DECISÃO ARBITRAL
Processo n.º 382/2014-T
I. Relatório
1. A, NIPC …, com sede na …, abrangida pela área de incidência territorial do Serviço de Finanças de …, veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.
2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
3. A Requerente pretende a anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo (verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo) titulados pelos documentos com os nos 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ... e 2014 ..., relativos ao ano de 2013, no valor total de € 26.136,60, e a restituição do valor total que indevidamente pagou, acrescido de juros indemnizatórios, com as demais consequências legais.
4. A Requerente formula assim uma cumulação de pedidos ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, considerando que a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.
5. A Requerente fundamenta a sua pretensão alegando a ilegalidade dos referidos atos de liquidação, consubstanciada em erro sobre os pressupostos de facto e de direito da aplicação da verba n.º 28 e 28.1 da TGIS, e em violação do princípio constitucional da igualdade, quer enquanto princípio geral (artigo 13.º da CRP), quer enquanto princípio de igualdade contributiva em sede de tributação do património (artigo 104, n.º 3, da CRP).
6. Sustenta a Requerente, no pedido de pronúncia arbitral, que:
16.º
É, portanto, com base no valor patrimonial tributário de cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente que se determina a sua sujeição a imposto, ou não – como sucede no caso presente – pela verba n.º 28 da Tabela Geral.
17.º
Efectivamente, conforme se demonstrou nos factos, os andares em causa constituem, todos eles, unidades autónomas com utilização independente, conforme consta das respectivas inscrições matriciais e é atestado, de forma inequívoca, pela própria caderneta predial (cfr. doc. n.o 13).
18.º
Ora, constituindo os andares em causa unidades susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional, não pode deixar de se salientar que o valor patrimonial de cada um desses andares é inferior ao limiar mínimo de incidência do imposto – tal como consta, sublinhe-se, das respectivas inscrições matriciais para efeitos de IMI (cfr. doc. n.o 13).
19.º
Os actos de liquidação de imposto sub judice, ao fazerem incidir a tributação em sede de imposto do selo nas unidades susceptíveis de utilização independente sobre o valor global do imóvel, assentam em erro sobre os pressupostos de facto e direito da tributação em sede de Imposto do Selo, em violação do disposto na verba n.º 28 da TGIS.
20.º
Com efeito, qualquer das referidas unidades susceptíveis de utilização independente – os andares objecto das liquidações aqui em causa – tem um valor patrimonial tributário claramente inferior a €1.000.000,00 segundo o único critério admissível, que é o critério legal, de acordo com regras do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, por remissão expressa da lei que criou a verba n.º 28 da TGIS.
21.º
Sendo assim, nenhum dos andares em causa está abrangido pela sujeição a imposto do selo pela verba n.º 28 da TGIS, razão por si só suficiente para conduzir à anulação integral das liquidações contestadas.
22.º
É o que resulta da lei, e tem vindo a ser reiterado pelos tribunais arbitrais em sucessivas Decisões Arbitrais tendo por objecto a mesma questão central subjacente ao caso sub judice, designadamente por decisão de 29 de Outubro de 2013, proferida no âmbito do Processo n.º 50/2013-T, em que o tribunal concluiu:
«Não pode, assim, a AT considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de CIMI, e este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à verba 28 da TGIS».
23.º
Este entendimento foi mais recentemente corroborado numa outra douta Decisão Arbitral, de 16 Dezembro de 2013, proferida no Processo n.º 132/2013-T, em o que tribunal precisou que «distinguir, neste contexto, entre prédios constituídos em propriedade horizontal e em propriedade total seria uma "inovação" sem um suporte legal associado, até porque, como se tem aqui afirmado, nada denuncia, nem na verba n.º 28, nem no disposto no CIMI, uma justificação para essa particular diferenciação. Note-se, exemplarmente, o que diz o art. 12.º, n.º 3, do CIMI: "cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário."».
24.º
O critério uniforme que se impõe – segundo a douta decisão acabada de citar – «é, assim, o que determina que a incidência da norma em causa apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afectação habitacional, possua um VPT superior a €1.000.000,00».
25.º
Em suma e continuando a acompanhar a mesma decisão arbitral: “Fixar como valor de referência para a incidência do novo imposto o VPT global do prédio em causa (…) não encontra base na legislação aplicável, que é o CIMI, dada a remissão feita pelo citado art. 67.º, n.º 2, do CIS”, prosseguindo a decisão lembrando que tal como em “diversas Decisões Arbitrais (vd. DA n.º 48/2013-T e DA n.º 50/2013-T), não se vislumbra, nos trabalhos relativos à discussão da proposta de lei n.º 96/XII na Assembleia da República, a invocação de uma ratio interpretativa distinta da aqui apresentada”.
26.º
Acresce ainda, como mais desenvolvidamente revela a fundamentação da decisão que tem vindo a ser citada, que os actos de liquidação contestados resultam também em violação de princípios constitucionais, designadamente do princípio da igualdade (cfr. artigo 13.º da CRP), e em particular da igualdade em sede de tributação do património (cfr. artigo 104.º, n.º 3, da CRP) – aliás expressamente visada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro – por tratarem os prédios em causa (unidades susceptíveis de utilização independente) diferentemente daqueles outros que se encontram em situação substancialmente igual, apesar de constituídos em propriedade horizontal.
27.º
Com efeito, se o imóvel em causa tivesse sido dividido em propriedade horizontal, nenhuma das fracções autónomas seria tributada nesta sede.
28.º
Conclui-se assim que as liquidações objecto do presente pedido assentam sistematicamente num valor superior ao efectivo valor patrimonial tributável – não abrangido pela verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo – atribuindo à norma de incidência invocada um alcance que ela não comporta, pelo que não podem subsistir na ordem jurídica.
V. DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS
29.º
A Requerente peticiona ainda juros indemnizatórios com fundamento no artigo 43.º, n.º 1, da LGT.
30.º
Com efeito, provada a ilegalidade das liquidações contestadas, que se encontram pagas, por erro exclusivamente imputável aos serviços da Requerida, como também ficou demonstrado, resulta do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do seu integral reembolso, nos termos do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT.
7. A Requerente optou pela não designação de árbitro.
8. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou o árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação daa designação no prazo aplicável.
9. As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
10. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 25-07-2014.
11. A Requerida apresentou resposta, na qual defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, não tendo suscitado qualquer exceção.
12. A Requerida sustenta a sua posição com base na seguinte argumentação:
19.º
A ora requerente é proprietário de um prédio em regime de propriedade total ou vertical. Da noção de prédio do artigo 2.° do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios -n.º 4 do citado artigo 2.° do CIMI. Logo,
20.º
Encontrando-se o prédio de que é proprietária, em regime de propriedade total, não possui fracções autónomas, às quais a lei fiscal, atribui a qualificação de prédio.
21.º
Assim, a ora requerente, para efeitos de IMI e também de imposto selo, por força da redacção da referida verba, não é proprietária de fracções autónomas, mas sim de um único prédio.
22.º
Tendo por adquirido este facto, o que a ora requerente pretende é que a AT considere, para efeitos de liquidação do presente imposto, que exista analogia entre o regime da propriedade total e o da propriedade horizontal, já que não deve existir discriminação no tratamento jurídico-fiscal destes dois regimes de propriedade, por ser ilegal.
23.º
Como é consabido, a propriedade horizontal é um regime jurídico específico da propriedade previsto no artigo 1414.º e seguintes do Código Civil, cujo modo de constituição se encontra aí previsto, assim como as demais regras sobre direitos e encargos dos condóminos, tendo de se reconhecer nesta estatuição, a existência de um regime mais evoluído de propriedade.
24.º
Ora, pretender que o intérprete e aplicador da lei fiscal, aplique, por analogia, ao regime da propriedade total, o regime da propriedade horizontal é que é abusivo e ilegal, como iremos, detalhadamente, ver.
25.º
Estes dois regimes de propriedade são regimes do direito civil, os quais foram importados para o direito tributário, designadamente nos termos referidos pelo artigo 2.º do CIMI.
26.º
E o intérprete da lei fiscal não pode equiparar estes regimes, em consonância com a regra segundo a qual, os conceitos dos outros ramos de direito tem o sentido no direito tributário que lhes é dado nesses ramos de direito, ou nas palavras do artigo 11.°, n.º 2 da LGT, sobre a interpretação da lei fiscal:" Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei "
27.º
Por outro lado, ainda tendo em conta, que na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, conforme artigo 11.°,n.º 1 da LGT que remete, assim, para o Código Civil, o seu artigo 10.° sobre a aplicação da analogia, determina que esta só será aplicável em caso de lacunas da lei.
28.º
Ora a lei fiscal não comporta qualquer lacuna! Determina o CIMI, para o qual a citada verba remete, que no regime da propriedade horizontal as fracções constituem prédios. Não estando o prédio submetido a este regime, juridicamente as fracções são partes susceptíveis de utilização independente, sem que haja partes comuns.
29.º
Não podemos, pois, aceitar que se considere, que para efeitos da verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao CIS, que as partes susceptíveis de utilização independente tenham o mesmo regime fiscal das fracções autónomas do regime da propriedade horizontal.
30.º
Encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo fisicamente constituído por partes susceptíveis de utilização independente, a lei fiscal atribuiu relevância a esta materialidade, avaliando estas partes individualmente, nos termos do artigo 12.º e consequentemente, nos termos do art. 12°, n.º 3, do C.I.M.I., cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, mas na mesma matriz, procedendo-se à liquidação do IMI tendo em conta o valor patrimonial tributário de cada parte.
[…]
52.º
Por fim, saliente-se, que a inscrição matricial de cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta da uma descrição na matriz do prédio na sua totalidade -veja-se a caderneta predial deste prédio que representa o documento do proprietário contendo os elementos matriciais do prédio.
53.º
o que se pretende concluir é que estas normas procedimentais de avaliação, inscrição matricial e liquidação das partes susceptíveis de utilização independente não permitem afirmar que existe uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade vertical, isto porque, e como já se referiu,
54.º
Estes regimes jurídico-civilísticos são diferentes, e a lei fiscal respeito-os.
55.º
O facto tributário do imposto de selo da verba 28.1. ao consistir na propriedade, de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do C.I.M.I., seja igualou superior a € 1.000 000,00, o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente.
56.º
E esta interpretação da norma de incidência a imposto de selo resulta da conjugação da outra norma de incidência a IMI que é o artigo 1.º, segundo a qual o IMI incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos, atendendo à noção de prédio do artigo 2.º e de prédio urbano constante do artigo 4.º e ainda das espécies de prédios urbanos descritas no artigo 6.º
57.º
Nesta senda, não logra vingar o pedido da requerente, ainda que indirecto, de que seja aplicado, por analogia ao seu prédio o regime da propriedade horizontal, considerando-se que cada uma das fracções susceptíveis de utilização independente constitua um prédio, pois isso não seria interpretar as normas do CIMI, e por consequência do CIS, isso seria subverter todo o regime aí instituído, com as violações dos princípios supra referidos.
[…]
61.º
Tudo visto, temos, necessariamente, de concluir que os actos tributários em causa, em termos de substância, não violaram, assim, qualquer preceito legal ou constitucional, devendo, assim, ser mantidos.
13. Por despacho de 29/10/2014, o Tribunal decidiu dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como dispensar a inquirição da testemunha arrolada pela Requerente e dispensar a produção de alegações.
14. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
15. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
16. Não se vislumbra qualquer nulidade.
II. Matéria de facto
a. Factos provados
17. Consideram-se provados os seguintes factos:
17.1.A Requerente é proprietária do imóvel inscrito sob o artigo ... na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ...;
17.2.O imóvel identificado supra encontra-se inscrito na caderneta predial urbana, emitida em 15 de Novembro de 2013, em propriedade total com treze andares ou divisões de utilização independente, doze dos quais com afetação habitacional, num valor patrimonial total de € 2.805.320,00;
17.3.As liquidações contestadas pela requerente referem-se aos andares …, aos quais correspondem, respetivamente, os seguintes valores patrimoniais tributários, determinados nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI): €180.410,00, € 194.980,00, € 182.410,00, € 200.290,00, € 182.410,00, € 200.290,00, € 181.350,00, € 199.130,00, € 355.040,00, € 271.080,00, € 214.250,00 e € 252.020,00;
17.4.Nenhum dos andares com afetação habitacional tem, portanto, um valor patrimonial tributário de valor superior a € 1.000.000,00;
17.5.Para efeitos da Verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) a Requerida considerou o valor total dos andares com afetação habitacional, correspondente a € 2.613.660,00;
17.6.Com base neste valor, a Requerida procedeu às liquidações de Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS, ora contestadas pela Requerente, à taxa de 1%, no montante total de € 26.136,60;
17.7.A primeira prestação do imposto de cada uma das liquidações foi já integralmente paga pela Requerente.
b. Factos não provados
18. Dos factos com interesse para a decisão da causa, não se provaram os que não constam da factualidade descrita supra.
c. Fundamentação da decisão da matéria de facto
19. Os factos foram dados como provados com base na prova documental.
III. Matéria de direito
20. Fixada a factualidade relevante, verifica-se estar em causa no presente processo exclusivamente matéria direito.
21. A primeira questão a decidir pelo Tribunal é a que se prende com saber se o valor patrimonial tributário (VPT) a considerar para efeito de aplicação da Verba 28 da TGIS, estando em causa prédio não constituído em regime de propriedade horizontal, é o VPT atribuído a cada andar ou divisão com utilização independente e com afetação habitacional, ou se é o VPT global, correspondente ao somatório dos VPT de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente e com afetação habitacional.
22. A Verba 28 da TGIS, ora em apreciação, foi aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, com o seguinte teor:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”
23. O Código do Imposto do Selo (CIS) e a respetiva Tabela Geral, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, não esclarece qual o sentido da expressão “prédio com afetação habitacional”.
24. O art. 68.º, n.º 2 do CIS, aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, prevê que “[à]s matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”.
25. O legislador, no n.º 1 do art. 2.º do CIMI, adota o seguinte conceito de prédio:
“Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.”
26. Conforme observam SILVÉRIO MATEUS e CURVELO DE FREITAS, “o n.º 1 deste artigo [do artigo 2.º] prevê a existência de três requisitos necessários para que se possa estar perante o conceito de prédio, a saber, a estrutura física, a patrimonialidade e o valor económico” (Os Impostos sobre o Património Imobiliário. O Imposto do Selo, Engifisco, 2005, p. 101, anotação n.º 1.1).
27. Deste modo, não ficam excluídas do conceito de prédio, relevante para efeitos de CIMI e de CIS, os andares ou divisões de utilização independente de imóvel inscrito na caderneta predial urbana em propriedade total.
28. O n.º 4 do artigo 2.º do CIMI prevê ainda que:
“para efeitos deste imposto [IMI], cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.
29. Mais uma vez, deste preceito não resulta a exclusão do conceito de prédio, dos andares ou divisões de utilização independente de imóvel em propriedade total.
30. No n.º 4 do art. 2.º do CIMI o legislador esclarece, de forma inequívoca, que as frações autónomas de imóveis inscritos em propriedade horizontal são consideradas prédios, para efeitos de IMI.
31. Mas tal não legitima o intérprete a fazer uma interpretação a contrario, no sentido de excluir do conceito de prédio as unidades de utilização independente de imóveis inscritos em propriedade total.
32. Parece, na verdade, que a ratio, do n.º 2 do art. 4.º é precisamente a de permitir uma interpretação extensiva do disposto no n.º 1 do art. 2.º, de modo a incluir no conceito de prédio as unidades (frações, andares ou divisões) de utilização independente.
33. Este sentido parece, aliás, ser confirmado pelo disposto no n.º 3 do artigo 12.º do CIMI, que a seguir se transcreve:
“Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.”
34. Donde resulta que as unidades de utilização independente de imóveis inscritos em propriedade total são objeto de avaliação com base nos critérios previstos no artigo 38.º do CIMI.
35. Já o art. 6.º do CIMI enuncia as espécies de prédios urbanos, e prevê que “[h]abitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.
36. Conforme é afirmado na Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 50/2013,
“Daqui podemos concluir que, na ótica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio. Concluímos ainda que para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efetuada entre uns e outros. O que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.”
37. Ao considerarmos o elemento literal da interpretação constatamos que, na parte final do preceito contido na verba 28.1 da TGIS, se determina que o valor tributável corresponde ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”.
38. A Requerida considera como VPT relevante para efeito de aplicação da verba 28.1 da TGIS o VPT global do imóvel inscrito em propriedade total, em manifesta contradição com a prática de uma pluralidade de atos de liquidação, relativos aos vários andares suscetíveis de utilização independente.
39. Do elemento literal da interpretação, em conjugação com os elementos sistemático e teleológico, resulta que o valor patrimonial tributário a considerar para efeitos da aplicação da verba 28.1 do CIS é o correspondente a cada uma das unidades suscetíveis de utilização independente.
40. E afigura-se-nos ser este também o entendimento mais conforme com o princípio da prevalência da substância sobre a forma.
41. Para além disso, este é o sentido mais conforme com o princípio constitucional da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa
42. A Requerente, ao aplicar de modo diferenciado a verba 28.1 da TGIS consoante a unidade habitacional esteja inserida em imóvel inscrito em propriedade horizontal ou em propriedade total está a fazer prevalecer um critério formal de diferenciação, em detrimento da igualdade material exigida pela Lei Fundamental.
43. Do ponto de vista da capacidade contributiva, enquanto critério operativo do princípio da igualdade, que postula uma igualdade material, é irrelevante que o prédio esteja em propriedade vertical ou em propriedade horizontal – a capacidade contributiva evidenciada é a mesma, devendo a aplicação da verba 28.1 da TGIS ser feita nos mesmos termos.
44. Conclui-se que, em imóveis inscritos em propriedade total, apenas está sujeito a Imposto do Selo, por aplicação da verba 28.1 da TGIS, o andar ou divisão suscetível de utilização independente com afetação habitacional cujo VPT seja igual ou superior € 1.000.000,00.
45. No presente processo, nenhum dos andares relativamente aos quais foi liquidado Imposto do Selo por aplicação da Verba 28.1 da TGIS tem um VPT igual ou superior € 1.000.000,00, donde resulta a ilegalidade dos respetivos atos de liquidação.
46. Concluindo-se pela ilegalidade dos atos de liquidação contestados nos autos, o Tribunal deve decidir uma segunda questão, que se prende com saber se são ou não devidos à Requerente juros indemnizatórios.
47. O n.º 1 do art. 43.º da Lei Geral Tributária prevê que:
“[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
48. Considera-se que “[o] erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES, JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária. Anotada e comentada, 4.ª ed., ..., 2012, p. 342).
49. A lei determina ainda, no art. 100.º da Lei Geral Tributária, que:
“A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”
50. Conforme é afirmado no Acórdão do STA de 11/02/2009, recurso n.º 1003/08,
“Tendo o legislador adoptado a indemnização sobre a forma de juros indemnizatórios, na sequência de decisão anulatória de acto de liquidação, presumindo o prejuízo patrimonial derivado da privação da quantia paga na sequência de um acto de liquidação ilegal, a interpretação do art. 100.º da LGT conforme à Constituição é a de que nele se reconhece o direito a juros indemnizatórios desde a data em que ocorreu a privação da quantia ilegalmente liquidada e não apenas a contar do termo do prazo de execução da decisão anulatória.”
51. No presente processo estamos perante uma pluralidade de liquidações de Imposto do Selo fundadas em erro imputável aos serviços, donde resultaram pagamentos indevidos de prestações tributárias pela Requerente, pelo que se reconhece a esta o direito a juros indemnizatórios.
52. De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), “[o]s juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos”.
IV. Decisão
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de anulação dos atos de liquidação, com todos os efeitos legais, dos atos de liquidação de Imposto do Selo titulados pelos documentos com os nos 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ..., 2014 ... e 2014 ..., e condenar a Requerida ao reembolso das prestações fiscais indevidamente pagas pela Requerente;
b) Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, nos termos previstos nos artigos 43.º da Lei Geral Tributária e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
V. Valor do processo
O valor do processo é fixado em € 26.136,60, conforme o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e Processo Tributário e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Lisboa, 26 de novembro de 2014
O Árbitro,
Paulo Nogueira da Costa