SUMÁRIO
I – Os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma.
II – As liquidações de IMI não podem ter como fundamento de impugnação alegados vícios ocorridos na fixação do VPT, quando este ato de fixação do valor patrimonial tributável constitua caso decidido, por não ter sido atempadamente impugnado, o que tem como consequência que não podem ser invocados em sede de impugnação de atos de liquidação de IMI que se sucedam ao longo do tempo.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
1. No dia 19/11/2021, A..., LDA, doravante designada por «Requerente», pessoa coletiva número ..., com sede no ..., ..., ...-... ..., Portimão, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), com as alterações subsequentes, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, e do disposto no artigo 99º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), para impugnação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão do ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), apresentado em 22 de abril de 2021.
2. Está em causa está o pedido formulado pela Requerente que peticiona a anulação da liquidação de IMI, referente ao ano de 2017, identificado sob o n.º 2017..., e a devolução do imposto pago em excesso, que quantifica no valor €8.157,46 (oito mil, cento e cinquenta e sete euros e quarenta e seis cêntimos), acrescido dos juros indemnizatórios à taxa legal, devidos desde a data do pagamento até à efetiva restituição.
3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado em 19/11/2021, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD no dia 22/11/2021 e, automaticamente, notificado à AT. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, no dia 10/01/2022, designou a ora signatária como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. As partes foram notificadas dessa designação, que aceitaram. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 28/01/2022. Em 12/02/2022 foi proferido despacho arbitral, notificado à Requerida, para apresentar a sua resposta, nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT. A AT apresentou a sua resposta em 16/03/2022 e em 17/03/2022 requereu a junção aos autos do respetivo processo administrativo (PA).
5. Em 21/03/2022 o tribunal arbitral, considerando que a matéria a decidir se afigura como exclusivamente de Direito, proferiu despacho arbitral e notificou o Requerente para vir aos autos pronunciar-se sobre se pretendia manter a produção de prova testemunhal indicada (uma testemunha) e, nesse caso, indicar qual a matéria de facto a inquirir. Por requerimento junto aos autos em 29/03/2022 a Requerente pronunciou-se declarando que prescindia da inquirição da testemunha indicada porquanto a matéria controvertida é matéria de Direito, uma vez que a AT na sua resposta não questionou os factos, mas somente a interpretação do Direito aplicável.
6. Nesta conformidade, em 28/04/2022, o tribunal arbitral proferiu despacho arbitral e dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, fixou o prazo igual e sucessivo de vinte dias para as partes produzirem alegações escritas e para a Requerente se pronunciar sobre a matéria de exceção invocada pela AT. No mesmo despacho foi fixado como data provável para a prolação da decisão arbitral, previsivelmente, dentro do prazo previsto no artigo 21º, nº1 do RJAT, ou seja, até 29/07/2022.
7. A AT não juntou alegações e a Requerente veio apresentar as suas alegações em 19-05-2022.
8. Em 27-07-2022, considerando que a decisão arbitral se encontrava em preparação, mas ainda não concluída e não ser previsível que a mesma fosse finalizada até 29-07-2022, foi proferido despacho arbitral, nos termos e para os efeitos do art.º 21.º/2 do RJAT, o qual prorrogou por dois meses o prazo para emissão e notificação da decisão arbitral. A data limite para a prolação da decisão passou, assim, para 29-09-2022, não obstante a decisão arbitral ser proferida e notificada às partes antes de decorrido este prazo.
II – SANEAMENTO
9. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
10. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4º e 10º nº 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.
11. O processo não enferma de nulidades.
III - QUESTÕES A DECIDIR
12. Considerando que as questões a decidir são as que resultam do pedido arbitral tal como foi formulado pela Requerente e as eventuais exceções invocadas pela Requerida, resultam as seguintes questões a decidir:
1ª - A questão da extemporaneidade do pedido de revisão oficiosa da liquidação de IMI;
2ª - A questão da (i)legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão e da liquidação subjacente, a qual pressupõe decidir se eventuais vícios próprios e exclusivos do ato de fixação do valor patrimonial tributário (VPT) são suscetíveis de ser impugnados através da impugnação do ato de indeferimento tácito do ato de liquidação de IMI, praticado com base no referido VPT; e, ainda, relacionada com esta questão, decidir se a AT estava ou não obrigada a conhecer e rever o ato tributário nos termos em que tal pedido lhe foi dirigido.
13. Para a decisão das questões enunciadas cumpre apreciar, previamente, sobre a matéria de facto, porquanto, o conhecimento das questões elencadas pressupõe fixar previamente os factos provados e a referência temporal em que os mesmos ocorreram. Em conformidade se prosseguirá para a decisão da matéria de direito cuja apreciação foi suscitada neste pedido arbitral.
IV – DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A) FACTOS PROVADOS:
14. Como matéria de facto relevante, o Tribunal arbitral dá por provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade comercial, de direito português, com sede e direção efetiva no ..., ..., em ..., concelho de Portimão, em Portugal (facto provado pelo teor dos doc. 1 e 2 juntos em anexo ao pedido arbitral, bem assim como de todos os documentos constantes do processo administrativo junto pela AT);
b) A Requerente é proprietária de um terreno para construção urbana, o qual se encontra inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., Portimão, sob o número U ..., da Freguesia de ... (facto provado com base no pedido de revisão oficiosa – PRO junto como doc. 1 em anexo ao pedido arbitral);
c) Este prédio foi avaliado, no ano de 2012, tendo sido fixado um VPT de €3.581.950,00 (facto provado com base no PRO e Ficha de avaliação nº..., ambos juntos como, respetivamente, doc. 1 e doc. 2 em anexo ao pedido arbitral);
d) O ato de fixação do VPT, emitido em 2012, não foi reclamado nem impugnado pela Requerente (facto que resulta confessado com base no teor do pedido arbitral e da resposta da AT);
e) A Requerente recebeu, em 2018, a nota de liquidação de IMI referente ao ano de 2017, a qual definia uma coleta total de imposto a liquidar no montante de Euro 16.481,45 (facto que resulta provado pelo doc. 2 junto em anexo ao pedido arbitral);
f) A Requerente apresentou, em 22-04-2021, o pedido de revisão da liquidação de IMI do ano de 2017, e fundamentou tal pedido na circunstância de ter realizado uma análise interna e ter verificado que a AT utilizou, no que respeita ao seu terreno para construção, um valor patrimonial tributário (VPT) determinado de acordo com aplicação de critérios de avaliação indevidos, doas quais resultou um VPT consideravelmente superior àquele que, legalmente, deveria ter considerado se fosse aplicada a norma do artigo 45º do CIMI (cfr. pedido de revisão oficiosa – PRO junto como doc. 1 em anexo ao pedido arbitral);
g) A Requerente pagou o valor do IMI constante da liquidação ((cfr. pedido de revisão oficiosa – PRO junto como doc. 1 em anexo ao pedido arbitral, igualmente admitido pela AT);
h) A emissão da liquidação de IMI do ano de 2017 foi emitida em conformidade com o VPT determinado em 2012, com base na aplicação do n.º 1 do artigo 38.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), na sua redação à data dos factos, conforme resulta da tabela seguinte:
(cfr. pedido de revisão oficiosa – PRO junto como doc. 1 em anexo ao pedido arbitral e constante do processo administrativo junto pela AT);
i) A Requerente não deduziu pedido de segunda avaliação, nem impugnou o ato de fixação do VPT proferido em 2012 (facto que resulta do teor do pedido de revisão oficiosa – PRO junto como doc. 1 em anexo ao pedido arbitral bem como do processo administrativo junto aos autos pela AT);
j) Em 2020 a Requerente solicitou a reavaliação do prédio, a qual ficou concluída em 30-12-2020, com efeitos a partir de 02-01-2021, a qual fixou o VPT em €1.845.070,00, conforme Ficha de Avaliação nº ..., junta ao processo administrativo pela AT;
k) Em 2021 a Requerente apercebe-se da ilegalidade do ato praticado na fixação do VPT e do excesso de valor de IMI daí decorrente, o que levou a pedir a revisão do ato, em 22-04-2021 (facto provado pelo teor do pedido de revisão oficiosa – PRO junto como doc. 1 em anexo ao pedido arbitral);
l) Em 22-08-2021 produziu-se o indeferimento tácito deste pedido de revisão, por não ter sido proferida decisão expressa pela AT (facto provado pelo comprovativo do registo CTT do PRO junto em anexo ao pedido arbitral);
m) Em 19-11-2021 a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.
B) FACTOS NÃO PROVADOS
15. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
C) FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
16. Todos os factos descritos nas alíneas a) a l) do probatório, foram considerados provados com base na prova documental junta pela Requerente em anexo ao pedido arbitral e confirmada pelo teor do processo administrativo junto aos autos pela AT, como consta devidamente referenciado no descritivo da matéria assente. Acresce que, no caso, não existe qualquer outra divergência entre as partes quanto aos factos, mas apenas quanto à questão de direito. Pelo que, os factos provados resultam também do reconhecimento da sua veracidade, considerando a posição assumida pelas partes nos respetivos articulados. O facto constante da alínea m) resulta da informação constante do SGP do CAAD.
17. Importa, ainda, referir que o Tribunal não tem de se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). No presente caso a matéria de facto é de extrema simplicidade e, na verdade, não se afigura controvertida.
V - DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO
Questões a decidir suscitadas pelas partes:
18. Para a determinação das questões a decidir por este tribunal arbitral importa revisitar, sucintamente, a posição das partes vertidas no pedido arbitral e na resposta.
Em síntese, a posição das partes em confronto, configura-se nos seguintes termos:
a) Como fundamento do pedido arbitral, alega a Requerente que a AT estava constituída no dever legal de decidir o pedido de revisão oficiosa da liquidação de IMI do ano de 2017, apresentado em 22-04-2021, com referência ao prédio descrito nos presentes autos. Alega que, só em 2021 se apercebeu do erro de determinação da matéria tributável, resultante da avaliação realizada em 2012. Admite que, que só em 2021 de apercebeu que o VPT constante da matriz predial urbana fora determinado com erro na aplicação do normativo legal adequado, tendo a AT fixado aquele VPT por aplicação do artigo 38º do CIMI e não do artigo 45º do mesmo Código. Do ponto de vista da Requerente o vício de ilegalidade ocorrido na determinação do VPT, através da avaliação ocorrida em 2012, inquina de ilegalidade a liquidação de IMI relativa ao ano de 2017, pelo que a AT devia ter conhecido do pedido de revisão da liquidação e corrigido o valor de imposto liquidado e cobrado à Requerente. Invoca jurisprudência dos Tribunais administrativos e arbitrais em defesa da sua posição, concluindo pela procedência do pedido arbitral, com a devolução do valor de imposto pago em excesso, acrescido de juros compensatórios.
b) Por sua vez, a Requerida AT alega que «o prazo para requerer a revisão do ato tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do ato tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária.» Desenvolve um conjunto de argumentos para demonstração da extemporaneidade do pedido de revisão oficiosa da liquidação de IMI de 2017, impugnada nos autos. Em síntese, com toda a argumentação aduzida na sua resposta a Requerida pretende demonstrar a caducidade do direito de impugnação, pelo que o pedido arbitral formulado pela Requerente deve ser considerado totalmente improcedente com a absolvição do pedido. Alega, ainda, que mesmo que outro seja o entendimento do tribunal arbitral, quanto à tempestividade do pedido de revisão oficiosa, sobre o qual se produziu o ato de indeferimento tácito que serve de base ao pedido arbitral, sempre este terá de improceder, porquanto não há erro ou vício imputado à liquidação de IMI. Na verdade, a Requerente sustenta o pedido arbitral, tal como sustentou o pedido de revisão oficiosa da liquidação de IMI de 2017, em alegado erro e ilegalidade quanto à determinação do VPT do prédio descrito nos autos, ocorrida em avaliação realizada em 2012, contra a qual a Requerente não requereu segunda avaliação, não reclamou nem impugnou a decisão que então fixou o VPT, pelo que se conformou com tal decisão, a qual se consolidou no tempo. Assim, no entendimento da AT, o pedido de revisão da liquidação de IMI referente ao ano de 2017 com o fundamento em ilegalidade ocorrida na fixação do VPT (segundo a avaliação de 2012, é extemporâneo e impõe que o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente e, consequentemente, absolvida a requerida de todos os pedidos formulados.
19. Do que vem exposto, resulta que este tribunal arbitral tem de decidir duas questões essenciais:
1ª - A questão da extemporaneidade do pedido de revisão oficiosa da liquidação de IMI por força da alegada extemporaneidade do pedido que tem por base a fixação do VPT, por ato de avaliação direta de 2012, já consolidado na ordem jurídica, ou seja, a extemporaneidade do pedido de revisão e caducidade do direito de ação;
2ª - A questão da (i)legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão e da liquidação subjacente, a qual pressupõe decidir se eventuais vícios próprios e exclusivos do ato de fixação do valor patrimonial tributário (VPT) são suscetíveis de ser impugnados através da impugnação do ato de indeferimento tácito do ato de liquidação de IMI, praticado com base no referido VPT; e, ainda, relacionada com esta questão, decidir se a AT estava ou não obrigada a conhecer e rever o ato tributário nos termos em que tal pedido lhe foi dirigido.
Dependendo da resposta à primeira questão, se avaliará a necessidade de decidir a segunda, dado que entre ambas existe obvia relação de prejudicialidade.
Vejamos, pois, se assiste razão à Requerente ou à AT no que se refere à eventual caducidade do direito da Requerente.
Cumpre decidir.
A) Quanto à questão da intempestividade do pedido de revisão oficiosa e eventual caducidade do direito de ação:
20. Conforme resulta do teor do Pedido Arbitral, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa, no dia 22-04-2021, a qual teve como objeto a liquidação de IMI referente ao ano de 2017, cobrada em 2018. Considerando que a AT não proferiu decisão expressa nos quatro meses seguintes, o indeferimento tácito ocorreu em 22-08-2022 e a Requerente deduziu pedido arbitral a 19-11-2022, no qual vem impugnar este ato de indeferimento tácito e, a partir deste, o ato de liquidação de IMI de 2017.
21. Com relevância para a decisão desta primeira questão há que atender ao disposto no artigo 106º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), aplicável ex vi alínea d) do artigo 2º do CPPT, o qual dispõe que «a reclamação graciosa presume-se indeferida para efeito de impugnação judicial após o termo do prazo legal de decisão pelo órgão competente.» Por sua vez, cabe ao artigo 57º da Lei Geral Tributária (LGT) definir o prazo, que é de quatro meses, para se presumir o indeferimento tácito, condição que visa permitir ao sujeito passivo aceder à via impugnatória para defesa dos seus direitos e garantias, em cumprimento do princípio da tutela jurisdicional efetiva.
22. Por último, é hoje pacífico (e nem sequer é questão controvertida nos presentes autos) que o processo arbitral é uma alternativa ao processo de impugnação.
Nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, do RJAT «o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado: a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico.»
Como se vê, esta norma prevê, por remissão para o artigo 102.º do CPPT, vários termos iniciais do prazo de apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral.
Por sua vez, na alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, prevê-se como termo inicial desse prazo a «formação da presunção de indeferimento tácito».
No caso em apreço, está a ser impugnada uma liquidação de IMI de 2017, na sequência de indeferimento tácito que se formou sobre o pedido de revisão desta mesma liquidação, apresentado em 22-04-2021. Logo, é a partir do momento em que se forma esse indeferimento tácito que se conta o prazo para apresentação de pedido de constituição do tribunal arbitral.
Assim sendo, e retornando ao caso dos autos, ficou provado que o pedido de revisão oficiosa da liquidação de IMI ocorreu em 22-04-2021, pelo que o indeferimento tácito ocorreu em 22-08-2021, prazo a partir do qual a Requerente dispõe de 90 dias para deduzir impugnação ou pedido arbitral. Em conformidade, exclusivamente, com o que vem exposto e sabendo que a Requerente apresentou o pedido arbitral em 19-11-2021, conclui-se que este prazo foi observado e que o pedido arbitral é tempestivo.
Tal conclusão constitui o tribunal na obrigação de avançar para o conhecimento das questões seguintes.
23. Acresce que, em relação a esta questão, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem vindo a considerar que o direito de impugnar caduca quando, optando-se por reclamar graciosamente, a impugnação é interposta, no órgão competente, para além do prazo de 90 dias, contados a partir da formação da presunção de indeferimento tácito, o que foi manifestamente não foi o caso, considerando que o pedido arbitral deu entrada no sistema de gestão processual do CAAD a 19-11-2021, logo, ainda dentro do prazo dos 90 dias.
É este, aliás, o entendimento que tem vindo a ser seguido pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores e arbitrais, como bem refere a Requerente no seu pedido arbitral. Assim, entende-se que «no caso de impugnação administrativa directa de um acto de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do acto de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido por ter sido dada resposta negativa a todas as questões de legalidade colocadas pelo Sujeito Passivo. Por isso, presume-se o indeferimento tácito de meio de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objecto directo acto de liquidação se baseia em razões substantivas e não por razões formais”.[1]
Em suma, nos casos de indeferimento tácito, não há apreciação expressa da legalidade da liquidação, pelo que o legislador estabeleceu uma presunção, ou uma ficção, destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objeto o próprio ato de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado.
Ora, resulta expressamente da letra da lei, que «nos termos das alíneas d) e para) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, o meio adequado para reagir contra o indeferimento tácito, como é o caso, é a impugnação judicial de que é meio alternativo o processo arbitral.”[2]
À luz do que vem exposto o pedido arbitral é tempestivo.
Questão diferente deste é a de saber se o direito de impugnação já havia caducado, uma vez que o pedido arbitral, no caso dos presentes autos, visa a impugnação de uma liquidação de imposto com fundamento na ilegalidade de um ato de fixação de matéria coletável anterior (VPT). Esta questão exige uma análise mais profunda, uma vez que os atos de fixação de matéria coletável, são suscetíveis de impugnação autónoma, pelo que, importa saber se este ato já se consolidara ou não na ordem jurídica, sob pena sob pena de desvirtuar o sistema legal em vigor.
24. A questão que a AT coloca apresenta, pois, contornos mais complexos, porquanto, verdadeiramente, alega que o direito de ação caducou, considerando que o pedido de revisão dirigido contra a liquidação de IMI visa, outrossim, provocar a revisão do VPT fixado em 2012, já que não é imputado à liquidação, em si mesma, qualquer vício, mas apenas a ilegalidade decorrente da fixação do VPT, ocorrida em 2012.
Dito de outro modo, não obstante o pedido arbitral ter observado o prazo de apresentação em juízo, a questão essencial é saber se o direito de impugnar a liquidação em causa havia caducado ou não, uma vez que a AT veio alegar «que a apresentação do pedido de revisão da liquidação de imposto foi extemporânea, por ter sido apresentado para além dos prazos previstos no artigo 78º da LGT, aplicáveis ao caso concreto». Na verdade, a alegação da AT a proceder conduziria à exceção da caducidade do direito de ação, à qual a Requerente respondeu nas alegações apresentadas nos autos. Importa, pois, decidir esta questão.
Ora, dispõe o artigo 78º da LGT:
«Artigo 78.º
Revisão dos actos tributários
1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2 - (Revogado).
3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.
6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.
7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.»
A análise no dispositivo do artigo 78º da LGT, permite concluir que este estabelece diversos prazos e situações que permitem requerer a revisão de atos tributários. Das várias situações de revisão oficiosa previstas no artigo 78.º da LGT, as referidas nos n.ºs 1, 3 e 6 reportam-se a atos de liquidação (como se infere do termo inicial do prazo de quatro anos previsto no n.º 1). Já as situações previstas nos nºs 4 e 5 deste artigo, reportam-se a atos de fixação da matéria coletável, a qual tem de ser requerida nos 3 anos posteriores àquele em que ocorreu. Ou seja, no caso em apreço o ato de fixação do VPT ocorreu em 2012, pelo que a Requerente beneficiou da possibilidade de requerer a sua revisão nos três anos seguintes, até 2015 inclusive.
Tendo em conta a data de apresentação do pedido de revisão oficiosa da liquidação de IMI de 2017, impugnada com fundamento no vício de ilegalidade do ato de fixação do VPT de 2012, conclui-se que ao tempo do pedido de revisão oficiosa (apresentado em 2021) o direito de impugnação do ato de fixação da matéria tributável (VPT) já havia caducado.
B) Chegados aqui impõe-se responder à segunda questão a decidir, ou seja, à questão da (i)legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão e da liquidação subjacente
25. A segunda questão a decidir é a de saber se os vícios próprios e exclusivos do ato de fixação do valor patrimonial tributário (VPT) são suscetíveis de ser impugnados através da impugnação do ato de indeferimento tácito do ato de liquidação de IMI, praticado com base no referido VPT. Ainda, relacionada com esta questão, coloca-se a questão de saber se a AT estava ou não obrigada a conhecer e rever o ato tributário nos termos em que tal pedido lhe foi dirigido.
Podemos dizer que, considerando a resposta à questão anterior, esta segunda ficaria prejudicada, porquanto, mesmo que se considere possível que os vícios próprios e exclusivos do ato de fixação do valor patrimonial tributário (VPT) pudessem de ser impugnados através da impugnação do ato de indeferimento tácito do ato de liquidação de IMI, sempre se diria que a Requerente estava obrigada a agir dentro do prazo previsto no nº4 do artigo 78º, o que, como vimos não sucedeu. Mas impõe-se, ainda assim, tecer alguns considerandos sobre esta matéria, os quais vão reforçar a fundamentação da resposta dada à questão anterior.
26. A questão de fundo essencial em discussão nos autos é a de saber se é fundamento admissível para o pedido de revisão de uma liquidação de IMI a invocação de fundamentos de ilegalidade reportados, não à própria liquidação em si, mas antes ao ato anterior de avaliação e fixação do VPT do prédio objeto de tributação.
Como já vimos e liquidação de IMI impugnada respeita ao ano de 2017, e foi cobrada em 2018 tendo como referencial um VPT determinado por avaliação ocorrida em 2012. Da decisão que fixou este VPT em 2012 a Requerente não apresentou reclamação ou pedido de segunda avaliação, pelo que a mesma se consolidou na ordem jurídica. Só em 2020 veio a Requerente solicitar nova avaliação do prédio identificado nos autos, tendo o VPT sido alterado, efetivamente, por aplicação da norma do artigo 45º do CIMI, o que equivale a reconhecer que a avaliação anterior, realizada com base na aplicação dos critérios previstos na norma do artigo 38º do CIMI, padecia de ilegalidade. Quanto a este ponto, a própria AT o afirma na sua resposta, dizendo que pela avaliação realizada em 2020 a AT procedeu em conformidade com o entendimento entretanto estabelecido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a qual firmou o entendimento que a avaliação dos terrenos para construção deve obedecer à norma do artigo 45º do CIMI.
27. Ora, as evidências factuais mostram que a Requerente veio impugnar um ato de liquidação de IMI com fundamento em erro imputável ao ato de fixação do VPT do prédio sobre que incidiu o imposto, contra o qual não reagiu nos prazos e pelos meios legalmente previstos. Como a própria Requerente admite, «no âmbito de uma revisão interna às liquidações do IMI que recebeu em anos anteriores, designadamente a liquidação de IMI do ano de 2017, a Requerente verificou que, a mesma enferma de ilegalidade, na medida em que, a mesma estipulou um valor a pagar consideravelmente superior àquele que seria exigido, caso as normas tributárias tivessem sido corretamente aplicadas».
Será admissível a possibilidade de impugnar uma liquidação de IMI com fundamento em vício de ilegalidade ocorrida no ato de fixação do VPT, contra o qual não reagiu no tempo próprio?
Alega a Requerente que essa possibilidade está subjacente ao dispositivo legal do artigo 78º da LGT e defende que «os vícios de actos de avaliação de valores patrimoniais podem ser invocados em impugnação de actos de liquidação de IMI que os têm como pressupostos.»
Já a AT defende que nos presentes autos, a Requerente não imputa ao ato sindicado qualquer vicio específico da liquidação de IMI, questionando, apenas, o VPT, enquanto ato destacável, para efeitos de impugnação contenciosa, do procedimento de liquidação de IMI. Entende, ainda, que nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 15º do CIMI que nos prédios urbanos, como são os terrenos para construção, avaliação é direta, e o n.º1, do artigo 86º da LGT refere que a avaliação direta é suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa direta.
Na verdade, assim é.
O ato de avaliação direta, que em 2012 fixou o VPT do prédio descrito nos autos, é um ato destacável, suscetível de impugnação direta. Nos termos do disposto no artigo 134.º do CPPT, os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade.[3]
Nessa medida, a atribuição da natureza de ato destacável ao ato de fixação de matéria coletável, tem como objetivo autonomizar os vícios deste ato para efeitos de impugnação contenciosa, pelo que, não é facilmente alcançável que, não tendo este ato de fixação do VPT sido impugnado no prazo legalmente previsto, possa vir a ser posto em causa a todo o tempo através da impugnação das liquidações de imposto a que vai dar lugar, ao longo dos anos.
28. É notório que a Requerente não veio sequer requerer a revisão do ato de fixação da matéria coletável, por terem já decorrido mais de três anos sobre a fixação do VPT e porque, de algum modo, ocorreu negligência do contribuinte por não ter impugnado em tempo esse ato. Por isso, optou pela revisão da liquidação do IMI, a qual em si mesma não padece de qualquer vício.
Ora, a Requerente alega que há sempre a possibilidade de correção do ato de fixação do VPT na impugnação do ato de liquidação de IMI, uma vez que este tem como pressuposto o valor fixado na avaliação. As partes invocam, ainda, diversa jurisprudência em suporte das suas teses. Certo é que, este tribunal tem de decidir em função dos factos provados nos presentes autos, em conformidade com as regras do imposto em presença e, por fim, tendo em conta o direito positivado, não estando habilitado a decidir por recurso à equidade.
Considerando os factos provados nos autos, afigura-se correto o entendimento da AT. Na verdade, resulta expressamente do disposto no artigo 15.º do CIMI que a avaliação dos prédios urbanos é direta e, por isso, ela é «susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa», como igualmente resulta do disposto no artigo 86.º, n.º 1, da LGT. Mas, acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, que «a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão». Este nº 2 é particularmente relevante para a decisão da questão que agora nos ocupa, porquanto, dele resulta que a reclamação e pedido de 2ª avaliação é um meio gracioso obrigatório para a permissão da posterior impugnação do VPT fixado. Aliás, da análise do disposto no artigo 134º do CPPT resulta quais os termos a observar para a impugnação da avaliação direta de valores patrimoniais, a saber:
«1 - Os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade»;
(…)
7. A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação».
Ora, o legislador foi claro quando no n.º 1 do artigo 134.º, estabeleceu um prazo de três meses para impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais e no n.º 7 do mesmo artigo, bem assim como ao exigir o esgotamento dos meios graciosos. Desta forma, o legislador afastou qualquer outra possibilidade de impugnação, nomeadamente, por via indireta através da impugnação de atos de liquidação que a tenham como pressuposto.
29. Retornando ao caso dos autos, verifica-se que a via que a Requerente encontrou para impugnar (indiretamente) o ato de fixação do VPT foi através do pedido de revisão da liquidação de IMI do ano de 2017, vindo a impugnar a decisão de indeferimento tácito desse pedido de revisão. Porém, sem observância do prazo de impugnação do referido produzido em 2012 e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação. Tal afigura-se inaceitável e diferente entendimento resultaria na violação do regime legal, especial, vertido no CIMI a este propósito.
Na verdade, no âmbito do IMI, sempre que o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, deve requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI).
A este propósito recorda-se o entendimento vertido na decisão arbitral proferida no processo nº 540/2020-T, de 30-04-2021, à qual se adere na íntegra:
«Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI). Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos. Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.
Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI). A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos seguinte acórdãos: de 30-06-1999, processo n.º 023160 ( 6 ): – de 02-04-2003, processo n.º 02007/02; – de 06-02-2011, processo n.º 037/11; – de 19-09-2012, processo n.º 0659/12 ( 7 ) – de 5-2-2015, processo n.º 08/13; – de 13-7-2016, processo n.º 0173/16;: – de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.
Pelo exposto, os alegados vícios dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação da liquidação de IMI, pelo que improcede necessariamente pedido de pronúncia arbitral.
Os princípios constitucionais invocados pela Requerente, designadamente os princípios da justiça, da proporcionalidade, da imparcialidade e da boa-fé da igualdade e da legalidade, não contendem com tal regime de impugnação autónoma dos actos de avaliação de valores patrimoniais. Na verdade, este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (…)
Na verdade, em sede de IMI, a lei prevê um procedimento de determinação da matéria tributável – a avaliação do prédio (art. 14.º do CIMI) – que termina com o acto de fixação do VPT que serve de base à liquidação do imposto. Este acto, como é sabido, é um acto destacável para efeitos de impugnação contenciosa, pelo que é autonomamente impugnável, numa excepção ao princípio da impugnação unitária que, em regra, vigora no processo tributário (cfr. art. 134.º do CPPT) e que se encontra «em sintonia com o preceituado no art. 86.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que os actos da avaliação directa são directamente impugnáveis» (...)
Por outro lado, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária. O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT). Para além disso, neste caso, a pretensão da Requerente reconduz-se a impugnar, em 2020, actos de avaliação praticados até 2015, muito depois do prazo legal de impugnação de três meses e mesmo depois do decurso do prazo de três anos em que a lei admite a revisão oficiosa de actos de fixação da matéria tributável, com fundamento em injustiça grave ou notória (artigo 78.º, n.º 4 da LGT). Num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), estando os tribunais arbitrais obrigados a decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio eventualmente adoptaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador. Por isso, a liquidação de IMI não pode ser anulada com fundamento nos alegados erros nas avaliações dos prédios…»
30. Chegados aqui, e sem necessidade de maiores explanações, forçoso é concluir que no caso dos presentes autos a pretensão da Requerente, verdadeiramente, pretende impugnar, em 2021, um ato de fixação do VPT praticado em 2012, muito depois do prazo legal de impugnação de três meses e mesmo depois do decurso do prazo de três anos em que a lei admite a revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, com fundamento em injustiça grave ou notória (artigo 78.º, n.º 4 da LGT).
Pelo que, o pedido de revisão dirigido pela Requerente quanto à liquidação de IMI de 2017, não se fundamenta em qualquer vício intrínseco a esta liquidação, mas antes em vício de um ato de fixação de matéria coletável há muito consolidado na ordem jurídica.
O ato que fixou o VPT do prédio identificado nos presentes autos, em vigor no período correspondente à tributação que deu origem à liquidação impugnada (2017), há muito se encontra consolidado na ordem jurídica, pelo que o pedido arbitral tem de improceder.
31. Sendo assim, não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação.
Acrescente-se, por último, que a Requerida AT não estava sequer habilitada a rever o ato de fixação do VPT, também por força do disposto no artigo 168.º do CPA, aplicável ex vi artigo 2º do CPPT, a cujo cumprimento está a Autoridade Tributária legalmente obrigada e vinculada. Nos termos constantes deste artigo os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro, em qualquer dos casos desde que não tenham decorrido cinco anos, a contar da respetiva emissão.”
Decorre do texto da lei que apenas são passíveis de anulação os atos de fixação dos VPT que contrariam o recente entendimento jurisprudencial nos casos em que não tenha decorrido cinco anos desde a respetiva emissão. Pelo que, também por esta razão, diga-se, a AT já não estava obrigada a anular qualquer ato de fixação de matéria coletável subjacente ao pedido de revisão formulado pela Requerente.
Decorre do texto da lei que apenas são passíveis de anulação os atos de fixação dos VPT que contrariam o recente entendimento jurisprudencial nos casos em que não tenha decorrido cinco anos desde a respetiva emissão.[4]
Fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela Requerente no seu pedido arbitral, nomeadamente, quanto a juros indemnizatórios.
V – DECISÃO
Termos em que decide este Tribunal Arbitral:
a) Julgar improcedentes todos os pedidos formulados pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, quanto à anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e à anulação da liquidação de IMI respeitante ao período de tributação de 2017 bem assim como o pedido de reembolso do imposto e de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos referidos.
b) Condenar a Requerente no pagamento daas custas arbitrais.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor da causa em €8.157,46 (oito mil, cento e cinquenta e sete euros e quarenta e seis cêntimos), nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII. CUSTAS
Ao abrigo do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 918,00 € (novecentos e dezoito euros), a cargo da Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 12/08/2022
O Árbitro,
(Maria do Rosário Anjos)
[1] A este propósito, vd. decisão arbitral Decisão Arbitral proferida no Proc. º n.º 809/2019, em 4 de setembro de 2020, disponível em www.caad.org.pt.
[2] Vd. Acórdão do STA, de 6-10-2005, processo n.º 01166/04: «o indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação, baseado na sua ilegalidade, deve considerar-se, para efeito das alíneas d) e p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT, como um acto que comporta a apreciação da legalidade de acto de liquidação». No mesmo sentido, vd. Ac.STA nos Acórdãos de 02-02-2005, processo n.º 01171/04, de 08-07-2009, processo n.º 0306/09; de 23-09-2009, processo n.º 0420/09, de 12-11-2009, processo n.º 0681/09: «o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o acto silente atribuído a director-geral que não decidiu o pedido de revisão oficiosa de um acto de liquidação de um tributo é a impugnação judicial».
[3] Neste sentido, vd. Acórdãos do TCAS de 20-12-2012, in proc. Nº5964/12 e de 25/04/2010, in proc. Nº 03586/09. Vd., ainda, Decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 540/2020 – T e 487/2020-T.
[4] Neste sentido, vd. Neste sentido se pronunciou o Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.10.2021, Acórdão n.º 23/16.8BELRS: