Sumário
As normas do n.º 1, parte final, e n.º 3 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, interpretadas conjugadamente, ao estabelecerem um tratamento fiscal mais favorável para os organismos de investimento coletivo que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa, em relação aos organismos equiparáveis que tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Os árbitros Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Presidente), Dra. Maria Antónia Torres (Vogal) e Dr. Augusto Vieira (Vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo (TAC), constituído em 09-05-2022, acordam no seguinte:
I – Relatório
1. A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, atualmente com o número de identificação fiscal português..., com sede em ..., Alemanha (doravante designado por “Requerente”), representado por B... GmbH, na qualidade de sociedade gestora, com sede na mesma morada, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2019 e 2020, bem como da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa que foi apresentada.
2. Termina pedindo a : (i) “anulação dos atos tributários de retenção na fonte de IRC dos anos de 2019 e 2020 ora sindicados por vício de violação de lei, em concreto por violação do Direito Comunitário e da CRP, ... e pelo consequente reconhecimento do direito do Requerente à restituição da quantia de EUR 261.649,81, relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos nos anos de 2019 e 2020, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do CIRC e 22.º do EBF, tudo com as demais consequências legais, mormente o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT”; (ii) a eventual suspensão do processo até decisão por parte do TJUE (no processo n.º C-545/19) em sede do pedido de reenvio prejudicial das questões prejudiciais formuladas no âmbito do processo n.º 93/2019-T, dado que, como acima referido, está em causa a mesma questão de Direito, com um substrato fáctico em tudo semelhante ao do Requerente no presente processo; (iii) subsidiariamente, requer-se o reenvio prejudicial para o TJUE do presente processo quanto à questão relativa à incompatibilidade do artigo 22.º do EBF com o Direito da UE, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado; (iv) com a procedência dos pedidos formulados supra, a condenação da Autoridade Tributária no pagamento das custas de arbitragem”.
3. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, adiante designada por Requerida ou AT.
O Requerente fundamenta o pedido nos seguintes termos:
· O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituído sob a forma contratual e não societária, comumente designado de fundo de investimento, sendo um sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável no país;
· Detém diversos investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal.
· Nos anos de 2019 e 2020, era detentor dos seguintes lotes de participações sociais nas seguintes sociedades residentes em Portugal:
· Está sujeito a imposto sobre as pessoas coletivas no seu país de residência, tendo-lhe sido, todavia, concedida uma isenção (nos termos da Secção 11 parágrafo 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades Alemão – “German Corporate Income Tax Act” – e da secção 11 parágrafo 2 do Código Fiscal de Investimento Alemão – “German Investment Tax Act”), o que o impossibilita de recuperar a título de crédito por dupla tributação internacional, ou através de qualquer pedido de reembolso, os impostos suportados ou pagos no estrangeiro;
· Nos anos de 2019 e 2020, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal IRC por retenção na fonte, no montante total a seguir discriminado:
· Em 14 de Junho de 2021, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra os atos de retenção na fonte de IRC, que foi indeferida por decisão da Requerida de 29 de Novembro de 2021.
· Considera o Requerente que Portugal ao sujeitar, à data dos factos tributários em análise, a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos OIC estabelecidos em Estados Membros da União Europeia (“UE”) (in casu a Alemanha), simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, de forma frontal, o artigo 63.º do Tratado para o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”), conforme tem sido entendimento unânime do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”).
A Requerida, Autoridade Tributária, na sua Resposta, defende, em resumo, o seguinte:
· Discorda da descrição que o Requerente faz do regime fiscal dos organismos de investimento coletivo (OIC), que se constituem e operam de acordo com a legislação nacional, recorrendo para o efeito, aos normativos do Código do IRC e artigo 22.º do EBF, uma vez que há dois aspetos de grande relevância para a definição completa do quadro fiscal dos OIC, a que importa dar o devido relevo.
· Um, tem a ver com a opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, mediante a subtração à base tributável dos rendimentos típicos dos OIC, isto é, dos rendimentos de capitais (artigo 5.º do Código do IRS), dos rendimentos prediais (artigo 8.º do Código do IRS) e das mais-valias (artigo 10.º do Código do IRS) conforme previsto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, e ainda prevendo a isenção de derrama municipal e de derrama estadual, nos termos do n.º 6 do artigo 22.º do EBF, deslocando a tributação para a esfera do Imposto do Selo.
· Para isso, foi aditada, à TGIS, a Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos. Esta tributação em Imposto do Selo apenas recai sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, o que significa que dela são excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira.
· O outro prende-se justamente com a tributação incidente sobre os dividendos, porquanto, além de não integrarem a matéria coletável do IRC, também beneficiam da isenção de retenção na fonte (cf. n.º 10 do artigo 22.º do EBF). No entanto a Requerente nada adianta sobre a sujeição dos OIC a taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC, prevista no n.º 8 do artigo 22.º do EBF, que revela a intenção do legislador de subsumir os dividendos obtidos por estes organismos ao disposto no n.º 11 do referido artigo 88.º do CIRC;
· Pelo que os OIC não abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, como é o caso do Requerente, não está sujeito a tributação autónoma sobre os dividendos.
· Concluindo que, para efeitos de comparação da carga fiscal incidente sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e os OIC constituídos na Alemanha, é redutor, e manifestamente insuficiente para extrair conclusões, atender apenas ao imposto retido na fonte e abstrair de outras imposições suscetíveis de onerar fiscalmente os dividendos.
· Acrescenta que se encontra vinculada ao princípio da legalidade, não lhe competindo apreciar a desconformidade das normas internas com o TFUE, nem apreciar a sua constitucionalidade, pelo que, encontrando-se vinculada ao princípio da legalidade, não pode desaplicar normas por suposta violação do direito europeu ou da Constituição da República, competência essa que apenas é atribuída aos tribunais.
· Por outro lado, o Requerente não esclareceu/provou (apenas alegou) se, no caso concreto, existiu ou não um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera da própria Requerente ou dos investidores.
· Conclui que, contrariamente ao afirmado pela Requerente, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário.
· Sendo que a Requerida encontra-se vinculada ao princípio da legalidade, não lhe competindo apreciar a desconformidade das normas internas com o TFUE, nem apreciar a sua constitucionalidade, pelo que, encontrando-se vinculada ao princípio da legalidade, não pode desaplicar normas por suposta violação do direito europeu ou da Constituição da República, competência essa que apenas é atribuída aos tribunais.
· Para apreciação da questão de fundo sobre a liberdade de circulação de capitais na UE, salienta, por terem grande relevância hermenêutica e metódica, pelo menos quatro aspetos fundamentais de regime jurídico. O primeiro diz respeito à aplicabilidade direta do artigo 63.º TFUE e da inerente proibição de restrições injustificadas da liberdade de circulação de capitais. O segundo refere-se ao facto de as liberdades fundamentais do mercado interno terem como principais destinatários os Estados-Membros, que devem abster-se de adotar medidas legislativas, administrativas e jurisdicionais de restrição das mesmas. O terceiro aspeto prende-se com a relação de complementaridade – e por vezes de sobreposição – que a liberdade de circulação de capitais estabelece com as liberdades de circulação de mercadorias e de pessoas, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços. O quarto aspeto tem que ver com o reforço progressivo da importância da liberdade de circulação de capitais no mercado interno, especialmente a partir da criação da União Económica e Monetária (UEM).
· Invoca em seu favor o decidido no Processo CAAD nº 96/2019-T.
· Relativamente ao pedido de condenação da AT em juros indemnizatórios referiu o seguinte:
i. Não se vislumbra qualquer ilegalidade que acometa a liquidação contestada, encontra-se prejudicada a possibilidade de pagamento de juros indemnizatórios.
ii. Mas, caso assim não se entenda, sem ceder nem conceder quanto ao supra, ainda que se considere que a ilegalidade da decisão da revisão oficiosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa, a verdade é que
iii. os erros que afetam as retenções na fonte não são imputáveis à Administração Tributária, pois não foram por ela praticadas e, consequentemente, não há direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática, à face do preceituado no artigo 43.º da LGT.
iv. Só se concebendo a sua ocorrência com a decisão da reclamação graciosa, caso se considere que deveria ter sido deferida a pretensão da Requerente, aí sim, ocorrendo eventual erro imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira. Pelo que,
v. Caso se considere que a AT manteve uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a ação que a reporia deve ser equiparada à ação.
vi. Devendo, nesse caso, considerar-se para efeitos de eventual contagem de juros apenas a partir data que se considera o indeferimento reclamação graciosa.
· Termina pugnando pela improcedência do PPA.
4. Notificadas, por despacho de 20 de junho de 2022, para apresentaram alegações, por prazo simultâneo de dez dias, a Requerente alegou, em 30 de junho seguinte, reiterando a sua anterior posição. A Requerida não alegou.
5. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228. ° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6. ° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228. ° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 09 de Maio de 2022.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
6. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:
A) O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituído sob a forma contratual e não societária, designado de fundo de investimento, sendo um sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável no país e é gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento, a B... GmbH, entidade igualmente com sede na Alemanha – conforme artigos 1º e 2º do PPA e Documentos nº 1 e 2 juntos com o PPA e ponto III nº 5 da decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa junta pela AT com o PA;
B) O Requerente é um fundo aberto autónomo que se baseia num contrato entre a entidade gestora – “B... GmbH”, os seus investidores e o banco responsável pela custódia dos valores mobiliários cujo objeto exclusivo é a administração, gestão e com o investimento do seu património – conforme artigos 3º e 4º do PPA e Documento nº 3 em anexo ao PPA;
C) Não sendo o Requerente uma OIC sob a forma societária (sociedade de investimento), mas antes meramente contratual (fundo de investimento), o Requerente não reveste juridicamente a forma de sociedade comercial, não estando, nos termos da legislação alemã aplicável, sujeito a qualquer obrigação de registo no Registo Comercial alemão e, como tal, não pode ser titular de direitos ou obrigações – conforme artigo 5º do PPA e Documento n.º 4 em anexo ao PPA;
D) Os ativos do Requerente são dissociados dos demais ativos da entidade gestora, nos termos da lei regulatória aplicável, e, como tal, protegidos contra ações intentadas contra os investidores, a entidade gestora e o banco responsável pela custódia – conforme artigo 6º do PPA e Documento nº 5 em anexo ao PPA;
E) O Requerente é uma entidade sujeita a supervisão do Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht (“BaFin”), entidade federal responsável pela supervisão do setor financeiro na Alemanha – conforme artigo 10º do PPA e Documento nº 6 em anexo ao PPA;
F) O Requerente está sujeito a imposto sobre as pessoas coletivas no seu país de residência, tendo-lhe sido, todavia, concedida uma isenção (nos termos da Secção 11 parágrafo 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades Alemão – “German Corporate Income Tax Act” – e da secção 11 parágrafo 2 do Código Fiscal de Investimento Alemão – “German Investment Tax Act”), o que o impossibilita de recuperar a título de crédito por dupla tributação internacional, ou através de qualquer pedido de reembolso, os impostos suportados ou pagos no estrangeiro – conforme artigo 11º do PPA, Documento n.º 4 em anexo ao PPA, acima junto e falta de impugnação especificada apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT face ao referido n ponto III nº 8 da decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa junta pela AT com o PA;
G) Nos anos de 2019 e 2020, o Requerente era detentor de lotes de participações sociais nas seguintes sociedades residentes em Portugal, sendo entidade custodiante dos títulos detidos em Portugal o “C...”:
- conforme artigos 13º, 14º e 20º (1) do PPA e Documento nº 7 em anexo ao PPA;
H) Nos anos de 2019 e 2020, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal IRC por retenção na fonte, no montante total a seguir discriminado:
- conforme artigo 17 e 20º (2) do PPA, Documento nº 8 em anexo ao PPA e ponto III nº 6 da decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa junta pela AT com o PA, uma vez que o ponto IV nºs 11 e 12 da mesma decisão se configura tratar-se de lapso. uma vez que aludem a D... PLC Sucursal em Portugal e E..., sendo que a entidade custodiante neste caso é a entidade acima referida;
I) Em 14.06.2021, o Requerente apresentou reclamação graciosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC, acima indicados, invocando o vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, procedimento que correu termos na Direção de Finanças de Lisboa (“DFL”) sob o n.º ...2021... – conforme artigo 22º do PPA, documento nº 9 em anexo ao PPA e PA junto pela AT com a Resposta;
J) Em 29.11.2021 o Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa adoptada em 19.10.2021 pelo Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Lisboa, após ter sido notificado para audição prévia, faculdade que não usou, nela constando a seguinte fundamentação:
“IV - DESCRIÇÃO SUCINTA DOS FACTOS
11. Relativamente à entrega de imposto retido nos cofres do estado português pelos substitutos tributários (entidades requerentes D... PLC Sucursal em Portugal e E..., com os NIFs ... - para 2019 - e ... - para 2020) as guias identificadas apesentam valores superiores ao reclamado.
12. Ademais, consultada às declarações modelo 30 (declaração de rendimentos pagos ou colocados à disposição de sujeitos passivos não residentes) verifica-se que foi declarada pelo substituto tributário a distribuição de rendimentos à reclamante no montante global de € 712.614,68, com apenas o montante de imposto retido à taxa de 25% de € 178.153,67 (em 2019) e rendimentos de € 333.984,53, com apenas o montante de imposto retido à taxa de 25% de € 83.496, 13 (em 2020).
V - ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER
13. A reclamante, não residente fiscal e sem estabelecimento estável em Portugal, é sujeito passivo de IRC, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 2º do Código de IRC, incindindo o imposto apenas sobre os rendimentos obtidos em território nacional (país da fonte), nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 3º e nº 2 do artigo 4º, ambos do Código de IRC, à taxa de 25% (nº 4 do artigo 87º do Código de IRC), objeto de retenção na fonte a titulo definitivo ou liberatório, na data da verificação do facto tributário (pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos), cujas importâncias retidas devem ser entregues nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que forem deduzidas, nos termos da alínea c) do nº 1, da alínea b) do nº 3, do nº 5 e nº 6, todos os artigo 94º do Código de IRC.
14. No entanto, esta taxa pode ser afastada por aplicação de uma Convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento (CDT), através da entrega do formulário Modelo 21-RFI. Da análise ao invocado nos presentes autos, conclui-se que o mesmo não consubstancia um pedido desta natureza.
15. Quanto à desconformidade das normas legais internas com o Direito da União Europeia, mais precisamente a não consideração destes rendimentos para efeitos do apuramento do lucro tributável, prevista no nº 3 do artigo 22º do EBF e a sua impossibilidade de aplicação aos rendimentos distribuídos aos OIC's com sede fora de Portugal, cumpre dizer o seguinte:
16. Através do Decreto-Lei nº 7/2015 de 13 de janeiro (cuja produção de efeitos ocorreu a partir de 1 de julho de 2015, conforme resulta do seu artigo 9º, tendo-se estabelecido no artigo 7º do regime diploma um regime transitório), procedeu-se à reforma do regime de tributação dos OIC, alterando, com interesse para o caso em apreço, a redação do artigo 22º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário e sociedades de investimento mobiliário e imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (regime jurídico dos OIC — Decreto-Lei nº 252/2004, de 17 de outubro, republicado pelo Decreto-Lei nº 71/2010, de 18 de junho, encontrando.se no artigo 11º do referido diploma os elementos necessários para a sua constituição e autorização), conforme resulta do nº 1 do artigo 22º do EBF e Circular nº 6/2015 (através da qual foram divulgadas as características essenciais do regime bem como esclarecimentos sobre a sua aplicação).
17. Com a nova redação estabeleceu o legislador, para esses sujeitos passivos de IRC, uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias referidos nos artigos 5º, 8º e 10º, todos do Código de IRS, conforme resulta o nº 3 do artigo 22º do EBF, e uma isenção das derramas municipal e estadual, nos termos do n.0 6 desta norma.
18. No entanto, contrariamente ao que sucede aos OIC's que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira, serão tributados em sede de Imposto de Selo (verba 29 da Tabela Geral de IS) e sujeitos a tributação em sede de IRC relativamente a lucros distribuídos, nos termos do nº 1 1 do artigo 88º do Código de IRC.
19. Tal exclusão não é aplicável à reclamante — pessoa coletiva de direito alemão — por falta de enquadramento no disposto no nº 1 do artigo 22º do EBF, o que é por si contestado no presente pedido.
20. Ora, se dúvidas houvesse quanto a esta interpretação, as mesmas ficariam dissipadas atendendo ao elemento teleológico, i.e., aos objetivos que o legislador pretendeu alcançar com tal previsão normativa, in casu, o aumento da captação de capital estrangeiro e da competitividade dos OIC's portugueses no plano internacional — leia-se o preâmbulo do Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de janeiro.
21. A consagração da liberdade de circulação dos capitais e, consequentemente, a proibição de adoção de medida restritiva da mesma encontra-se no artigo 63º e seguintes do TFUE, concretização do artigo 18º do mesmo, e é aplicável tanto entre Estados-Membros como entre Estados-Membros e Estados-terceiros (que não integrem a UE).
22. Não obstante, pela alínea a) do n.º 1 do artigo 65º do TFUE, é permitido que os Estados-membros apliquem “(...) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido”, tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que verificado o nº 3 da mencionada disposição legal.
23. Evidenciando-se que, ao contrário do que se verifica com o IVA, não existe no TFUE uma previsão quanto à harmonização de impostos sobre o rendimento ou tributação direta (neste sentido, vide ANA PAULA DOURADO, in "Direito Fiscal, Lições 2015", Coimbra, Almedina, 2015, p. 29.), embora, numa tentativa de aproximação de legislações dos Estados-membros, a mesma encontre alguma expressão nos artigos 114º e 115º, ambos do referido Tratado.
24. Cumpre ainda referir que não compete à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, nem tão pouco apreciar da sua constitucionalidade, realçando-se que, na senda do entendimento acolhido pela recente jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo (STA) (a titulo exemplificativo, os acórdãos do STA de 2015-01-21 , Processo nº 0843/14, e de 2016-05-11, Processo nº 0704/14, disponíveis em www.dgsi.pt.), atendendo ao disposto no artigo 266º da CRP e artigo 55º da LGT, a AT deve atuar em conformidade com a lei, não podendo, por regra, deixar de aplicar uma norma tributária constante de diploma legal, por alegada inconstitucionalidade, a não ser quando o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do artigo 281º da CRP.
25. Ademais, por outro lado, não pode a AT aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE quando estas não têm, na sua origem, a apreciação da compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.
26. Sendo que a jurisprudência trazida à colação pela reclamante respeita a normas legais de outros ordenamentos jurídicos, não se conhecendo até à data quaisquer decisões do TJUE que tenham concluído pela desconformidade do artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015 de 13 de janeiro, com o TFUE.
27. -De salientar que a referida decisão arbitral proferida no processo 90/2019-T apenas produz efeitos entre partes e no âmbito do caso concreto, e não em quaisquer outros procedimentos administrativos.
28.Porém, sempre se dirá que, de acordo com PAULA ROSADO PEREIRA (In "Princípios do Direito Fiscal Internacional. Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu", Coimbra, Almedina, 2010, pp. 349 e 350), " (... ) no Caso Schumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes (...)" considerando a Autora que "[a] análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, assim, que na perspetiva deste órgão, em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação consagradas no TFUE".
29. Pelo exposto, é de indeferir o presente pedido.
30. Acrescenta-se, ainda, que, por não se verificarem in casu os pressupostos do nº 1 do artigo 43º da LCT, não assiste à reclamante o direito a juros indemnizatórios.”
- conforme artigo 23º do PPA, documento nº 10 em anexo ao PPA e PA junto pela AT com a Resposta;
K) O Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral em 25 de Fevereiro de 2022 – conforme registo no SGP do CAAD.
Factos não provados
Não há factos não provados que se considerem relevantes para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.
Matéria de direito
7. Relativamente à questão de fundo em discussão neste processo, já se pronunciou o CAAD em diversos processos. Este Tribunal vai seguir o que foi decidido no Processo CAAD nº 214/2021-T uma vez que o caso aí discutido era, no que interessa ao mérito da causa em tudo idêntico ao deste Processo.
8. No processo referido no ponto anterior escreveu-se: “Sustenta a Requerente que o regime especial de tributação aplicável aos fundos de investimento que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, nos termos da parte final do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 22.º do EBF, implicando a exclusão desse regime jurídico dos organismos equiparáveis que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa mas tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
A Autoridade Tributária contrapõe que o artigo 22.º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, estabelece uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias e uma isenção das derramas municipal e estadual, deslocando a tributação para a esfera do imposto do selo, além de que sujeita os OIC às taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC. Não podendo afirmar-se, neste condicionalismo, que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente.
A questão que nestes termos vem colocada foi analisada no ... acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de março de 2022, proferido em reenvio prejudicial no âmbito do Processo n.º C-545/19, e que determinou a suspensão da instância no presente processo arbitral, em que se extrai a seguinte conclusão:
“O artigo 63. ° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.
E não pode deixar de se sufragar esse entendimento, que, aliás, vem na linha de anterior jurisprudência do TJUE, ainda que não sobre a específica questão que está em análise nos presentes autos.
O citado artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de janeiro, na parte que mais interessa considerar, dispõe o seguinte:
Artigo 22.º
Organismos de Investimento Coletivo
1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.
4 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores, aplicando -se o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC.
5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.
6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.
(…).
Como resulta, em especial, do disposto nos n.ºs 3 e 6, as entidades referidas no n.º 1, beneficiam de um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, porquanto não são considerados, para efeitos do apuramento do lucro tributável, os rendimentos de capitais, os rendimentos prediais e mais-valias, além de que essas entidades estão isentas de derrama municipal e derrama estadual. Por outro lado, nos termos do transcrito n.º 1, o benefício fiscal assim estabelecido aplica-se aos organismos de investimento coletivo que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, o que conduz a afastar, numa interpretação literal do preceito, os organismos equiparáveis que operem no território nacional segundo o direito interno mas tenham sido constituídos segunda legislação de um outro Estado-membro da União Europeia.
A questão carece de ser analisada, nestes termos, à luz da alegada violação do princípio da proibição da liberdade de circulação de capitais.
9. No caso, como resulta da matéria de facto tida como assente, a Requerente é um organismo de investimento coletivo mobiliário, constituída segundo o direito da Alemanha, desempenhando em Portugal o mesmo papel económico que as sociedades de investimento mobiliário de capital variável heterogeridas, efectuando a angariação de investimento da mesma natureza e oferecendo aos seus clientes o mesmo tipo de condições de mercado.
Alega o Requerente, neste contexto, que a norma do artigo 22.º, n.ºs 1 e 3, do EBF se torna incompatível com o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Conforme tem sido entendimento comum, o princípio da proibição de discriminação em razão da nacionalidade consagrado no artigo 18.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia apenas deve ser objeto de aplicação autónoma quando esse mesmo princípio se não encontre concretizado em disposições específicas do Tratado relativas às liberdades de circulação. E, nesse sentido, pode dizer-se que o princípio da não discriminação se realiza, designadamente, por via do direito à livre circulação de movimentos de capitais a que se refere o artigo 63.º do Tratado (cfr. PAULA ROSADO PEREIRA, Princípios do Direito Fiscal Internacional – Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, Coimbra, 2011, pág. 254).
O artigo 63.º proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, bem como todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. O artigo 65.º consigna, todavia, que o artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido (n.º 1), esclarecendo o n.º 3, em todo o caso, que essa possibilidade não deve constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.
Em relação à liberdade de circulação de capitais, o citado acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de março de 2022, proferido em reenvio prejudicial no âmbito do Processo n.º C-545/19de 10 de Abril de 2014, esclarece o âmbito de aplicação desse princípio, formulando, na parte que mais interessa reter, os seguintes considerandos:
“36. Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63º, nº 1, do TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (-).
37. No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado Membro não podem beneficiar dessa isenção.
38. Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.
39. Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63. ° do TFUE (-).
40. Não obstante, segundo o artigo 65. °, n.º 1, alínea a), do TFUE, o disposto no artigo 63. ° do TFUE não prejudica o direito de os Estados Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.
41. Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado de FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), do TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, do TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» (-).
42. O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65. °, n.º 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65. °, n.º 3, do TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral (-).”
Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis, o Tribunal de Justiça concluiu que o “critério de distinção a que se refere a legislação nacional (…), que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes” (considerando 73), havendo de entender-se que, “no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis” (considerando 74).
E não há motivo para que o tribunal arbitral, face aos elementos factuais conhecidos, deva dissentir do entendimento formulado, quanto a esta matéria, em sede de reenvio prejudicial.
Em relação à possibilidade de uma restrição à livre circulação de capitais ser admitida por razões imperiosas de interesse geral, o Tribunal de Justiça declarou que, para esse efeito, “é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal” (considerando 78). Concluindo que, no caso, “não há uma relação direta (…) entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo” e a “necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional (…) (considerandos 80 e 81).
Em todo este contexto, a doutrina fixada pelo TJUE é a seguinte:
O artigo 63. ° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
10. Revertendo à situação do caso, mais uma vez se adere ao decidido no Processo CAAD P. 214/2021-T, onde se escreveu:
“Como resulta do ponto II e notas explicativas da nomenclatura anexa à Diretiva 88/361/CEE, o conceito de movimentos de capitais, para efeito da liberdade de circulação a que refere o artigo 63.º do TFUE, abrange os investimentos mobiliários (cfr. considerandos 21 e 22 do acórdão do TJUE de 16 de março de 1999, no Processo C-222/97).
O artigo 22.º, n.º 1, do EBF, ao circunscrever o regime de tributação constante do n.º 3 aos fundos e sociedades de investimento mobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, estabelece um regime mais gravoso para as entidades equiparáveis que operem no território nacional, mas se tenham constituído segundo o direito de um outro Estado-Membro da UE, sem que tenha sido apresentada qualquer justificação para esse tratamento discriminatório.
Segundo o disposto no artigo 65.º, n.º 3, do TFUE, os Estados-Membros podem estabelecer distinções em matéria fiscal entre sujeitos passivos que não se encontrem em idêntica situação em função do lugar da nacionalidade ou residência desde que não implique uma discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.
Havendo de entender-se, tal como refere o acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-545/19, que a diferença de tratamento na legislação fiscal nacional, em relação à livre circulação de capitais, apenas é compatível com as disposições do Tratado se respeitarem a situações objetivamente não comparáveis ou se se justificar por razões imperiosas de interesse geral (cfr. ainda considerando 58 do acórdão de 10 de fevereiro de 2011, nos Processos C-436/08 e C-437/08).
De acordo com o disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições são aplicáveis na ordem interna, e nesse sentido prevalecem sobre as normas do direito nacional, motivo por que os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que se encontre em desconformidade com o direito europeu (cfr., entre outros, o acórdão do STA de 1 de julho de 2015, Processo n.º 0188/15).
Os atos de liquidação em IRC impugnados e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles apresentada são assim ilegais por assentarem em disposição legal que viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE”.
Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios
11. O Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Revertendo o que se referiu para o caso concreto deste processo, será de considerar o seguinte:
i. Considerou-se no acórdão do STA de 8 de Março de 2017, proferido no proc. 01019/14, em sintonia com jurisprudência constante do mesmo Tribunal, o seguinte:
“Sobre o denominado “erro imputável aos serviços” tem a jurisprudência desta secção uniforme e reiteradamente afirmado que o respectivo conceito compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e que essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro (vide, entre outros, os seguintes Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13, todos in www.dgsi.pt.).”
ii. Por outro lado, consta do acórdão do TJUE de 4 de dezembro de 2018, no processo C 378/17, em linha com a jurisprudência do mesmo Tribunal aí referida, o seguinte:
“Como diversas vezes afirmou o Tribunal de Justiça, a referida obrigação de não aplicar uma legislação nacional contrária ao direito da União incumbe não só aos órgãos jurisdicionais nacionais mas também a todos os órgãos do Estado, incluindo as autoridades administrativas, encarregados de aplicar, no âmbito das respetivas competências, o direito da União (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de Junho de 1989, Costanzo, 103/88, UE: C:1989:256, nº 31; de 9 de setembro de 2003, CIF, C 198/01, UE:C:2003:430, nº 49; de 12 de janeiro de 2010, Petersen, C 341/08, EU:C:2010:4, nº 80; e de 14 de setembro de 2017, The Trustees of the BT Pension Scheme, C 628/15, EU:C:2017:687, nº 54)”.
iii. Na decisão do processo The Trustees of the BT Pension Scheme, C 628/15, pode também ler-se que:
“há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, tanto as autoridades administrativas como os órgãos jurisdicionais nacionais encarregados de aplicar, no âmbito das respetivas competências, as disposições do direito da União têm a obrigação de garantir a plena eficácia dessas disposições e de não aplicar, se necessário pela sua própria autoridade, qualquer disposição nacional contrária, sem pedir nem aguardar pela eliminação prévia dessa disposição nacional por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (v., neste sentido, relativamente às autoridades administrativas, acórdãos de 22 de junho de 1989, Costanzo, 103/88, EU:C:1989:256, nº 31, e de 29 de abril de 1999, Ciola, C 224/97, EU:C:1999:212, nºs 26 e 30, e, relativamente aos órgãos jurisdicionais, acórdãos de 9 de março de 1978, Simmenthal, 106/77, EU:C:1978:49, nº 24, e de 5 de julho de 2016, Ognyanov, C 614/14, EU:C:2016:514, nº 34).”
iv. Na doutrina nacional, refere Fausto de Quadros:
“(…) temos a obrigação para a Administração Pública de recusar a aplicação de normas ou actos nacionais contrários ao Direito Comunitário, e de aplicar este mesmo contra Direito nacional de sentido contrário, conforme doutrina acolhida, de forma modelar no caso Factortame, já referido neste livro por diversas vezes. A Administração Pública vai ter, ainda mais do que o legislador, a necessidade de levar essa doutrina em conta no desempenho da sua missão de aplicar o Direito.”
v. No mesmo sentido, vai Miguel Gorjão-Henriques, que escrevendo sobre o princípio do primado do direito comunitário escreve:
“(…) indubitavelmente, a dimensão clássica do princípio é aquela que, com clareza, nos enuncia Rostane MEHDII, ao salientar que o juiz e a administração têm a obrigação de «excluir as regras internas adoptadas em violação da legalidade comunitária.”
vi. Assim também tem concluído, pacificamente, a jurisprudência nacional, pois, como se pode ler no acórdão do STA proferido em 19.11.2014, no processo 0886/14:
“desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro, conforme se deixou explicado, entre outros, no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12/12/2001, no recurso n.º 026233, pois «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços. - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 14 de Março de 2012, rec. n.º 1007/11, e numerosa jurisprudência aí citada.”
Assim, no caso sub judice, à luz da jurisprudência e doutrina referidas, não estando a Requerida exonerada do dever de aplicação do primado do direito europeu, não poderá deixar de proceder o pedido de condenação quanto aos juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços.
Relativamente ao momento a partir do qual são devidos os juros indemnizatórios adere-se ao decidido no Processo CAAD nº 345/2021-T onde se expressou (alterando-se as datas em conformidade com este processo):
“(…) A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa. No entanto, os erros que afetam as retenções na fonte não são imputáveis à Administração Tributária, pois não foram por ela praticadas e, consequentemente, não há direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática, em face do preceituado no artigo 43.º da LGT. No entanto, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido deferida a pretensão da Requerente e este erro é imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira. Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a ação que a reporia deve ser equiparada à ação. No caso em apreço, a reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 19-10-2021, mas foi apresentada em 14-06-2021 pelo que deveria ter sido proferida decisão até 15-10-2021, primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 artigo 57.º da LGT. Assim, a partir de 15.10.2021, começam a contar-se juros indemnizatórios, relativamente às quantias retidas na fonte. Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, até à data do processamento da respetiva nota de crédito (…)”.
III - Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido arbitral e anular os atos de liquidação de IRC impugnados, referentes aos anos de 2019 e 2020, no montante global de € 261 649,91, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida;
b) Condenar a Administração Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e pagamento de juros indemnizatórios desde a data de 15.10.2021 e até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 261.649,81, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 4 896,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 13 de Julho de 2022
Tribunal Arbitral Colectivo
Carlos Fernandes Cadilha
(Presidente)
Maria Antónia Torres
(Vogal)
Augusto Vieira
(Vogal)