SUMÁRIO:
I. Um contrato de prestações de serviços celebrado entre duas entidades residentes em Estados diferentes, por via do qual a entidade residente em território português se compromete a prestar em Portugal à entidade residente fora do território português, prestações de serviços que se reconduzem a receber fluxos financeiros daquela e a efetuar pagamentos em nome e por conta daquela, cuja materialização jurídica se concretiza, como ato jurídico consequente, na abertura de uma conta-corrente na contabilidade da entidade residente em território português na Classe 2, SNC Conta 211 para aí serem relevadas os movimentos financeiros a débito e a crédito, com as assinaturas reconhecidas presencialmente e com poderes para o ato, configura-se como um documento equivalente a documento autêntico, com força probatória plena, exceto se alegada a sua falsidade e é bastante para justificar todos os referidos movimentos por parte da empresa mandatária.
II. As entradas de fluxos financeiros na conta-corrente SNC Conta 211, aberta na empresa portuguesa, não são suscetíveis de serem, para si, consideradas variações patrimoniais positivas para efeitos do disposto no art. 21.º do CIRC, uma vez que, sendo meras variações patrimoniais qualitativas ou permutativas, apenas alteram a composição do património e não o seu valor. Por outras palavras, não se refletem em aumento da situação líquida da empresa.
III. No exercício do mandato contratual, a empresa portuguesa, agindo em nome e por conta da mandante, documenta de forma suficiente os lançamentos efetuados na referida conta-corrente com o contrato entre ambas celebrado, não lhe podendo ser exigido qualquer outro documento probatório ou qualificar como "despesas não documentadas" os lançamentos correspondentes a pagamentos efetuados em nome e por conta da mandante - a única entidade que poderia cumprir essa obrigação e suportar, mesmo em Portugal, os custos do incumprimento, caso tivesse sido considerado, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 5.º do Código do IRC, que ela tinha um estabelecimento estável em território português. Tais recebimentos e pagamentos não influenciam, por natureza, a determinação do lucro tributável da empresa portuguesa.
IV. Não existindo "despesas não documentadas" suscetíveis de integrar a previsão normativa, por inverificação dos respetivos pressupostos, do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC, também se não verifica a exigibilidade do imposto previsto no n.º 1 do artigo 88.º do Código do IRC.
V. Devem ser acrescidas ao lucro tributável, para efeitos de determinação da matéria coletável, face ao disposto no artigo 23.º do Código do IRC aquelas despesas lançadas como gastos em contas da Classe 6 do SNC, relativamente às quais não foi feita prova bastante de que os gastos que lhe correspondem contribuíram para a obtenção ou garantia dos rendimentos tributáveis, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1. A contribuinte A..., SA, NIPC..., doravante “a Requerente”, apresentou, no dia 13 de Agosto de 2021, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, nos termos dos artigos 2º, 1, a), 5º, 3, a) e 10º, 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações efetuadas pela Lei nº 66- B/2012, de 31 de Dezembro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), do art. 44º do Decreto-Lei nº 81/2018, de 15 de Outubro de 2018, e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
2. A Requerente pediu a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade da liquidação adicional de IRC nº 2021 ..., e respetivos juros compensatórios, relativa ao exercício de 2016, no valor de € 160.249,93, e ainda do indeferimento da reclamação graciosa interposta contra tal ato; pedindo a anulação de ambos por vício de violação de lei.
3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
4. O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.
5. O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 26 de Outubro de 2021; foi-o regularmente, e é materialmente competente.
6. Nos termos art.º 17.º do RJAT, foi a AT notificada, em 27 de Outubro de 2021, para apresentar resposta.
7. A AT apresentou a sua Resposta em 29 de Novembro de 2021, na qual sustenta, essencialmente, que a liquidação não está ferida de ilegalidade, e por isso deve ser mantida na ordem jurídica.
8. A Requerente foi notificada, em 30 de Novembro de 2021, para esclarecer se mantinha o seu interesse na prova testemunhal, e para especificar os pontos de facto sobre os quais tal prova incidiria, tendo a Requerente respondido em 14 de Dezembro de 2021.
9. Por despacho de 25 de Janeiro de 2022, marcou-se a reunião prevista no art. 18º do RJAT para o dia 17 de Fevereiro de 2022.
10. Por Requerimentos e Despachos de 9 e 15 de Fevereiro, ajustou-se as condições de realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, dadas algumas dificuldades na comparência de algumas testemunhas.
11. No dia 17 de Fevereiro de 2022 realizou-se, via “Cisco Webex Meetings”, a reunião prevista no art. 18º do RJAT, tendo as testemunhas comparecido nas instalações do CAAD no Porto, e sido inquiridas a partir daí. A Requerente prescindiu da inquirição de algumas testemunhas por si arroladas, especificamente de B..., C..., D..., E... e F... . Foram ouvidas as testemunhas G..., H... e I..., e obteve-se ainda a declaração de parte de J... .
12. As partes foram notificadas, no fim da reunião, para apresentarem alegações, a Requerente no prazo de 10 dias, e a Requerida no prazo de 10 dias contado da notificação das alegações da Requerente, ou da falta de apresentação das mesmas.
13. O dia 26 de Abril de 2022 foi designado como termo do prazo para a prolação e comunicação da decisão final e também como data até à qual a Requerente deve pagar o remanescente da taxa de arbitragem, dando cumprimento ao disposto no art. 4º, 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
14. A Requerente apresentou as suas alegações no dia 28 de Fevereiro de 2022.
15. A AT apresentou as suas alegações no dia 8 de Março de 2022.
16. Por despachos de 14 de Abril e 20 de Junho, foi sucessivamente adiada, fundamentadamente, a data para prolação e comunicação da decisão final.
17. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.
18. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
19. O processo não enferma de nulidades.
II – Matéria de Facto
II. A. Factos provados
Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
1. A Requerente constituiu-se em 24 de Abril de 2015 como sociedade anónima com o objeto social de “Consultoria para negócios e gestão. Compra, venda e permuta de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Arrendamento de imóveis, gestão de património próprio ou alheio, bem como a prestação de serviços conexos com estas atividades. Comércio por grosso de madeira e materiais de construção. Comércio misto sem predominância”.
2. No exercício de 2016, a atividade da Requerente relacionou-se predominantemente com a aquisição, no mercado nacional, de bens e serviços, para posterior venda ou prestação de serviços, essencialmente a clientes situados em países terceiros.
3. Entre esses clientes destaca-se, no período considerado, a empresa angolana “K..., Lda.”, a operar em Angola no sector da restauração – para a qual a Requerente fazia compras, transferindo-as para Angola contra pagamento em nome e por conta da K..., prestando ainda serviços de logística e de recrutamento de pessoal, em cumprimento de um contrato celebrado por ambas em 2 de Maio de 2015 (com assinaturas reconhecidas presencialmente e com poderes para o ato, por Notário, em 13 de Outubro de 2015).
4. Nesse contrato previu-se o estabelecimento, entre as partes, de uma conta-corrente, a durar por 10 anos.
5. Dados os constrangimentos colocados pelas autoridades angolanas à transferência de divisas, alguns dos fluxos financeiros provenientes da “K..., Lda.” e destinados à Requerente foram realizados com recurso a cartões de crédito, como forma de contornar aquelas limitações – o que foi atestado por prova testemunhal.
6. No mercado nacional a atividade da Requerente foi residual, respeitando ao arrendamento de dois prédios urbanos detidos para venda: Frações Y e E do prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo ..., localizado em Matosinhos (Código da freguesia ...), e Fração DN do prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo ..., localizado em V.N.Gaia (Código da freguesia ...).
7. No período de referência, J... tinha sucedido a L... como Administrador Único da Requerente; mas, como se referencia no RIT, é o nome de L... que figura na correspondência trocada com a Contabilista Certificada e com os fornecedores, pelo que se concluirá que ambos atuaram, em 2016, como gerentes da Requerente, o primeiro como administrador de direito e de facto, o segundo apenas como Administrador de facto.
8. Relativamente a esse exercício de 2016, a Requerente foi objeto de fiscalização por parte dos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças do Porto, a partir de 22 de Janeiro de 2020 e até 19 de Junho de 2020, com base na Ordem de Serviço OI2019..., emitida na sequência da ação central "Controlo dos fluxos de pagamento com cartões de crédito e de débito"
9. A ação inspetiva teve natureza de ação externa, sendo inicialmente de âmbito parcial em IVA e em IRC, sendo posteriormente alterada para geral, cumpridos que foram os procedimentos legais.
10. No RIT concluía-se que a situação da Requerente era, do ponto de vista tributário, genericamente regular, com algumas exceções apenas: “Verificou-se a conformidade entre os valores contabilizados e os valores declarados nas declarações de rendimentos Modelo 22 e na IES/DA do período de tributação de 2016 não se tendo identificado incongruências de conformidade declarativa. [§] Tendo por base os motivos de emissão e de alargamento do âmbito da Ordem de Serviço e em resultado da análise efetuada aos elementos que integram a contabilidade do sujeito passivo, bem como às declarações fiscais por este entregue, referentes a 2016, concluiu-se não existir matéria de facto e de direito que justifiquem a proposta de correção à situação tributária na esfera da “A...”, com a exclusão das situações, mencionadas no ponto II.C.4.3 do presente documento.”
11. A Requerente foi notificada, no decurso da inspeção, para esclarecer ou comprovar seis assuntos:
a. Comprovar os rendimentos subjacentes aos pagamentos por cartão / terminal de pagamento (TPA), no montante de €293.810,00 (= €285.071,72 + €7.766,88), inscritos no seguinte quadro:
b. Entregar documentos de suporte e comprovar rendimentos subjacentes nos movimentos não relevados contabilisticamente, inscritos no seguinte quadro:
c. Entregar documentos de suporte para movimentos financeiros de saída da conta bancária inscritos nos seguintes três quadros:
d. Entregar documentos de suporte para os movimentos inscritos nos seguintes dois quadros:
e. Entregar documentos de suporte para os movimentos inscritos nos seguintes dois quadros:
f. Comprovar documentalmente que foram incorridas para garantir rendimentos sujeitos a IRC (art. 23º CIRC) as despesas referenciadas nos seguintes dois quadros:
12. Quanto aos fluxos financeiros de entrada, e relativamente ao assunto a) (supra), as entradas sob forma de TPA estavam reconhecidas contabilisticamente: 117 entradas, todas de múltiplos de €10,00, ou seja, quantias certas, no montante total de €292.838,60.
13. Não foi possível associar estas entradas às faturas emitidas pela Requerente.
14. Por contrapartida da conta corrente do cliente K..., conta SNC “21113001 – K...”, foi reconhecida, em 2016, a entrada de meios financeiros na conta bancária da Requerente, no total de €322.614,32, sendo €292.838,60 sob a forma de TPA e €29.775,72 sob a forma de transferências bancárias. Contudo, o valor em dívida do cliente K... era de somente €207.611,15 (= €52.592,69 de valor em dívida de 2015 + €155.018,46 relativos a despesas cujos pagamentos foram efetuados em seu nome e por sua conta em 2016), pelo que se sugere que o cliente K... terá entregado meios financeiros de montante superior às suas obrigações no valor de €115.003,17 (= €322.614,32 - € 207.611,15).
15. A Requerente respondeu à Inspeção Tributária que se trataria de adiantamentos no âmbito da conta-corrente – facto que é colocado em dúvida no RIT, chegando mesmo a colocar-se dúvidas sobre a autenticidade do contrato, mediante a emissão de meros juizos de valor.
16. Nunca, porém, foi invocada a falsidade do contrato.
17. Relativamente aos quadros 13 e 14 (supra) a IT referia desconhecer a conexão de “M...” com a Requerente, situação agravada pelo facto de os extratos bancários indicarem o mesmo nome como o autor das transferências, tendo a Requerente esclarecido que se trata do filho de L... e de N..., nascido em 2010 (6 anos à data dos factos).
18. Rematava-se no RIT, quanto aos fluxos financeiros de entrada (III.A.3): “Não se conhecendo qualquer obrigação constituída como contrapartida destes fluxos financeiros de entrada, conclui-se que que se está perante entradas de capital que não correspondem à constituição de qualquer tipo de obrigação efetiva perante a entidade que coloca esse dinheiro no sujeito passivo, ou seja, está-se na presença de Variações Patrimoniais Positivas. [§] Para ser dado outro tratamento fiscal aos fluxos financeiros de entrada identificados, que não a de Variação Patrimonial Positiva, teria que existir prova documental cabal, no arquivo contabilístico, ou em último recurso, na resposta apresentada, pelo SP, à notificação de 2020/03/03, que era outro e não este o enquadramento fiscal. [§] Estes fluxos financeiros de entrada, quer os que foram efetuados sob a forma de TPAs quer sob a forma de transferências, não se configuram em recebimentos para pagamento de faturas, nem de qualquer outra variação patrimonial positiva excecionada no artigo 21.º do CIRC, pelo que, o seu montante deve ser considerado uma variação patrimonial positiva que concorre para a formação do lucro tributável. [§] Assim, o montante de €358.874,60 (= €292.838,60 + €5.000,00 + €61.038,00) deve ser acrescido ao lucro tributável no quadro 07 da modelo 22 do IRC do ano de 2016.”
19. Quanto aos fluxos financeiros de saída, o RIT começa por referir que está reconhecida, na conta corrente do cliente “k... Lda.”, conta SNC “21113001 -K...”, a saída de um total de €79.570,87, como referenciado no seguinte quadro:
20. Indica-se que o único suporte documental, seja de transferências para terceiros seja de pagamentos seja de contrapartidas de contas de fornecedores, são as próprias transferências bancárias e um documento interno que refere somente uma fração desses fluxos financeiros, elencados nos quadros 16 e 17 (supra) e no quadro seguinte:
21. Foram dadas algumas explicações (de que se trataria de remunerações colaboradores da “K...”, em substituição desta, por exemplo), mas não foram apresentados comprovativos.
22. Também nas contas com fornecedores o RIT apurou a quase total ausência de suporte documental da existência de dívidas que justificassem essas transferências, por referência aos quadros 20, 21 e 22 (supra) e ainda o quadro seguinte:
23. Quanto aos fluxos financeiros de saída, conclui o RIT: “O SP admite ter efetuado transferências bancárias para terceiros, quer através de instituições bancárias nacionais, quer internacionais, bem como ter efetuado pagamentos de aquisições de bens e serviços para os quais não possui qualquer documento comprovativo nem fundamentação relacionada com a sua atividade económica. Apenas justifica que tais fluxos financeiros de saída foram realizados por ordem e conta do seu cliente “K...”. [§] Se bem que, nos extratos bancários, para cada movimento, na generalidade, consta o nome ou a designação comercial do beneficiário, o arquivo contabilístico não integra qualquer documento que permita aferir da natureza e finalidade de tais movimentos e o mesmo sucede com as explicações apresentadas pelo SP, apesar de apontar uma série de razões para os fluxos financeiros de saída, apresentando nomes de beneficiários congruentes com os nomes que constam dos extratos bancários, sem apresentar qualquer documento comprovativo. [§] Também é verdade que, apesar de se conhecer os nomes dos beneficiários, não foi feita a sua identificação com o NIF, como solicitado na notificação, mantendo-se incógnito o que está a ser pago e as razões de estes valores serem pagos, assim como a relação do beneficiário dos fluxos financeiros com a “A...”. [§] Atendendo a que a “A...” relevou movimentos contabilísticos que se reportam a efetivos movimentos financeiros de saída de fundos da conta bancária da sociedade, os quais consubstanciam a realização de uma despesa, visto que, para tais movimentos não existe qualquer documento subjacente, cujo valor probatório permitisse delimitar as características da operação económica subjacente àqueles registos contabilísticos, designadamente, «o quê, o porquê e o para quem», então estas saídas de fundos enquadram-se no conceito de despesas não documentadas previstas no artigo 88.º do CIRC. [§] As despesas não documentadas a que se refere o artigo 88.º, n.º 1, do CIRC reconduzem-se a saídas de meios financeiros do património da empresa sem um documento de suporte que permita determinar a natureza da despesa ou o seu beneficiário. [§] Assim, conclui-se que a tributação autónoma calculada, no período em análise, foi por um valor insuficiente em €59.360,44, conforme cálculos apresentados no quadro seguinte:
E adiante, acrescenta o RIT: “Os registos contabilísticos devem sempre ser suportados documentalmente por documentos externos, ainda que, neste caso, fossem cópias dos documentos originais, só assim, por um lado, se dá cumprimento ao disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 123.º do CIRC, e por outro, se permite o controle da movimentação da conta bancária, movimentação esta que é imposta pelo artigo 63.º-C da Lei Geral Tributária. [§] Posteriormente, para dar conhecimento ao cliente do montante das despesas a reembolsar, a A..., deveria ter debitado o respetivo valor ao cliente, devendo apensar os documentos originais dessas despesas, cumprindo assim o disposto na alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA. [§] Em conclusão, nenhum documento credível foi apresentado de forma a comprovar quer o beneficiário destas saídas, quer o motivo das mesmas, quer ainda a sua finalidade para a empresa e também não foi apresentado qualquer comprovativo que permitisse concluir que estamos perante pagamentos por conta de entidades terceiras à empresa.”
24. Quanto a gastos não aceites fiscalmente, o RIT questionou as despesas de transportes e alojamentos discriminados nos quadros 24 e 25 (supra), e ainda nos quadros seguintes:
25. Tendo a Requerente, no âmbito da inspeção, reconhecido que eram despesas suportadas para fins alheios à sua atividade, o RIT propôs que fossem excluídos pelo critério do art. 23º do CIRC.
26. O mesmo se propôs, pelas mesmas razões, quanto a encargos bancários com os TPAs, no total de €7.766,88 (ponto que, em direito de audição, a Requerente se prontificou a retificar, mas não retificou).
27. Em resultado dessa inspeção tributária, foram efetuadas correções à matéria coletável da Requerente, por correções técnicas ao rendimento coletável da Requerente no valor global de 380.786,28 € e, além do mais, em tributação autónoma em IRC pelo valor de €59.360,44.
28. O valor de 380.786,28 € é discriminado no quadro-síntese seguinte:
29. Quanto às tributações autónomas, o valor de €59.360,44 “corresponde a €59.360,44 que resulta da aplicação da taxa de 50% ao valor de €118.720,87, considerados despesas não documentadas, deduzido do montante de €335,83, que resulta da aplicação da taxa de 10% ao valor dos encargos desconsiderados como despesas de representação no montante de €3.358,30.” (RIT, III.E)
30. Dessas correções à matéria coletável da Requerente resultou a liquidação de IRC e juros compensatórios relativa ao exercício de 2016, com o n.º 2020..., no valor de 160.249,93 €.
31. Por não concordar com os fundamentos de facto e de direito da referida liquidação, a Requerente apresentou reclamação graciosa que foi tramitada sob o n.º ...2020... e que veio a ser julgada improcedente, por despacho, de 18 de Maio de 2021, do Chefe de Divisão da Direção de Finanças do Porto, ao abrigo de subdelegação de competências, notificado à Requerente em 21 de Maio de 2021.
32. A Requerente pagou parcialmente o imposto liquidado, e constituiu hipoteca para garantia do remanescente em dívida.
33. Em 26 de Outubro de 2021, a Requerente apresentou no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.
II. B. Matéria não-provada
Com relevância para a questão a decidir, apenas ficou por provar que as despesas referenciadas nos quadros 24, 25, 26 e 27 do RIT foram efetivamente incorridas para garantir rendimentos sujeitos a IRC, para efeitos de aplicação do art. 23º CIRC.
II. C. Fundamentação da matéria de facto
1. Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes desde o momento da inspeção tributária até aos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo, e nas declarações das testemunhas de parte inquiridas na reunião de dia 17 de Fevereiro de 2022.
2. Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigos 596º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC3).
3. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
4. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
5. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
III. A. Posição da Requerente
1. A Requerente dispõe na sua contabilidade de uma conta da classe 2 (contas de terceiros), titulada por K..., Lda., sociedade com sede em Luanda - Angola, que movimenta em cumprimento do contrato de prestação de serviços celebrado com aquela sociedade e que se mostra junto aos autos, como já foi referido.
2. A Requerente sustenta que o RIT contém erros ostensivos, que fazem com que fosse muito inferior o valor da matéria coletável apurada, mesmo que se aceitassem os argumentos invocados pela AT: nomeadamente porque, para quantificação do que vem qualificado como "variações patrimoniais positivas", em vez de aproveitar um valor final de €115.003,17 a que tinha chegado, a AT, por lapso, teria retido o valor de uma das parcelas de cálculo daquele valor final, €292.838,60 – um lapso que conduz a um valor diferente para o total de correções, já não €380.786,28 mas somente €202.950,85 ( = €115.003,17 + €5.000,00 + €61.038,00 + €14.142,80 + €7.766,88)
3. A Requerente admite que terá recebido meios financeiros de montante superior às suas obrigações no valor de €115.003,17, mas essa é uma consequência da natureza da "conta-corrente" (que, em 2015, ano da sua abertura, apresentava saldo a si favorável).
4. Não admite que se tenha assentado no valor de €292.838,60, até porque, se fosse qualificar como variações patrimoniais positivas todos recebimentos, o valor teria que ser superior: €322.614,32.
5. Outro erro teria ocorrido, no RIT, no transporte das despesas TPA do quadro 9 para o quadro-síntese 29. No quadro 9 essas despesas perfazem um total de €7.766,28:
6. E no quadro-síntese 29 aquele valor de €7.766,28 seria considerado duas vezes, primeiro sob o ponto III.C.2 e depois sob o ponto III.A.1 (por neste se ter considerado o cômputo global das operações de TPA, que não foram expurgadas do montante dos respetivos encargos) – quando só devia logicamente constar uma só vez:
7. A Requerente aceita a correção de €7.766,99, por se tratar de crédito alheio que não deveria ter sido considerado como gasto. Não aceita é que o montante seja duplicado no rendimento coletável da Requerente.
8. Em suma, quanto aos cálculos sintetizados no quadro 29 do RIT, a Requerente entende que deviam ser outros os valores nele constantes: não €380.786,28, mas somente €195.183,97 (= €115.003,17 + €5.000,00 + €61.038,00 + €14.142,80].
9. A Requerente admite ainda que, em 2016, L... atuou como administrador de facto, em estreita colaboração com o administrador designado, J... ..
10. Quanto aos fluxos financeiros de entradas / variações patrimoniais positivas, a Requerente afirma que se trata de pagamentos e adiantamentos efetuados pela “K...”, mas sublinha que existia o enquadramento no contrato de prestação de serviço celebrado com ela (doc. 3 junto com o PPA), o qual tinha sido celebrado e formalizado como requisito para a autorização da transferência de divisas por parte das autoridades angolanas – transferência que, à data, dados os constrangimentos burocráticos, recorria predominantemente a cartões de crédito, como ficou representado no quadro 9 do RIT (supra).
11. Dada esta explicação, a Requerente recusa que esses movimentos sejam verdadeiras vantagens patrimoniais positivas, suscetíveis de influenciarem o resultado tributável – porque não tiveram qualquer expressão positiva na situação líquida da Requerente.
12. Quanto aos fluxos financeiros de saída / despesas não documentadas, a Requerente novamente invoca o quadro contratual, lembrando que as verbas em questão não foram contabilizadas como custo, mas sim relevadas numa conta de terceiros, a da “K...”, como pagamentos por conta desta – como se ilustra com os pagamentos de salários de funcionários da “K...”, consignados no quadro 16 do RIT, que a Requerente procura fundamentar com documentos apresentados juntamente com o PPA (docs. 4 a 15):
13. Relativamente ao quadro 18 do RIT, a Requerente assinala e contesta o facto de, tendo o RIT reconhecido que o montante de €11.234,90 ter suporte documental, não lhe ter dado um tratamento diferenciado em relação à parcela não-documentada de €27.753,63 (parcela esta em relação à qual juntou os docs. 16 a 19 anexos ao PPA):
14. A Requerente enfatiza que, no seu entender, fica feita a prova documental da maior parte das transações, no seguimento do que sucedera em sede de inspeção e de reclamação graciosa; e, invocando a prevalência da substância (económica) sobre a forma, sustenta que a aceitação de custos não deve depender exclusivamente da existência de fatura, mais ainda relativamente a despesas que a própria Requerente não considerou como custos, por tê-las relevado na conta da “K...” – não havendo razão, portanto, para sujeitá-las a tributação autónoma.
15. A Requerente justifica as transferências para M... como sendo ditadas por dificuldades de tesouraria geradas pelos constrangimentos cambiais existentes em Angola, e estranha que a inspeção tenha ignorado a existência de uma conta corrente, a traduzir a existência de um empréstimo com movimentos a débito e a crédito (docs. 20 e 21 anexos ao PPA), não aceitando, por isso, que elas sejam consideradas como variações patrimoniais positivas, e sujeitas a tributação autónoma.
16. A Requerente repudia ainda a intenção de se tributar aquilo que foram dois movimentos contrários para anular uma transferência de €5.000,00, que tinha sido incorretamente inscrita por L... no seu sistema de home banking.
17. A Requerente pretende ter demonstrado não existirem despesas confidenciais ou não documentadas. E, porque alega ter demonstrado o destino de todas as despesas, sustenta não haver fundamento para qualquer tributação autónoma, até porque elas beneficiam de uma presunção de veracidade – considerando, em suma, ilegal essa aplicação do art. 88º, 1 do CIRC.
18. A Requerente remata o seu pedido inicial afirmando o seu direito a receber juros indemnizatórios.
19. Os depoimentos testemunhais, e de parte, limitaram-se a confirmar, em traços gerais, esta argumentação, no intuito de comprovar a factualidade a ela conexa.
20. Em alegações, a Requerente mantém que os movimentos contabilizados na conta da cliente K... não traduzem qualquer vantagem patrimonial suscetível de influenciar o seu resultado tributável.
21. E, tendo demonstrado o que estava em causa nos pagamentos efetuados por conta da “K...”, a Requerente entende que tem que prevalecer o princípio da substância económica sobre a forma, sob pena de se tributar proveitos que não existem.
22. A Requerente entende que é particularmente nítido que não há incremento ou vantagem patrimonial – ou, mais amplamente, modificação da capacidade contributiva – nos empréstimos concedidos pelo administrador de facto através da conta bancária do seu filho menor, ou no lapso de transferência de € 5.000,00.
23. A Requerente recorda que, ao contrário do que é sugerido na Resposta da AT, no RIT (p. 14) explicitamente se sustenta que “é legítimo concluir que foi reconhecido contabilisticamente que este cliente terá entregue meios financeiros de montante superior às suas obrigações no valor de €115.003,17 (= €322.614,32 - €207.611,15)” – o que, na tese da Requerente, equivale ao reconhecimento, pela AT, de que estão documentados os lançamentos na conta corrente, a débito da K..., no montante total de € 207.611,15, não se podendo sequer dizer que "falta suporte documental" para o saldo devedor € 115.003,17, pela razão única de que a contraparte no contrato ainda não tinha dado instruções para serem feitos pagamentos, não se devendo olvidar que o contrato celebrado estabelecia um prazo de dez anos para a vigência da conta corrente.
24. Por isso a Requerente reitera que, a aceitar-se tudo como válido e legalmente sustentado o que se afirma no RIT – coisa que ela não faz –, mesmo assim o quadro-síntese 29 deveria ser recalculado para um valor total e final de correcções no montante de € 202.950,85 (= €115.003,17 + €5.000,00 + €61.038,00 + €14.142,80 + €7.766,88).
25. Finalmente, em alegações a Requerente insiste que o valor de “despesas TPA”, de € 7.766,28, está duplicado, indevidamente, nas contas do RIT.
III. B. Posição da Requerida
1. No RIT coloca-se em dúvida a natureza e alcance do contrato celebrado entre a Requerente e a K... para a criação de uma conta-corrente, chegando a sugerir-se que ele inexistia e foi elaborado “ad hoc” para responder à notificação da Inspeção: “Não existindo qualquer referência a este contrato em qualquer dos elementos que compõem o dossier fiscal do ano de 2016, nem constando no arquivo contabilístico qualquer prova ou menção à sua existência, pelo contrário, uma vez que é legítimo inferir-se que a Contabilista Certificada desconhecia a sua existência, visto que esta se viu obrigada a solicitar uma declaração à administração do SP para que esta se pronunciasse sobre a origem e natureza dos fluxos financeiros de entrada sob a forma de TPAs, sendo o seu conteúdo pouco comum, desapropriado e despropositado, e ainda, tratando-se de um documento particular, celebrado entre duas entidades, representadas por pessoas com laços familiares, é admissível concluir que este documento foi elaborado apenas e só para ser apresentado no âmbito da fundamentação da resposta à notificação. [§] Se por um lado, o SP apresenta um contrato pouco meritório de credibilidade, sem cláusulas de salvaguarda e rentabilidade para quem entrega os recursos financeiros e com uma finalidade duvidosa, pois, afirma, tratar-se de um contrato que tem subjacente a entrega de sucessivos adiantamentos para compras hipotéticas, a acontecer sabe-se lá quando, por outro lado, decorridos já mais de três anos, sobre estes movimentos financeiros de entrada, desconhece-se que as faturas subsequentes tivessem sido emitidas. [§] E ainda, não apresenta prova documental da origem dos fluxos financeiros de entrada sob a forma de TPAs, pelo que continua-se a desconhecer quem efetuou os referidos pagamentos. [§] Desconhecendo-se a sua origem, também a sua natureza é uma incógnita. Desconhece-se se tem um caráter de financiamento, com obrigação de ser devolvido, e qual o eventual prazo para tal reembolso, ou, pelo contrário se se trata de um movimento económico, para pagar faturas, que tiveram no futuro subjacente a venda de bens ou a prestação de serviços, ignora-se se estas já foram emitidas, uma vez que já decorreram mais de três anos sobre a data da entrega destes meios financeiros.” (RIT, pp. 15-16)
2. Na sua Resposta, a Requerida começa por contestar a dedução da Requerente, de que o valor a corrigir, como proveitos não declarados, deveria ser somente de € 115.003,17 (por ser esse o valor das entregas financeiras superiores às suas obrigações), porque o que foi apurado no RIT é que havia um valor total de € 322.614,32 de meios financeiros ingressados sem uma proveniência atestada com prova documental, dos quais foram questionados € 292.838,60, sob a forma de TPA – sendo este o montante de proveitos obtidos e não declarados.
3. Essa prova documental não foi produzida no decurso do procedimento inspetivo, seja na resposta à notificação, seja em sede de direito de audição; e não o foi, igualmente, na petição de reclamação graciosa.
4. Assim sendo, segundo a Requerida o valor final das correções efetuadas deverá ser, como foi, de € 380.786,28 (= € 292.838,60 + € 5.000,00 + € 61.038,00 + € 14.142,80), e não, como pretende a Requerente, de € 202.950,85 (= € 115.003,17 + € 5.000,00 + € 61.038,00 + € 14.142,80).
5. Quanto à duplicação da consideração dos proveitos de € 7.766,28, a Requerida nega que ela tenha ocorrido, visto que esse montante foi considerado, na contabilidade da própria Requerente, como um encargo alheio (registo a crédito da conta de clientes classe 211), pelo que esse encargo financeiro não podia ser considerado como um gasto para efeitos do art. 23º do CIRC.
6. A Requerida interroga-se sobre as razões para a Requerente continuar a não comprovar a totalidade das transferências ocorridas entre ela e a “K...”, continuando as faturas desta última a recobrir apenas o montante de € 155.018,46, não se sabendo, quanto ao resto, se se tratou ou não de financiamentos, se esses valores adiantados era para serem reembolsados, ou não.
7. A Requerida mantém que é apropriada a consideração do movimento de € 5.000,00, por falta de documentação comprovativa do que se passou.
8. Quanto a fluxos financeiros de saída, a Requerida mantém que ocorreu o pagamento de despesas não documentadas (nos termos do art. 123º, 2 do CIRC, e para efeitos do art. 88º do CIRC) no montante de € 118.720,87, considerado em 50% do seu valor para efeitos de tributação autónoma, como vigorava à data dos factos (€ 59.024,61), e como ficou consignado no quadro 23 do RIT:
9. Sem suporte documental adequado, não somente não se cumpre o art. 123º, 2, a) do CIRC, mas se torna impossível um verdadeiro controle da movimentação da conta bancária, como resulta do art. 63º-C da LGT. Além de não se cumpre o determinado pelo art. 16º, 6, c) do CIVA.
10. A Requerida refere que vários documentos referentes a pagamentos salariais na “K...” são incompletos, e vários deles inconclusivos.
11. E, mais genericamente, sustenta que “nenhum documento permite comprovar quer o beneficiário destas saídas, quer o motivo das mesmas, quer ainda a sua finalidade para a empresa e também não foi apresentado qualquer comprovativo que permitisse concluir que estamos perante pagamentos por conta do cliente “K...”
12. Quanto aos movimentos na conta de M..., a Requerida faz notar que não há suporte documental, por exemplo um contrato justificativo do “empréstimo” efetuado, pelo que não há forma de deixar de considerar-se uma despesa não documentada.
13. A Requerida mantém, por isso, que nesta sede de despesas não documentadas a tributação autónoma deve ser de € 59.024,61 (€ 118.720,87 x 50 %, deduzido de € 335,83 referente à aplicação de 10 % ao valor dos encargos desconsiderados como despesas de representação no valor de € 3.358,30 €, conforme proposto em sede de RIT).
14. Em alegações, a Requerida manifesta reservas quanto à fiabilidade da prova testemunhal e do depoimento de parte, centrada em motivos de decisões de gestão que não cabe à AT sindicar, e que não estão em causa nos presentes autos – nomeadamente o argumento de que a Requerente terá sido criada com o intuito de contornar as dificuldades de movimentação de divisas criadas pelo governo angolano.
15. Quanto ao argumento do que é afirmado na p. 14 do RIT, a Requerida não o contesta, apenas sustenta que o montante de € 115.003,17 não é o único que deve ser corrigido na sua qualidade de proveito não declarado – porque as faturas emitidas não são associáveis às entradas que compõem o montante restante.
16. Por essa razão, a Requerida mantém que o valor final e total das correções deve ser, não os € 202.950,85 que a Requerente pretende, mas os € 380.786,28 que foram já apurados (= € 292.838,60 + € 5.000,00 + € 61.038,00 + € 14.142,80 + € 7.766,88).
17. A Requerida reitera os argumentos de que não houve duplicação na consideração do montante de € 7.766,28, e continua a considerar fundada a qualificação dos € 5.000,00 movimentados em 30/6/2016 como variação patrimonial positiva.
18. Mais genericamente, a Requerida evidencia a insuficiência de suporte documental adequado, e acrescenta: “reiterando a Requerente a alegação de que as entradas dos meios financeiros em questão, são provenientes do cliente “K... “, em resultado de prestações de serviços que lhe foram efetuadas, não se compreende porque não apresenta documentação que explique cabalmente as transações ocorridas com essa empresa, das quais resultam as entradas nos montantes referenciados.”
19. A Requerida reitera as razões para a tributação autónoma de despesas não documentadas entre os fluxos financeiros de saída.
IV. Fundamentação da decisão
Na aparência, dir-se-ia que as Partes convocam este Tribunal para dirimir um litígio que se foca nas minúcias das liquidações: para dar razão, ou indeferir, parcela a parcela dos totais que foram invocados pelas partes, e que convergiram para valores distintos quanto às correções (€ 380.786,28 v € 202.950,85), além da questão das despesas não documentadas e respetiva tributação autónoma.
Todavia, seguir esse caminho seria não somente arriscado – visto que um Tribunal Arbitral está cingido a questões de legalidade (art. 2º, 1, a) e b) do RJAT) e não pode embrenhar-se em questões técnicas e contabilísticas de mérito das liquidações –, como porventura será inútil, se concluirmos, como já foi sugerido na fundamentação da matéria de facto, que, a montante desse mérito das liquidações, se situam questões de prova e de ónus da prova.
Concentremo-nos, assim, nos quatro temas que fundamentam a decisão do Tribunal:
1) A natureza jurídica do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Requerente e a sociedade de direito angolano e a sua oponibilidade à administração fiscal.
2) As "variações patrimoniais positivas".
3) As despesas não documentadas e respetiva tributação autónoma.
4) Os gastos que devem ser acrescidos ao lucro tributável por não terem contribuído para a obtenção ou a garantia dos rendimentos sujeitos a IRC.
IV.A. A natureza jurídica do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Requerente e a sociedade de direito angolano
1) Na génese da questão que se coloca para decisão a este Tribunal está um denominado CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, celebrado em 2 de Maio de 2015, entre a Requerente, A..., S. A., com sede em ... e ..., concelho do Porto, sociedade de direito português e K..., LDA., sociedade de direito angolano, com sede no Município Maianga, província de Luanda.
2) Os contratos, em geral, são instrumentos na disponibilidade das partes para, no exercício da sua liberdade de conformação de vontades, ordenarem, nomeadamente os negócios entre si, integrando-se, por isso, no conceito de "gestão fiscal" cuja liberdade tem génese constitucional: "Nesta conformidade tanto os indivíduos como as empresas podem, designadamente, verter a sua ação económico em actos jurídicos e actos não jurídicos de acordo com a sua autonomia privada, guiando-se mesmo por critérios de elisão ou evitação dos impostos ou de aforro fiscal (tax avoidance), desde que, por uma tal via, não se violem as leis fiscais, incorrendo em fraude fiscal (tax fraud) nem se abuse da (liberdade de) configuração jurídica de pactos tributários, provocando evasão fiscal ou fuga aos impostos através de puras manobras ou disfarces jurídicos sa realidade económica (tax evasion)" - cfr. JOSÉ CASALTA NABAIS, Introdução ao Direito Fiscal das Empresas, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 51/52.
3) O contrato tem a assinatura reconhecida por Notário, em 13 de Outubro de 2015, com a menção de que as assinaturas foram feitas na sua presença e que os signatários têm poderes para o ato.
4) De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 375.º do Código Civil (CC), "Se estiverem reconhecidas presencialmente, nos termos das leis notariais, a letra e a assinatura, ou só a assinatura, têm-se por verdadeiras".
5) Por outro lado, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, "Se a parte contra quem o documento é apresentado arguir a falsidade do reconhecimento presencial da letra e da assinatura, a ela incumbe a prova dessa falsidade".
6) Por último, dispõe o n.º 1 do artigo 376.º do CC que "O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento".
7) É certo que o n.º 2 da mesma norma dispõe que "Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível nos termos prescritos para a confissão". A este propósito a doutrina distinguiu entre "declaração de ciência" (equivalente a confissão) e "declaração de vontade". No caso em apreço, as partes limitaram-se a expressar declarações de vontade que, assim, ficou documental e plenamente provada, seguindo-se os efeitos que lhe são próprios, nomeadamente os de negócio jurídico por ela constituído (cfr. Código Civil Anotado, Coordenação de ANA PRATA, 2.ª ed., Almedina, Anotado, Vol. I, Anotação de JOSÉ LEBRE DE FREITAS, pp. 499/500).
8) O mencionado contrato tem apenas quatro cláusulas, julgando-se relevante a sua transcrição:
PRIMEIRA
A Primeira contraente (A...) obriga-se a prestar serviços de diversa natureza, designadamente a assessorar na aquisição de equipamentos hoteleiros e bens perecíveis e a fornecer bens à segunda.
SEGUNDA
Entre ambas as partes é estabelecida uma conta-corrente, pela qual a Segunda Contraente (K...) vai transferindo, de acordo com as suas disponibilidades, para a Primeira quantias diversas que são lançadas a seu crédito e, em contrapartida, a Primeira Contraente lança na mesma conta-corrente a débito da segunda as diversas faturas dos serviços e bens que vá fornecendo e bem como os pagamentos que faça por conta desta.
TERCEIRA
O presente contrato tem a duração de 10 anos, com início na data da sua assinatura, e é automaticamente renovável, salvo se alguma das partes o denunciar com antecedência de 3 meses relativamente ao seu final ou sua renovação.
QUARTA
Na data em que cessar a sua vigência o saldo devedor da conta-corrente deverá ser pago no prazo de 3 meses pela parte contraente que estiver em dívida.
9) Trata-se, pois de um contrato através do qual se convenciona o estabelecimento de uma conta-corrente - já agora contabilisticamente relevada pelo menos, como o RIT evidencia, pela Requerente - onde serão registados os movimentos relativos às entradas de meios financeiros e os relativos às saídas de meios financeiros.
10) Prevendo o quadro jurídico contabilístico a suscetibilidade de tais contas serem abertas, como antes se viu (conta da classe 2 do SNC), mantiveram-se as partes, com a celebração do referido contrato, no limiar da legalidade contabilística e fiscal.
11) Aliás, a autoridade tributária, nomeadamente o Serviço de Inspeção Tributária competente, não colocou em causa a autenticidade do contrato, tendo-se limitado a emitir meras opiniões juízos valorativos sobre a sua oportunidade e finalidade, que falecem de qualquer indício, muito menos prova, de verdade. Erroneamente, denomina-o de "documento particular", quando, na verdade, é um documento autenticado e que, nos termos legais, tem, no plano civil/comercial o valor probatório pleno de documento autêntico, sem prejuízo da arguição e prova da sua falsidade, o que não se mostra feito pela Requerida.
12) Nos termos legais, a autenticidade deste contrato só pode ser posta em causa por arguição e prova da sua falsidade, o que se mostra não ter acontecido, pelo que o ato jurídico contabilístico em que se materializou é válido, como devem ser considerados válidos os lançamentos nela efetuados, só podendo, por natureza, comprovar sua origem e o seu destino a parte em nome e por conta da qual tais lançamentos foram efetuados.
13) No plano estritamente fiscal, trata-se de duas empresas suscetíveis de serem consideradas em situação de relações especiais, uma vez que têm sócios e administradores em comum, mas essa circunstância, que se reconduziria a eventuais questões sobre a preços de transferência, também não foi opção eleita para a abordagem feita no RIT.
14) Face ao exposto, não reveste qualquer ilegalidade a celebração do contrato em causa, nem a abertura, pela Requerente, da conta-corrente nele prevista - o negócio jurídico que foi sua consequência, num quadro em que o próprio SNC prevê a abertura de tais constas, como antes ficou visto.
15) Então, dando-se como assente veracidade e a autenticidade do referido contrato, com a consequente oponibilidade probatória à Requerida, e sabendo-se, porque é facto notório e público, que as autoridades angolanas o exigiam de forma a poderem autorizar as transferências de divisas necessárias à prossecução do mesmo, terá de admitir-se, sem necessidade de qualquer outra prova, que os movimentos financeiros relevados contabilisticamente na conta aberta na contabilidade da Requerente que foi o ato jurídico consequente em que o contrato se materializou, foram feitos com o objetivo de realizar as operações que as partes legitimamente acordaram entre si.
16) A conta corrente na contabilidade da Requerente, em cumprimento do contrato celebrado e antes referido, cuja autenticidade a Requerida não pôs em causa por qualquer dos meios que legalmente poderia ter utilizado, foi aberta sob o n.º 2111 Clientes Gerais, um desdobramento da conta 211 Clientes c/c que por sua vez é um desdobramento da conta 21 Clientes sendo esta, finalmente, um desdobramento da Classe 2 CONTAS A RECEBER E A PAGAR do Código de Contas aprovado pelo artigo 1.º da Portaria n.º 1011/2009, de 9 de setembro, tendo como base jurídica o Decreto-Lei 158/2009, de 13 de julho.
17) Tem assim de concluir-se que os lançamentos efetuados nesta conta, fosse a crédito, por débito de uma conta de meios financeiros líquidos, em resultado de transferências efetuadas, fosse a débito (por crédito de uma conta de meios financeiros líquidos), têm como exclusivo documento de prova o contrato celebrado.
18) Competiria, pois, à Requerida, no âmbito da distribuição do ónus da prova, provar que nem os créditos, nem os débitos, ou algum dos créditos ou algum dos débitos, não tinham sido efetuados em nome e por conta da contraparte no contrato, a sociedade de direito Angolano K... .
19) O único caso em que foi utilizada uma conta da Classe 6, Gastos, para relevar um encargo cujo suporte pertencia à K... e não à Requerente, foi por esta de imediato reconhecido, atribuindo-o a lapso.
20) Os lançamentos feitos nesta conta não são, obviamente, refletidos no resultado líquido do exercício, sendo apenas uma conta de balanço e, em regra, do passivo.
IV.B. As "variações patrimoniais positivas"
1) Dispõe-se no artigo 3.º do CIRS Base do Imposto, na parte que interessa, o seguinte:
1 — O IRC incide sobre:
a) O lucro das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas colectivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;
b) ....
c) ....
d) ....
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código.
3 - ....
a) ....
b) ....
4 — ....
2) A primeira componente do lucro tributável é, pois, a diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, ou seja, o resultado extraído da contabilidade, coincidente, no início, com o resultado fiscal (supra, n.º 2 do artigo 3.º), e que pode ser positivo ou negativo.
3) Dissemos, no capítulo anterior, que a conta aberta na contabilidade da Requerente materializando o contrato celebrado com a contraparte, não influenciou este resultado, ou seja, não contribuiu para a demonstração de resultados do exercício nem como rédito (entradas em numerária nelas registadas a débito), nem como gastos (despesas pagas pela Requerente por ordem, em nome e por conta da contraparte contratual).
4) Esta conclusão, permite desde já antecipar que os gastos registados na conta mencionada não passam pelos crivos do artigo 23.º do CIRC, uma vez que não são gastos indispensáveis à formação do rendimento (recorde-se que as entradas em numerário registadas também não são rendimentos) e consequentemente não influenciam o resultado líquido do exercício.
5) Tem, pois, para avançar-se para outros fenómenos que contribuem para a formação do lucro tributável, de atentar-se no disposto no n.º 1 do artigo 17.º do CIRC:
1 - O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos dos termos deste Código.
6) Como a doutrina assinala (Rui Marques, Código do IRC Anotado e Comentado, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 166), "Na formação do lucro tributável começa por concorrer a diferença entre os valores do património líquido e no fim do período da tributação, afinal, o resultado extraído da contabilidade, coincidente, no início, com o resultado fiscal (artigo 3.º, n.º 2) e que pode ser positivo ou negativo. O que denuncia o acolhimento pelo legislador da teoria do incremento patrimonial, sendo a extensão da noção de rendimento bem como o alargamento da base tributável uma evidência na profunda reforma legislativa empreendida pelo Código, em linha com a evolução registada em grande parte das legislações de outros países conforme se alcança do seu preâmbulo. Ao resultado líquido do período (positivo ou negativo), estribado na contabilidade do sujeito passivo, serão de somar as variações patrimoniais - positivas e negativas - verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, conforme previsto nos artigos 21.º e 24.º. Ora é, justamente, sobre o valor resultante da aludida soma (de resultado positivo e negativo) que, eventualmente, vão ter lugar as correções fiscais com o propósito de ser apurado o luro tributável. São assim introduzidas, extra contabilisticamente - isto é, fiscalmente, - correcções evidenciadas na lei, tendo em conta os objectivos e as especificidades próprias da fiscalidade. Tais correcções, positivas ou negativas, ao resultado líquido fazem-se, respectivamente, por acréscimo ou por dedução, conforme surjam, respectivamente, em desfavor ou favor do sujeito passivo" (negrito nosso)[1].
7) Sucede que o RIT qualificou como "variações patrimoniais positivas" um conjunto de valores, correspondentes a movimentos de fluxos financeiros que nela foram debitados, extraídos de uma conta de balanço e acresceu-as ao resultado contabilístico (lucro tributável) de forma a apurar a matéria coletável da Requerente relativamente ao ano de 2016, mas sem qualquer fundamentação substancial, pelo que não é possível conhecer as razões pelas quais tal qualificação foi adotada. E a Requerida, na Resposta, também não supriu essa notória falta de fundamentação.
8) De sublinhar que não foi feito movimento inverso, a título de variações patrimoniais negativas, dos movimentos financeiros lançados nessa conta a título de saída de fundos.
9) É o artigo 21.º do CIRC que determina que "Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do período", excecionando, em cinco alíneas, outras tantas variações patrimoniais positivas que são excecionadas da concorrência para a formação do lucro tributável. São situações que têm em comum o facto de serem relevadas contabilisticamente em contas da situação líquida do sujeito passivo.
10) Impõe-se, pois, um aprofundamento do conceito de variações patrimoniais positivas, porque, por um lado, a Requerida entende que o são e por isso devem acrescer ao lucro tributável e a Requerente, inicialmente com uma posição mais estrita não aceita qualquer acréscimo a esse título, aceitando, a final, uma parte do valor total apurado no RIT.
11) A questão, porém, é a de que ou se está perante variações patrimoniais positivas e têm, em função do disposto no artigo 21.º do CIRC de ser adicionadas ao lucro tributável, como optou por fazer a Requerida, ou não se está perante variações patrimoniais positivas e, em conformidade com o princípio da legalidade, nenhuma delas poderá adicionada ao lucro tributável.
12) Trata-se, pois, de analisar sentido e alcance do conceito de "variações patrimoniais", positivas ou negativas, tal como é utilizado nos artigos 21.º e 24.º do CIRC. Respeitando o disposto no artigo 11.º da LGT, uma vez que tal conceito não é densificado no mencionado Código, embora complemente, como se viu, a definição de matéria coletável.
13) "A expressão de variações patrimoniais utilizava-se tradicionalmente entre os técnicos de contabilidade, no seu sentido literal próprio, ou seja, em correspondência com a sua própria substância. O senso comum sempre retirara da expressão variações patrimoniais real significado, amplo e próprio. Variações patrimoniais eram variações patrimoniais. Assim dizia-se que se operavam variações patrimoniais nas instituições quando ocorriam eventos que efectivamente provocavam variações nos elementos do património, nos elementos do activo ou do passivo. Acontece que com o Código do IRC a expressão variações patrimoniais passou a utilizar-se em outro sentido, algo restritivo, diferente do tradicional" - Cfr. Rogério Fernandes Ferreira, Gestão, Contabilidade, Fiscalidade, Variações patrimoniais, Editorial Notícias, 2.ª ed., 1999, pp. 199/200.
14) E em nota de rodapé, o mesmo Autor (op. cit., pp. 202), a propósito das Variações Patrimoniais (a que aludem os artigos 21.º e 24.º do Código do IRC", escreve: *Ou seja, só variações não reflectidas no resultado líquido do exercício; foram excluídas do conceito variações patrimoniais ditas permutativas ou meramente qualitativas(conformes à tradição contabilística. (negrito nosso).
15) Outro Autor, de crédito firmados na investigação destas matérias, J. F. CUNHA GUIMARÃES, no Estudo Contabilidade, As variações Patrimoniais (POC e CIRC), in Revista TOC n.º 48, Março 2004, pp. 34, escreveu magistralmente: Variação patrimonial é toda e qualquer alteração (variação ou mutação) da composição e/ou do valor da empresa. As variações patrimoniais podem classificar-se de duas formas, conforme tenham ou não repercussões no valor do património ("capitais próprios" ou "situação líquida", a saber:
- As variações patrimoniais quantitativas ou modificativas são as que alteram não só a composição do património como também o seu valor, i. e., sempre que haja uma alteração no montante (daí o designarem-se por quantitativas, ou seja, quando estiver em causa o "quantum" dos capitais próprios (situação líquida). Nestas podemos ainda fazer a seguinte distinção:
· Com reflexos líquidos no resultado do exercício, isto é, sempre que o resultado se alterar em função do movimento das contas de "custos ou perdas (Classe 6 do POC e variação da produção negativa), ou de proveitos ou ganhos (Classe 7 do POC e variação de produção positiva e "86 - Imposto sobre o rendimento do exercício).
· Sem reflexos no resultado líquido do exercício, ou, por outras palavras, que alterem o valor das restantes rubricas dos capitais próprios, excepto, portanto, o resultado líquido do exercício.
- As variações qualitativas ou permutativas são aquelas que alteram apenas a composição do património (não o seu valor) isto é, só alteram a estrutura das contas do Activo, do Passivo e dos Capitais Próprios.
16) E nem se diga, citando GUSTAVO COURINHA - como se escreveu no na Decisão Arbitral proferida no Processo 402/2021, de 9/7/2021 - que 14. Conforme decorre da formulação ampla do referido preceito, todas as variações patrimoniais positivas que não estejam reflectidas no resultado líquido do período de tributação são consideradas para efeitos de determinação do lucro tributável, apenas sendo excluídas as variações expressamente previstas pelo legislador nas alíneas a) a e), do n.º 1, do artigo 21.º, do Código do IRC. É precisamente neste sentido que GUSTAVO COURINHA, em Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, Almedina, 2019, pp. 93-94, refere que “Elas [as variações patrimoniais] ultrapassam os meros resultados contabilisticamente registados pela empresa e relevados fiscalmente e abarcam quaisquer outras oscilações de património (acréscimos ou decréscimos)apurados no decurso do período de tributação”. Prossegue o autor referindo que “É esta conceção que se extrai, além dos suprarreferidos artigos 3º/nº 2 e 17º/nº 1 do Código do IRC, também dos artigos 21º e 24º do Código do IRC: as variações patrimoniais positivas (VPP), assim como as variações patrimoniais negativas (VPN), mais não são do que manifestações de uma capacidade contributiva muito alargada e que, assim, surge chamada à tributação. Tais variações patrimoniais representam, neste sentido, as estremas da base tributável do IRC”, constatando ainda que “(…) ambos os artigos (artigo 21.º e artigo 24.º do Código do IRC) possuem uma formulação residual e muito abrangente, que assume sempre a relevância fiscal destas oscilações patrimoniais, salvo no caso das (importantes) exceções legais de seguida elencadas”, que este Autor tem uma conceção diferente de Variações Patrimoniais Positivas.
17) É evidente que o Autor em causa não defende que o artigo 21.º do Código do IRC abrange as variações patrimoniais positivas meramente qualitativas ou permutativas. O que ele, e bem, defende, é que são acrescidas ao lucro tributável as variações patrimoniais positivas que alterem o valor do património, isto é, a situação líquida e ou os capitais próprios, ou seja, as variações patrimoniais positivas quantitativas (como, por exemplo, o desreconhecimento de passivos - Decisão Arbitral de 26-05-2022, no Processo 184/2021-T) e não as variações patrimoniais qualitativas ou permutativas.
18) Tal é, aliás, a posição, o entendimento, pelo menos oficioso, ab initio da vigência do Código do IRC da Requerida, então Direção-Geral das Contribuições e Impostos, como se colhe da transcrição do seguinte comentário, inserido a pp. 157/158 do Código do IRC, Comentado e Anotado: Face ao novo conceito de rendimento adoptado por este Código, o rendimento-acréscimo - as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do exercício são objecto de tributação em IRC, embora com algumas excepções, reguladas pelo presente artigo. Antes da referência a essas excepções, façam-se algumas considerações sobre os conceitos de variação patrimonial positiva e negativa. Como se sabe, o património de uma empresa está sujeito a variações em consequência das operações realizadas. Se algumas dessas operações alteram a composição do património - variações qualitativas - outras existem que, para além da composição, alteram o seu valor - variações quantitativas - que serão positivas ou negativas consoante impliquem o aumento ou a diminuição do valor do património, ou situação líquida. Acrescente-se, porém, que sendo o resultado líquido do exercício apenas uma das componentes da situação líquida, nem todas as variações patrimoniais quantitativas são relevadas contabilisticamente nesta conta. São precisamente estas variações que caiem no âmbito do presente artigo, em particular as variações positivas".
19) Não pode, igualmente, deixar de se ter em conta no plano dos entendimentos oficiosos das autoridades fiscais, o que foi escrito, a este propósito, no IRC - Manual de Apoio, edição de 2001 do Instituto de Formação Tributária da então Administração Geral Tributária (AGT), pp. 55/56 e posteriormente reiterado no livro Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, (Manual do IRC), ed. da Direção de Formação da AT, 2016, pp. 98: "A noção de variação patrimonial liga-se necessariamente com a ideia de balanço, principalmente na sua estrutura, composição e reflexos no valor do património, entendendo-se este na mesma acepção da situação líquida, ou seja, consistindo genericamente na diferença entre activo e passivo. .... Ambas as situações referidas (alterações de natureza normal ou voluntária ou de natureza extraordinária ou involuntária) consistem naquilo que se designa por factos patrimoniais, considerando-se que os mesmos aparecem associados a tudo quanto na empresa implique variações do património. Os factos patrimoniais podem assumir uma natureza permutativa, quando provocam alterações na composição do património, mas não alteram o seu valor (variações meramente qualitativas) ou uma natureza modificativa quando, para além de alterarem a composição do património, impliquem também alteração do seu valor. Neste último caso trata-se de variações quantitativas, consoante impliquem o aumento ou a diminuição do valor do património ou da situação líquida".
20) Com este conceito operativo de "variações patrimoniais positivas qualitativas ou modificativas", que é o consagrado no artigo 21.º do Código do IRC porque aí se fala em variações (do valor) do património, vejamos agora se a qualificação feita no RIT é conforme com ele e, consequentemente deve ser aceite, ou se, pelo contrário, não é conforme e não deve ser aceite.
21) A primeira conclusão a tirar-se é que o RIT não fundamenta minimamente o conceito que aplica e incorre em falta de fundamentação. Só esta conclusão chegaria para julgar procedente, nesta matéria, o pedido da Requerente. Analisemos, todavia, com maior profundidade a questão.
22) A primeira conta onde a IT vai buscar "variações patrimoniais positivas" está identificada como subconta SNC 21113001, isto é, uma Conta de Terceiros, clientes conta corrente, e aí releva o valor da integralidade dos movimentos financeiros de entrada sob forma de TPA, no montante bruto de € 292.838,60, e este valor constitui a componente mais importante da correção à matéria coletável sob a referida qualificação.
23) Já se conhece que aquela conta foi aberta (ato jurídico consequente) pela Requerente na sequência da celebração do contrato de prestação de serviços que também se considerou ter força probatória plena.
24) Assim, todos os fluxos monetários de entrada sob forma de TPA na conta 211, que em 2016 atingiram o montante total de € 322.614,30 têm de imputar-se à sociedade de Direito Angolano K..., feitos em cumprimento do contrato celebrado e sem necessidade de qualquer outra prova. Esta, a ser exigida, deveria sê-lo, justamente, não à Requerente, mas à K....
25) E falece de fundamento a afirmação constante do RIT segundo a qual "então é legítimo concluir que este cliente terá entregado meios financeiros de montante superior às suas obrigações no valor de x (pp.14)".
26) Acrescenta-se também que o contrato não consta do dossier fiscal de 2016. Mas o RIT é omisso quanto ao facto de se encontrar ou não no dossier fiscal de 2015, ano em que foi celebrado e a conta foi contabilisticamente relevada. Estava ao alcança da IT fazer essa observação direta, mas limita-se o RIT a fazer extrapolações, destituídas de sentido, de eventuais condutas da contabilista certificada da Requerente.
27) Ora, estando-se perante uma conta-corrente válida contratualmente por 10 anos, não se coloca a questão de "qualificar" o saldo no último dia do exercício fiscal. Curiosamente, no ano de abertura da conta (2015) o próprio RIT reconhece que ela tinha um saldo credor (dívida de K...) de € 52 592,69.
28) A conta SNC 211 titulada por K... é uma conta-corrente em que a Requerente fica devedora pelas entradas financeiras e é credora pelos pagamentos que efetua em nome e por conta da contraparte. Sempre por contrapartida de lançamentos em disponibilidades financeiras (depósitos bancários) como no RIT se reconhece.
29) O reconhecimento de uma transferência bancária na conta SNC 221 fornecedores é manifestamente um lapso de pronto corrigido e insuscetível de relevar fiscalmente.
30) Por último, as referências a Transferências bancárias efetuadas para a Requerente pelo filho, M..., menor,[2] do seu Administrador L..., reconhecidas na conta SNC 278, relevam da utilização instrumental do nome do filho numa conta de empréstimos e de reembolsos existente entre o sócio e a Requerente, não constituindo, naturalmente, variações patrimoniais positivas quantitativas que devam acrescer ao lucro tributável.
31) Este Tribunal considera, assim, procedente a não aceitação do acréscimo ao lucro tributável, por erro nos pressupostos de facto e de direito, dos seguintes montantes a esse título propostos no RIT:
- Fluxos Financeiros de entradas por contrapartida da conta SNC 211 - Variações patrimoniais positivas: 292.838,60
- Reconhecidos por contrapartida da conta SNC 22 Fornecedores: 5.000,00
- Reconhecidos por contrapartida da conta SNC 27 Outras Contas a Receber e a Pagar: 61.038,00
no total de € 358.876,60.
IV.C. Gastos não aceites fiscalmente
1) Lembremos o princípio geral de que são dedutíveis, para efeitos de determinação da matéria coletável, os gastos contabilizados que visem, potencialmente, a obtenção ou garantia dos rendimentos que vão ser sujeitos a imposto (artigo 23.º, n.º 1 do CIRC).
2) Quanto à dedutibilidade de gastos, determina o art. 23.º, 1 do CIRC: “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”. Além disso, estabelece-se no n.º 3 do mesmo preceito que os gastos dedutíveis “devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”.
3) E o n.º 4 acrescenta que o documento comprovativo deve conter, pelo menos, (i) o nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, (ii) os números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se trate de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional, (iii) a quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados, (iv) o valor da contraprestação, designadamente o preço e (v) a data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.
4) Detetando-se erros na comprovação documental quando ela seja necessária, entra em jogo a regra do ónus da prova, não podendo deixar de aludir-se ao preceituado no artigo 75.º da LGT, que no seu n.º 1 determina: “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.
5) Ora é a própria Requerente que reconhece que os gastos que foram lançados nas contas SNC 6251 - Deslocações e Estadas e SNC Despesas de Representação, "foram suportados pela A... e respeitam a utilizações feitas por L...".
6) Concorda-se, assim, com a conclusão do Ponto III.C.1 do RIT, de acordo com a qual tais encargos, não obstante lançados em contas da classe 6 e, por consequência, influenciando a determinação do lucro tributável, foram suportados para fins alheios à atividade da Requerente, pelo que, acrescidos dos encargos TPA no montante de € 7.766,68, por nenhum deles integrar a previsão legal de terem sido incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, devem ser acrescidos ao lucro tributável por forma a influenciarem o apuramento da matéria coletável no valor total a acrescer de 21.909,48 €
IV.D. As despesas não documentadas e respetiva tributação autónoma.
1) Dispõe o n.º 1 do artigo 88.º do CIRC que "as despesas não documentadas são tributadas autonomamente à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A".
2) O n.º 1 do artigo 23.º-A tem a seguinte redação: "Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação".
3) Existe, pois, no plano normativo, uma estrita relação causal entre "despesas não documentadas", ainda que contabilizadas como gastos do período de tributação, e a sua não dedutibilidade "para efeitos fiscais".
4) Como se refere no Manual de IRC (2016) da AT, antes citado, pp. 376, "Efetivamente, pretende-se a tributação de alguns encargos suportados ou despesas efetuadas pela empresa, que tradicionalmente seriam usados fora do âmbito da atividade empresarial ou teriam alguma componente remuneratória na sua génese".
5) ANA PAULA DOURADO, in Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 4.ª ed., 2019, pp. 249, escreve a propósito de "despesas não documentadas": "Do conceito de tributação do rendimento real decorre a não dedutibilidade de despesas relativamente às quais não existe prova documental, não sendo possível conhecer da sua natureza, origem ou finalidade - essa não dedutibilidade é inerente ao próprio conceito de tributação do rendimento real. Sabemos que há despesas não documentadas porque a contabilidade reflete uma diminuição do resultado líquido. É jurisprudência assente do STA que despesas não documentadas são «despesas relativamente às quais não existe prova documental, e tratar-se-á de despesas suportadas pelo sujeito passivo que em termos contabilísticos afetam o resultado líquido do exercício, diminuindo-o. O regime fiscal estabelece que para efeitos de determinação do lucro tributável tal diminuição não é relevante» (acórdão do STA, 204/10, 7/7/2010, Relatora Dulce Neto)" (negrito nosso)
6) Como salienta o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27 de Setembro de 2017, no processo n.º 0146/16, há que ter “presente o tipo de tributações autónomas em causa […], uma vez que, como veremos adiante, sob esta denominação cabem realidades com teleologia e finalidade distintas, a reclamarem tratamento diverso. Desde logo, porque a par das tributações autónomas sobre gastos, as mais frequentes, existem também tributações autónomas sobre rendimentos. Mas também, e essencialmente, porque há tributações autónomas (sobre despesas) que podem ser deduzidas para efeitos de determinação do lucro tributável e outras insuscetíveis de dedução” (negrito nosso)
7) Refere ainda o aresto citado que as “tributações autónomas, inicialmente previstas como meio de combater a evasão e fraude fiscais, designadamente as despesas confidenciais e não documentadas, reportavam-se a encargos fiscalmente não dedutíveis; ulteriormente, na prossecução da obtenção de receita fiscal, o seu âmbito foi progressivamente alargado a despesas cuja justificação do ponto de vista empresarial se revela duvidosa e a despesas que podem configurar uma atribuição de rendimentos não tributados a terceiros, relativamente às quais a dedutibilidade só era admitida se acompanhada pela tributação autónoma. […] a ratio legis parece ser, não só a de obviar à erosão da base tributável e consequente redução da receita fiscal, mas também a de tributar (na esfera de quem os distribui) rendimentos que de outro modo não conseguiriam ser tributados na esfera jurídica dos seus beneficiários.”
8) A salientar, pois, nesta dimensão, que a Requerente nada distribuiu, pois agiu em nome e por conta de terceiro. Quem distribuiu, indubitavelmente, foi a empresa angolana.
9) Consagra-se ainda em jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que a lei não faz depender a tributação autónoma baseada em despesas não documentadas da sua relevância como gastos para determinação do lucro tributável, como pode ver-se pelo acórdão do STA de 31-03-2016, processo n.º 0505/15: “As despesas em questão são tributadas apenas porque são efectuadas, havendo mesmo a cargo do contribuinte a obrigação de as tornar aparentes na sua declaração de rendimentos. Se todas ou parte delas poderiam ter sido consideradas como custos da empresa para efeitos da determinação do seu lucro tributável, aumentando a despesa fiscal com a consequente diminuição do lucro tributável, e a empresa por decisão consciente, ou esquecimento, não as considerou desse modo na sua declaração de rendimentos, nem por isso, elas perdem a sua natureza de despesas tributáveis em sede de tributação autónoma, que, por definição é uma tributação destacável da tributação em sede de IRC.”
10) Na verdade, assim é. O sentido e alcance da pronúncia é, porem, claramente, o de despesas que influenciariam a determinação do lucro tributável nos termos do disposto no artigo 23.º, ou não influenciariam nos termos do disposto no artigo 23.º-A. Não abrange, objetivamente, despesas que nunca poderia influenciar a determinação do lucro tributável, por serem despesas realizadas, legitimamente, em nome e por conta de terceiro.
11) Ora, face ao já decidido, subsistem como suscetíveis de serem qualificadas como despesas não documentadas as constantes dos quadros 16 (pp. 20) e 17 (pp. 21) do RIT.
12) O próprio RIT indica que tais "despesas" foram lançadas na conta SNC 211 e que, como cabalmente se deixou demonstrado, tais despesas não constituíram encargos que tivesse diminuído o lucro tributável da Requerente, antes se tratou, única e exclusivamente, de despesas efetuadas em nome e por conta de outra empresa e documentadas por um contrato de prestação de serviços com força probatória plena e oponível às autoridades fiscais portuguesas.
13) Como é bom de ver, porque efetuadas em nome e por conta de terceiro, se tais despesas não influenciaram a determinação do lucro tributável da Requerente, só o outro contraente, a sociedade K..., poderia facultar a prova pretendida pela AT.
14) E não se diga que tal seria naturalmente impossível, considerando que a empresa K... tem a sua sede e direção efetiva em Luanda - Angola. Com efeito, a IT não enveredou pela suscetibilidade de considerar a existência em território português de um estabelecimento estável daquela sociedade em Portugal, materializado no contrato de prestação de serviços celebrado com a Requerente, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 5.º do CIRC que considera incluírem-se na "noção de estabelecimento estável" "as atividades de prestação de serviços, incluindo serviços de consultoria, prestados por uma empresa, através dos seus próprios empregados ou de outras pessoas contratadas pela empresa para exercerem essas atividades em território português, desde que tais atividades sejam exercidas durante um período ou períodos que, no total, excedam 183 dias num período de 12 meses com início ou termo no período de tributação em causa".
15) Assim se concluindo pela inexistência de "despesas documentadas" e pela consequente inexigibilidade do imposto a título de tributação autónoma, uma vez que não estão verificados os requisitos de que o artigo 88.º faz depender essa tributação.
V. Dos juros indemnizatórios
1) A Requerente peticiona, como decorrência da invocada anulabilidade dos actos de liquidação de IRC e juros compensatórios, a restituição da importância indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
2) Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.
3) Dispõe, neste âmbito, o artigo 43.º da LGT que os juros indemnizatórios são devidos “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
4) Verifica-se que, na presente situação, ao dar-se provimento parcial ao pedido da Requerente, lhe assiste o direito a juros indemnizatórios, incidentes sobre a importância que deva, em execução de decisão arbitral, ser-lhe devolvida.
5) Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – art. 608.º do CPC, ex vi art. 29.º, 1, e) do RJAT.
VI. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
1) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular na mesma medida, quer o ato de indeferimento da reclamação graciosa que deu origem ao processo n.º ...2020... (objeto imediato do PPA) quer a liquidação adicional de IRC nº 2021..., e respetivos juros compensatórios, relativa ao exercício de 2016 (objeto mediato do PPA).
2) Determinar que o valor o imposto a anular seja determinado em execução de decisão arbitral, relevando para o efeito apenas o montante que nesta decisão se considerou ser de acrescer ao luro tributável.
3) Julgar totalmente improcedente a tributação autónoma no montante de €59.360,44.
4) Condenar a Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrarem devidos em execução de decisão arbitral.
5) Condenar a Requerente e a Requerida nas custas, na proporção do correspondente decaimento.
VII. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 160.249,93 (cento e sessenta mil, duzentos e quarenta e nove euros e noventa e três cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art.º 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VIII. Custas
Custas no montante de € 3.672.00 (três mil, seiscentos e setenta e dois euros) sendo 5,65% a cargo da Requerente, A..., SA e 94,35% a cargo da requerida (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).
Lisboa, 22 de Agosto de 2022
Os Árbitros
Fernando Araújo
(vota vencido – conforme declaração que junta)
Paulo Miguel Quinas Raposeiro
Manuel Faustino
DECLARAÇÃO DE VOTO
SUMÁRIO:
1. O problema: insuficiência face ao “standard” de prova
2. Factos não-provados
3. A limitação ao juízo de legalidade, dada a frustração do “standard” de prova
4. A questão da prova, da exigência formal de prova e da distribuição do ónus da prova, dada a negligência contabilística e a não-documentação
5. A questão da caracterização das despesas não documentadas, e respectiva tributação autónoma
6. Conclusões
1. O PROBLEMA: INSUFICIÊNCIA FACE AO “STANDARD” DE PROVA
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal deve basear a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16.º, e), do RJAT, e art. 607.º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, 1, e), do RJAT).
Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607.º, 5, do CPC, ex vi art. 29.º, 1, e), do RJAT).
Cabe ao Tribunal seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123.º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607.º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, 1, a) e e), do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e arts. 5.º, 2 e 411.º do CPC).
Excluem-se naturalmente da matéria de prova alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de comprovação e cuja veracidade tem de aferir-se em relação à matéria de facto já consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
A esta luz, as posições assumidas pelas partes desde o momento da inspecção tributária até aos presentes autos, os documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo, e as declarações das testemunhas e da parte inquiridas na reunião de dia 17 de Fevereiro de 2022 estão longe, na convicção do signatário, de preencher os requisitos mínimos de que dependeria a procedência integral do pedido de pronúncia arbitral.
Especificamente, os inquiridos na reunião de 17 de Fevereiro de 2022 são, ou foram, gerentes, funcionários e colaboradores da Requerente, pelo que a prova testemunhal e o depoimento de parte não contribuíram para dissipar as dúvidas e insuficiências notadas na prova documental: os depoimentos recolhidos revelavam a falta de conhecimento directo da maior parte dos factos, apontavam para uma caracterização algo vaga das relações da Requerente com a “cliente” angolana, não esclareciam as discrepâncias de valores nem o destino concreto dado aos fundos transferidos ou às despesas, apenas incutindo a convicção de que a Requerente terá desempenhado um papel puramente instrumental face à “cliente” angolana, e que nas relações entre ambas se insinuava uma confusão do plano empresarial com o plano pessoal dos sócios, em especial o dos sócios gerentes.
Pelo contrário, o que ficou evidenciado, e não foi desmentido, é que, no período em causa, foram demasiado abundantes as movimentações de fundos cuja conexão com a actividade económica desenvolvida pela Requerente se torna difícil de perceber.
Quanto à própria prova documental, seja a produzida no decurso do procedimento inspectivo, ou na resposta à notificação, ou em sede de direito de audição, ou na petição de reclamação graciosa, seja a apresentada no presente procedimento e processo, não pode deixar de constatar-se que exigências formais, como a do art. 23º, 4 do CIRC, reforçadas desde a reforma do IRC operada pela Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro, estão longe de estar preenchidas, dificilmente poderiam ser colmatadas com depoimentos, e efectivamente não o foram.
O “standard” de prova não foi, assim, atingido.
2. FACTOS NÃO-PROVADOS
O signatário entende, portanto, que ficaram por realizar:
a) A comprovação do funcionamento efectivo da conta corrente que a Requerente alega ter existido, em 2016, entre ela e a “cliente” angolana.
b) A discriminação completa e congruente dos rendimentos subjacentes aos pagamentos por cartão / terminal de pagamento (TPA), no montante de €293.810,00, inscritos no quadro 8 do RIT, para efeitos de comprovar que não se trata de meras variações patrimoniais positivas.
c) A comprovação completa e congruente dos rendimentos subjacentes aos movimentos não relevados contabilisticamente e inscritos no quadro 7 do RIT.
d) A comprovação documental completa e congruente dos movimentos financeiros de saída da conta bancária inscritos nos quadros 16, 17 e 20 do RIT.
e) A comprovação documental completa e congruente dos movimentos inscritos nos quadros 13 e 21 do RIT.
f) A comprovação documental completa e congruente dos movimentos inscritos nos quadros 14 e 22 do RIT.
g) A comprovação documental completa e congruente de que as despesas referenciadas nos quadros 24, 25, 26 e 27 do RIT foram efectivamente incorridas para garantir rendimentos sujeitos a IRC, para efeitos de aplicação do art. 23º CIRC.
3. A LIMITAÇÃO AO JUÍZO DE LEGALIDADE, DADA A FRUSTRAÇÃO DO “STANDARD” DE PROVA
Na aparência, dir-se-ia que as Partes convocam este Tribunal para dirimir um litígio que se foca nas minúcias das liquidações: para dar razão, ou indeferir, parcela a parcela, os totais que foram invocados pelas partes, e que convergiram para valores distintos quanto às correcções (€ 380.786,28 v € 202.950,85), além da questão das despesas não documentadas e respectiva tributação autónoma.
Todavia, seguir esse caminho seria não somente frágil e equívoco – visto que um Tribunal Arbitral está cingido a questões de legalidade (art. 2º, 1, a) e b) do RJAT) e não pode embrenhar-se em questões técnicas e contabilísticas de mérito das liquidações –, como se torna inútil e ocioso, da perspectiva, que é a do signatário, de que, a montante desse mérito das liquidações, se situam questões de “standard” de prova, com evidentes implicações no plano do ónus da prova.
Com efeito, para quê entrar em distinções e argumentos numa área que se tem, toda ela, por não-provada?
Com estes pressupostos, que não são os assumidos pela maioria neste tribunal, a decisão deveria concentrar-se em dois vectores, ambos assentes no ponto primordial da insuficiência da prova: a) a questão da prova, da exigência formal de prova e da distribuição do ónus da prova, dada a negligência contabilística e a não-documentação; b) a questão da caracterização das despesas não documentadas, e respectiva tributação autónoma.
Para cabal esclarecimento do voto de vencido, e por respeito à posição que fez vencimento neste Tribunal, cabe explorar esses dois vectores.
4. A QUESTÃO DA PROVA, DA EXIGÊNCIA FORMAL DE PROVA E DA DISTRIBUIÇÃO DO ÓNUS DA PROVA, DADA A NEGLIGÊNCIA CONTABILÍSTICA E A NÃO DOCUMENTAÇÃO.
Lembremos o princípio geral de que são dedutíveis, para efeitos de determinação da matéria colectável, os gastos contabilizados que visem, potencialmente, a obtenção ou garantia dos rendimentos que vão ser sujeitos a imposto (art. 23.º, 1 do CIRC).
Só que os gastos dedutíveis devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito (art. 23.º, 3 e 4); porque, na falta disso, pode ficar abalada, fundadamente, a putativa verdade declarativa.
Quanto à dedutibilidade de gastos, determina o art. 23.º, 1 do CIRC: “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”. Além disso, estabelece-se no n.º 3 do mesmo preceito que os gastos dedutíveis “devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”.
E o n.º 4 acrescenta que o documento comprovativo deve conter, pelo menos, (i) o nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, (ii) os números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se trate de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional, (iii) a quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados, (iv) o valor da contraprestação, designadamente o preço e (v) a data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.
Detectando-se erros na comprovação documental quando ela seja necessária, entra em jogo a regra do ónus da prova, não podendo deixar de aludir-se ao preceituado no artigo 75.º da LGT, que no seu n.º 1 determina: “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.
Todavia, o n.º 2 do artigo 75.º da LGT prevê um conjunto de situações em que a presunção de veracidade estabelecida no n.º 1 deixa de se verificar. Nomeadamente, aquela presunção não se verifica quando “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.
Veja-se, a propósito, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa: “Se as declarações ou a contabilidade e escrita apresentarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem a matéria tributável real do sujeito passivo, deixam de valer aquelas presunções. Por isso, a prova dos factos que são objeto da contabilidade fica sujeita às regras do ónus da prova (…) mesmo que não venha a ser feita a utilização de métodos indiretos de avaliação, será ao contribuinte que caberá demonstrar os factos relevantes para a fixação da matéria coletável, nos pontos em que há deficiências nas declarações, contabilidade ou escrita”. (Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª edição, Vislis, 2012, p. 665).
Veja-se também o acórdão do STA de 24/10/2007 (Processo n.º 0479/07): “Assim, a questão de direito que se coloca, e que é a única que cabe apreciar a este Supremo Tribunal Administrativo no âmbito dos seus poderes de cognição, consiste em saber se, no circunstancialismo que resulta da matéria de facto fixada, o ónus da prova da veracidade das referidas facturas cabia à Impugnante. [§] Esta questão terá de ser apreciada à face dos arts. 78.º e 121.º do CPT, vigentes nos momentos em que ocorreram os factos que, de resto, no que aqui interessa, têm teor idêntico aos arts. 75.º, n.º 1, da LGT e 100.º do CPPT, que lhes sucederam. (…) Assim, tendo o Tribunal Central Administrativo, depois da ponderação da prova produzida, chegado a uma situação de dúvida sobre a correspondência entre o teor das facturas em causa e a realidade, essa dúvida tem de ser processualmente valorada contra a Impugnante, por ser quem tem o ónus da prova (…) Consequentemente, não se tendo demonstrado que as operações comerciais referidas nas facturas em causa se realizaram efectivamente, a impugnação teria de improceder, como bem decidiu o Tribunal Central Administrativo”.
E o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) de 14/01/2021 (Processo n.º 469/09.8BESNT): “Para tanto, é suficiente que a AT demonstre a existência de “indícios fundados” (indícios que devem ser objetivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais) para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte (…) Por outras palavras, a AT não necessita de demonstrar a falsidade das faturas, basta-lhe evidenciar a consistência daquele juízo, invocando factos que traduzam uma probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade (art.75.º da LGT)”.
Em suma: colocada em causa a efectiva realização dos gastos, verificados erros e inexactidões patentes nas facturas e noutros documentos de suporte dos gastos, para além de certas incongruências ou menor clareza nas explicações dadas pela Requerente quanto à realização desses gastos, o nº 2 do art. 75º da LGT entra a operar e cessa a presunção de veracidade do nº 1 do mesmo artigo, passando a recair sobre a Requerente o ónus da prova, incumbindo-lhe fornecer comprovativos susceptíveis de vencerem os “indícios fundados” apresentados pela AT.
Lembremos também o art. 23º-A do CIRC
“Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais
1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
a) (...)
b) As despesas não documentadas;
c) Os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 23.º, bem como os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º”.
Os gastos, para serem relevantes para efeitos fiscais, para serem dedutíveis, carecem, pois, e antes de mais, de se encontrar documentados.
E, assim, serão encargos não dedutíveis, não aceites enquanto gasto fiscal, aqueles que, ainda que aceites como custo contabilístico, não cumpram com o que o legislador fiscal exige.
Em IRC estamos a tratar do rendimento de pessoas colectivas, pelo que aí predomina a exigência de documentação, por definição, desde logo por determinação do legislador, e em cumprimento também do comando constitucional, que estabelece que a tributação das empresas dever assentar fundamentalmente no seu rendimento real (cfr. art.º 104.º, 2 da CRP).
Isso articula-se com o art.º 17.º, 1, do CIRC: “O lucro tributável (…) é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinadas com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.” E no n.º 3 do mesmo dispositivo, “De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve: a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código; b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.”
E, em coerência, estabelece o art.º 123.º do CIRC: “As sociedades (…) são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do art.º 17.º, permita o controlo do lucro tributável. […] 2. Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte: a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário; b) As operações devem ser registadas cronologicamente, (…)”.
Como já foi referido, as exigências formais de documentação que constam do art. 23.º, 4 do CIRC foram manifestamente acentuadas pela reforma do IRC operada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, pelo que, em princípio, deixou de ser admissível, no caso de falta dos requisitos mínimos, a possibilidade de utilização de quaisquer meios de prova da materialidade das operações cujos encargos estivessem indevidamente documentados, que era admitida jurisprudencialmente à face do regime legal anterior.
Nestas situações especiais de indedutibilidade por deficiências de documentação, o que justifica a não dedutibilidade não é a eventualidade de as despesas não terem sido efectuadas, mas sim o incumprimento dos deveres de documentação, com o que se tem em vista impor ao sujeito passivo o cumprimento desses deveres, facilitando à AT o desempenho da sua missão de controle da actividade tributária dos sujeitos passivos.
No entanto, nos casos em que possa ser apurada com segurança pela AT a materialidade da operação insuficientemente documentada, é de aventar que possam ser dispensadas certas exigências formais de prova relativas à dedutibilidade de encargos contabilizados, por imposição dos princípios constitucionais da proporcionalidade (artigo 266.º, n.º 2, da CRP), da tributação pelo lucro real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP) e com base na capacidade contributiva (que decorre do princípio da igualdade, enunciado no artigo 13.º da CRP), mas sem olvidar que estes princípios não são absolutos, antes têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos, pelo que não se opõem a que, legislativamente, numa ponderação global dos interesses em presença, deva dar-se prevalência à protecção do interesse público na efectividade do combate à fuga e evasão fiscal, subjacente à imposição das exigências formais de documentação.
Quanto à distribuição do ónus da prova, cabe ainda referir a fundamentação da decisão arbitral proferida no processo 235/2020-T: “Não tem a AT o ónus de prova de cada concreta despesa, o que, relativamente a despesas não documentadas e não contabilizadas, seria probatio diabolica, de postulado que temos por inadmissível.”
Há quem entenda que a AT teria o dever de carrear para o procedimento a documentação e informação necessárias à descoberta da verdade material, como se isso fosse corolário do princípio do inquisitório, vertido no artigo 58.º da LGT, que estabelece que “a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”.
Mas a prova diabólica de cada despesa do sujeito passivo, a cargo da AT, não pode ser corolário desse princípio, nem esse princípio pode ser pretexto para o incumprimento dos deveres acessórios declarativos do contribuinte.
O contribuinte, que é quem normalmente dispõe (ou devia dispor) dos elementos passíveis de comprovação, tem que facultá-los à AT, também ao abrigo do princípio da colaboração (artigo 48.º, n.º 2 do CPPT).
Um afloramento deste princípio do inquisitório consta também do artigo 6.º do RCPITA, onde se lê que “o procedimento de inspecção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo”.
Esse mesmo princípio tem como necessária decorrência que a Administração deva levar a efeito as diligências que entenda serem úteis no âmbito do procedimento, sem se encontrar subordinada à iniciativa do contribuinte.
Certo é que esse poder-dever é meramente complementar relativamente às obrigações declarativas e contabilísticas do sujeito passivo, apenas se justificando a realização de diligências oficiosas quando os elementos instrutórios que tenham sido recolhidos a partir dos registos contabilísticos do sujeito passivo não permitam esclarecer certos aspectos da relação tributária, e se torne necessária uma mais completa indagação.
Por outro lado, é muito relevante a detectada ausência de rigor contabilístico – no sentido de a contabilidade não ser fiável na revelação, caso a caso e em todos os casos, das discrepâncias entre aquilo que ficou registado e aquilo que efectivamente se passou.
É que é através da contabilidade que é possível conhecer as operações que as empresas realizam juntamente com os respectivos resultados, nomeadamente os bens detidos na actividade, o dinheiro disponível para pagamentos, os pagamentos efectuados, as dívidas contraídas, os créditos concedidos e os prazos de liquidação, juntamente com toda a informação relevante sobre a empresa e o seu contexto económico e financeiro.
Nos termos do artigo 31.º, 2 da LGT “são obrigações acessórias do sujeito passivo, designadamente, as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações.”
Essas obrigações assessórias devem ser cumpridas no quadro de um dever geral de boa prática tributária, sendo a apresentação, atempada e rigorosa, da contabilidade financeira, nos termos dos arts 120.º e 121.º do CIRC, necessária à publicidade e disponibilidade de toda a informação financeira sobre o histórico das operações da empresa, devidamente identificadas, reconhecidas e mensuradas.
Nos termos do art. 123.º, 2 e 3, do CIRC, todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário, devendo as operações ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos. Aí se dispõe, igualmente, que não são permitidos atrasos na execução da contabilidade superiores a 90 dias, contados do último dia do mês a que as operações respeitam.
Sendo esta informação contabilística indispensável para a tomada de decisões esclarecidas e racionais de investidores, financiadores, trabalhadores, fornecedores ou clientes, é também com base nela que as entidades públicas em geral levam a cabo as suas funções de regulação e controlo da actividade económica, e que a AT, em especial, realiza a sua indeclinável tarefa de verificação da ocorrência de factos tributários e liquidação e cobrança dos impostos legalmente correspondentes.
Compreende-se, pois, que as demonstrações financeiras assumam, para a AT, uma relevância primordial, e que seja desencorajada, por todos os meios, uma contabilidade pouco diligente, se não mesmo negligente, incompatível com a função regulatória do IRC.
Podem existir múltiplas explicações para a saída não documentada de fundos da sociedade, como, a título de exemplo, lucros ou adiantamentos por conta de lucros efetuados a sócios, empréstimos efetuados a sócios, erros em lançamentos contabilísticos, entre tantas outras.
Mas, na ausência de documentos de suporte ou outros elementos de prova que possam indicar a respetiva finalidade (dos dispêndios), a saída de fundos permanece na categoria de despesa não documentada.
Como salienta a decisão arbitral nº 235-2020-T: “[…] o ónus da prova dos alegados erros e irregularidades recai sobre a Requerente, por força do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que a falta de prova que permite concluir pela sua existência tinha de ser valorada no procedimento tributário e no presente processo contra a Requerente. De resto, é a Requerente que está em melhor posição probatória, dispondo ou devendo dispor dos elementos documentais e materiais necessários e suficientes para justificar as saídas de valores da empresa e evitar a incidência de tributação autónoma. [§] Por isso, há fundamento factual para a conclusão subjacente à liquidação impugnada, de que se está perante «despesas não documentadas», para efeitos do artigo 88.º, n.º 1, do CIRC, consubstanciadas por saída de meios financeiros da empresa sem documentos de suporte que permitam concluir pelo destino que lhes foi dado. [§] Não tem aqui aplicação, quanto à existência do facto tributário gerador da tributação autónoma, o preceituado no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, pois apenas é aplicável quando exista «fundada dúvida» e, neste caso, não se vislumbram razões que abalem a presunção de terem ocorrido despesas não documentadas a que conduzem as presunções referidas. […] Acresce que, ao não contabilizar tais despesas – daí, o saldo elevado da conta 11-Caixa – a Requerente torna opacas as saídas de caixa, as quais podem ter tido lugar por mero esvaziamento dos meios monetários gerados pelas prestações de serviços de restauração, como torna opacas as datas em que tal ocorreu.”
De igual modo, a decisão arbitral no processo 752/2019-T, de 3 de Outubro de 2020, pronuncia-se no sentido de que, tendo sido a Requerente “notificada para apresentar elementos contabilísticos e prestar esclarecimentos”, teve a oportunidade de juntar documentos de suporte de despesas a justificar a divergência. Acrescenta que “o Relatório de Inspecção Tributária tem valor probatório próprio que apenas poderia ter sido posto em causa caso a Requerente tivesse logrado pôr em dúvida os resultados probatórios aí coligidos, o que manifestamente não ocorreu. Com efeito a Requerente não prova quais as despesas efetivas que a sociedade teve no ano de 2015 e quais terão sido despesas que possam ter ocorrido nos anos anteriores e que tivessem deixado de passar pela contabilidade.”
Neste âmbito, salienta ainda o acórdão do STA de 27 de fevereiro de 2019, proferido no processo n.º 01424/05.2BEVIS, que “para que a AT proceda à correção do lucro tributável por desconsideração dos custos suportados por faturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efetivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.” Para este efeito, “basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar esses custos, factualidade essa que tem de ser suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito de deduzir os custos ao lucro tributável) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efetivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”
E é relevante também a argumentação expendida na decisão arbitral do processo n.º 604/2020-T: “Desde logo há que notar, quanto à generalidade das correcções relativas a gastos não fiscalmente aceites, que a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, prevista no artigo 75.º, n.º 1, da LGT, que a Requerente invoca, não tem o alcance de afastar a necessidade de satisfação dos requisitos de que depende a dedutibilidade de gastos, como resulta do próprio teor expresso da parte final desta norma: [§] Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos. [§] Isto é, em matéria de dedutibilidade de gastos, não se aplica esta presunção, pelo que tem aplicação a regra geral do artigo 74.º, n.º 1, da LGT que estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque». [§] Desta regra resulta que o ónus da prova, em matéria de dedutibilidade de gastos, recai sobre o contribuinte que pretende ver deduzidos os encargos, pelo que a falta da prova exigida por lei deve, em princípio, ser valorada contra o contribuinte, afastando a dedutibilidade dos gastos não provados nos termos previstos na lei. Diz-se, «em princípio» porque esta regra geral do ónus da prova é temperada pela do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que impõe as anulações dos actos impugnados, nos casos de «fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário». [§] É a esta luz que há que apreciar as correcções efectuadas em matéria de dedutibilidade de gastos. […] Afigura-se que, não tendo sido requeridas ou sugeridas pela Requerente quaisquer diligências, para além de apresentação de prova documental adicional, designadamente não tendo sequer aventado a produção de prova testemunhal, a que alude no presente processo, não havia razão para a Autoridade Tributária e Aduaneira decidir produzi-la, pois os meios de prova a que o contribuinte tem acesso devem ser oferecidos, no âmbito do seu dever de cooperar com boa-fé na instrução do procedimento, como resulta do teor expresso do n.º 2 do artigo 48.º do CPPT. [§] Neste contexto, não se demonstra violação dos deveres de realização de diligências impostos à Autoridade Tributária e Aduaneira pelo princípio do contraditório, enunciado no artigo 58.º da LGT.”
Como dissemos antes, a falta de cumprimento adequado de “standards” de prova deveria idealmente dispensar este Tribunal de entrar no caminho melindroso de apreciações quanto ao mérito técnico ou contabilístico das conclusões do RIT e das liquidações nelas fundadas, e ora contestadas.
5. A QUESTÃO DA CARACTERIZAÇÃO DAS DESPESAS NÃO DOCUMENTADAS, E RESPECTIVA TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA
Talvez caiba, em intróito a este ponto, uma questão: pode uma divergência entre a contabilidade e os saldos reais converter-se automaticamente em despesa não documentada?
Embora o n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, estabeleça que “as despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A”, em parte alguma o CIRC define o que sejam essas despesas não documentadas.
Existem precedentes arbitrais e jurisdicionais que recusam a transformação automática da constatação de uma divergência entre os valores contabilísticos e reais da caixa numa despesa não documentada.
Na decisão do processo 7/2011-T escreveu-se: “no caso em análise, as irregularidades na contabilidade do sujeito passivo, incluindo a existência de dúvidas, resultantes dessas irregularidades, sobre se certas despesas foram incorridas ou não (se há dúvidas sobre se elas foram incorridas, também não há documentação relevante), não podem cair na categoria de despesas não documentadas, mas são antes pressupostos de aplicação de métodos indiretos nos termos do art.º 87.º al. b) e 88.º da LGT.”
Na declaração de voto de vencido nesse processo – na qual se viria a filiar a maioria das decisões subsequentes da jurisdição arbitral – escrevia-se, pelo contrário: “atentos a letra e espírito do artigo 88.º n.º 1 CIRC, devem ser incluídas na tributação autónoma em causa não apenas as despesas não documentadas, contabilizadas como gastos, mas também aquelas com as mesmas características, isto é, não documentadas que, devendo ter sido reconhecidas na contabilidade, como gastos, embora fiscalmente não dedutíveis, não o foram e, portanto, não afectaram o resultado, não existindo razão excludente das vias que, embora não sejam ou possam não ser as mais evidentes, não deixam de implicar despesas não documentadas. Aliás, a irrelevância da contabilização, como gasto, de encargos não dedutíveis resulta ainda do proémio do artigo 45.º do CIRC.”
A ideia de que movimentações contabilísticas sem suporte documental poderiam ser reconduzidas a uma despesa não documentada foi depois alargada a situações em que nem sequer havia movimentação contabilística, como era o caso da ausência de registos de saída da caixa.
Como se escreveu na decisão do processo 284/2020-T para este caso específico, “Conforme refere a decisão arbitral no processo n.º 213/2020-T, o significado de despesas não documentadas reconduz-se a saídas de meios financeiros do património empresarial, por movimentação da conta caixa ou de contas bancárias (onde esses meios financeiros estavam registados), desprovidas de suporte documental.”
No fundo, defrontam-se duas concepções de despesa indocumentada nas posições indicadas: uma exige a verificação dessa despesa por acção (supõe que se possa identificar uma certa operação a que falta formalização), outra basta-se com a constatação dessa operação por omissão (designadamente, supõe que onde haja uma falta de ativos na caixa houve uma despesa equivalente).
Note-se que, uma vez que as despesas não documentadas não são só as despesas que são feitas a partir da caixa (nem estas serão, talvez, as principais despesas não documentadas), nada impede que haja diferentes concepções para umas e para outras.
Pode haver oscilações no seu enquadramento como antecipação de lucros aos sócios (como no processo arbitral 3/2017-T), ou para seu enquadramento como despesas não documentadas.
Deve, em todo o caso, concluir-se que, em matéria de desconformidade entre os valores contabilísticos supostamente disponíveis na caixa e os valores reais aí apurados por contagem realizada pelos serviços de inspecção tributária, a diferença é imputável a uma despesa não documentada.
Como referimos atrás, o artigo 88.º, n.º 1 do Código do IRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, dispõe o seguinte:
“Artigo 88.º
Taxas de tributação autónoma
1 — As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A.”
Esta disciplina teve como antecedente a tributação das então denominadas “despesas confidenciais ou não documentadas”, que foi iniciada pelo art. 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, à taxa autónoma de 10%, incrementada para 25% pelo artigo 29.º da Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro.
Mais tarde, o art. 6.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, aditou ao CIRC o art. 69.º-A que, sob a epígrafe “Taxas de tributação autónoma”, passou a integrar esta matéria no Código, determinando a respectiva tributação à taxa agravada de 50%, ao abrigo do seu n.º 1. Foi simultaneamente revogada, pelo art. 7.º, 11 daquela Lei n.º 30-G/2000, a norma avulsa constante do art. 4.º do citado Decreto-lei n.º 192/90.
Com a Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, foi eliminada a referência a despesas confidenciais, passando o artigo 81.º (actual artigo 88.º) do CIRC a contemplar apenas a expressão “despesas não documentadas”, mantendo-se a taxa de 50%.
A eliminação das despesas confidenciais do elenco dos factos sujeitos a tributação autónoma, mantendo-se, no entanto, o mesmo regime de tributação sob a categoria de despesas não documentadas, das quais as primeiras são um subconjunto, limitou-se a remover uma redundância, pois a despesa confidencial é também uma despesa não documentada, sendo “duvidoso que a distinção entre as duas figuras tenha tido alguma relevância no nosso regime fiscal enquanto existiu”, como assinala a decisão arbitral n.º 7/2011-T, de 20 de Setembro de 2012.
Neste âmbito, convém também notar que a tributação autónoma incide sobre distintas tipologias de despesas, com diferentes objectivos, e “as considerações a respeito de certo tipo de tributações autónomas, podem não ser pertinentes e válidas relativamente a outro tipo de tributações autónomas” (cfr. decisão arbitral proferida no processo n.º 256/2018, de 12 de Fevereiro de 2019).
Como salienta o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27 de Setembro de 2017, no processo n.º 0146/16, há que ter “presente o tipo de tributações autónomas em causa […], uma vez que, como veremos adiante, sob esta denominação cabem realidades com teleologia e finalidade distintas, a reclamarem tratamento diverso. Desde logo, porque a par das tributações autónomas sobre gastos, as mais frequentes, existem também tributações autónomas sobre rendimentos. Mas também, e essencialmente, porque há tributações autónomas que podem ser deduzidas para efeitos de determinação do lucro tributável e outras insuscetíveis de dedução”.
Refere ainda o aresto citado que as “tributações autónomas, inicialmente previstas como meio de combater a evasão e fraude fiscais, designadamente as despesas confidenciais e não documentadas, reportavam-se a encargos fiscalmente não dedutíveis; ulteriormente, na prossecução da obtenção de receita fiscal, o seu âmbito foi progressivamente alargado a despesas cuja justificação do ponto de vista empresarial se revela duvidosa e a despesas que podem configurar uma atribuição de rendimentos não tributados a terceiros, relativamente às quais a dedutibilidade só era admitida se acompanhada pela tributação autónoma. […] a ratio legis parece ser, não só a de obviar à erosão da base tributável e consequente redução da receita fiscal, mas também a de tributar (na esfera de quem os distribui) rendimentos que de outro modo não conseguiriam ser tributados na esfera jurídica dos seus beneficiários.”
É evidente a finalidade anti-elisiva da tributação autónoma das despesas não documentadas, e a clara afirmação de que estas não têm de ser despesas que em termos contabilísticos afectem o resultado do exercício.
Existem, de facto, algumas situações em que a dedução fiscal do gasto é pressuposto da incidência de certas tipologias de tributações autónomas, mas no caso específico das despesas não documentadas tal não sucede. Aliás, pelo contrário, conforme referido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 146/16, as despesas não documentadas (como as anteriores despesas “confidenciais”) reportam-se a encargos fiscalmente não dedutíveis.
Assim, é de entender que as despesas não documentadas a que se refere o art. 88.º, 1, do CIRC se reconduzem a saídas de meios financeiros do património da empresa sem um documento de suporte que permita apurar o seu destino, ou o seu beneficiário.
Este entendimento é o que assegura o sentido útil e a finalidade regulatória do preceito em causa, portanto o entendimento que adequadamente valora o elemento finalístico da lei.
A respeito da análise de uma questão de retroactividade no domínio fiscal, também o Tribunal Constitucional se pronuncia sobre a caracterização da tributação autónoma de despesas não documentadas, fazendo-o nos seguintes moldes: “estamos perante despesas que são incluídas na contabilidade da empresa, e podem ter sido relevantes para a formação do rendimento, mas não estão documentadas e não podem ser consideradas como custos, e que, por isso, são penalizadas com uma tributação de 50%. A lógica fiscal do regime assenta na existência de um presumível prejuízo para a Fazenda Pública, por não ser possível comprovar, por falta de documentação, se houve lugar ao pagamento do IVA ou de outros tributos que fossem devidos em relação às transações efetuadas, ou se foram declarados para efeitos de incidência do imposto sobre o rendimento os proventos que terceiros tenham vindo a auferir através das relações comerciais mantidas com o sujeito passivo do imposto. Para além disso, a tributação autónoma, não incidindo diretamente sobre um lucro, terá ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de ilicitude penal ou de menor transparência fiscal.” – acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/2011, de 12 de janeiro de 2011.
Com relevância para a determinação da natureza da tributação autónoma, afirma ainda o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 197/2016, de 13 de abril de 2016, que: “O IRC incide sobre os rendimentos obtidos e os lucros diretamente imputáveis ao exercício de uma certa atividade económica, por referência ao período anual, e tributa, por conseguinte, o englobamento de todos os rendimentos obtidos no período de tributação. Pelo contrário, na tributação autónoma em IRC - segundo a própria jurisprudência constitucional -, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, caracterizando-se como um facto tributário instantâneo que surge isolado no tempo e gera uma obrigação de pagamento com caráter avulso. Por isso se entende que estamos perante um imposto de obrigação única, por contraposição aos impostos periódicos, cujo facto gerador se produz de modo sucessivo ao longo do tempo, gerando a obrigação de pagamento de imposto com caráter regular (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 310/2012). [§] Como é de concluir, a tributação autónoma, embora prevista no CIRC e liquidada conjuntamente com o IRC para efeitos de cobrança, nada tem a ver com a tributação do rendimento e os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa, uma vez que incidem sobre certas despesas que constituem factos tributários autónomos que o legislador, por razões de política fiscal, quis tributar separadamente mediante a sujeição a uma taxa predeterminada que não tem qualquer relação com o volume de negócios da empresa (acórdão do STA de 12 de abril de 2012, Processo n.º 77/12).”
Resulta das considerações expostas que as tributações autónomas têm diversas finalidades além da reditícia, destacando-se no caso das despesas não documentadas, a de prevenção da fraude e evasão fiscais (anti-abuso) e a sancionatória ou penalizadora, associadas ao facto de, provavelmente, ou em muitos casos, aquelas despesas terem conexão com a distribuição de proventos que não serão tributados na esfera dos beneficiários (embora devessem sê-lo), ou que escapam à tributação em IVA, presumindo-se o inerente prejuízo para a Fazenda Pública e a desigualdade na repartição dos encargos públicos. A que acresce, eventualmente, poderem respeitar a atuações ilícitas, designadamente a práticas ilegais de corrupção.
Por outro lado, da jurisprudência constitucional citada infere-se que o facto gerador da tributação autónoma corresponde à “realização da despesa” e é caracterizado como um facto tributário instantâneo que gera uma obrigação de pagamento com caráter avulso, de obrigação única, por contraposição aos impostos periódicos.
Há muito a doutrina reconheceu que “A introdução do mecanismo de tributação autónoma é justificada por se reportar a despesas cujo regime fiscal é difícil de discernir por se encontrarem numa “zona de intersecção da esfera privada e da esfera empresarial”, e tem em vista prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respectivos beneficiários, tendo também o objetivo de combater a fraude e a evasão fiscais” (Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra, p. 407).
Lembremos que, para além disso, a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere, não à percepção de um rendimento, mas à realização de despesas).
E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afectar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem, tanto quanto possível, as despesas que afectem negativamente a receita fiscal.
Torna-se claro, portanto, que a tributação autónoma não põe em causa o princípio da tributação das empresas segundo o rendimento real e o princípio da capacidade contributiva.
Com efeito, como se fez notar, o IRC e a tributação autónoma são impostos distintos, com diferente base de incidência e sujeição a taxas específicas. O IRC incide sobre os rendimentos obtidos e os lucros diretamente imputáveis ao exercício de uma certa atividade económica, por referência ao período anual, e tributa, por conseguinte, o englobamento de todos os rendimentos obtidos no período tributação.
Pelo contrário, na tributação autónoma em IRC, segundo a própria jurisprudência constitucional, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, caracterizando-se como um facto tributário instantâneo que surge isolado no tempo e gera uma obrigação de pagamento com caráter avulso.
Por isso estamos perante um imposto de obrigação única, por contraposição aos impostos periódicos, cujo facto gerador se produz de modo sucessivo ao longo do tempo, gerando a obrigação de pagamento de imposto com caráter regular.
Infere-se, novamente, que as normas dos n.ºs 13 e 14 do artigo 88.º do CIRC não violam o princípio da tributação das empresas segundo o rendimento real, consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição. Este princípio reflecte o direito do contribuinte de ser tributado sobre os lucros efetivamente verificados, e que são variáveis de ano para ano, e não sobre os lucros normais, isto é, sobre os lucros que a empresa poderia obter operando em condições normais e que poderiam exceder ou ficar aquém dos efetivamente obtidos. E pressupõe que a determinação do lucro tributável seja efectuada de acordo com a contabilidade da empresa, com base na documentação e comprovação das receitas e dos custos do sujeito passivo.
Conjuguemos estes princípios com a matéria das despesas não documentadas, lembrando que, como se estabelecia na decisão do processo nº 7/2011-T, a tributação autónoma das despesas não documentadas incide sobre despesas e não sobre o rendimento, ainda menos sobre o lucro do exercício: “a tributação autónoma de despesas não documentadas na esfera jurídica de quem nelas incorre é, na perspetiva deste sujeito passivo, uma tributação da despesa e não do rendimento, com uma finalidade penalizadora, de antiabuso e implicando uma responsabilidade tributária”.
Aliás, como bem se consagra em jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, a lei não faz depender a tributação autónoma baseada em despesas não documentadas da sua relevância como gastos para determinação do lucro tributável, como pode ver-se pelo acórdão do STA de 31-03-2016, processo n.º 0505/15: “As despesas em questão são tributadas apenas porque são efectuadas, havendo mesmo a cargo do contribuinte a obrigação de as tornar aparentes na sua declaração de rendimentos. Se todas ou parte delas poderiam ter sido consideradas como custos da empresa para efeitos da determinação do seu lucro tributável, aumentando a despesa fiscal com a consequente diminuição do lucro tributável, e a empresa por decisão consciente, ou esquecimento, não as considerou desse modo na sua declaração de rendimentos, nem por isso, elas perdem a sua natureza de despesas tributáveis em sede de tributação autónoma, que, por definição é uma tributação destacável da tributação em sede de IRC.”
Na jurisprudência arbitral já havia sido defendido este entendimento, designadamente no voto de vencido proferido por Manuel Pires no processo n.º 7/2011-T: “devem ser incluídas na tributação autónoma em causa não apenas as despesas não documentadas, contabilizadas como gastos, mas também aquelas com as mesmas características, isto é, não documentadas que, devendo ter sido reconhecidas na contabilidade, como gastos, embora fiscalmente não dedutíveis, não o foram e, portanto, não afectaram o resultado, não existindo razão excludente das vias que, embora não sejam ou possam não ser as mais evidentes, não deixam de implicar despesas não documentadas”.
Assim, na linha desta jurisprudência, é de reforçar o entendimento, já exposto, de que as despesas não documentadas a que se refere o artigo 88.º, n.º 1, do CIRC se reconduzem a saídas de meios financeiros do património da empresa sem um documento de suporte que permita apurar o seu destino ou o seu beneficiário.
Este entendimento é o que melhor garante o sentido útil e a finalidade regulatória do preceito em causa, portanto o entendimento que adequadamente valora o elemento finalístico da lei.
No mesmo voto de vencido proferido por Manuel Pires no processo n.º 7/2011-T, acima referenciado, são trazidos à colação, sobretudo por referência a arestos do Tribunal Constitucional, dogmáticas clarificadoras de quão afastadas estão as tributações autónomas da fenomenologia própria do IRC enquanto imposto sobre o rendimento: “Quanto ao espírito do preceito [n.º 1 do art. 88.º do CIRC], escreve-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/2011, de 12 de Janeiro de 2011, Processo n.º 204/2010 e que, aliás, é transcrito no acórdão do presente processo: «A lógica fiscal do regime assenta na existência de um presumível prejuízo para a Fazenda Pública, por não ser possível comprovar, por falta de documentação, se houve lugar ao pagamento do IVA ou de outros tributos que fossem devidos em relação às transacções efectuadas, ou se foram declarados para efeitos de incidência do imposto sobre o rendimento os proventos que terceiros tenham vindo a auferir através das relações comerciais mantidas com o sujeito passivo do imposto. Para além disso, a tributação autónoma, não incidindo directamente sobre um lucro, terá ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afectar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de ilicitude penal ou de menor transparência fiscal» (cfr. ainda acórdão do mesmo Tribunal n.º 310/2012, de 20 de Junho de 2012, Processo n.º 150/12).”
Na verdade, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/2011 inclui outra asserção, que temos por relevante, não transcrita no referido voto de vencido: “no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e, por isso, passível de tributação.”
Regressamos ao voto de vencido: “E escreve-se também no Acórdão do STA, de 21 de Março de 2012, Processo n.º 0830/11: «Sobre a razão de ser das tributações autónomas, segundo a doutrina dominante, o legislador criou taxas de tributação autónomas que visam aplicar-se a determinado tipo de despesas com vista a dissuadir as sociedades, no caso de IRC, a apresentá-las com regularidade e de elevado montante, para evitar que os sujeitos passivos de IRC utilizem determinadas despesas para proceder a distribuição camuflada de lucros e para evitar a fraude e a evasão fiscal». Vê-se, assim, a amplitude do objectivo da norma, não se encontrando, face à sua letra e ao seu espírito e considerando a teoria da interpretação das leis fiscais - que hoje observa as regras e princípios gerais da interpretação das leis (artigo 11.º n.º 1 LGT) -, razão para se limitar a respectiva aplicação aos casos de contabilização da despesa como gasto ou/e ser necessário afectar o resultado líquido do período de tributação, visto, desse modo, poder alcançar-se o que a lei não deseja, sem qualquer influência no respectivo resultado, como sucede no caso. Em conformidade, atentos a letra e espírito do artigo 88.º n.º 1 CIRC, devem ser incluídas na tributação autónoma em causa não apenas as despesas não documentadas, contabilizadas como gastos, mas também aquelas com as mesmas características, isto é, não documentadas que, devendo ter sido reconhecidas na contabilidade, como gastos, embora fiscalmente não dedutíveis, não o foram e, portanto, não afectaram o resultado, não existindo razão excludente das vias que, embora não sejam ou possam não ser as mais evidentes, não deixam de implicar despesas não documentadas. Aliás, a irrelevância da contabilização, como gasto, de encargos não dedutíveis resulta ainda do proémio do artigo 45.º do CIRC. Na situação em análise, temos uma saída de caixa cuja contrapartida não se provou ser um activo (o valor em «Devedores» não foi provado ser uma verdadeira dívida de terceiros, aliás, nem se sabe quem é o terceiro). Coerentemente, entendo, no caso sub judice, ser devida tributação autónoma, nos termos do acima citado artigo 88.º n.º 1.”
De tudo isto infere o signatário a legitimidade e a legalidade da sujeição a tributação autónoma de todas as despesas não documentadas que o RIT encontrou nas contas da Requerente – sem excepcionar qualquer uma, visto que, como ficou abundantemente demonstrado na argumentação precedente, as finalidades da tributação autónoma não autorizam que se discrimine dentro do universo das despesas não documentadas.
6. CONCLUSÕES
Ressalvado o maior respeito pela posição vencedora neste Tribunal, seria este caminho de pressupostos e de fundamentação que levariam o signatário até a um desfecho diferente, o de uma decisão de total improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com todas as consequências (manutenção na ordem jurídica da liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, e do acto de indeferimento da reclamação graciosa que deram origem ao processo, absolvição da Requerida de todos os pedidos, nomeadamente pedidos relativos à restituição de qualquer tributo pago em excesso e ao pagamento de juros indemnizatórios).
(Fernando Araújo)
[1] No mesmo sentido, podem ver-se (sem caráter de exaustividade): DGCI, Código do IRC Comentado e Anotado, Lisboa, 1990, pp. 142; Francisco Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do IRC, Anotado e Comentado, 4.ª ed., Rei dos Livros, Lisboa, 1994, pp. 157/158; AT, Manual do IRC, Lisboa, 2016, pp. 82/84; Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 9/19; M. H. de Freitas Pereira, A Base Tributável do IRC, CTF n.º 360, pp. 133/135, Maria Helena Martins, O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, in Lições de Fiscalidade, Princípios Gerais e Fiscalidade Interna, Coordenação de João Ricardo Catarino e Vasco Branco Guimarães, 7.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2020, pp. 352/353; Tomás Maria Cantista de Castro Tavares, Da Relação de Dependência entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, CTF n.º 396, pp. 62/73; José Casalta Nabais, Manual de Direito Fiscal, 10ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, pp. 543/548;
[2] Os administradores legais dos bens dos filhos menores são, em regra, aqueles a quem incumbe a direção do agregado familiar (hoje "responsabilidades parentais), como resulta do disposto nos artigos 1888.º e seguintes do Código Civil, estando mesmo consagrada a dispensa de apresentação de conta (artigo 1899). Não é aqui o local adequado para se efetuarem juízos de moral ou de ética sobre o que é que os pais fazem com o dinheiro dos filhos.