obrigatoriedade de utilização prévia dos mecanismos de tutela administrativos limita-se à contestação directa e autónoma do acto de fixação do VPT e já não ao acto de liquidação que lhe é subsequente e relativamente ao qual não resulta da lei qualquer limitação quanto à sua impugnação contenciosa. Quanto a este ponto convém reter que a previsão de limitações ao princípio da impugnação unitária através da imposição de regimes de tutela administrativa prévia e necessária tem de estar expressamente prevista na lei por referência ao conjunto de actos cuja impugnação se pretende limitar, conforme resulta do artigo 185.º do CPA aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c), da LGT. Ao contrário do que sucede com os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta, cuja impugnação contenciosa directa é limitada por via dos artigos 131.º a 133.º-A do CPPT, não resulta da lei semelhante limitação quanto aos actos de liquidação de IMI, precedidos ou não da impugnação dos actos de fixação do VPT. Tudo isto sem contar que o carácter facultativo da impugnação de actos interlocutórios/intermédios do procedimento resulta expressamente do disposto no artigo 51.º, n.º 3, do CPA aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c), da LGT.

            Dito isto, conclui-se que o princípio da impugnação unitária previsto no artigo 54.º da LGT não veda a possibilidade de sindicar eventuais ilegalidades dos actos de fixação do VPT no âmbito da impugnação do acto de liquidação do Adicional ao IMI que lhe é subsequente.

            Caso contrário, seria forçoso concluir que o regime jurídico vigente não reforça as garantias dos contribuintes, bem pelo contrário. Isto na medida em que a pretexto do reforço da tutela jurisdicional efectiva concretizado pela possibilidade de discussão antecipada de ilegalidades de actos interlocutórios/intermédios do procedimento, os contribuintes veriam simultânea e necessariamente diminuídas as possibilidades de contestação dos actos finais de liquidação.

Por um lado, porque o prazo de impugnação do acto de fixação do VPT é substancialmente inferior ao prazo para impugnar o acto final de liquidação. E se o objectivo do legislador era encurtar aquele prazo de forma a consolidar na ordem jurídica o acto de fixação do VPT, tornando-o inimpugnável por via da formação de caso decidido, seria incoerente a previsão no artigo 115.º, do Código do IMI a possibilidade de requerer a revisão oficiosa do acto de liquidação com base em “erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido”, onde se inclui, como se verá, o erro na fixação da base tributável, isto é, na fixação do VPT.

Por outro lado, porque os actos de liquidação de IMI podem ser proferidos com base em actos de fixação do VPT realizados há vários anos e que já não são passíveis de impugnação contenciosa directa e autónoma, pelo que os vícios destes actos interlocutórios/intermédios iriam inquinar os actos de liquidação subsequentes sem que existisse a possibilidade de serem sindicados e sanados da ordem jurídica. Isto sendo certo que os destinatários dos actos de liquidação podem ser contribuintes que nem sequer tiveram a possibilidade de impugnar os actos que determinaram o VPT por não serem à data os proprietários dos prédios urbanos em questão.

Portanto, se a “discussão antecipada da legalidade” do acto interlocutório de fixação do VPT não for entendida como uma faculdade mas antes como um efectivo ónus de impugnação, ao qual está associado um efeito preclusivo da sindicância futura dessas ilegalidades, o legislador não estaria a excepcionar a ratio subjacente à previsão do princípio da impugnação unitária de forma a assegurar e incrementar a tutela jurisdicional efectiva.

            Em sentido semelhante, entendeu o Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 2765/12.8BELRS, em 31 de Outubro de 2019, que:

“[a] fixação do VPT constitui, como se disse, um acto administrativo em matéria tributária, destacável e, por isso, passível de impugnação autónoma. A impugnação autónoma dos actos destacáveis tem como propósito oferecer uma maior garantia aos administrados, permitindo-lhes reagir atempadamente de molde a evitar a produção de efeitos lesivos, que se projectam no acto final do procedimento ou em actos externos a este.

A impugnabilidade autónoma constitui um desvio ao princípio da impugnação unitária (cfr. artigo 54.º do CPPT), que postula que em princípio só é possível impugnar o acto final do procedimento tributário, por só este apresentar efeitos lesivos na esfera jurídica do contribuinte. Este artigo prevê a possibilidade de impugnabilidade autónoma dos actos imediatamente lesivos e a possibilidade de, na impugnação do acto final de liquidação, serem invocados todos os vícios de que padeçam os actos prévios a essa liquidação (actos instrumentais, preparatórios ou prodrómicos dessa decisão final).

Como assim, sendo a fixação do VPT um acto destacável, ele goza de possibilidade de impugnação autónoma, independentemente da existência ou não de liquidação (…)”.

Também neste sentido, referiu o Tribunal Arbitral no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 760/2020-T, em 22 de Julho de 2021, que:

A nosso ver, a questão não é a de saber se a lei configura a fixação do VPT como um ato destacável, prevendo a sua impugnação judicial autónoma – o que é um facto –, mas sim saber se existem razões que obstem a que tal ato, quando surja como instrumental relativamente a um ato de liquidação, possa, também, ser objeto de apreciação em processo dirigido à impugnação desta. Há, pois, que ponderar sobre a ratio das normas que preveem a impugnabilidade judicial autónoma de atos administrativos que constituem pressuposto de outros atos administrativos.

Estas razões serão, essencialmente, três:

(i) O ato ser imediatamente lesivo, produzir diretamente efeitos negativos na esfera do particular, o que não é o caso, pois a ablação do património pela via do imposto só acontece após a prática de um ato de liquidação.

(ii) A sindicância judicial imediata oferecer maiores garantias ao particular: é o caso, desde logo porquanto o decidido em tal recurso produzirá efeitos de caso julgado relativamente a todas as liquidações que tiverem por base o VPT impugnado.

Está, pois, presente uma intencionalidade garantística (consagração de meio de garantia mais abrangente) e não um intuito de restrição dos normais meios de garantia, como resultaria do acolhimento do pensamento sufragado pela Requerida)

(iii) Previsão legal de um “filtro” pré-judicial que possa contribuir para reduzir o número de casos que os tribunais sejam chamados a apreciar, quando a decisão dependa essencialmente de conhecimentos técnicos próprios de outras áreas do saber, que não a jurídica (o “filtro” aqui existe - a segunda avaliação dos prédios urbanos).

Porém, atenta a razão de ser destes sistemas, há que entender que a previsão da impugnabilidade direta e imediata, em processo a tal diretamente dirigido, do «resultado das segundas avaliações», como diz a lei, só se mostra «indispensável» quando esteja em causa o resultado da aplicação da lei (das normas que regulam o procedimento de avaliação) num caso concreto, pois é em tal aplicação que poderão estar envolvidos conhecimentos técnicos, não jurídicos, e não, como acontece no presente caso, quando esteja em causa a determinação da lei aplicável à avaliação. Esta é uma questão exclusivamente jurídica, para a qual, por definição, um tribunal é mais qualificado para a precisar que uma comissão de peritos avaliadores.”.

            Em face do exposto, conclui-se que a Requerente tinha a faculdade – e não o ónus – de impugnar directa e autonomamente os diversos actos de avaliação que fixaram o VPT dos terrenos para construção objecto dos presentes autos, podendo em alternativa impugnar os actos de liquidação do Adicional ao IMI emitidos com base nos VPT’s anteriormente fixados, aí arguindo os vícios próprios destes últimos actos que inquinaram o acto final de liquidação que neles se baseou, razão pela qual se julgam improcedentes as excepções dilatórias invocadas pela Requerida a este propósito.

 

            16. Já no que respeita à intempestividade do pedido de revisão oficiosa, alegou em síntese a Requerida que aquele meio de tutela apenas podia ser impulsionado pelo Requerente nos três anos posteriores ao do acto tributário, nos termos do disposto no n.º 4, do artigo 78.º da LGT, e apenas para impulsionar a revisão de actos de determinação da matéria tributável.

            Ora, a possibilidade de impulsionar a revisão oficiosa de actos de liquidação de IMI e do Adicional ao IMI encontra-se prevista no artigo 115.º do código daquele imposto, que para além de remeter genericamente para o artigo 78.º da LGT, determina expressamente na alínea c) do n.º 1 que a revisão pode ter fundamento em “erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido”.

Assim sendo, e na medida em que se concluiu anteriormente pela possibilidade de sindicar vícios próprios do VPT no âmbito da impugnação do acto de liquidação subsequente, verifica‑se que o Requerente podia, em abstracto, impulsionar a revisão dos actos de liquidação de IMI com fundamento em erro imputável aos serviços, no prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT. 

Registe-se que os erros alegados pelo Requerente – a errónea aplicação de coeficientes multiplicadores de afectação, de localização e/ou de qualidade e conforto nas avaliações do VPT dos terrenos para construção –, são erros que a serem julgados procedentes são unicamente imputáveis aos serviços, já que foi esta quem procedeu ao apuramento do VPT de cada um daqueles prédios urbanos e às subsequentes liquidações do Adicional ao IMI.

Em sentido semelhante, concluiu o Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 2765/12.8BELRS, em 31 de Outubro de 2019, que:

“(…) ciente da natureza agressiva das leis fiscais, que afectam coercivamente o património dos contribuintes, criou válvulas de escape para as situações de ilegalidade, permitindo que a própria Administração reveja as suas decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que porventura tenha cometido.

É o que sucede com o artigo 78.º da LGT, que prevê a possibilidade de revisão dos actos tributários com fundamento em ilegalidade ou erro, mecanismo que se encontra presente na legislação tributária de outros países, como sucede em Espanha com o artigo 219.º da Ley General Tributária.

O artigo 78.º da LGT consagra um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo‑lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respectivos montantes, que não estejam previstos na lei.

Todavia, como já se disse, o artigo 78.º é inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação e qualquer tributo(2). O que não quer dizer que seja de todo imprestável para o caso sub judice, visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida.

Ora, ultrapassada que está actualmente a questão de saber se a iniciativa de revisão pela administração pode ser desencadeada a impulso do interessado, da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços.

O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas.”. (destaque nosso)

            Em face do exposto, resulta dos termos conjugados dos artigos 78.º, n.º 1, da LGT e 129.º, n.º 2, do Código do IMI, que não tinha decorrido o prazo de 4 anos para o Requerente impulsionar a revisão dos actos de liquidação objecto do pedido de revisão oficiosa, pelo que o mesmo foi apresentado dentro do prazo previsto para o efeito. Por conseguinte, quer o pedido de revisão oficiosa quer o pedido arbitral são tempestivos, sendo improcedente a excepção dilatória invocada pela Requerida a este respeito.

 

III.2.3. Aplicação do artigo 38.º do Código do IMI aos terrenos para construção 

 

            17. Aqui chegados, cumpre então apreciar a legalidade dos actos de liquidação do Adicional ao IMI objecto de impugnação, tendo para o efeito em conta que o VPT dos respectivos terrenos para construção foi determinado pela AT através da aplicação de coeficientes de afectação, de localização e/ou de qualidade e conforto, conforme resulta da matéria de facto assente nos presentes autos.

            A fixação do VPT dos prédios urbanos classificados como para “habitação, comércio, indústria e serviços” era feita, à data dos factos, nos termos do artigo 38.º, do Código do IMI no qual se previa o seguinte:

Artigo 38º

Determinação do valor patrimonial tributário

1 – A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:

Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv

em que:

Vt = valor patrimonial tributário;

Vc = valor base dos prédios edificados;

A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;

Ca = coeficiente de afectação;

Cl = coeficiente de localização

Cq = coeficiente de qualidade e conforto;

Cv = coeficiente de vetustez.

2 – O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos apurado é arredondado para a dezena de euros imediatamente superior.

3 – Os prédios comerciais, industriais ou para serviços, para cuja avaliação se revele desadequada a expressão prevista no n.º 1, são avaliados nos termos do n.º 2 do artigo 46.º

4 – A definição das tipologias de prédios aos quais é aplicável o disposto no numero anterior é feita por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sob proposta da Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos.”.

            Por seu turno, VPT dos prédios urbanos classificados como “terrenos para construção” era fixado com base nas regras previstas, à data dos factos, no artigo 45.º, n.º 1, do Código do IMI, no qual se determinava o seguinte: 

Artigo 45.º

Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

1 – O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 – O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 – Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 – O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

5 – Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.”.

            Das normas jurídicas acabadas de citar resulta que a fórmula de cálculo de determinação do VPT era diferente em função do tipo de prédios urbanos em questão. Quanto aos prédios classificados como “terrenos para construção” não se previa na lei que o VPT era fixado com base nos coeficientes de afectação, de localização, de qualidade e conforto e/ou de vetustez previstos para os prédios urbanos classificados como para “habitação, comércio, indústria e serviços”. Tanto assim é que a aplicação de parte daqueles coeficientes aos terrenos para construção apenas foi prevista no artigo 45.º do Código do IMI através da alteração legislativa realizada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro.

            É neste preciso sentido que tem entendido o STA, designadamente no acórdão uniformizador de jurisprudência proferido no âmbito do processo n.º 0183/13, em 21 de Setembro de 2016, no qual se referiu que:

(…) na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados”.

Entendimento este que foi reiterado pela jurisprudência posterior daquele Tribunal, designadamente pelos acórdãos proferidos no âmbito do processo n.º 0165/14.4BEBRG, em 9 de Outubro de 2019, e no âmbito do processo n.º 0170/16.6BELRS, em 23 de Outubro de 2019, onde se decidiu que: 

(…) os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)”.

Mais recentemente, e em idêntico sentido, registou o STA no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0118/09.4BEVIS 01293/17, em 6 de Outubro de 2021, que:

I - O método de determinação do valor patrimonial (VPT) dos terrenos para construção adoptado pelo CIMI, e que constava do art. 45.º, na redacção anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2012), era muito semelhante ao dos edifícios construídos, partindo-se da avaliação das edificações autorizadas ou previstas.

II - No entanto, na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção, era de afastar, para além do mais, a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor já está contemplado na percentagem prevista no n.º 3 do art. 45.º do CIMI.”.

Posição que o STA veio novamente a consolidar no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0653/09.4BELLE, em 23 de Março de 2022, no qual expressou o seguinte:

III - O método de determinação do valor patrimonial (VPT) dos terrenos para construção adoptado pelo CIMI, e que constava do art. 45.º, na redacção anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2012), era muito semelhante ao dos edifícios construídos, partindo-se da avaliação das edificações autorizadas ou previstas.

IV - No entanto, na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção, era de afastar a aplicação dos coeficientes de afectação, de localização e de qualidade e conforto, previstos na fórmula do art. 38.º do CIMI, relacionados com o prédio a construir.

Por fim, salienta-se que foi a própria AT que no artigo 13.º da sua resposta admitiu que:

 “Importa desde já clarificar que a Autoridade Tributária acolheu o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido que na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, pelo que não devem ser considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto.”.

Pelo exposto, julga-se procedente a ilegalidade invocada pelo Requerente no seu pedido arbitral, impondo-se a anulação parcial dos actos de liquidação do Adicional ao IMI relativos aos terrenos para construção impugnados nos presentes autos. 

 

III.2.5. Questões de conhecimento prejudicado

            

            18. Na medida em que os actos de liquidação de IMI ora contestados já foram julgados ilegais, considera-se prejudicado o conhecimento do vício de inconstitucionalidade invocado pelo Requerente, na medida em que esta já obteve a satisfação das suas pretensões, revelando‑se a apreciação de tal vício a prática de um acto inútil no processo, proibida nos termos conjugados dos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

III.2.6. Reembolso do imposto indevidamente liquidado e juros indemnizatórios

 

            19. Na medida em que não resultou provado nos presentes autos o pagamento dos actos de liquidação do Adicional ao IMI contestados pelo Requerente e na medida em que tais actos de liquidação apenas serão anuláveis quanto ao imóveis classificados como terrenos para construção, remete-se para sede de execução de julgado o concreto apuramento do montante de imposto que, na eventualidade de ter sido pago, deverá ser reembolsado ao Requerente.

            

19. Já no que respeita ao direito a juros indemnizatórios, dispõe-se ao que aqui importa no artigo 43.º da LGT que:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

(…)

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.”.

            A respeito da aplicação desta norma aos casos de contestação de actos através do mecanismo da revisão previsto na 2.ª parte, do n.º 1, do artigo 78.º, da LGT, é entendimento do STA que o direito a juros indemnizatórios se processa nos termos da alínea c), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT e já não nos termos mais abrangentes previstos no n.º 1 daquele mesmo artigo.

            Nas palavras do STA, expressas no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 038/19.4BALSB, em 4 de Novembro de 2020, refere-se precisamente que os juros indemnizatórios “são devidos depois de decorrido um ano contado da apresentação do pedido de revisão, por aplicação do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT, e não desde a data do pagamento indevido do imposto, porque o contribuinte poderia ter “obtido anteriormente a anulação do acto”, e ao não fazê-lo “desinteressou-se temporariamente pela recuperação do seu dinheiro”, o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte, suscita a questão da ilegalidade do acto de liquidação imediatamente”.

Assim sendo, tendo em conta que o pedido de revisão foi apresentado pelo Requerente em 31 de Agosto de 2021, apenas seriam devidos juros indemnizatórios a partir de 31 de Agosto de 2021, data posterior à da presente decisão, razão pela qual improcede este concreto pedido formulado pelo Requerente.

            

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente e, em consequência:

a)    Anular parcialmente os actos de liquidação do Adicional ao IMI objecto de impugnação nos termos acima evidenciados;

b)    Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

            

            Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 771.341,30, que não foi contestado pela Requerida.

 

VI. CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 11.016,00, a cargo da Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 9 de Agosto de 2022.

 

 

Os Árbitros,

 

 

Carla Castelo Trindade

(relatora)

 

 

Vasco Valdez

(junta declaração de voto em anexo)

 

 

Magda Feliciano

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

O signatário votou parcialmente vencido a decisão arbitral acima identificada, porquanto, quanto à questão de fundo, me revejo no entendimento de várias decisões arbitrais proferidas, designadamente as constantes, entre outras, dos processos nº’s 254/2021-T, 487/2020-T (tribunais coletivos presididos pelo Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa) e 465/2021-T (idem, presidido pela Senhora Professora Regina Monteiro, tendo sido relator o Dr. Silvério Mateus).

Em síntese, o entendimento dado nos referidos processos no que concerne à problemática em apreço e que o signatário acolhe por inteiro, é o de que, após a primeira avaliação, o sujeito passivo deveria ter requerido uma segunda avaliação do prédio urbano (no caso dos terrenos para construção), ao abrigo do artigo 76º do CIMI, em ordem a poder impugnar seguidamente o VPT que resultasse dessa segunda avaliação, mormente ao abrigo do artigo 77º do CIMI e demais legislação aplicável, designadamente o artigo 134º do CPPT.

Não tendo sido o ato de avaliação autonomamente impugnado, não será já possível atacar as liquidações feitas com base nesse mesmo VPT, ainda que tal avaliação seja ilegal por ter considerado que aos terrenos para construção eram de aplicar diversos coeficientes da fórmula do artigo 38º do CIMI, o que não fazia sentido e foi muito bem salientado na presente decisão arbitral, pelo que me escuso de repetir a argumentação constante da mesma. Aliás, a AT deixou de utilizar tais critérios, na sequência do acórdão do STA de 07-10-2009 (processo 0476/09), mas a verdade é que não reviu retroativamente o VPT aplicável aos mencionados terrenos por entender que a situação se havia consolidado na ordem jurídica atendendo a que haviam passado mais de 5 anos que é prazo para revisão desses atos previstos no artigo 168º, nº 1 do CPA.

 

Ora, a nosso ver, face aos argumentos anteriormente expendidos, entendemos que é legítimo ao sujeito passivo lançar mão do mecanismo previsto no artigo 78º da LGT, em particular nos nº’4 e 5 do mesmo, porque estamos perante uma injustiça grave e notória operada na esfera daquele e tal pode ser requerido pelo mesmo no prazo de 3 anos posteriores ao do ato tributário que, como bem salienta se salienta na decisão arbitral relativa ao processo nº 487/2020-T, termina a 31 de dezembro de do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o ato tributário.

Assim sendo, somente a liquidação de AIMI relativa ao ano de 2017, de acordo com o ponto de vista que defendo, não seria suscetível de ser anulada com fundamento em injustiça grave e notória.

Lisboa, 9 de agosto de 2022

Vasco Valdez