Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 724/2014-T
Data da decisão: 2015-04-29  Selo  
Valor do pedido: € 4.317,55
Tema: IS - Verba n.º 28 da TGIS; Propriedade vertical
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

1. A sociedade A, Lda. (doravante “Requerente”), com o número de identificação fiscal (“NIF”) …, com sede na …, apresentou, no dia 17 de Outubro de 2014, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de tribunal arbitral, de forma a serem declaradas ilegais as liquidações, já pagas, infra detalhadas:

 

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

referentes a Imposto do Selo (“IS”), no montante total de € 4.317,55, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “ATA”).

A) Constituição do Tribunal Arbitral

2. Nos termos do disposto na alínea a) no n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 5 de Dezembro de 2014.

3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 23 de Dezembro de 2014.

 

 

B) História processual

4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade das liquidações de IS detalhadas supra, respeitantes ao ano de 2013, por referência a um prédio urbano, constituído em propriedade vertical, situado na Rua …, inscrito na matriz predial da freguesia de ..., sob o artigo ....

5. A ATA apresentou resposta, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não se verificar qualquer vício de violação de lei, solicitando que os actos tributários em análise, por não violarem qualquer preceito legal ou constitucional, fossem mantidos na ordem jurídica.

6. Por despacho de 23 de Março de 2015, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, e no seguimento do requerido pela ATA, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.

7. Decidiu igualmente, em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respectivos articulados, e fixou como prazo para a decisão arbitral o dia 30 de Abril de 2015.

8. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas excepções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.

9. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

II. Questão a decidir

10. A questão fulcral a apreciar e decidir relativamente ao mérito da causa, tal como se retira das peças processuais das partes, é a seguinte: por referência a prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal, integrados por diversos andares e divisões susceptíveis de utilização independente (e com afectação habitacional), qual é o Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) relevante para efeitos do apuramento do IS a pagar, nos termos da Verba n.º 28 da Tabela Geral do IS (“TGIS”).

11. Ou seja, visa o presente tribunal aferir se, tal como alega a Requerente, o montante a considerar é o VPT atribuído, individualmente, a cada uma das partes susceptíveis de utilização autónoma, ou, ao invés, o valor total resultante do somatório dos VPTs daquelas fracções autónomas, como sugere a Requerida.

 

III. Decisão da matéria de facto e sua motivação

12. Examinada a prova documental produzida, o tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

I. A Requerente é a proprietária de um prédio urbano, constituído em propriedade vertical, situado na Rua …, inscrito na matriz predial da freguesia de ..., sob o artigo ..., com 11 andares / divisões susceptíveis de utilização independente, tal como infra se detalha:

 

Caixa de texto: …

 

 

 

 

 

II. A Requerente recebeu, por respeito ao exercício de 2013, e em resultado do exposto na Verba n.º 28 da TGIS, as notas de liquidação da ATA, referentes à 2.ª prestação de IS, mencionadas supra, no montante total de € 4.317,55 (as quais liquidou no dia 10 de Outubro de 2014).

13. A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e das alegações, não impugnadas, das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.

14. Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

IV. Do Direito

A) Quadro jurídico

15. Dado que a questão jurídica a decidir no presente processo exige que se interprete os textos legais pertinentes, importa, em primeiro lugar, elencar as normas que compõem o quadro jurídico relevante, à data da ocorrência dos factos.

16. A sujeição a IS dos prédios com afectação habitacional resultou do aditamento da Verba n.º 28 à TGIS, efectuado pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”

17. Note-se que, por referência ao exercício de 2012, o artigo 6.º daquela Lei consagrou as seguintes disposições transitórias:

“1 - Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral: 

a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012; 

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior; 

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; 

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012; 

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de Dezembro de 2012; 

f) As taxas aplicáveis são as seguintes: 

i)     Prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %; 

ii)    Prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8%; 

iii)   Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %. 

(…)”

18. A aludida lei aditou, igualmente, no Código do IS, o n.º 7 do artigo 23.º, respeitante à liquidação do IS: “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”, e o artigo 67.º, n.º 2 que dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”.

19. Neste contexto, e tendo em consideração a indicação supra, debrucemo-nos, agora, sobre o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”).

20. Primeiramente, atente-se ao artigo 2.º, n.º 4 do Código do IMI que nos diz que “para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.

21. Por sua vez, o n.º 3 do artigo 12.º do Código do IMI, estabelece que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.

22. Assim, é no presente quadro jurídico que importa decidir se, nos casos em que a propriedade horizontal de um prédio urbano com diversas fracções autónomas não se encontra constituída, o VPT, para efeitos da Verba n.º 28 da TGIS, é calculado, individualmente, por fracção susceptível de ser utilizada autonomamente, ou, alternativamente, apurado mediante o somatório dos VPTs daquelas fracções.

B) Argumentos das partes

23. A este respeito, a Requerente, no seu pedido, alega, em síntese, o seguinte:

24. Relativamente às liquidações mencionadas supra, entende a Requerente que, uma vez que o prédio em questão reúne, no seu entendimento, as condições necessárias à constituição da propriedade horizontal, o apuramento do respectivo VPT, para efeitos da aplicação da Verba n.º 28 da TGIS, deverá ser feito individualmente (ou seja, por fracção autónoma) e não, como a ATA pretende, pelo seu VPT global (que só poderia ser contabilizado, através da soma dos VPTs individuais).

25. Isto porque, no entendimento da ora Requerente, “o prédio acima mencionado, mesmo inscrito na matriz predial em propriedade vertical, ao nível da sua tributação (…) as suas colectas sempre foram calculadas sobre o valor patrimonial de cada uma das referidas divisões, como se em propriedade horizontal estivesse inscrito na matriz predial”.

26. Desta forma, a Requerente é da opinião que a ATA se encontra “a interpretar erradamente a citada norma (…), na medida em que, quer o prédio esteja inscrito na matriz predial em propriedade horizontal, quer em propriedade vertical, a base tributável sujeita a IMI é sempre o valor patrimonial de cada uma das divisões susceptíveis de arrendamento em separado (…)”.

“Logo, se foi e é assim em relação ao cálculo do IMI (…) não vê razão para que o mesmo não aconteça em relação ao Imposto de Selo, fazendo-o incidir, também ele, sobre o valor patrimonial de cada uma das ditas divisões”.

27. Para a Requerente, “o pensamento do legislador teria visado apenas o acréscimo tributário na norma contemplado, relativamente aos «Fogos de luxo» e de «elevado valor patrimonial», e nunca como no caso concreto acontece, relativamente às modestas divisões que compõem o imóvel aqui em causa”.

28. Com efeito, na opinião da Requerente “parece evidente e claro que não podia ter sido outro o pensamento do legislador, senão o de dar aos prédios em propriedade vertical o mesmo tratamento que deu aos prédios em propriedade horizontal, ou valorizou a substancia, fazendo-a prevalecer sobre a forma”.

29. E como tal, do ponto de vista da Requerente não pode aceitar-se que para efeitos de tributação em IS, no âmbito da verba n.º 28 da Tabela Geral, deixe agora de respeitar-se o que sempre foi regra de ouro quanto à autonomia das partes de prédios urbanos susceptíveis de arrendamento separado.

30. Para defender a sua tese a ora Requerente apoia-se em três argumentos distintos, que considera cruciais no âmbito da presente discussão.

31. Em primeiro lugar, entende a Requerente que a sua posição era já a mais acertada no âmbito do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, “(…) já a regra 8ª do artigo 144.º do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, em vigor até 2004, determinava que: «na descrição e avaliação dos prédios discriminar-se-ão os andares e divisões susceptíveis de arrendamento separado»”.

32. Paralelamente, a ora Requerente destaca também o que decorre do artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI, segundo o qual: “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo VPT”.

33. Por último, esta entende que a sujeição “de tais habitações a Imposto do Selo, somente pela inexistência do instrumento jurídico que formalizasse e formalize a propriedade horizontal, é negar totalmente o princípio que vigora em Direito Fiscal da «Prevalência da Substância sobre a Forma»”.

34. Em conclusão, na opinião da Requerente, não existem dúvidas que, “com referência ao prédio identificado nesta petição, o valor patrimonial tributário, obrigatoriamente discriminado por cada uma das suas partes susceptíveis de arrendamento separado e com total autonomia económica entre si, produz exactamente os mesmos efeitos, seja celebrada ou não a escritura de constituição da propriedade horizontal, quer no que respeita ao imposto de selo de 1%, quer no que respeita ao IMI (…)”.

35. Peticionou então a Requerente que as liquidações previamente mencionadas fossem anuladas e, bem assim reembolsado o respectivo montante, no valor de € 4.317,55 (já liquidado), acrescido de juros indemnizatórios, nos termos e por força dos artigos 30.º, alínea e) e 43.º da LGT.

36. Por seu turno, a Requerida, depois de devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual, em síntese, alegou o seguinte:

37. “A ora requerente é proprietária de um prédio em regime de propriedade total ou vertical. Da noção de prédio do artigo 2.º do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios – n.º 4 do citado artigo 2.º do CIMI. Logo, encontrando-se o prédio de que é proprietária, em regime de propriedade total, não possui fracções autónomas, às quais a lei fiscal atribui a qualificação de prédio”.

38. Desta forma, entende a Requerida que a Requerente não é proprietária de fracções autónomas, mas sim de um único prédio.

39. Assim, segundo a Requerida “o que a ora requerente pretende é que a AT considere que, para efeitos de liquidação do presente imposto, exista analogia entre o regime da propriedade total e o da propriedade horizontal, já que não deve existir discriminação no tratamento jurídico-fiscal destes dois regimes de propriedade, por ser ilegal”.

40. Contudo, para a Requerida, pretender que se aplique o regime da propriedade horizontal, por analogia, ao regime da propriedade vertical é abusivo e ilegal.

41. Até porque, para a Requerida, “a lei fiscal não comporta qualquer lacuna! Determina o CIMI, para o qual a citada verba remete, que no regime da propriedade horizontal as fracções constituem prédios. Não estando o prédio submetido a este regime, juridicamente as fracções são partes susceptíveis de utilização independente sem que haja partes comuns”.

42. Para a Requerida, “a unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem susceptíveis de utilização económica independente”.

43. Pelo que, na opinião da Requerida, “tal prédio não deixa de ser um apenas, não sendo, assim, as suas partes distintas juridicamente equiparadas às fracções autónomas em regime de propriedade horizontal”.

44. No entendimento da Requerida, “o facto do IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação da Verba 28.º, n. º 1 da Tabela Geral”.

45. Conclui a sua resposta dizendo que, “o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente”.

46. Entende assim a Requerida que as liquidações por si promovidas resultam de uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, pedindo, dessa forma, que a pretensão aduzida seja julgada improcedente.

C) Apreciação do tribunal

47. A título introdutório, cumpre referir que, no entendimento do presente tribunal, e tendo em consideração o quadro jurídico previamente apresentado, a proposição normativa essencial a ter em consideração para a decisão do caso é a que resulta da Verba n.º 28 da TGIS.

48. Refira-se, igualmente, que, aos olhos do tribunal arbitral, a questão decidenda prende-se, exclusivamente, com matéria de direito, nomeadamente compreender, para efeitos da aplicação da aludida verba, qual o VPT relevante.

49. Em primeiro lugar, esclareça-se que é claro, à letra da lei, que o VPT a considerar, para efeitos da aplicação da Verba n.º 28 da TGIS, só pode ser o que é apurado no âmbito do Código do IMI.

50. É, aliás, isto que nos diz, ipsis verbis, a referida verba “(…) cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00”.

51. Assim sendo, atente-se, uma vez mais, ao que decorre do artigo 2.º, n.º 4 do Código do IMI que nos diz que “para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.

52. Reforçado, não obstante, pelo artigo 12.º, n.º 3 do mesmo Código, o qual estabelece que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual determina também o respectivo valor patrimonial tributário”.

53. Conclui-se, assim, que, para efeitos do cálculo do IMI a pagar, o VPT é considerado, individualmente, para cada andar ou parte susceptível de utilização independente.

54. E se este é o método de apuramento seguido para o IMI, terá necessariamente que ser o modelo igualmente aplicado no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS, nos termos que supra se explanaram.

55. Não obstante, e caso as dúvidas suscitadas ainda subsistam, o presente tribunal apoia-se em algumas decisões arbitrais previamente proferidas, que abordaram o assunto em análise.

56. Assim, primeiramente, atentemos na decisão n.º 50/2013-T, de 29 de Outubro, que dispõe o seguinte.

57. “A Lei n.º 55-A/2012 nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quanto ao conceito de «prédio com afectação habitacional». No entanto o artigo 67.º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.

A norma de incidência refere-se, pois, a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código.

Consultado o CIMI verifica-se que o seu artigo 6º apenas indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais menciona os habitacionais (…)

Daqui podemos concluir que, na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio. Concluímos ainda que para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros. O que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.

(…)

Utilizando o critério que a própria lei introduziu no artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o Código do IMI»” (sublinhado nosso).

58. Ou seja, tendo em consideração que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, para efeitos do Código do IMI, segue as mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não parece, ao presente tribunal, que exista qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo.

59. Neste contexto, se a lei exige, relativamente ao IMI, a emissão de notas de liquidação individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, exigirá, nos mesmos termos, relativamente à regra de incidência da Verba n.º 28 da TGIS.

60. Pelo que, o IS, no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS, só poderia incidir em determinada fracção se esta, eventualmente, tivesse um VPT superior a €1.000.000,00.

61. E, mais se diga, que foi esse inclusive o entendimento adoptado pela ATA.

62. Com efeito, esta (ATA) também emitiu notas de liquidação individualizadas, referentes a cada um das fracções susceptíveis de utilização autónoma, demonstrando que, na sua opinião, as aludidas fracções, apesar de juridicamente não constituídas em propriedade horizontal, seriam, para todos os efeitos, independentes entre si.

63. Todavia, olvidou a ATA que não poderia, em virtude do enquadramento previamente vertido, proceder ao somatório dos VPTs individuais das fracções previamente mencionadas, almejando um valor que já caísse na base de incidência da Verba n.º 28 da TGIS.

64. Isto quando o próprio legislador estabeleceu uma regra diferente no âmbito do Código do IMI que, tal como previamente referido, é o Código aplicável às matérias não reguladas no Código do IS, no que se refere à Verba n.º 28 da TGIS.

65. Resumindo, o critério estabelecido pela ATA, de considerar o valor do somatório dos VPT individuais atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, servindo-se do facto de que o prédio não se encontra constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra, aos olhos do presente tribunal, sustentação legal, sendo, nomeadamente, contrário ao critério aplicável em sede de IMI e, por remissão (nos termos mencionados supra), em sede de IS.

66. Neste contexto, considera o presente tribunal que o critério defendido pela ATA viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, e, bem assim, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.

67. Paralelamente, note-se que o artigo 12º, n.º 3 do Código do IMI não efectua qualquer distinção quanto ao regime dos prédios que se encontrem em propriedade horizontal ou vertical.

68. Como tal, e uma vez que se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas fracções habitacionais sofreria incidência do novo imposto, a ATA não pode tratar situações materialmente iguais de forma diferente.

69. A este respeito, veja-se aquilo que foi dito a propósito deste tema na Decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 132/2013-T, de 16 de Dezembro, cujo entendimento o presente tribunal acolhe.

“Com efeito, não faz sentido distinguir na lei aquilo que a própria lei não distingue (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus).

Acresce que distinguir, neste contexto, entre prédios constituídos em propriedade horizontal e em propriedade total seria uma «inovação» sem um suporte legal associado, até porque, como se tem aqui afirmado, nada denuncia, nem na verba n.º 28, nem no disposto no CIMI, uma justificação para essa particular diferenciação.

Note-se, exemplarmente, o que diz o artigo 12.º, n.º 3, do CIMI: cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.

O critério uniforme que se impõe é, assim, o que determina que a incidência da norma em causa apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afectação habitacional, possua um VPT superior a €1.000.000,00.

Fixar como valor de referência para a incidência do novo imposto o VPT global do prédio em causa, como pretendia a ora requerida, não encontra base na legislação aplicável, que é o CIMI, dada a remissão feita pelo citado artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS.

(…)

Acresce, ainda, que admitir a diferenciação de tratamento poderia produzir resultados incompreensíveis do ponto de vista jurídico e atentatórios dos objectivos que o legislador dizia ter para aditar a verba n.º 28. A título exemplificativo, suponha-se a seguinte hipótese, que parece plausível à luz da interpretação que foi feita pela ora requerida: um cidadão que é proprietário de um prédio constituído em propriedade total destinado a habitação, sendo o valor global das unidades autónomas igual ou superior a €1.000.000,00 e o VPT de cada uma inferior a €1.000.000,00, sujeita-se a uma tributação anual de 1% desse valor (como sucedeu na situação em análise); já um outro cidadão que detenha um prédio com as mesmas exactas características do anterior mas que tenha sido constituído em propriedade horizontal, sendo, igualmente, o valor global das fracções autónomas igual ou superior a €1.000.000,00 e o VPT de cada uma inferior a €1.000.000,00, não será sujeito a tributação nos termos da mencionada verba n.º 28.

Por outro lado, poder-se-ia perguntar: se tais fracções têm o mesmo proprietário, por que é que não faz sentido agregar, para efeitos de tributação, os respectivos VPTs? A resposta pode ser ilustrada através de uma outra hipótese: um cidadão que é proprietário de um prédio em propriedade horizontal, em que cada uma das suas 20 fracções possui um VPT inferior a €1.000.000,00, seria sujeito a tributação se – caso se admitisse tal agregação – o VPT global ultrapassasse aquele valor; já um outro cidadão com idênticas 20 fracções distribuídas por 5, 10 ou 20 prédios não estaria sujeito a qualquer tributação nos termos da referida verba n.º 28.

Se esta linha de raciocínio faz sentido – justificando-se, portanto, a não agregação dos VPTs das fracções de prédios em propriedade horizontal –, não se vê razão plausível para que a mesma não seja aplicada às unidades autónomas de prédios em propriedade total.

Observando, agora, o caso em análise, constata-se que os VPTs dos andares (unidades autónomas) do prédio com afectação habitacional variam entre (…), pelo que qualquer um deles é inferior a €1.000.000,00.

Daqui se conclui, em resultado do que foi referido, que sobre os mesmos não pode incidir o IS a que se refere a verba n.º 28 da TGIS, sendo, portanto, ilegais os actos de liquidação impugnados pelo requerente" (sublinhado nosso).

70. Um último ponto que interessa destacar (não obstante o prévio enquadramento ser bastante para reconhecer a ilegalidade dos actos de liquidação praticados pela ATA), assenta no entendimento preconizado, quer pelo legislador quer pelo próprio governo, aquando do aditamento da Verba n.º 28 à TGIS.

71. A este respeito, foquemo-nos agora na decisão arbitral proferida no âmbito do processo
n.º 48/2013-T, de 9 de Outubro, que analisa, de forma extensiva, o objectivos subjacentes ao aditamento da aludida verba.

72. “A Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem qualquer preâmbulo, daí que da mesma não é possível retirar a intenção do legislador.

Tal lei da Assembleia da República teve origem na proposta de lei nº 96/XII (2ª), a qual, na exposição de motivos fala na introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.

Na exposição de motivos da referida proposta de lei, é dito que, «estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa».

Nessa exposição de motivos é ainda dito que, além do agravamento da tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, é criada uma taxa em sede de imposto do selo incidente sobre os prédios urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.

Ou seja, em tal exposição de motivos, também não é clarificado o que se entende por prédios urbanos com afectação habitacional.

Na sua intervenção na Assembleia da República, na apresentação e discussão da referida proposta de lei, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais afirmou o seguinte:

«O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal.

No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos - os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas, a suportar os encargos fiscais.

Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos.

Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional.

Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais.

Neste sentido o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efectivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de sectores da sociedade portuguesa.

Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais.

Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013»”.

73. De seguida, cumpre reunir as conclusões que permitam, sem margem para dúvidas, decidir sobre o tema em discussão (ou seja se, para efeitos da aplicação da Verba n.º 28 da TGIS, nos casos em que um prédio com várias fracções autónomas, susceptíveis de utilização independente, não se encontre constituído em propriedade horizontal, o VPT relevante é apurado mediante o somatório dos VPTs individuais, ou, alternativamente, é individualmente considerado).

74. Neste sentido, refira-se, em primeiro lugar, que a presente temática está, desde logo por força do artigo 67.º, nº 2 do Código do IS, sujeita às normas do Código do IMI, “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”.

75. Como tal, e como já tantas vezes se mencionou, no entendimento do presente tribunal, o mecanismo para o apuramento do VPT relevante para efeitos da aludida verba, é o que se encontra estatuído no Código do IMI.

76. Ora, o artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI estabelece que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.

77. Desvalorizando o legislador, nos termos anteriormente mencionados, qualquer prévia constituição de propriedade horizontal ou vertical.

78. Com efeito, para este (legislador), o que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.

79. Refira-se que a própria ATA parece concordar com o critério exposto, razão pela qual as liquidações que a própria emite são muito claras nos seus elementos essenciais, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT de cada um dos andares e as liquidações individualizadas.

80. Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.

81. Assim, só haveria lugar a incidência de IS (no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a
€ 1.000.000,00.

82. Não podendo a ATA considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de IMI (e, tal como anteriormente mencionado, este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à Verba n.º 28 da TGIS).

83. Em conclusão, o regime jurídico actual não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal, pelo que a actuação da ATA traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal.

84. De facto, não pode a ATA distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103º da Constituição da República Portuguesa, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.

85. No caso em apreço, o prédio em causa encontrava-se, à data relevante dos factos, constituído em propriedade total e tinha 11 fracções com utilização independente, como resulta dos documentos apensados pela Requerente.

86. Dado que nenhuma dessas fracções tem valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência.

V. Decisão

87. Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

A) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal e anular as liquidações de IS supra mencionadas, por referência ao exercício de 2013, das quais resultou imposto a pagar no montante de € 4.317,55 (o qual deverá ser agora reembolsado), respeitante à tributação de prédios urbanos com VPT igual ou superior a €1.000.000, nos termos do disposto na Verba n.º 28 da TGIS;

B) Condenar a Requerida, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.ºs 2 e 5 do CPPT, no pagamento dos juros indemnizatórios, à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, calculados sobre a quantia paga em excesso (i.e. € 4.317,55), desde o dia em que foram pagas as liquidações mencionadas supra e até o integral reembolso do montante referido; e

C) Condenar a Requerida nas custas do processo.

VI. Valor do processo

88. Fixa-se o valor do processo em € 4.317,55, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

VII. Custas

89. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência integral do pedido.

Notifique-se.

Lisboa, CAAD, 29 de Abril de 2015

O Árbitro

 

 

 

 

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(Sérgio Santos Pereira)