Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 650/2014-T
Data da decisão: 2015-04-28  ISP  
Valor do pedido: € 5.150,10
Tema: IEC – Isenção de ISP; Navegação Marítima Costeira
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DECISÃO ARBITRAL[1]

 

REQUERENTE: A, LDA

 

REQUERIDA: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

I - RELATÓRIO

 

 

 

A)    As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral

 

 

 

1.      A Lda, pessoa colectiva com o nº ..., com domicílio fiscal na …, doravante designada por "Requerente", vem, nos termos do disposto nos artigos 2º, nº1, alínea a), 3º, nº1 e 10º, nº1 alínea a) e nº 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT"), apresentou pedido de pronúncia arbitral e requereu a constituição de tribunal arbitral singular.

No presente pedido arbitral a Requerente pretende a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de ISP, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no valor de €5.048,71, acrescida de juros, conforme notificação de 09-05-2014, tudo no valor total de €5.150,10.

 

A liquidação impugnada e respectiva fundamentação, que se dá por integralmente reproduzida, consta do documento nº 3 junto em anexo ao pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 23/10/2014.

 

A Requerente conclui o seu pedido arbitral peticionando a anulação da liquidação de imposto impugnada por violação de lei.

 

2.      Apresentado o pedido de constituição do Tribunal Arbitral em 3/09/2014, o mesmo foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no nº 1, do artigo 6º do RJAT, foi designada, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a ora signatária como árbitro do Tribunal Arbitral singular. A nomeação foi aceite e as partes, notificadas da aceitação, não recusaram a designação, nos termos previstos nas alíneas a) e b), do nº1, do artigo 11º, do RJAT, conjugado com o disposto nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228º, da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 3 de Novembro de 2014.

 

3.      Em 4/11/2014, foi proferido despacho arbitral ordenando a notificação da “AT”, nos termos do disposto no artigo 17º do RJAT, para apresentar resposta no prazo legal, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2, artigo 17º, do RJAT. A 19/01/2014, a AT juntou aos autos a sua Resposta acompanhada de respectivo processo administrativo (PA).

Por despacho arbitral proferido em 06/02/2015 foram as partes notificadas para se pronunciarem sobre a possibilidade de dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, bem assim como de apresentação de alegações, por inexistir matéria excepcional invocada nos autos, se afigurar desnecessária outra produção de prova a realizar para além da que resulta da prova documental junta aos autos e por inexistir divergência quanto à matéria de facto, pelo que a questão a decidir configura-se como exclusivamente de direito. Alternativamente, foi ainda indicada data para se realizar a reunião do artigo 18º do RJAT.

As partes pronunciaram-se, por requerimento junto aos autos, concordando com a dispensa de realização da reunião. Nesta conformidade, foi proferido despacho arbitral em 04/03/2015, dispensando a realização da reunião, o qual fixou o prazo de dez dias sucessivos para as partes apresentarem, querendo as suas alegações, prosseguindo o processo para decisão final.

 

 

B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE

 

4.      A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade e consequente anulação, da liquidação adicional de ISP no valor de €5.150,10. O pedido arbitral apresenta os seguintes fundamentos:

a.       A Requerente beneficia de isenção de ISP, concedida por despacho de 3.01.1998, da Direcção da Alfândega do ... para os abastecimentos de produtos efectuados pela embarcação “...”, matrícula “...-...-...”;

b.      A 18 de Fevereiro de 2014, o Autor foi notificado do projecto de liquidação de imposto, segundo o qual a embarcação “...” pertencente ao Autor, em 18 de Abril de 2013 foi abastecida com cerca de 15.000 litros de gasóleo colorido e marcado (GCM) “destinado a navegação costeira”, tendo posteriormente ao abastecimento efectuado uma deslocação às Ilhas Canárias entre os dias 20 de Abril de 2013 e 11 de Maio de 2013;

c.       Por essa razão entende a AT que o gasóleo em questão não foi utilizado para “navegação costeira”, o que conduziu à liquidação adicional agora posta em crise;

d.      Entende a Requerente que, mesmo que se entenda que houve violação do disposto no artigo 89.º, n.º 1, alínea c), do CIEC, tal não fundamenta qualquer liquidação adicional de ISP, mas apenas a aplicação de mera coima; alega ainda que o produto abastecido a 18 de Abril de 2013 deveria ter sido adquirido com o estatuto de “gasóleo bunker” o qual, de forma análoga, goza de isenção total de ISP, prevista na alínea e) do art.º 6.º do CIEC e alínea a) do n.º 3.2.2.3 do Manual dos IEC;

e.       Tal não aconteceu apenas por mero lapso de procedimento, uma vez que não chegou a ser preenchida a respectiva declaração aduaneira de exportação, apesar de se encontrarem reunidos os requisitos legais aplicáveis.

f.       Na óptica da requerente, em qualquer caso, a violação do disposto no artigo 89.º, n.º 1 c) do CIEC apenas poderá ser sancionada nos termos do disposto no n.º 6, do artigo 93.º, do CIEC, segundo o qual: “A venda, a aquisição ou consumo dos produtos referidos no n.º 1 com violação do disposto nos n.ºs 2 a 5 estão sujeitos às sanções previstas no Regime Geral das Infracções Tributárias e em legislação especial.

g.      Acrescenta ainda que o “...” deslocou-se às Canárias, única e exclusivamente, a propósito da realização de trabalhos de beneficiação e verificação periódica obrigatória ao casco do navio, o que se enquadra perfeitamente no âmbito da sua actividade comercial, pelo que, em caso algum se poderá considerar que a utilização do GCM foi para “navegação de recreio privada.”

h.      Conclui a Requerente que o fim dado ao combustível abastecido em 18 de Abril de 2013 permite aceder à total isenção ISP prevista na alínea e) do art.º 6.º do CIEC e al. a) do n.º 3.2.2.3 do Manual dos IEC, pelo que reclama a declaração de ilegalidade da liquidação adicional impugnada.

 

 

C) – A RESPOSTA DA REQUERIDA

 

5.      Já a Requerida “AT” alega na sua resposta, em defesa da legalidade da liquidação impugnada, que não assiste razão à Requerente. Alega em síntese que:

a.       A AT justifica a legalidade da liquidação por entender que, após controlo documental, “a navegação entre a Região Autónoma da ... e o arquipélago das Canárias não se pode considerar como navegação marítima costeira.”;

b.      De acordo com a AT, a Requerente utilizou produtos sujeitos a imposto sobre produtos petrolíferos e energéticos, com isenção desse imposto por terem sido declarados para a navegação marítima costeira, num fim ou destino diferente do declarado e autorizado no processo de benefício fiscal.

c.       Ora, de acordo com a AT, a Requerente utilizou produtos sujeitos a imposto sobre produtos petrolíferos e energéticos, com isenção desse imposto por terem sido declarados para a navegação marítima costeira, num fim destino diferente do declarado e autorizado no processo de benefício fiscal.

d.      Acrescenta ainda que, tendo abastecido, em 18 de Abril de 2013 a embarcação ”...”, com 14937 litros de gasóleo colorido e marcado, tendo sido declarado, expressamente, que seria “(..) o referido produto destinado à navegação costeira, não poderia posteriormente afectá-lo a um destino diferente do declarado;

e.        Sendo que, a Requerente o utilizou na circulação da embarcação “...” da RA… para as Ilhas Canárias.”

f.        Concluiu, por isso, a AT que “não existem dúvidas que o produto adquirido com isenção de ISP, ao abrigo do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 89.º do CIEC não foi utilizado na navegação marítima costeira, tendo sido utilizado para um fim diferente do autorizado.”

g.      Assim, foi violado o disposto no artigo 89.º, n.º 1 c) do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (CIEC), o que determinou a emissão da liquidação adicional ora impugnada.

 

6.      Conclui, pela improcedência do pedido arbitral, pugnando pela legalidade dos actos tributários impugnados e pela absolvição da Requerida AT no pedido.

 

D) DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

7.      O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do artigo 2º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

8.      As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se devidamente representadas (artigos 4º e 10º, nº 2, do DL nº 10/2011 e artigo 1º, da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades que o invalidem e não foram suscitadas excepções que obstem ao julgamento do mérito da causa, pelo que o Tribunal está em condições de proferir a decisão arbitral.

 

 

II. QUESTÃO A DECIDIR

 

9.      Atendendo às posições das Partes assumidas nos argumentos apresentados, ao Tribunal cumpre decidir a questão de saber se a isenção de imposto concedida á requerente se mantém no caso dos presentes autos, porquanto, tendo sido adquirido para navegação costeira foi utilizado em outro fim, no caso para uma deslocação às Canárias. Está em causa analisar o regime e alcance da isenção em causa, do conceito de “navegação marítima costeira”, bem assim como aferir se saber se a navegação entre a Região Autónoma da ... e o arquipélago das Canárias se enquadra ou não neste conceito de navegação costeira.

 

10.  A questão em apreço passa pela análise dos dispositivos legais do CIEC aplicáveis à isenção em causa, nomeadamente o disposto no artigo 89º do CIEC.

 

III – MATÉRIA DE FACTO

 

A)    Factos provados

 

11.  Como matéria de facto relevante para a decisão a proferir, o Tribunal considera provados os seguintes factos:

 

a.       A sociedade A, LDA, doravante Autor, beneficia de isenção de ISP, concedida por despacho de 3.01.1998 da Direcção da Alfândega do ... para os abastecimentos de produtos efectuados pela embarcação “...”, matrícula “...-...-...”.

b.      Em 18 de Abril de 2013, aquela embarcação foi abastecida com cerca de 14.937 litros de gasóleo colorido e marcado (GCM) “destinado a navegação costeira”;

c.       O produto foi adquirido com isenção de imposto (ISP), por ter sido declarado que se destinava a navegação marítima costeira,

d.      Posteriormente ao abastecimento efectuado, a embarcação efectuou uma deslocação às Ilhas Canárias, entre os dias 20 de Abril de 2013 e 11 de Maio de 2013;

e.       O “...” deslocou-se às Canárias para realização de trabalhos de beneficiação e verificação periódica obrigatória ao casco do navio, o que se enquadra perfeitamente no âmbito da sua actividade comercial, como resulta das facturas em anexo ao Documento nº 2, junto em anexo à PI;

f.       Resulta das referidas facturas que o “...” esteve em reparação durante os dias 22/04/2013 a 9/05/2013;

g.      A 18 de Fevereiro de 2014, a Requerente foi notificada do projecto de liquidação de imposto em discussão nos presentes autos;

h.      A 5 de Março de 2014, a Requerente apresentou resposta em sede de audição-prévia, como resulta do documento n.º 2 junto em anexo à PI, que se dá por integralmente reproduzido;

i.        A 12 de Maio de 2014, o Autor foi notificado da decisão definitiva proferida no âmbito do processo de controlo levado a cabo pela Alfândega do ..., conforme documento que se junta com o n.º 3;

j.        A Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado, conforme recibo junto aos autos como documento nº8 em anexo à PI

 

B)    Factos não provados

 

12.  Não há factos relevantes para decisão a considerar como não provados.

 

 

C)     Fundamentação da matéria de facto provada

 

13.  Os factos provados, nos termos supra descritos, têm por base a prova documental que as Partes juntaram ao presente processo, os documentos juntos aos autos pela Requerente e os constantes do PA junto pela AT, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas.

 

 

IV – MATÉRIA DE DIREITO

 

14.  . Fixada a matéria de facto, importa conhecer da única questão de direito em discussão nos presentes autos, correspondendo, em síntese, à questão da ilegalidade suscitada pela Requerente no presente pedido arbitral.

 

Cumpre decidir.

 

15.  A questão que é objecto da presente acção é a de analisar a isenção de ISP de que beneficia a Requerente e, consideradas as especificidades do caso e as normas legais aplicáveis, aferir da legalidade da liquidação de imposto impugnada.

 

 

16.  Dispõe o art. 88.º, nº1, alínea a) do CIEC, sob a epígrafe “Incidência Objectiva”, que: “estão sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos: os produtos petrolíferos e energéticos”, mais clarificando, no n.º 2, alguns dos produtos que se haverão de “qualificar como produtos petrolíferos e energéticos”.

 

17.   Mas a lei prevê isenções ao imposto as quais vêm referenciadas no artigo 89º do CIEC.

 

  No que releva para a presente decisão, importa ter em consideração que este artigo dispõe que:

 

“1- Estão isentos do imposto os produtos petrolíferos e energéticos que, comprovadamente:

a) Sejam utilizados para outros fins que não sejam em uso como carburante ou em uso como combustível, salvo no que se refere aos óleos lubrificantes classificados pelos códigos NC 2710 19 81 a 2710 19 99;

b) (…)

c) Sejam utilizados na navegação marítima costeira e na navegação interior, incluindo a pesca e a aquicultura, mas com exceção da navegação de recreio privada, no que se refere aos produtos classificados pelos códigos NC 2710 19 41 a 2710 19 49 e 2710 19 61 a 2710 19 69;

d) (…)

(…)

4 - Para efeitos de aplicação da alínea c) do n.º 1, considera-se «navegação de recreio privada» a utilização de uma embarcação pelo seu proprietário ou por uma pessoa singular ou coletiva, que a pode utilizar através de aluguer ou a outro título, para fins não comerciais e, em especial, para fins que não sejam o transporte de pessoas ou de mercadorias ou a prestação de serviços a título oneroso ou no interesse das autoridades públicas.

(…)

7 - As isenções previstas nas alíneas a), c), d), e), f), h), i) e j) do n.º 1 e nas alíneas a), c) e e) do n.º 2 dependem de reconhecimento prévio da autoridade aduaneira competente.”

 

 

18.   Ainda com relevância para a presente decisão há que atender ao disposto no artigo 93º do CIEC, o qual dispõe:

 

“1 - São tributados com taxas reduzidas o gasóleo, o gasóleo de aquecimento e o petróleo coloridos e marcados com os aditivos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

2 - O petróleo colorido e marcado só pode ser utilizado no aquecimento, iluminação e nos usos previstos no n.º 3.

3 - O gasóleo colorido e marcado só pode ser consumido por:

a) Motores estacionários utilizados na rega;

b) Embarcações referidas nas alíneas c) e h) do n.º 1 do artigo 89.º;

c) Tratores agrícolas, ceifeiras-debulhadoras, motocultivadores, motoenxadas, motoceifeiras, colhedores de batata automotrizes, colhedores de ervilha, colhedores de forragem para silagem, colhedores de tomate, gadanheiras-condicionadoras, máquinas de vindimar, vibradores de tronco para colheita de azeitona e outros frutos, bem como outros equipamentos, incluindo os utilizados para a atividade aquícola, aprovados por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da agricultura e do mar;

(Redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro)

d) Veículos de transporte de passageiros e de mercadorias por caminhos de ferro;

e) Motores fixos;

f) Motores frigoríficos autónomos, instalados em veículos pesados de transporte de bens perecíveis, alimentados por depósitos de combustível separados, e que possuam certificação ATP (Acordo de Transportes Perecíveis), nos termos a definir em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da agricultura e dos transportes.

4 - O gasóleo de aquecimento só pode ser utilizado como combustível de aquecimento industrial, comercial ou doméstico.

5 - O gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido pelos titulares do cartão eletrónico instituído para efeitos de controlo da sua afetação aos destinos referidos no n.º 3 sendo responsável pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem devidamente registadas no sistema eletrónico de controlo.

(Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)

6 - A venda, a aquisição ou o consumo dos produtos referidos no n.º 1 com violação do disposto nos n.ºs 2 a 5 estão sujeitos às sanções previstas no Regime Geral das Infrações Tributárias e em legislação especial.

7 - Para efeitos deste artigo, entendem-se por motores fixos os motores que se destinem à produção de energia e que, cumulativamente, se encontrem instalados em plataformas inamovíveis.

8 - Enquanto não existirem condições técnicas para a implementação do gasóleo de aquecimento com as características previstas no anexo VI do Decreto-Lei n.º 89/2008, de 30 de maio, pode ser utilizado na Região Autónoma da ..., colorido e marcado, o gasóleo classificado pelos códigos NC 2710 19 41, 2710 19 45 e 2710 19 49.

9 - Na aquisição do gasóleo colorido e marcado na Região Autónoma da ... é dispensada a utilização do cartão eletrónico, enquanto não existirem as condições técnicas descritas no número anterior.”

 

19.   Da letra da lei resulta que o pressuposto da isenção do gasóleo colorido e marcado (GCM) assenta na utilização dada ao produto, nomeadamente a prevista na alínea c) do art. 89º, ou seja, que a mesma tenha como destino a navegação costeira e interior., com excepção da navegação de recreio.

 É assim claro o propósito deste normativo, consagrado na alínea a), do nº 1 do art.º 89.º do CIEC, o qual visa incentivar e estimular a actividade comercial em presença e combater a fraude, o que se afigura igualmente evidenciado e reforçado na condição de excepção referida na lei (“com excepção da navegação de recreio”)

 

20.   Assim, o fim dado ao GCM, ou seja a sua utilização na navegação marítima costeira (com excepção da navegação de recreio) é pressuposto essencial para que a isenção se concretize. O legislador foi claro ao estabelecer o pressuposto para a isenção de imposto poder operar, bem assim como ao excepcionar a navegação de recreio do âmbito da isenção, prevenindo situações de fraude.

Acresce que a isenção em causa depende, do reconhecimento previsto no nº 7, do art.º 89.º do CIEC, ou seja, do reconhecimento prévio da autoridade aduaneira competente.

 

21.  No caso em apreciação, conforme resulta da matéria de facto provada, a Requerente cumpre esta última condição, uma vez que beneficia de isenção de ISP concedida por despacho de 3.01.1998 da Direcção da Alfândega do ... para os abastecimentos de produtos efectuados pela embarcação “...”, com a matrícula ...-...-.... Trata-se de um reconhecimento que, reportando-se à isenção dos produtos em causa, tem em consideração o estatuto do adquirente desses produtos, o âmbito da actividade exercida e as condições legais para a respectiva utilização.

 

22.  Nos presentes autos a Requerente provou que a deslocação às ilhas Canárias teve como destino a realização de trabalhos de beneficiação e verificação periódica obrigatória ao casco do navio, a qual se realizou entre os dias 22-04-2013 e 09-05-2013, conforme facturas constantes do documento nº 2, em anexo à PI. Provou-se também a realização dos trabalhos de beneficiação e verificação periódica, durante grande parte do período relativo à deslocação efectuada.

 

 

23.   Ora, refere ainda o nº4 do mesmo artigo 89º, que. “para efeitos de aplicação da alínea c) do n.º 1, considera-se «navegação de recreio privada» a utilização de uma embarcação pelo seu proprietário ou por uma pessoa singular ou coletiva, que a pode utilizar através de aluguer ou a outro título, para fins não comerciais e, em especial, para fins que não sejam o transporte de pessoas ou de mercadorias ou a prestação de serviços a título oneroso ou no interesse das autoridades públicas.

 

24.   A viagem às Canárias teve como fim a realização dos trabalhos de beneficiação e verificação periódica referidas e comprovadas documentalmente nestes autos, pelo que se conclui que o destino da viagem não foi “exclusivamente de recreio privada”, tendo como fim a realização do interesse da actividade desenvolvida pela empresa.

 

Mas esta é uma condição de excepção, ou seja, a verificar-se excepciona a aplicação do benefício fiscal, porém, não é este o pressuposto legal do seu reconhecimento.

 

25.  Chegados aqui, resta ainda analisar a questão essencial de saber se se verifica o pressuposto legal da isenção, ou seja o produto (GCM) ter como fim a navegação costeira ou interior. Neste ponto, já surgem algumas dúvidas que, segundo o entendimento da AT, determinaram a liquidação impugnada, já que na sua apreciação a deslocação às Canárias extravasa o conceito de “navegação costeira”. Vejamos se tem razão ou se, pelo contrário, assiste razão à Requerente.

 

26.  Cumpre ao presente Tribunal Arbitral aferir da legalidade da liquidação de ISP, redundando a questão, fundamentalmente, em saber se a deslocação às Canárias, cumpriu ou não o pressuposto legal da isenção concedida, ou seja, se poderá incluir-se no conceito de navegação costeira ou interior.

 

27.  O artigo 89º, nº1, alínea c), estabelece a isenção do imposto para o produto designado por gasóleo colorido marcado (GCM) que, comprovadamente, seja utilizado na navegação marítima costeira e na navegação interior, incluindo a pesca e a aquicultura, mas com exceção da navegação de recreio privada. Já vimos que a utilização do produto não teve como fim uma viagem de recreio, mas também não pode enquadra-se no conceito de navegação costeira interior. Facto, aliás, que a própria Requerente admite ao referir que, na verdade, tal fim se podia enquadrar no regime de “gasóleo bunker”, embora por lapso não tenha efectuado a necessária declaração aduaneira de exportação, o que não sucedeu.

 

28.   Com a entrada em vigor do Novo Código dos Impostos Especiais sobre o consumo (CIEC) aprovado pelo Decreto-Lei nº 73/2010 de 21 de Junho, a isenção do ISP no gasóleo para utilização em navegação marítima costeira passou a estar prevista no artigo 89º do Código, e manteve em vigor a Portaria 117-A/2008. A verificação dos benefícios fiscais em presença continua a ter como enquadramento regulamentador a referida Portaria, sobre a qual tem sido proferida vasta jurisprudência sobre a sua constitucionalidade, sendo pacífico que as suas normas regulamentadoras devem ser interpretadas e aplicadas em conformidade com a Constituição.

 

29.  A aplicação dos benefícios fiscais legalmente previstos obedecem aos princípios previstos na CRP, nomeadamente ao princípio da legalidade previsto no artigo 103º da CRP e ainda aos princípios previstos na LGT e no Estatuto dos Benefícios Fiscais, nomeadamente ao previsto no artigo 14º, nº1. A obediência ao princípio da legalidade vincula a AT e os contribuintes, no que toca ao cumprimento dos pressupostos legais da isenção

 

30.  Por fim, há ainda que atender à Directiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa aos CIEC, a qual constitui um importante auxílio para a concretização do conceito de navegação marítima costeira, considerando o arquipélago das Canárias, não obstante integrado no Reino de Espanha, como um território fiscalmente terceiro para efeitos de IECS harmonizados

 

31.  Quanto ao conceito de navegação costeira, pelo que vem alegado no pedido arbitral e na resposta conclui-se que é reconhecido como pacífico o conceito consagrado no artigo 27º Regulamento Geral das Capitanias, incluindo-se para as embarcações registadas na Região Autónoma da ... a navegação entre as ilhas da ..., ..., ... e ....

 

32.  Uma vez que a navegação entre o arquipélago da ... e as Canárias não se integra, de modo algum, no conceito de navegação costeira, há que concluir pela não verificação do pressuposto fundamental para a concessão da isenção.

 

33.  Ora, a não verificação do pressuposto ou pressupostos do benefício fiscal de isenção de imposto constitui um facto tributário, dando origem à reposição da tributação que existiria não fosse a isenção, isso mesmo resulta do disposto no artigo 88º do CIEC (regra de incidência) e do artigo14º, nº1 do EBF.

 

Dispõe este último normativo o seguinte:

 

Artigo 14.º 
Extinção dos benefícios fiscais

1 - A extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra. 


 

2 - Os benefícios fiscais, quando temporários, caducam pelo decurso do prazo por que foram concedidos e, quando condicionados, pela verificação dos pressupostos da respectiva condição resolutiva ou pela inobservância das obrigações impostas, imputável ao beneficiário. 


3 - Quando o benefício fiscal respeite a aquisição de bens destinados à directa realização dos fins dos adquirentes, fica sem efeito se aqueles forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças, sem prejuízo das restantes sanções ou de regimes diferentes estabelecidos por lei.

 
4 - O acto administrativo que conceda um benefício fiscal não é revogável, nem pode rescindir-se o respectivo acordo de concessão, ou ainda diminuir-se, por acto unilateral da administração tributária, os direitos adquiridos, salvo se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas, ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido, caso em que aquele acto pode ser revogado. 
5 - No caso de benefícios fiscais permanentes ou temporários dependentes de reconhecimento da administração tributária, o acto administrativo que os concedeu cessa os seus efeitos nas seguintes situações: 
a) O sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema da segurança social, e se mantiver a situação de incumprimento; 


b) A dívida tributária não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição, com a prestação de garantia idónea, quando exigível. 
6 - Verificando-se as situações previstas nas alíneas a) e b) do número anterior, os benefícios automáticos não produzem os seus efeitos no ano ou período de tributação em que ocorram os seus pressupostos. 

(…)

 

34.  O art. 89.º, n.º 1, alínea c) e n.º 4, do CIEC, introduz um problema de comprovação dos requisitos para a isenção. E, face ao princípio da legalidade fiscal, não cabe ao intérprete ou aplicador da norma, face do princípio da legalidade, proclamado no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, extravasar o que vem previsto na lei.

 

35.  O referido artigo 103.º estabelece, nos seus n.ºs 2 e 3, o seguinte:

“2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei. “

 

36.  Como se vê, o princípio da legalidade tributária, nos termos previstos na Constituição, aplica-se, em primeira linha, à «incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes». A lei não é apenas um limite à actuação da Administração: é também o fundamento da acção administrativa. Quer isto dizer que a AT está vinculada a cumprir os pressupostos contidos na lei, nomeadamente, quanto aos benefícios fiscais. A Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permite fazer, o que no caso concreto da isenção de imposto em análise pressupunha que o mesmo tivesse sido utilizado em navegação costeira interior, o que não sucedeu.

 

37.   Quanto ao benefício de isenção de que a requerente poderia beneficiar por força do destino do produto ser susceptível de enquadramento no regime de “gasóleo bunker”, tal pressupunha que a Requerente procedesse à necessária declaração aduaneira de exportação em conformidade com as exigências legais, o que também não sucedeu. É certo que a própria admite que tal sucedeu por lapso, porém, os lapsos ou erros podem corrigir-se pelos meios procedimentais próprios.

 

38.  Certo é que, também por esta razão nos termos em que vem alegada, não se vislumbra que resulte qualquer ilegalidade para a liquidação de imposto impugnada.

 

39.  Mas alega a Requerente em defesa da alegada isenção que, o GCM declarado como adquirido para navegação marítima costeira e na verdade destinado à viagem até às Canárias, foi em grande parte consumido na zona que deve considerar-se como zona marítima costeira e o restante em zona pela qual poderia beneficiar do regime de “gasóleo bunker”, e conclui, deste modo, pugnando pela manutenção da isenção.

 

40.  Ora, não se afigura que assista razão à Requerente, e desde logo porque se verificam irregularidades nos fins de aquisição do produto que não devem ser ignoradas. Na verdade, o legislador prevê as duas situações referidas mas cada uma delas tem destino e funções bem distintas e formalidades essenciais a cumprir do ponto de vista declarativo igualmente diferentes, às quais o contribuinte está obrigado.

 

41.  Sendo assim, constata-se que o GCM adquirido teve como destino uma deslocação fora do limite considerado como navegação marítima costeira, se destinou a uma deslocação para território terceiro a qual foi planeada com antecedência e preparação prévia, porquanto se destinou a efectuar uma intervenção de melhoramento e verificação periódica, pelo que a Requerente devia ter acautelado todas as formalidades legalmente exigidas que lhe permitissem beneficiar da isenção de imposto. Tal não sucedeu, pelo que o fim de destino do produto não foi o declarado e o procedimento que lhe poderia ter permitido beneficiar da isenção enquanto “gasóleo bunker” não foi observado, pelo que não se vislumbra que a liquidação seja ilegal.

 

42.  Acresce que, ao constatar-se a não verificar-se o pressuposto legal para a isenção não resta alternativa à AT que não seja aplicar a lei, nomeadamente o princípio constante no artigo 14º do Estatuto dos Benefícios Fiscais cessa a isenção, logo deve liquidar o imposto nos termos em que o mesmo seria devido.  Conforme resulta do disposto no artigo 9º, nº1, alínea f) e nº 2, alínea c) do CIEC, bem assim como nos nºs 11, 12 e 13 da Portaria nº 117-A/2008, a violação dos pressupostos do benefício fiscal de isenção de ISP constitui facto tributário e dá origem à reposição da tributação regra para o produto isento. Igual solução decorre do disposto no artigo14º, nº1 do EBF.

 

43.  Nesta conformidade, não se vislumbra que a liquidação de imposto impugnada se afigure ilegal, pelo que a impugnação terá de improceder.

 

44.  Por último, considerando o alegado erro na declaração que, por lapso, possa ter afectado a Requerente, nomeadamente, o erro na declaração efectuada sobre o fim de destino do produto e a consequente falta da declaração aduaneira de exportação que poderia, se devidamente requerida e comprovada, ter o mesmo efeito ou seja a isenção de imposto por beneficiar do regime de “gasóleo bunker”, dir-se-á que a impugnação da liquidação não se afigura como via processualmente adequada para a reparação dos erros imputáveis à Requerente.

 

45.  Por tudo o que se deixa exposto conclui-se pela improcedência do pedido arbitral.

 

46.  Não se afigura existirem outras questões relevantes suscitadas pelas partes.

 

 

V - DECISÃO

 

Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:

 

a)      Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

b)       Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.

 

 

Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 305º, nº 2, do CPC, artigo 97º - A, nº 1, alínea a), do CPPT e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €5.150,10.

 

 

Custas: Nos termos do disposto no nº 4, do art.º 22º, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €612,00, a cargo da Requerente.

 

Registe e notifique-se. 

 

Lisboa, 28 de Abril de 2015

 

 

 Árbitro,

 

 

 

(Maria do Rosário Anjos)



[1] A presente decisão é redigida de acordo com a ortografia antiga.