Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 616/2021-T
Data da decisão: 2022-08-03  IMI  
Valor do pedido: € 221.332,01
Tema: IMI – Terrenos para construção – Valor Patrimonial Tributário.
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Sumário: 

1.     Os actos de avaliação de valores patrimoniais tributários previstos no CIMI são actos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, devendo ser objecto de impugnação autónoma, não sendo possível na impugnação de actos de liquidação, que com base neles sejam efectuados, discutir-se a legalidade daqueles actos.

2.     Os vícios de actos de avaliação de valores patrimoniais não podem ser invocados em impugnação de actos de liquidação de IMI que os têm como pressuposto.

 

DECISÃO ARBITRAL

1.     Relatório        

1.1.   A... S.A., com o número de identificação fiscal ..., e com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa, doravante designada por “Requerente”, requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e do artigo 10.º, ambos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante “RJAT”[1]).

 

1.2.   O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a anulação (parcial) dos

actos tributários do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) n.os 2016..., 2016..., 2016..., 2017...,  2017..., 2017..., 2018..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019... e 2019... com referência aos anos de 2016, 2017, 2018, 2019 no montante global de € 22.132,01.

 

1.3.   Peticiona a Requerente a anulação da decisão de indeferimento tácito do

pedido de revisão oficiosa apresentado e, em consequência, a anulação parcial das referidas liquidações, bem como a condenação da Requerida à restituição das quantias pagas em excesso a título de IMI, acrescidas de juros indemnizatórios. 

1.4.   A fundamentar o seu pedido alega a Requerente o seguinte: 

1.5.   A Requerente é uma sociedade anónima, tendo como objecto social a promoção imobiliária, compra e venda de bens imobiliários, bem como a exploração de hotéis com restaurante.

 

1.6.  No âmbito da sua actividade, a Requerente é proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para construção. Neste contexto, a Requerente foi notificada dos seguintes actos tributários de liquidação de IMI:

      i.         Liquidações n.os 2016 ..., 2016 ... e 2016 ..., referentes ao ano 2016, no montante total de € 94.718,20;

    ii.         Liquidações n.os 2017 ...,  2017 ... e 2017 ..., referentes ao ano 2017, no montante total de € 94.718,20;

   iii.         Liquidações n.os 2018 ..., 2018 ... e 2018..., referentes ao ano 2018, no montante total de € 93.866,80;

   iv.         Liquidações n.os 2019 ..., 2019 ... e 2019 ..., referentes ao ano 2019, no montante total de € 104.211,85.

 

1.7. Em parte, as liquidações de IMI sub judice tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar pela Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula erroneamente adoptada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e / ou (iii) de qualidade e conforto, conforme demonstrado nas cadernetas prediais urbanas anteriores às (re)avaliações efectuadas em 2020 e 2021.

1.8. Ora, recentemente, face ao expressamente consagrado no artigo 45.º do Código do IMI e nos termos preconizados pela jurisprudência constante do STA quanto à errónea aplicação dos coeficientes acima mencionados na determinação dos valores patrimoniais de terrenos para construção, a AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes, conforme resulta das notificações de (re)avaliação efectuadas em 2020 e 2021 e das respectivas cadernetas prediais urbanas actualizadas com os novos valores patrimoniais tributários resultantes destas (re)avaliações.

 

1.9. Deste modo, nos anos sub judice (2016, 2017, 2018 e 2019)relativamente aos terrenos para construção em apreço, a AT liquidou um montante de IMI superior ao montante legalmente devido face aos valores patrimoniais tributários que deveriam ter sido considerados para efeitos de cálculo da colecta de imposto referente a este ano.

 

 

1.10. Porém, relativamente aos terrenos para construção detidos pela Requerente e que foram igualmente objecto da reavaliação acima mencionada (e com a consequente redução dos valores patrimoniais tributários), a AT não rectificou as respectivas colectas de IMI, mantendo-se assim na ordem jurídica a existência de um montante de IMI superior ao montante legal e efectivamente devido.

 

1.11. Consequentemente, entende a Requerente que estamos perante um erro na interpretação dos pressupostos de facto e direito do qual resultou em ilegais liquidações (parciais) de IMI, especificamente um erro na determinação da matéria tributável deste imposto que originou uma colecta ilegal de tributo.

 

1.12. A Requerente procedeu ao pagamento, integral e atempado, das respectivas liquidações de IMI supra identificadas.

 

1.13. Não se podendo conformar com a posição da AT quanto aos actos tributários de liquidação de IMI sub judice, a Requerente apresentou, no dia 6 de Maio de 2021 um pedido de Revisão Oficiosa destes actos tributários, o qual veio a presumir-se tacitamente indeferido, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.

 

1.14. Assim, a ora Requerente vem suscitar a apreciação junto deste Tribunal da legalidade daquela decisão de indeferimento, tacitamente presumida, e dos próprios actos de liquidação, requerendo a respectiva anulação, e da correspondente restituição do imposto indevidamente pago, num montante de € 22.132,01, o que faz nos termos e fundamentos que seguidamente se expõem.

 

1.15. Os “terrenos para construção” são uma das tipologias de prédio urbano definido para efeitos de IMI e o n.º 1 do artigo 7.º do Código do IMI estatui de forma expressa que o “valor patrimonial tributário dos prédios”, nomeadamente os terrenos para construção, “é determinado nos termos do presente Código”.

 

1.16. Isto significa que a AT, enquanto entidade responsável pela determinação dos valores patrimoniais tributários dos prédios através dos métodos de avaliação disponíveis, deverá sempre cingir-se às regras legalmente estabelecidas que regulam os diferentes métodos de avaliação, não devendo utilizar métodos de avaliação / determinação do valor patrimonial tributário que não tenham base legal e / ou que não sejam aplicáveis aos concretos prédios urbanos em avaliação.

1.17. As regras para a determinação do valor patrimonial tributário deste tipo de prédios encontra-se prevista no artigo 45.º do Código do IMI, sob a epígrafe “Valor Patrimonial dos terrenos para construção” ”, à redacção vigente à data dos factos tributários que deram origem às liquidações de IMI sub judice – i.e. 31 de Dezembro de 2016 (relativamente às liquidações referentes ao ano 2016), 31 de Dezembro de 2017 (relativamente às liquidações referentes ao ano 2017), 31 de Dezembro de 2018 (relativamente às liquidações referentes ao ano 2018) e 31 de Dezembro de 2019 (relativamente às liquidações referentes ao ano 2019).

 

1.18. Ora, a Lei do Orçamento do Estado para 2021 (Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro) veio alterar o conteúdo deste artigo, no sentido de modificar a fórmula de cálculo dos valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção”

 

1.19. Porém tal alteração legislativa à redacção do artigo 45.º do Código do IMI só produz efeitos (e, consequentemente, a nova fórmula só é aplicável) a partir de 1 de Janeiro de 2021, data da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2021– i.e. para efeitos de liquidações de IMI referentes a anos anteriores a 1 de Janeiro de 2021 dever-se-á aplicar a redacção deste artigo 45.º e respectiva fórmula que vigoravam antes desta alteração efectuada pelo legislador.

1.20. Assim, reportando-nos exclusivamente à redacção do n.º 1 do referido artigo 45.º vigente à data dos factos tributários – anos 2016, 2017, 2018 e 2019 -, [o] valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor dos terrenos adjacentes à implantação”.E, estabelecia o n.º 2 do referido preceito legal que “[o] valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas”. 

1.21. Igualmente no que se refere à data vigente antes da alteração promovida pela Lei do Orçamento do Estado para 2021, dispunha o n.º 3 da disposição normativa em análise que «[n]a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º». (sublinhado nosso).

 

1.22. Deste modo, entende a Requerente ser inegável que os coeficientes de afectação (estabelecido no artigo 41.º), de localização (definido no artigo 42.º), de qualidade e conforto (regulado no artigo 43.º) e de vetustez (consagrado no artigo 44.º) não eram aplicáveis aos “terrenos para construção”, por não fazerem parte da fórmula de cálculo consagrada no n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI na redacção vigente à data do facto tributário relevante para efeitos das liquidações de IMI sub judice.

 

1.23. Entende ainda a Requerente que a consideração do coeficiente de localização aquando do cálculo do valor patrimonial tributário de “terrenos para construção” determinava que a mesma realidade fáctica (a localização) fosse duplamente tida em consideração na determinação da percentagem do valor do “terreno de implantação” –, que é a percentagem legalmente prevista para efeitos de cálculo de “terrenos para construção” – e na determinação do valor patrimonial tributário considerando o coeficiente de localização per si – coeficiente este que (e bem!) não se encontra previsto como um dos elementos de cálculo do valor patrimonial tributário destes terrenos.

 

1.24. E foi o cálculo do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” com base na fórmula prevista no n.º 1 do artigo 38.º do Código do IMI para prédios urbanos, edificados, classificados como habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, considerando os coeficientes de localização, de afectação ou de qualidade e conforto (só não era aplicado o coeficiente de vetustez referente à idade do prédio), que deu origem ao IMI em excesso que a Requerente pretende ver reembolsado.

1.25. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado em 27/09/2021. Em 15/11/2021, foram as partes notificadas da designação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT. Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 06/12/2021.

1.26. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”).

1.27. A AT apresentou resposta em que se defendeu por excepção com base na incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar sobre os vícios da fixação desse mesmo valor patrimonial tributário.

1.28. Defendeu-se também a Requerida referindo a inimpugnabilidade dos actos de liquidação com base em vícios de fixação do valor patrimonial tributário e a consolidação do próprio VPT na ordem jurídica. E ainda a questão de saber se a AT pode anular todo e qualquer acto de fixação do VPT que tenha ocorrido ao longo dos anos ou apenas nos últimos 5 anos.

1.29. Considera assim a Requerida que não assiste qualquer razão à pretensão da Requerente uma vez que, no caso em apreço, a liquidação foi efetuada com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes a 31 de dezembro do respetivo ano, conforme, aliás, estabelece o artigo 113.º, n.º 1, do CIMI: 

“O imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita”. 

 

1.30. Assim, por se ter verificado o estrito e integral cumprimento do disposto no Código do IMI, entende a Requerida que não se verificou qualquer erro da Administração Tributária ao efetuar a liquidação e, por isso, o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa não enferma de ilegalidade, nem se verifica qualquer erro imputável aos serviços.

 

1.31. Na verdade, continua a Requerida, a presente ação não é nem fundamentada em qualquer vício dos atos de liquidação ou da decisão de indeferimento da revisão oficiosa, não sendo imputado aos atos impugnados qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento. 

 

1.32. O que está em causa, ou seja, o que a Requerente contesta é, apenas e só, o ato de fixação da matéria tributável e não o ato de liquidação. 

 

1.33. Acontece que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo. 

 

1.34. E o tribunal arbitral é incompetente para apreciar vícios de atos de fixação do valor patrimonial, atos esses que são destacáveis e autonomamente impugnáveis e encontra-se consolidados na ordem jurídica. Ou seja, o pedido formulado pela Requerente prende-se com a ilegalidade de um ato destacável, ele próprio autonomamente atacável e não com a declaração de ilegalidade de um qualquer ato tributário previsto no artigo 2.º do RJAT. 

 

1.35. Por despacho de 21/05/2022 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo as partes sido chamadas, querendo, a apresentar as suas alegações.

1.36. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

1.37. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.

1.38. O processo não enferma de nulidades.

 

 

 

2.       Matéria de facto 

 

a.     Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

2.1.   A Requerente é proprietária de diversos prédios urbanos, designadamente, terrenos para construção;

 

2.2.   A Requerente recebeu as notas de liquidação de IMI referentes aos anos de 2016, 2017, 2108, e 2019, com o n.os 2016..., 2016..., 2016..., 2017...,  2017..., 2017..., 2018..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019... e 2019...;

 

2.3.   A Requerente pagou a quantia liquidada;

 

2.4.   A Requerente entendeu que tais liquidações de IMI tiveram por base um valor patrimonial tributário (VPT) incorrectamente determinado, o que levou a que o imposto liquidado fosse superior ao devido no montante de € 22.132,01, pelo que, em 06/05/2021, requereu a revisão dos actos tributários de liquidação do IMI, nos termos que constam dos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

 

2.5.   O pedido de revisão oficiosa foi indeferido tacitamente, tendo a Requerente apresentado o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.6.   A Requerente não contestou as avaliações que deram origem ao VPT considerado, e que resultaram de avaliações que ocorreram em 06/03/2014.

Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

2.7.   Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

2.8.   Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles e nos elementos factuais trazidos para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não tenha sido questionada. 

 

3.Excepções de inimpugnabilidade do acto de liquidação com base em vícios de fixação do valor patrimonial tributário e da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar sobre os vícios de fixação desse mesmo valor patrimonial tributário

3.1. A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT).

3.2. Refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação do seguinte:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; (redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)

3.3. Para além da apreciação direta da legalidade de tais actos deste tipo, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação de actos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de actos daquela natureza. 

3.4. No entanto, resulta do artigo 2.º do RJAT que a arbitragem tributária não tem competência quanto às matérias susceptíveis de serem objecto de acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois é manifesto que não se enquadram em qualquer das situações previstas. Por fim, é claro também que não se pretendeu estender o âmbito da arbitragem tributária à apreciação de actos que, nos termos do CPPT, não podem ser objecto de impugnação judicial. 

3.5. Porém, como excepção a esta regra de delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa, poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, independentemente do seu conteúdo, pelo facto da utilização do processo de impugnação judicial ter sido prevista numa norma especial, que é o n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, actualmente revogado, da qual se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. No mesmo sentido aponta a alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, ao referir «a impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos actos tributários». 

3.6. No caso em apreço, a Requerente não apresentou uma reclamação graciosa, mas sim um pedido de revisão oficiosa, pedido esse que viu indeferido, vindo agora solicitar a sua anulação, assim como das liquidações de IMI que lhe estão subjacentes.

3.7. Ora, vem a Requerente impugnar tais actos de liquidação de IMI com fundamento em erro nos actos de fixação dos valores patrimoniais tributários (VPT) dos prédios sobre que incidiu o imposto. Assim, antes de mais, é realmente necessário esclarecer se os vícios de actos de avaliação de valores patrimoniais tributários podem ser invocados em impugnação de actos de liquidação de IMI que os têm como pressuposto.

3.8. A Requerida defende que a Requerente não imputa qualquer vício às liquidações de IMI, questionando, apenas, o seu VPT. E, assim sendo, que a avaliação dos prédios urbanos é directa e, por isso, ela é susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa.

3.9. De facto, estabelece o n.º 2 do artigo 15º do CIMI que nos prédios urbanos, como são os terrenos para construção, a avaliação é directa; e no n.º 1 do artigo 86º da LGT refere-se que a avaliação directa é suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa, referindo também o artigo 134.º do CPPT que os actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade. 

3.10. Ou seja, os actos de fixação dos valores patrimoniais tributários, quando inseridos num procedimento de liquidação de um tributo, são actos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa. E, nessa medida, os vícios de VPT não são susceptíveis de serem impugnados no acto de liquidação que seja praticado com base nos mesmos.

3.11. Em conclusão, não há assim possibilidade de apreciação da correcção do acto de fixação do VPT através da impugnação do acto de liquidação de IMI, tendo aí de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação. 

3.12. E, no caso em apreço, a Requerente não contestou as avaliações que deram origem ao VPT que estava vigente a 31 de dezembro de 2016, 2017, 2018 e 2019, relativamente aos terrenos em construção sub judice, e que resultou de uma avaliação efectuada em Março de 2014.

3.13. Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade dessa impugnação se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os em apreço, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.

3.14. No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI).

3.15. Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).

3.16. Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações de IMI, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação dos valores patrimoniais. Não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, cristaliza-se a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que “o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeita”.

3.17. A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, como resulta de diversos acórdãos.

3.18. Pelo exposto, os alegados vícios dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI, pelo que improcede necessariamente o pedido de pronúncia arbitral.

3.19. Para além disso, neste caso, a pretensão da Requerente reconduz-se a impugnar, em 2021, actos de avaliação praticados em 2014, quer muito depois do prazo legal de impugnação de três meses acima referido, quer do prazo de três anos em que a lei admite a revisão oficiosa de actos de fixação da matéria tributável, com fundamento em injustiça grave ou notória (artigo 78.º, n.º 4 da LGT).

3.20. Por isso, e em suma, as liquidações de IMI não podem ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações dos prédios.

3.21. Ainda que fossemos analisar a possibilidade de revisão oficiosa, referindo a alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do CIMI, estabelece.se o seguinte:

 Artigo 115.º - Revisão oficiosa da liquidação e anulação 

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas:  (...)

c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido; 

3.22. Como resulta do teor expresso deste artigo 115.º, ele reporta-se a revisão oficiosa de actos de liquidação de IMI e não a actos de avaliação de valores patrimoniais.

3.23. Para além disso, como estas normas especiais são aplicáveis “sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária”, a possibilidade de revisão oficiosa está limitada pelas condições aí indicadas, designadamente a de que, quando o pedido de revisão não é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, a revisão só pode ser efectuada se existir erro imputável aos serviços.

3.24. No caso em apreço, os actos de liquidação de IMI não enfermam de qualquer erro imputável aos serviços, pois, por força do disposto no artigo 113.º, n.º 1, do CIMI “o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita”.

3.25. Assim, tendo as liquidações sido efectuadas com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes nos quatro anos referidos, não há erro da Administração Tributária ao efectuar a liquidação e, por isso, o indeferimento do pedido de revisão oficiosa não enferma de ilegalidade.

3.26. Outro tema ainda seria a possibilidade de revisão oficiosa de actos de avaliação de valores patrimoniais, a qual não está prevista no CIMI. Assim, só aplicando o previsto no artigo 78.º da LGT, se pode analisar essa possibilidade de revisão.

3.27. O artigo 78.º da LGT estabelece o seguinte:

Artigo 78.º - Revisão dos actos tributários

1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2. Revogado.

3. A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6. A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7. Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.

3.28. Das várias situações de revisão oficiosa previstas no artigo 78.º da LGT, as referidas nos n.ºs 1 e 6 reportam-se a actos de liquidação (como se infere do termo inicial do prazo de quatro anos previsto no n.º 1).

3.29. Apenas as situações previstas nos seus n.ºs 4 e 5 se referem a actos de fixação da matéria tributável, categoria a que se reconduzem os actos de fixação de valores patrimoniais. 

3.30. Ora, analisando estas normas, é manifesto que não foi observado pela Requerente o prazo de três anos fixado no n.º 4 deste artigo 78.º.

3.31. Na verdade, todas a liquidações de IMI se baseiam nos valores inscritos as respectivas matrizes em 2014, ano de fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção objecto deste pedido.

3.32. Por isso, quando a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa já havia necessariamente expirado o prazo em que podia ser autorizada a revisão dos actos de fixação de valores patrimoniais.

3.33. Pelo exposto, por intempestividade está afastada esta possibilidade de revisão oficiosa.

3.34. Em conclusão, e conforme acima exposto, as liquidações de IMI impugnadas pela Requerente não podem ser anuladas, pelo que improcede o pedido de pronúncia arbitral de anulação do indeferimento da revisão oficiosa e de anulação parcial daquelas liquidações.

3.35. Improcedendo o pedido de anulação, mantêm-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas, pelo que improcedem necessariamente os pedidos de reembolso e de juros indemnizatórios que têm como pressuposto a sua anulação.

4.Decisão          

De harmonia com o exposto acorda este Tribunal Arbitral em:

a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa e à anulação parcial das liquidações de IMI respeitantes aos períodos de tributação de 2016, 2017, 2018 e 2019;

b) Julgar, consequentemente, também improcedentes os pedidos de reembolso e de juros indemnizatórios;       

5. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 22.132,01.

6. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 Porto, 03-08-2022

O Árbitro

 

Maria Antónia Torres

 

 



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.