Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 26/2022-T
Data da decisão: 2022-07-25  IMI  
Valor do pedido: € 13.135,98
Tema: IMI- Revisão do ato tributário. Impugnação do valor patrimonial tributário.
Ato de fixação da matéria tributável. Tempestividade
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Sumário

 

O pedido de revisão oficiosa do VPT[1] que serviu de base à liquidação do IMI[2] relativamente ao ano de 2016 foi apresentado fora de prazo, improcedendo assim o pedido de revisão oficiosa a que alude os nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT[3], mantendo-se o indeferimento tácito e consequentemente as liquidações respeitantes ao aludido ano devem permanecer na ordem jurídica. 

Já quanto às liquidações respeitantes aos anos de 2017, 2018 e 2019, a AT[4] em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa referido, deveria tê-lo apreciado, deferindo-o parcialmente e anular as liquidações de IMI destes anos de 2017, 2018 e 2019, também parcialmente.

Justifica-se por isso anulação do indeferimento tácito na parte respeitante às liquidações respeitantes aos anos de 2017, 2018 e 2019, bem como a anulação parcial destas liquidações, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do CPA[5]subsidiariamente aplicável, por força do artigo 2.º, alínea c) da LGT.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

I- Relatório

            

A... S.A., com o número de identificação fiscal ..., e com sede na ..., n.º ..., ...,  ..., ...‐... ..., vem requerer, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, dos n.os 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT)[6] e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112‐A/2011, de 22 Março, a constituição de Tribunal Arbitral tendo em vista a anulação parcial da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e as liquidações de IMI que dele foram objeto com vista à sua anulação (parcial) dos atos tributários liquidação nºs...., ..., ..., 2017..., 2017..., 2017..., 2018..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019... e 2019..., com referência aos anos de 2016, 2017, 2018, 2019 no montante global de € 13.135,98, a Requerente pede ainda o reembolso deste valor, imposto que considera indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos legais.

Em síntese, sustenta o seu pedido no erro na determinação do VPT, do terreno para construção de que era proprietária nos anos em questão, valor que serviu de base, em parte, á respetiva tributação em IMI, uma vez que o aludido VPT, foi apurado, ilegalmente, ao usar os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto, previstos no artigo 38º do CIMI[7], produzindo por isso liquidações ilegais, uma vez que o artigo 45º do mesmo Código, não permite a sua aplicação aos terrenos para construção e quando interpretado no sentido da sua aplicação, com faz a Requerida AT, a norma é inconstitucional.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 21-01-2022.

Em 08- 3-2022, o Senhor Presidente do CAAD[8] informou as Partes da nomeação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 7 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 28-03-2022.

A AT apresentou resposta em que suscitou e resumiu as questões a decidir pelo Tribunal a três:

- Se o ato que fixou o VPT em vigor no período de tributação dos presentes
autos está consolidado na ordem jurídica;


              −De saber se eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são suscetíveis de ser
impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo;
              − Sobre a admissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais.

Invocou vária jurisprudência no sentido por si preconizado, tudo como melhor consta na respetiva resposta, que aqui se dá, nessa parte, como integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, concluindo que a pretensão arbitral da Requerente não está sustentada nem na lei nem no direito constituído, devendo ser julgada improcedente.

O Tribunal proferiu em 11/05/2022 o seguinte despacho:” Notifique-se a Requerente para, em 10 dias, querendo, exercer o contraditório em relação à matéria excecionada pela Requerida.


Deste Despacho notifiquem-se ambas as Partes”.

Veio a Requerente apresentar em 31/05/2022 documento onde dá conta do seu ponto de vista e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.  

Na mesma data o Tribunal proferiu o despacho que se transcreve: “1. Não havendo lugar a produção de prova constituenda e tendo sido exercido contraditório por escrito, em relação à matéria de exceçãoo Tribunal dispensa a realização da reunião prevista no artigo. 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste, conforme artigos. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT.

 

2. Notifiquem-se ambas as partes para produzirem, querendo, alegações escritas, no prazo de dez dias a partir da notificação do presente despacho, sendo que se concede à Requerida a faculdade de, caso assim o entenda, juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo.

 

3. Designa-se o dia 25 de Julho de 2022 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral, devendo até à referida data a Requerente fazer prova, junto do CAAD, do pagamento da taxa de justiça subsequente.

4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em formato WORD”.

Em 1 de Junho de 2022, veio a Requerente declarar que não pretende produzir
alegações, orais ou escritas, por se encontrar já exposta e definida a sua posição
nos respetivos articulados e igual procedimento fez a Requerida em 07 do mesmo mês.

 

 

II - SANEAMENTO

 

 O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído. 

 As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas. 

 

 O processo não enferma de nulidades cumpre decidir.

 

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

1 – Questões a dirimir

A questão principal prende-se em saber se o ato de indeferimento tácito que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa apresentado contra as liquidações de IMI já identificadas, deverá ser anulado por ser contra a lei, por padecer de erro nos pressupostos de facto e direito, como pretende a Requerente ou se pelo contrário o mesmo é legal e deverá permanecer na ordem jurídica como pretende e Requerida.

Apreciar se os atos de liquidação de IMI são ou não impugnáveis com base em erros praticados no ato de fixação do VPT.

Finalmente apreciar se, caso a decisão venha a ser favorável à Requerente, o reembolso que vier a ser apurado, deverá ou não ser acompanhado de Juros indemnizatórios nos
termos legais, conforme pede a Requerente.

 

2. Matéria de facto 

 

2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

1)    A Requerente é uma sociedade anónima, tendo como objeto social a compra e venda de imóveis e, nesse âmbito, a Requerente é proprietária de diversos prédios, incluindo o terreno para construção, inscrito na matriz urbana sob o artigo ... da União de freguesias de ..., ... e ..., área do ... serviço de Finanças do Porto, cuja avaliação remonta a 2008.

2)    Foi oportunamente notificada das liquidações respeitantes aos de 2016,2017,2018, 2019 com as respetivas notas de cobrança números ..., ... e ..., referentes ao ano 2016, no montante total de € 86.439,69, ..., ... e ..., referentes ao ano 2017, no montante total de € 86.439,69 ..., ... e ..., referentes ao ano 2018, no montante total de € 87.994,72; ..., ... e ..., referentes ao ano 2019, no montante total de € 88.125,05, que incluem o referido terreno para construção.

3)    As referidas liquidações foram emitidas: as de 2016 em 24 de Março de 2017; as de 2017 a 08 de Março de 2018; as de 2018 a 23 de Março 2019 e as de 2019 a 29 de Abril de 2020.

4)    Parcialmente, as referidas liquidações tiveram por base, o valor patrimonial tributário do citado terreno para construção de que a Requerente era titular á data dos factos valor este que estava fixado segundo a fórmula adotada pela AT nos períodos de tributação em apreço, a qual considerava a aplicação de coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto, previstos no artigo 38º do CIMI, procedimento que contraria o artigo 45.º do Código do IMI e jurisprudência do STA[9].

5)    Durante o ano de 2020 a AT corrigiu a fórmula de cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar os coeficientes, em questão, mas não corrigiu o VPT do aludido terreno para construção, que serviu de base às liquidações de IMI, respeitantes aos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, procedimento que levou, a AT a liquidar montantes de IMI superiores aos montantes legalmente devidos, face ao valor patrimonial tributário que deveria ter sido considerado para efeitos de cálculo da coleta de imposto referente a cada um destes anos.

6)    No caso concreto dos autos o montante a mais liquidado pela AT cifra-se em € 13.135,98, conforme apuramento da Requerente não contestado pela Requerida, sendo de € 3 278,32 de 2016; € 3 278,33 de 2017; € 3 278,33 de 2018 e € 3301,00 de 2019.

7)     Apesar de ter pago atempadamente a totalidade dos montantes liquidados, a Requerente, não se conformou com as identificadas liquidações de IMI e, em 27 de Agosto de 2021, apresentou contra elas um pedido de revisão oficiosa, ao abrigo do artigo 78º da LGT, pedido que veio a considerar-se tacitamente indeferido por falta de decisão da AT no prazo de 4 meses, conforme nºs. 1 e 5 do artigo 57º da LGT o que motivou a apresentação de pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo. 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto 

 

Estes são os factos que o Tribunal considerou provados com base nos documentos juntos aos autos pelas partes, cuja realidade não foi por elas posta em causa e, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre tudo o que por elas foi alegado, selecionou os factos que entendeu relevantes para a decisão e discrimina a matéria provada da não provada, conforme artigo 123º nº 2 do CPPT[10] e artigo 607º, nº3 do CPC[11], aplicável ex vi artigo 29º nº 1 alíneas a) e e) do RJAT.

O Tribunal não considerou a existência de factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados. 

 

 

3- Matéria de Direito 

 

Estamos perante uma impugnação de atos tributários de liquidação de IMI que, no entender da Requerente, estão suportados em erros ocorridos na avaliação que fixou os valores patrimoniais tributários sobre os quais recaíram as liquidações, uma vez que, na referida avaliação, a AT aplicou indevidamente uma fórmula de cálculo inaplicável aos terrenos para construção, ao usar coeficientes multiplicadores de VPT que o artigo 45º do CIMI não contempla, pelo que entende que os atos tributários de liquidação identificados são contrários à Lei por padecerem de erros nos pressupostos de facto e de direito, pelo que deverão ser parcialmente anuladas e a Requerente reembolsada do imposto pago em excesso no montante apurado de € 13 135,98, acompanhado de juros indemnizatórios, á taxa legal, até ao reembolso integral do aludido montante.

Quanto à Requerida AT considera que há consolidação do ato tributário que determinou o VPT ao mesmo tempo que considera que não são impugnáveis os atos de liquidação com fundamento em vícios próprios do ato de fixação do VPT, em suma diz que:

 

– nos presentes autos, a Requerente não imputa ao ato sindicado qualquer vicio  específico da  liquidação  de IMI, questionando, apenas, o VPT, enquanto ato destacável, para efeitos de impugnação  contenciosa, do procedimento de liquidação  de IMI;

– estabelece o n.º 2 do artigo 15º do CIMI que nos prédios urbanos, como são os terrenos para construção, avaliação é direta;

–  o n.º 1 do artigo 86º da LGT refere que a avaliação direta é suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa direta, consignado também o artigo 134.º do CPPT que os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade.  

– os atos de fixação dos valores patrimoniais, quando inseridos num procedimento de  liquidação de um tributo, são atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, nos termos do artigo 86,º, n.º 1, da LGT e do artigo 134,º do CPPT;

– na medida em que a atribuição da natureza de ato destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vícios deste ato para efeitos de impugnação contenciosa, os vícios do VPT não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo;

– não haverá assim possibilidade de apreciação da correção do ato de fixação do VPT na impugnação do ato de liquidação de IMI, tendo aí de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação.  

Sustenta este seu ponto em várias na doutrina, em Acórdãos do STA, e decisões arbitrais, conforme resposta que aqui se dá por integralmente reproduzida.

Decidindo:

1.     Da consolidação do ato tributário de fixação do VPT e da impossibilidade de impugnar atos de liquidação com fundamento em vícios desse ato de fixação.

 

Numa breve análise e considerando o preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é direta e, por isso, ela é «suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa direta», conforme artigo 86.º, n.º 1, da LGT.

Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação direta depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».

Os termos da impugnação da avaliação direta de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT, em que se estabelece que 

– «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (n.º 1); e

– «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (n.º 7).

 

Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indireta, na sequência da notificação de atos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento meios de revisão previsto no procedimento de avaliação.

No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado de acordo com artigo 76.º, n.º 1, do CIMI.

Só do resultado das segundas avaliações, esgotando os meios graciosos do procedimento administrativo de avaliação cabe impugnação judicial nos termos do CPPT, conforme artigo 77.º, n.º 1 do CIMI.

Isto significa que os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.

Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes atos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valorespatrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» conforme nº. 1 do artigo 113.º do CIMI. Ocorrendo essa liquidação nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte, conforme nº 2 do mesmo normativo.

A natureza de atos destacáveis que é atribuída aos atos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do STA, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do CPPT de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT[12], como pode ver-se pelos seguinte acórdãos:

 

– de 30-06-1999, processo n.º 023160

– de 02-04-2003, processo n.º 02007/02;

– de 06-02-2011, processo n.º 037/11;

– de 19-09-2012, processo n.º 0659/12 

– de 5-2-2015, processo n.º 08/13;

– de 13-7-2016, processo n.º 0173/16;

– de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.

 

Pelo exposto, os alegados vícios dos atos de avaliação invocados pela Requerente, que  não foram objeto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI.

Os princípios constitucionais invocados pela Requerente, designadamente os princípios da legalidade tributária, da igualdade, da justiça, e da imparcialidade, não contendem com tal regime de impugnação autónoma dos atos de avaliação de valores patrimoniais.

Na verdade, este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada ato de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de atos de liquidação de impostos tais como liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS[13] , IRC[14]  e IS[15] o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

Por outro lado, a caducidade do direito de ação derivada da inércia do lesado por atos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida, generalizadamente, em matéria administrativa e tributária.

O prazo de impugnação de três meses para impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto na lei para a impugnação da generalidade dos atos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade, conforme artigo 58.º do CPTA[16] e artigo 102.º do CPPT.

Para além disso, neste caso, a pretensão da Requerente reconduz-se a impugnar, em 2022, atos de avaliação praticados em 2008, muito depois do prazo legal de impugnação de três meses. 

Nesta perspetiva parece-me correto o entendimento da AT e seguimos, com as necessárias adaptações o decidido no Pº 253/2021, presidido pela Exma Senhora Conselheira Fernanda Maçãs e no qual participei como árbitro vogal-relator. 

 

2      Da possibilidade de revisão oficiosa dos atos de fixação dos VPT 

 

Num Estado de Direito, assente no primado da Lei conforme artigo 2.º da CRP[17], estando os Tribunais Arbitrais obrigados a decidir «de acordo com o direito constituído», de acordo com o artigo 2.º, n.º 2, do RJAT, o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam com qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio eventualmente adotaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.

Por isso, em princípio, as liquidações de IMI não podem ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações dos prédios.

            No entanto, apesar da não impugnabilidade normal de atos de liquidação com fundamento em vícios dos atos de fixação de VPT, os n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT admitem a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excecional, «com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte».

            Por isso, invocando a Requerente que «os referidos erros na aplicação do direito (exclusivamente imputáveis à AT, repita-se) resultou uma coleta em IMI superior àquela que seria devida nos termos legais, o que é igualmente suscetível de configurar uma injustiça grave ou notória nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º, n.º 4, da LGT» há que apreciar a questão de saber se estão reunidos os requisitos desta revisão excecional.  

Diga-se desde já que não estão reunidos os requisitos da revisão oficiosa ao abrigo do CIMI e do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, mas tendo em conta que os atos de fixação de VPT, são desencadeados e concretizados pela AT, concebe-se a aplicação dos nºs. 4 e 5 do mesmo normativo. 

Apesar de neste n.º 4 do artigo 78.º da LGT se referir que «o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente» a «revisão da matéria tributável» trata-se de um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controlo jurisdicional, como tem entendido o STA: 

–  «o facto de a lei determinar que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente,” a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever»; trata-se de «um poder estritamente vinculado». 

– «a previsão constante do dito artigo 78.º n.º 4, como excecional, é de entender como correspondendo a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos».  

Conforme Acórdãos do STA de 07-10-2009, processo n.º 0476/09, processo n.º 329/11 de 02-11-2011, processo n.º 366/11, de 14-12-2011 e processo n.º 39/14.9BEPDL 0578/18, de  17/12/2021.

 

Por outro lado, a limitação de competências dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD ao conhecimento de pedidos de declaração de ilegalidade de atos para que é adequado o processo de impugnação judicial, não é obstáculo à apreciação do cumprimento pela AT do dever de efetuar a revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave e notória, pois, como também esclareceu o STA, no seu Acórdão, de 13-10-2010, processo n.º 0455/10 «a forma processual adequada à apreciação do pedido de anulação do ato de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória é, igualmente, a impugnação judicial, de acordo com os artigos 78º nº 3 da LGT e 97º nº 1 al. b) do CPPT.

Nestas situações em que o erro está na fixação da matéria tributável e não propriamente nos subsequentes atos de liquidação, a revisão não depende da existência de erro imputável aos serviços, mas apenas que se esteja perante «injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte».

Por outro lado, como entendeu o STA no citado acórdão de 17-12-2021, a previsão da autorização como excecional, não afasta o «poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos».

Como resulta da matéria de facto a Requerente apresentou em 27 de Agosto de 2021, contra as liquidações aqui em causa, um pedido de revisão oficiosa, ao abrigo do artigo 78º da LGT, pedido que veio a considerar-se tacitamente indeferido por falta de decisão da AT no prazo de 4 meses, conforme nºs. 1 e 5 do artigo 57º da LGT.

 

 

3.     Da tempestividade do pedido de revisão oficiosa 

 

O prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do ato tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º.

Os «três anos posteriores ao do ato tributário» terminam no dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o ato tributário. 

No que concerne às liquidações relativas ao ano de 2016, ocorridas em 24/03/2017, a «revisão da matéria tributável» já não podia ser autorizada em 2021, pois os três anos posteriores ao ato de liquidação terminaram a 31 de Dezembro de 2020.

Daí que tendo a revisão oficiosa sido pedida apenas em 27-08-2021, tem de se concluir que o indeferimento tácito do pedido se justifica, quanto às liquidações de 2016, por intempestividade, improcedendo o pedido de pronúncia nesta parte.

Quanto às liquidações referentes aos anos de 2017, 2018 e 2019, ocorridas respetivamente em março de 2018, março de 2019 e abril de 2020, quando a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa em 27-08-2021, ainda poderia ser dada pelo dirigente máximo do serviço autorização para «revisão da matéria tributável».

Relativamente às liquidações referente aos de 2017, 2018 e 2019 o pedido de revisão oficiosa é tempestivo, pelo que tem de se apreciar se se verificam os requisitos da revisão. 

  

a)    Exigência de que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte

 

A fixação da matéria tributável foi efetuada pela AT, com base numa fórmula prevista na lei, sem que se tenha demonstrado que a Requerente tenha fornecido qualquer informação errada quanto à natureza dos prédios, pelo que o eventual erro na aplicação na fórmula de avaliação invocado pela Requerente não pode ser considerado imputável a um seu comportamento negligente, antes pelo contrário, o erro tem que ser completamente imputável à AT, na medida em que utilizou na avaliação e fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção, as normas legais aplicáveis aos prédios edificados, o que nos permite concluir que os erros apontados pela Requerente na fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção em causa, só poderão ser exclusivamente imputáveis à AT.

 

 

b)    Injustiça grave ou notória

 

O último requisito da revisão oficiosa ao abrigo do n.º 4 do artigo 78.º da LGT é o de o apuramento da matéria tributável consubstanciar «injustiça grave ou notória».

O n.º 5 do artigo 78.º esclarece o alcance destes conceitos, estabelecendo que «para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional».

Aquele requisito é exigido em alternativa, como se depreende do uso da conjunção «ou».

No caso em apreço, tais erros conduziram ao apuramento de valores patrimoniais do terreno para construção não correspondente ao legalmente previsto no artigo 45º do CIMI e consequentemente os atos de liquidação de IMI são desproporcionalmente superiores aos legalmente exigíveis o que se traduz em «injustiça grave ou notória», ficando, deste modo, preenchidos os requisitos exigidos pelo nº 4 do artigo 78º da LGT.

Verificados, assim, todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável  prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, deveria, em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, a AT  ter efetuado a revisão e anulado parcialmente as liquidações relativa aos anos de 2017, 2018 e 2019 , justificando-se a anulação do indeferimento tácito na parte respeitante às liquidações destes anos, conforme previsto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT. 

 

 

4.     Questões de conhecimento prejudicado

 

 

Do exposto resulta a inviabilidade de anulação da liquidação relativa ao ano de 2016 e a procedência do pedido anulação relativo aos anos de 2017,2018 e 2019.

Sendo esta anulação baseada em vícios que obstam à renovação da liquidação com o mesmo conteúdo fica prejudicado e inútil o conhecimento das restantes questões colocadas, (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC).

 

 

5. Reembolso de quantia paga e juros indemnizatórios 

 

A Requerente pagou as quantias liquidadas e pede o reembolso do montante de € 13 135,98 por si apurado e que considera indevidamente pago com juros indemnizatórios, porém, como o pedido referente às liquidações de 2016 improcede por intempestividade, o valor a reembolsar será de apenas € 9 857,66, correspondente às anulações parciais das liquidações de 2017, 2018 e 2019 

Assim, como consequência das anulações parciais das liquidações relativas aos anos de 2017,2018 e 2019 a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia de € 9 857,66.

No que toca a juros indemnizatórios, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

O pedido de revisão do ato tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do STA de 12-7-2006, proferido n processo n.º 0402/06.

Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo. 43.º, n.º 3, da LGT».

Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo desta, como se prevê no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

No caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».

Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 27/08/2021, pelo que apenas a partir de 28-08-2022 haverá direito a juros indemnizatórios, pois o pedido não foi apreciado.

Os juros indemnizatórios devem ser contados com base no valor de € 9 857,66 desde 28-08-2022, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do CC[18] e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

IV- Decisão 

 Em conformidade com o exposto, o Tribunal Arbitral decide em:

a)   Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)   Anular parcialmente as liquidações de IMI relativas aos anos de 2017 com os nºs. ...; ... e ..., de 2018 com os nºs. ..., ... e ... e de 2019 com os nºs. ..., ... ..., 

c)   Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso quanto ao valor de € 9 857,66 e condenar a AT efetuar o seu reembolso à Requerente;

d)   Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios, e condenar a AT a pagá-los à Requerente sobre o valor de € 9 857,66, contados desde 27-08-2022, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva;

e)   Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte restante e absolver a AT dos respetivos pedidos.

 

 

V- Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do RCPAT[19], fixa-se ao processo o valor de € 13 135,98

 

VI- Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, ficando a cargo da Requerente o montante de € 229,10 e a cargo da AT 688,90, valores correspondentes aos respetivos decaimentos.

 

Lisboa, 25 de Julho de 2022.

O Árbitro, 

(Arlindo José Francisco)

 

 

 



[1] Acrónimo de Valor Patrimonial Tributário

[2] Acrónimo de Imposto Municipal sobre Imóveis

[3] Acrónimo de Lei Geral Tributária

[4] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira

[5] Acrónimo de Código de Procedimento Administrativo

[6] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária

[7] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis

[8] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[9] Acrónimo de Supremo Tribunal Administrativo

[10] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário

[11] Acrónimo de Código de Processo Civil

[12] Acrónimo de Imposto Municipal Sobre as Transmissões onerosas de imóveis

[13] Acrónimo de Imposto sobre o Rendimento de pessoas singulares

[14] Acrónimo de Imposto sobre o Rendimentos de pessoas Coletivas

[15] Acrónimo de Imposto do Selo

[16] Acrónimo de Código De Processo nos Tribunais Administrativos

[17] Acrónimo de Constituição da República Portuguesa

[18] Acrónimo do Código Civil

[19] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária