Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 611/2021-T
Data da decisão: 2022-08-03  IRS  
Valor do pedido: € 707.032,51
Tema: IRS - extemporaneidade do pedido de revisão oficiosa de ato tributário em sede de IRS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O Tribunal Arbitral, composto pelo Senhor Árbitro Presidente, Professor Doutor Victor Calvete, e pelos Senhores Árbitros Vogais, Professor Doutor Jorge Bacelar Gouveia (Relator) e Dr. Manuel Lopes da Silva Faustino, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD para formar o Tribunal Arbitral (TA) em 12 de julho de 2021, acorda no seguinte: 

 

 

            I – RELATÓRIO

 

1. A Requerente, A..., portadora do Número de Identificação Fiscal (“NIF”)..., com residência na Rua ..., ... - ... Marinha Grande, veio apresentar pedido de revisão de ato tributário relativamente à liquidação n.º 2018... de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), relativa ao período de tributação de 2017 (cfr. Documento n.º 1), que correu termos na Direção de Serviços do IRS sob o n.º ...2021..., e que presumiu tacitamente indeferido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, a Requerida.

Os fundamentos para o pedido apresentado fundam-se no erro imputável à Requerida no tocante ao valor a considerar para se fazer a tributação de IRS em mais valias aquando da alineação onerosa de ações adquiridas pela Requerente em 2007 por doação de seu pai, alienação onerosa essa feita em 2015, correspondendo a 12,5 % do capital social da empresa B..., num conjunto de 31.250 ações, as quais devem ser consideradas, para o valor de cálculo em sede de IRS, no montante de 495.224,50 euros, e não no montante de 707.032,51 euros, como fez a Requerida, pelo que se pede a restituição da diferença, no montante de 211.808,01 euros. 

 

2. A Requerida, a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada para responder, veio desde logo apresentar a exceção perentória de abuso de direito, argumentando que a Requerente utilizou indevidamente a via do pedido de revisão de ato tributário, quando o que pretendia, verdadeiramente, era a impugnação da liquidação realizada, caso em que o respetivo prazo já teria sido esgotado, sendo o pedido, a tal propósito, sempre considerado extemporâneo.

Analisando também o mérito da causa, a Requerida manifestou a opinião de que, no âmbito da revisão do ato tributário, a decisão seria sempre de absolvição do pedido, porquanto, no prazo estabelecido, a mesma só seria de aceitar por erro imputável aos serviços, tendo acontecido que o erro seria de imputar à Requerente, não só quando a apresentação do modelo como, depois, quando procedeu ao pagamento, não tendo, então corrigido os seus erros. 

 

3. Entretanto, por despacho do TA, e perante a invocação de uma exceção, foi dada a oportunidade de as partes se pronunciarem, em alegações simultâneas.

            Da parte da Requerente, foi dito que não haveria qualquer exceção de abuso de direito.

            

II – OS FACTOS RELEVANTES

 

4. Dos elementos processuais disponíveis nos documentos apresentados, é possível considerar os seguintes factos como relevantes para a presente decisão: 

a) a Requerente é A..., portadora do Número de Identificação Fiscal (“NIF”) ..., com residência na Rua ..., ... - ... Marinha Grande;

b) Em 24.05.2018, a requerente submeteu a declaração modelo 3 de IRS, referente aos rendimentos auferidos em 2017, declarando, no quadro 9, do anexo G;

c) Esta declaração deu origem à liquidação de IRS nº 2018..., da qual resultou imposto a pagar no montante de € 707.032,51; 

d) Fez no ano seguinte o seu pagamento voluntário; 

f) Em 26 de fevereiro de 2021, a Requerente deduziu pedido de revisão oficiosa da mesma liquidação, com a alegação de erro na indicação da data e valor de aquisição das referidas ações.

            

5. Não há factos não provados relevantes para a decisão.  

 

            III – DA PROCEDÊNCIA DAS EXCEÇÕES DE EXTEMPORANEIDADE

 

a)    Procedência de exceções dilatórias e absolvição de instância

 

6. Tendo sido suscitadas dúvidas no âmbito do exercício do poder jurisdicional por parte do TA, cumpre conhecê-las previamente, uma vez que a sua procedência pode determinar logo o fim da instância. 

Trata-se da relevância de eventuais exceções processuais ou materiais, as quais se traduzem em facto que se mostra impeditivo do exercício do poder jurisdicional por parte do TA.

E sendo estas procedentes, não lhe cumprirá, por inutilidade, a apreciação do mérito da causa.

 

b)    A procedência da exceção da intempestividade do pedido de revisão do ato tributário sob impulso do sujeito passivo

 

7. Uma das exceções que foi invocada refere-se ao meio processual que foi utilizado pela Requerente, o pedido de revisão de ato tributário, cujos termos textuais se transcreve: “pedido de revisão de ato tributário relativamente à liquidação n.º 2018... de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), relativa ao período de tributação de 2017 (cfr. Documento n.º 1), que correu termos na Direção de Serviços do IRS sob o n.º ...2021..., e que se presume tacitamente indeferido pela Autoridade Tributária e Aduaneira”. 

Este é um meio processual previsto no art. 78º, nº 1, da LGT, no qual se dispõe que “A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a sua liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”. 

Sendo o caso um pedido da iniciativa da Requerente, na sua qualidade de sujeito passivo, o prazo é o da reclamação administrativa, prazo de 120 dias, conforme se dispõe no art. 70º, nº 1, do CPPT, em que se prescreve que “A reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partidos dos factos previstos no nº 1 do artigo 102”.

 

8. Ora, da leitura das peças e dos documentos processuais, observa-se que o pedido de revisão de ato tributário só foi apresentado em 26 de fevereiro de 2021 – e não foi apresentado antes como “reclamação graciosa” –, tal significando muito além do prazo de 120 dias a partir da emissão do ato de liquidação em sede de IRS no qual se incluiu a tributação das mais valias relativas às ações adquiridas por doação pela Requerente, com a data de julho de 2018.  

Em razão do previsto no nº 1 do art. 78º, o TA entende que o presente pedido arbitral não pode ser conhecido, verificando-se uma exceção de intempestividade do mesmo. 

 

 

c)    A procedência da exceção da intempestividade do pedido de revisão do ato tributário sob impulso da Administração Tributária na lógica do princípio da justiça e da legalidade

 

 

9. Outra possibilidade que aqui se suscita é a de ser feita uma revisão oficiosa do ato tributário mais alargada nos prazos, nos termos da parte final do art. 78º, nº 1, da LGT, prazo que, sendo de 4 anos, já poderia justificar a intervenção do TA, numa lógica em que a Administração Tributária estaria vinculada à solicitação dessa mesma revisão, que seria em favor do sujeito passivo. 

 

10. Mas também aqui não parece viável essa possibilidade porque não há qualquer erro imputável aos serviços, já que os dados considerados foram, num primeiro momento, apresentados pelo sujeito passivo, e depois pelo mesmo confirmados no momento do pagamento. 

Se, acaso, esta possibilidade se generalizasse, certo seria que o caos se instalaria, num sistema jurídico-fiscal que também deve procurar uma certeza jurídica. 

 

d)    A procedência da exceção da intempestividade do pedido de revisão do ato tributário nos casos excecionais de injustiça

 

11. Uma terceira via a que a LGT alude é a de ser possível a revisão de um ato tributário nas circunstâncias excecionais determinadas pelo art. 78º, nº 4, da LGT: “O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”.

 

12. Mas não é o caso, quer quanto ao fundamento, quer quanto ao âmbito subjetivo. 

Desde logo, há um comportamento do sujeito passivo que se repetiu sempre que houve ocasião disso, o que se pode qualificar como comportamento negligente. 

Depois, não é o caso de uma “injustiça notória ou grave” porque o resultado da manutenção da liquidação não tem um impacto económico significativo na situação tributária do contribuinte, sendo certo que nunca se poderia apodar de notória na medida em que o resultado a reverter sempre esteve na disponibilidade do sujeito passivo e no cumprimento das suas obrigações declarativas.  

 

            V – DECISÃO

 

            13. Termos em que o TA decide: 

a) absolver a Requerida da instância, mantendo a validade da liquidação em sede de IRS no tocante à tributação das mais valias obtidas pela Requerente em consequência da alienação onerosa, em 2017, das ações que adquiriu por doação de seu pai; 

b) condenar a Requerente no pagamento das custas processuais, no valor de 10.404,00 euros. 

 

VI – VALOR DO PROCESSO 

 

14. Fixa-se ao processo o valor global de €707.032,51, nos termos do artigo 97º-A, nº 1, al. a), do CPPT, aplicável ex vi artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VII – CUSTAS 

            15. Custas no montante de 10.404,00 euros a suportar pela Requerente, em conformidade com a Tabela I, anexa ao RCPAT, e com os artigos 12º, nº 2, e 22º, n.º 4, do RJAT, artigos 4º, nº 5, do RCPAT, e artigos 527º e 536º, nºs 3 e 4, do CPC, ex vi artigo 29º, nº 1, al. e), do RJAT. 

Notifique-se.

 

O Árbitro-Presidente

Victor Calvete

 

O Árbitro

Jorge Bacelar Gouveia

 

O Árbitro

Manuel Faustino

Lisboa, 03 de agosto de 2022.