Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 88/2022-T
Data da decisão: 2022-07-13  IMI  
Valor do pedido: € 21.298,57
Tema: Imposto Municipal sobre Imóveis – isenção, imóvel localizado no Centro Histórico de Évora, Património Mundial da UNESCO
Versão em PDF

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

1.   A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., n.ºs..., ..., ... –... ..., doravante designada por “Requerente”, veio, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), em conjugação com o disposto no artigo 99.º e na alínea e) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação do Despacho proferido pelo Senhor Diretor de Finanças de ..., em 6 de janeiro de 2022, que indeferiu a Reclamação Graciosa deduzida contra o ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), datado de 7 de abril de 2021, referente ao ano de 2020, no valor de € 21.298,57 (vinte e um mil, duzentos e noventa e oito euros e cinquenta e sete cêntimos), consubstanciado nos Documentos n.ºs 2020 ..., 2020 ... e 2020 ..., e, bem assim, contra parte do mencionado ato de liquidação de IMI.

 

2.   É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante designada somente por “Requerida” ou “AT”).

3.   O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 18-02-2022.

4.   A Requerida foi notificada da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral em 20-02-2022.

5.   Dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foi o signatário designado como árbitro, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

6.   Em 05-04-2022 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

7.   Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 27-04-2022.

8.   A Requerente fundamentou o pedido de pronúncia arbitral nos seguintes termos: 

a)     A Requerente é uma sociedade comercial anónima, sedeada em Portugal, que exerce a sua atividade no âmbito da indústria hoteleira, sendo proprietária de vários imóveis no Município de ..., os quais se encontram isentos de IMI, com exceção da fração autónoma designada pela letra A do prédio urbano identificado com o artigo matricial n.º..., da União das Freguesias de ..., sito na ..., n.ºs..., em Évora, com o Valor Patrimonial Tributário de € 4.695.371,33 (quatro milhões, seiscentos e noventa e cinco mil, trezentos e setenta e um euros e trinta e três cêntimos), objeto do ato de liquidação de IMI aqui em apreço;

b)    O prédio urbano acima identificado respeita ao Hotel B..., propriedade da Requerente, cuja atividade é, assim, levada a cabo num prédio urbano em propriedade horizontal, composto por cinco frações autónomas, distintas e isoladas entre si, todas propriedade da Requerente;

c)     O prédio em questão situa-se no Centro Histórico de Évora, que se encontra incluído na lista do Património Mundial da UNESCO;

d)    O imóvel acima referido encontra-se nesse conjunto designado por Centro Histórico de Évora, assim se integrando na classificação como Património Cultural da Humanidade pela UNESCO;

e)     De acordo com o disposto na alínea n), do n.º 1, do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), estão isentos de IMI “os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável”;

f)     A designação de “monumento nacional” é atribuída aos bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, conforme decorre da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, que veio estabelecer a Lei de Bases do Património Cultural, bem como do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, referente ao Património Cultural Imóvel;

g)    Da articulação dos preceitos acima referidos, e da entrada em vigor da Lei de Bases do Património Cultural (que ocorreu em 2001), decorre que a inclusão de imóveis na lista de património mundial tem como consequência, imediata, a sua classificação como imóveis de interesse nacional e, logo, como “monumentos nacionais”, sem necessidade de qualquer outro ato de classificação;

h)    De acordo com o disposto na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.ºdo EBF, os prédios classificados como “monumentos nacionais” encontram-se isentos de IMI;

i)      A referida isenção de IMI é, expressamente, nos termos legais, de carácter automático, resultando diretamente da lei, e não carece de qualquer ato posterior de reconhecimento (cf. n.º 5 do artigo 44.º e n.º 1 do artigo 5.º, ambos do EBF);

j)      A isenção de IMI inicia-se no próprio ano em que ocorra a classificação como “monumento nacional” — facto constitutivo (único) da isenção – e vigora enquanto os prédios beneficiarem de tal classificação, ainda que venham a ser transmitidos (cf. n.º 2, alínea d) e n.º 5 do artigo 44.º e n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º, ambos do EBF);

k)    Ainda que a lei preveja a “comunicação da classificação como monumentos nacionais (…), a efectuar pelo Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I.P., ou pelas câmaras municipais” (cf. n.º 5 do artigo 44.º do EBF), tal comunicação tem carácter meramente instrumental, declaratório, não tendo qualquer efeito constitutivo da isenção — por a mesma ser automática e resultar diretamente, da própria lei, ou seja, in casu da classificação como monumento nacional (cfr. alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF);

l)      No presente caso, verifica-se que, mediante Aviso, datado de 20 de janeiro de 1988, da Direção de Serviços Culturais, publicado no Diário da República n.º 39/1988, Série I, de 17 de Fevereiro de 1988, se tornou público que o Centro Histórico de Évora — o qual é considerado como um conjunto, sendo um todo para efeitos de reconhecimento do património protegido —, entre outros, foi incluído na lista do património mundial da UNESCO, sendo tal facto do conhecimento público e, por conseguinte, da Administração tributária;

m)   Assim sendo, o imóvel em causa, que se inclui nesse conjunto designado por Centro Histórico de Évora, constitui Património Mundial da UNESCO, pelo que, desde a data de publicação do Aviso acima referido, é classificado como “monumento nacional”, nos termos e para os efeitos do artigo 15.º da Lei de Bases do Património Cultural;

n)    Assim sendo, o prédio em causa encontra-se isento de IMI, desde a data do Aviso acima identificado, de acordo com o disposto na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF e, bem assim, no n.º 3 do artigo 15.º da Lei de Bases do Património Cultural — isenção que, atualmente, se mantém;

o)    Adicionalmente, a Requerente entende que a isenção em apreço encontra, ainda, justificação nas maiores obrigações que decorrem, especificamente, para os detentores de direitos reais sobre os imóveis classificados, e que se encontram previstas no artigo 21.º da Lei de Bases do Património Cultural; 

p)    A Requerente conclui que parte do ato de liquidação de IMI objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral enferma de erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo ser anulado;

q)    Entende, ainda, a Requerente que da anulação de parte do ato tributário de liquidação de IMI objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral deverá resultar o reembolso do valor indevidamente pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, calculados à taxa legal em vigor;

r)     Tendo a Requerente procedido ao pagamento do imposto, a anulação do ato de liquidação de IMI implica o direito da Requerente a ser ressarcida da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal em vigor, nos termos conjugados do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT e do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

9.   Em sede de Resposta, a Requerida apresentou defesa por impugnação, na qual sustenta a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com base nos seguintes argumentos:

a)   Nos termos da certidão apresentada resulta claro que os imóveis de que a Requerente é proprietária não estão individualmente classificados e que não existe nenhum ato individual de classificação especificamente dirigido ao imóvel para o qual é solicitada a isenção;

b)   A instrução do processo de classificação de imóveis como de interesse nacional ou municipal é efetuada pelas Direções Regionais de Cultura, cabendo à DGCP propor a respetiva classificação ao membro do governo que tutela a área da cultura;

c)   O processo de classificação dos imóveis corresponde ao ato final do procedimento administrativo mediante o qual se determina que certo bem possui um inestimável valor cultural;

d)   A classificação individual dos imóveis é um procedimento autónomo previsto na lei que se verifica de per si sem estar integrado no processo de classificação de um conjunto, conforme resulta do disposto no artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro;

e)   A classificação individual de imóveis a que se refere a alínea n) do art.º 44.º do EBF é, assim, um procedimento previsto e regulado na legislação sobre o património Cultural da competência de organismos tutelados pelo membro do governo responsável pela área da cultura;

f)    A redação dada ao atual artigo 44º do EBF pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2007, passou a exigir para efeitos de efeitos de isenção de IMI um novo pressuposto: a classificação individualizada como imóvel de interesse público ou interesse municipal;

g)   Consequentemente o artigo 77.º da referida Lei procedeu à alteração do o artigo 112.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, passando o seu n.º 12 a prever a possibilidade de os municípios, mediante deliberação da assembleia municipal, fixarem uma redução até 50% da taxa que vigorar no ano a que respeita o imposto a aplicar aos prédios classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, nos termos da legislação em vigor, desde que estes prédios não se encontrem abrangidos pela alínea n) do n.º 1 do art.º 40.º (atual 44.º) do EBF;

h)   A razão de ser do referido preceito assenta na diferenciação estabelecida na lei entre um prédio individualmente classificado como monumento nacional ou imóvel de interesse público e um prédio inserido num conjunto classificado como tal, tanto mais que, se a integração de um prédio num conjunto implicasse automaticamente a sua classificação individual como monumento nacional ou prédio de interesse público, a norma em causa não faria sentido;

i)    Conclui, assim, a Requerida que desde 01.01.2007 a classificação individual do imóvel é um dos pressupostos de que depende a atribuição do benefício fiscal de isenção de IMI;

j)    No caso em apreço o que está classificado como Monumento Nacional é o Conjunto, o Centro Histórico de Évora, e não os imóveis de que a Requerente é proprietária;

k)   Se o IMI incide sobre os prédios, naturalmente que as isenções de IMI dirão respeito a prédios (isenções objetivas) ou aos seus titulares (isenções subjetivas), e não a “monumentos”, “conjuntos” ou “sítios”, porque não faz sentido isentar o que não está sujeito a imposto;

l)    No caso em apreço nos autos, não tendo sido alegado nem provado pela Requerente que o prédio em causa se encontra individualmente classificado, mas tão só pertencendo ao denominado conjunto do Centro Histórico de Évora, não se tem por preenchido o requisito obrigatório previsto na alínea n) do n.º 1 do atual artigo 44.º, e, nessa medida, não pode beneficiar da respetiva isenção de IMI;

m) Assim sendo, o despacho e o ato contestados pela Requerente não merecem qualquer censura;

n)   Não se verificando, nos presentes autos, no entender da Requerida, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido ao Requerente qualquer indemnização, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.

 

10.          Por despacho de 06-06-2022, este Tribunal, ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade e da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), e atendendo a que não foram suscitadas exceções, não havendo lugar à produção de prova testemunhal, e considerando que as questões estão suficientemente debatidas no pedido de pronúncia arbitral e na resposta, decidiu dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e dispensar a produção de alegações.

 

II – SANEADOR

11.   A apresentação do pedido de pronúncia arbitral foi tempestiva.

12.   As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

13.   Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

III. MÉRITO

III. 1. MATÉRIA DE FACTO

§1.       Factos provados

14.  Consideram-se provados os seguintes factos:

a)     A Requerente é proprietária da fração autónoma designada pela letra A do prédio urbano identificado com o artigo matricial n.º ..., da União das Freguesias de ..., sito na ..., n.ºs ..., em Évora, com o Valor Patrimonial Tributário de € 4.695.371,33 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

b)    O prédio descrito supra situa-se no Centro Histórico de Évora, que está incluído na lista do património mundial da UNESCO, conforme publicitação no Aviso, datado de 20 de janeiro de 1988, da Direção de Serviços Culturais, publicado no Diário da República, n.º 39/1988, Série I, de 17 de fevereiro de 1988 (documentos n.ºs 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

c)     A Requerente foi notificada do ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), datado de 7 de Abril de 2021, referente ao ano de 2020, que prevê um montante a pagar, com referência ao prédio descrito supra, de € 21.298,57 (vinte e um mil, duzentos e noventa e oito euros e cinquenta e sete cêntimos), consubstanciado nos Documentos n.ºs 2020 ..., 2020 ... e 2020 ..., referentes às primeira, segunda e terceira prestações, respetivamente (documentos n.ºs 2 a 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

d)    A Requerente procedeu ao pagamento das três prestações do IMI contestado (documentos n.ºs 8 a 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

e)     A Requerente deduziu Reclamação Graciosa contra o ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis descrito supra, tendo sido notificada, mediante Ofício da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de ..., datado de 6 de Janeiro de 2022, do Despacho proferido pelo Senhor Diretor de Finanças de ..., que indeferiu a Reclamação Graciosa (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

f)     Em 17-02-2022, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que originou o presente processo.

 

§2. Factos não provados

15.  Com relevo para a decisão, não existem factos essenciais não provados.

 

§3. Motivação quanto à matéria de facto

16.   Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada [artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT]. 

17.   Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

18.   Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo por base a prova documental junta aos autos, e considerando as posições assumidas pelas partes, e não contestadas, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO 

§1. Enquadramento jurídico e questões decidendas

19.   O artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) prevê que estão isentos de IMI “[o]s prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável”.

20.   O n.º 5 do mesmo artigo do EBF, na redação da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, em vigor durante o ano de 2017, dispõe que “[a] isenção a que se refere a alínea n) do n.º 1 é de carácter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal, a efectuar pelo Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I. P., ou pelas câmaras municipais, vigorando enquanto os prédios estiverem classificados, mesmo que estes venham a ser transmitidos”. 

21.   A Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, estabeleceu “as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural”.

22.   O artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, prevê o seguinte:

"1 - Os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional, e os móveis, entre outras, às categorias indicadas no título VII. 

2 - Os bens móveis e imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal. 

3 - Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adoptar-se-á a designação «monumento nacional» e para os bens móveis classificados como de interesse nacional é criada a designação «tesouro nacional». 

4 - Um bem considera-se de interesse nacional quando a respectiva protecção e valorização, no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação. 

[…]

7 - Os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional. 

[…]”.

23.   O Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, estabeleceu “o procedimento de classificação dos bens imóveis de interesse cultural, bem como o regime jurídico das zonas de protecção e do plano de pormenor de salvaguarda”.

24.   O n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, prevê que “[u]m bem imóvel é classificado nas categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional”. 

25.  E o artigo 3.º do mesmo Decreto-Lei estabelece que:

1 - Um bem imóvel pode ser classificado como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal. 

 2 - A graduação do interesse cultural, para efeitos do número anterior, obedece aos critérios previstos nos n.ºs 4, 5 e 6 do artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro. 

 3 - A designação de «monumento nacional» é atribuída aos bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios”.

26.   O artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, estabelece que 

1- Na área abrangida pela delimitação de um conjunto ou de um sítio podem coexistir bens imóveis individualmente classificados.

2 - Os efeitos da zona de protecção de um bem imóvel individualmente classificado mantêm-se até à publicação da classificação do conjunto ou sítio conforme previsto no n.º 1 do artigo 32.º”.

27.   A Requerente sustenta que o imóvel em causa, por estar inserido num Centro Histórico classificados como Património Mundial da UNESCO, integra a categoria de “monumentos nacionais” e, consequentemente, deve beneficiar automaticamente da isenção de IMI.

28.   A Requerida opõe-se a tal entendimento, com os argumentos já expostos.

29.   Assim, a questão essencial a decidir no presente processo é a que se prende com saber se o prédio em causa, de que a Requerente é proprietária, por estar inserido num Centro Histórico incluído na lista do património mundial da UNESCO – neste caso, o Centro Histórico de Évora –, é de considerar classificado como monumento nacional e, consequentemente, deve beneficiar automaticamente da isenção de IMI prevista no artigo 44.º, n.º 1, alínea n), do EBF.

30.   Em caso de procedência do pedido de pronúncia arbitral, há que decidir, ainda, se a Requerente tem direito ao reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

§2. Aplicação do direito ao caso sub judice

31.       O Centro Histórico de Évora, em virtude de estar incluído na Lista do Património Mundial da UNESCO, integra, para todos os efeitos e na respetiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional, conforme decorre do n.º 7 do artigo 15.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro.

32.   De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, “a designação de «monumento nacional» é atribuída aos bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios”, donde se conclui que o Centro Histórico de Évora configura um “monumento nacional”.

33.          Assim, os imóveis que compõem o “conjunto”, ou que estão integrados no “sítio”, são abrangidos pela classificação de “monumento nacional”, pelo que os imóveis situados dentro do perímetro geográfico do Centro Histórico de Évora beneficiam dessa classificação.

34.          Daqui resulta que o prédio de que a Requerente é proprietária, e que está em causa no presente processo, em virtude de beneficiar da classificação de “monumento nacional” do Centro Histórico de Évora, está automaticamente isento de IMI, conforme resulta do artigo 44.º, n.º 1, alínea n), do EBF, em conjugação com o n.º 5 do mesmo artigo.

35.          Veja-se, neste sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 07-12-2016, proferido no proc. 00134/14.4BEPRT, no qual se afirma que “[d]a articulação destes preceitos resulta que os imóveis situados nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO classificam-se como sendo de interesse nacional, inserindo-se na categoria de “monumentos nacionais” e, beneficiando, por conseguinte, da isenção consagrada na alínea n), do n.º 1, do artigo 44.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais”.

36.          Consequentemente, não é exigível a classificação individual de cada prédio integrado no Centro Histórico de Évorapara que possa beneficiar da isenção de IMI prevista na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF. 

37.   Neste sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão de 12-12-2018, ao afirmar que a lei (na sequência das alterações introduzidas pela Lei do Orçamento do Estado para 2007) “apenas passou a exigir esta classificação individual para os imóveis que devam ser integrados nas categorias de interesse público, de valor municipal ou património cultural, não fazendo a mesma exigência para os imóveis que devam ser integrados na categoria de monumento nacional (no EBF o legislador faz referência a monumento nacional quando se pretende referir aos imóveis de interesse nacional porque é assim que nos termos do disposto no artigo 15º, n.º 3 da Lei n.º 107/2001, de 08 de Setembro devem ser designados)”. 

38.   Prossegue o STA, no mesmo Acórdão, afirmado o seguinte:

E esta distinção resulta claramente da vontade expressa do legislador ao editar a norma em questão, ou seja, o legislador não pretendeu exigir, para os imóveis que devam ser incluídos na categoria de monumento nacional (interesse nacional) e para efeitos desta isenção fiscal, que devam ser sujeitos a classificação individual, mantendo, portanto, quanto aos mesmos o regime que anteriormente se encontrava estabelecido. Aliás a “nova” redacção do preceito mantém inalterada a primeira parte do artigo em questão – Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais – que se refere aos monumentos nacionais.

Esta interpretação resulta, também, expressamente do debate parlamentar e votação ocorridos a propósito deste preceito legal”.

39.          Do que fica dito também resulta a desnecessidade da prática de qualquer ato de classificação, bastando a inclusão do Centro Histórico de Évora na Lista do Património Mundial da UNESCO para que este seja considerado “monumento nacional” (artigo 15.º, n.º 7, da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, e artigo 3.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro).

40.          Neste ponto, acompanhamos a fundamentação contida no Acórdão arbitral proferido no processo n.º 362/2018-T, no qual se afirma o seguinte:

Neste contexto, a abertura de um procedimento de classificação que implica a inclusão de um bem imóvel na lista indicativa do património mundial, nos termos do n.º 1 do artigo 72.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de Outubro, não tem em vista apreciar se estão reunidas as condições para a classificação, nem a prolação de uma decisão final pelo Governo, nos termos do artigo 30.º, n.º 1, do mesmo diploma (pois a classificação já está feita «para todos os efeitos» por força do n.º 7 do artigo 15.º da Lei n.º 107/2001), mas apenas identificar quais são os imóveis que foram incluídos naquela lista, designadamente através de uma planta de localização, e fixar a respectiva zona especial de protecção.

É neste contexto que, relativamente aos imóveis inscritos na lista do património mundial à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 309/2009, se prevê, no n.º 3 do seu artigo 72.º, apenas a publicação sob a forma de aviso no Diário da República, da planta de localização e implantação de bem imóvel inscrito na lista do património mundial, incluindo a respectiva zona de protecção e não uma decisão do Governo sob a forma de decreto, como se prevê no seu artigo 30.º, n.º 1, para as decisões finais dos processos de classificação de bem imóvel como de interesse nacional.

Assim, relativamente aos imóveis inscritos na lista do património mundial antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 309/2009, não há lugar a qualquer acto de classificação, e eles integram-se «para todos os efeitos e na respectiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional», por força do n.º 7 do artigo 15.º da lei n.º 107/2001.

Por isso, em relação a estes imóveis inscritos na lista do património mundial, não há lugar à «comunicação da classificação como monumentos nacionais (...) a efectuar pelo Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I. P.» [actualmente, as competências do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I. P., são exercidas pela Direcção-Geral do Património Cultural, nos termos do o artigo 13.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 115/2012, de 25 de Maio] que se refere no n.º 5 do artigo 44.º do EBF, pois não há acto de classificação a comunicar.

Assim, nestes casos, a isenção opera automaticamente, na sequência da publicação do aviso previsto no artigo 72.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 309/2009”.

41.          No caso vertente, a isenção operou automaticamente com a publicação do Aviso, datado de 20 de janeiro de 1988, da Direção de Serviços Culturais, no Diário da República, n.º 39/1988, Série I, de 17 de fevereiro de 1988.

42.          Segundo a Requerida, “… se o IMI incide sobre os prédios, naturalmente que as isenções de IMI dirão respeito a prédios (isenções objectivas) ou aos seus titulares (isenções subjectivas), e não a ‘monumentos’, ‘conjuntos’ ou ‘sítios’, porque não faz sentido isentar o que não está sujeito a imposto”.

43.          Todavia, se, como já ficou claro, a letra do artigo 44.º, n.º 1, alínea n), do EBF prevê a isenção de IMI dos “prédios classificados como monumentos nacionais”, e se estes podem consistir em conjuntos de imóveis, então os imóveis pertencentes a esse conjunto beneficiam da referida isenção.

44.          Ou seja, a isenção é dirigida a prédios fiscais, que, no caso, são todos os prédios integrados no conjunto designado por Centro Histórico de Évora, o qual, como se viu é considerado “monumento nacional”.

45.          O que significa que, contrariamente ao que sustenta a Requerida, a exigência de que a isenção seja dirigida a prédios fiscais não pressupõe necessariamente a classificação individual dos prédios.

46.          A Requerida invoca, ainda o disposto no n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, para concluir que “… por interpretação a contrario sensu da legislação do património, na área abrangida pela delimitação de um conjunto podem coexistir prédios que não estão classificados individualmente”.

47.          Sucede, porém, que da conjugação dos números 1 e 2 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, se conclui que os conjuntos ou sítios aí referidos são aqueles que estão dependentes do procedimento de classificação previsto no mesmo Decreto-Lei, assegurando-se que “os efeitos da zona de proteção de um bem imóvel individualmente classificado” se mantêm até à publicação da decisão final do procedimento de classificação de bem imóvel, prevista no artigo 32.º, n.º 1, do mesmo diploma normativo.

48.          Não se pode, pois, concluir com base no disposto no n.º 1 do artigo 56.º do referido Decreto-Lei, que é legalmente exigível a classificação individual de um bem imóvel para que este possa ficar abrangido pelo âmbito de aplicação da norma contida no artigo 44.º, n.º 1, alínea n), do EBF.

49.          Com os fundamentos expostos, este tribunal conclui pela ilegalidade do ato de liquidação de IMI impugnado, relativo ao imóvel descrito na matéria de facto fixada, incluído no Centro Histórico de Évora, bem como pela ilegalidade do Despacho de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o referido ato de liquidação.

50.          A Requerente pede ainda que este tribunal determine o reembolso do montante de imposto indevidamente pago, acrescido de de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal em vigor. 

51.          De acordo com o disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º do RJAT, “[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários […] [r]estabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

52.          Esta norma do RJAT é coerente com a previsão contida no artigo 100.º da Lei Geral Tributária, cujo texto é o seguinte:

A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

53.   Quanto à possibilidade de o tribunal arbitral reconhecer o direito a juros indemnizatórios, prevê o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

54.   E, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

55.   Face à total procedência do pedido de pronúncia arbitral, reconhece-se à Requerente o direito ao reembolsado do montante de imposto indevidamente pago, uma vez que tal reembolso é essencial para o restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário objeto da presente decisão arbitral não tivesse sido praticado.

56.   Este tribunal reconhece, igualmente, que a ilegalidade da liquidação em causa nos presentes autos resultou de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, que praticaram o ato de liquidação de IMI sem considerarem a isenção automática de que beneficiava o prédio incluído no Centro Histórico de Évora, pelo que se reconhece à Requerente o direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, sobre o montante a reembolsar.

57.    É que, como se referiu, no caso de imóveis inscritos na lista do património mundial não há ato de classificação a comunicar, pois a mera inclusão na lista do património mundial tem como consequência “para todos os efeitos” que os imóveis passam a integrar “na respectiva categoria, a lista dos bens classificados como de interesse nacional” (n.º 7 do artigo 15.º da Lei n.º 107/2001).

58.   Assim, considerando que a inclusão do Centro Histórico de Évora na lista do património mundial foi publicitada no Diário da República, os serviços têm o dever de diligenciar no sentido da aplicação da isenção automática de IMI, uma vez que dispõem dos elementos que lhe permitem apreciar da verificação dos respetivos pressupostos de aplicação.

59.          Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento até ao integral reembolso, por aplicação da taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.

 

IV – DECISÃO

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)     Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)    Declarar ilegal e anular parcialmente a liquidação de IMI contestada, identificada supra, na parte correspondente ao montante de € 21.298,57;

c)     Declarar ilegal e anular o Despacho de indeferimento da reclamação graciosa, identificado supra;

d)    Julgar procedente o pedido de reembolso do montante de imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento até integral reembolso, tudo conforme for apurado em sede de execução de sentença, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efetuar tal reembolso acrescido de juros,

tudo com as legais consequências.

 

V- VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 21.298,57 (vinte e um mil, duzentos e noventa e oito euros e cinquenta e sete cêntimos).

 

VI – CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Como se referiu, o erro que afeta a liquidação impugnada é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que é esta a responsável pelo pagamento da totalidade das custas.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de julho de 2022

     

O Árbitro

 

(Paulo Nogueira da Costa)