SUMÁRIO
I. Da revogação do ato de liquidação pela AT, através da qual a Requerente obteve a plena satisfação do seu pedido, resulta a impossibilidade superveniente da lide, que constitui causa de extinção da instância, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
II. Quando a Requerida comunicar a revogação do ato de liquidação após a constituição do Tribunal Arbitral, as custas são da sua responsabilidade, por lhe ser imputável a impossibilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância (cfr. artigo 536.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente), Dr. Pedro Guerra Alves e Dr. José Rodrigo de Castro (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 20-04-2022, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., com o NIF ... e domicílio na Rua ..., ..., ...-... Porto (doravante “Requerente”), veio, em 14/02/2022, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “RJAT”), contra a liquidação de IRS n.º 2021..., relativa ao período de 2017, bem como da demonstração de liquidação de juros compensatórios e demonstração de acerto de contas que estão associadas à mesma, que determinam a realização do pagamento no montante de € 129.846,24, pretendendo a respetiva declaração de ilegalidade e anulação.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante também designada por “Requerida” ou “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 15/02/2022, e notificado à AT em 17/02/2022.
Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a), no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e no artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.
Em 07/03/2022, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 20/04/2022.
Notificada para responder, a Requerida apresentou a sua Resposta e juntou o processo administrativo em 23/05/2022.
Por Despacho Arbitral de 23/05/2022, foram as Partes notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre a necessidade de realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e de alegações escritas finais.
Por requerimento de 25/05/2022, a Requerente alegou que não foi notificada do ato de liquidação corretiva relativa ao seu IRS de 2017 que a Requerida havia referido na Resposta.
Por Despacho Arbitral de 06/06/2022, o Tribunal Arbitral notificou a Requerida para juntar aos autos a liquidação de IRS n.º 2022..., referente ao ano de 2017, de 04/03/2022 (referida no artigo 45.º da Resposta), e confirmar que a mesma substitui a liquidação de IRS n.º 2021... (objeto do PPA), que terá, assim, sido anulada pelos serviços da AT e deixado de existir na ordem jurídica.
Em 17/06/2022, a Requerida informou o Tribunal Arbitral de que a liquidação de IRS n.º 2022..., referente ao ano de 2017, substituiu a liquidação de IRS n.º 2021... (objeto do PPA), tendo resultado numa liquidação nula.
Por Despacho Arbitral de 17/06/2022, o Tribunal Arbitral notificou a Requerente para se pronunciar sobre se mantém o seu interesse no prosseguimento do processo arbitral, e sobre a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, por perda de objeto.
Em 20/06/2022, a Requerente comunicou ao Tribunal Arbitral que não se opõe à extinção da instância em virtude da verificação da inutilidade superveniente da lide, devendo as custas ficar a cargo da Requerida.
Por Despacho Arbitral de 21/06/2022, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações finais escritas, e indicou data previsível para prolação da decisão arbitral.
II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Suscita-se no processo uma causa de extinção do processo suscetível de obstar ao conhecimento do mérito da causa (nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), pelo que o Tribunal, antes de se pronunciar sobre o mérito da causa, deve conhecer da mesma.
III. DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, por facto ocorrido na sua pendência, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência requerida, situação em que não existe qualquer efeito útil na decisão a proferir por já não ser possível o pedido ter acolhimento ou o fim visado com a ação ter sido atingido por outro meio.
O objeto do presente processo arbitral consiste na liquidação n.º 2021..., referente ao IRS da Requerente no ano de 2017, que fixou um montante de imposto a pagar de € 129.846,24.
Depois de notificada do PPA, a AT substituiu esta liquidação de IRS, em 04/03/2022, por uma nova liquidação de IRS referente ao ano de 2017 (com o n.º 2022...), da qual não resulta qualquer imposto a pagar. Desta forma, a AT revogou tacitamente a liquidação objeto do processo arbitral, que deixou de existir na ordem jurídica.
Todavia, a AT não notificou esta nova liquidação de IRS à Requerente ou ao CAAD antes da constituição do Tribunal Arbitral (em 20/04/2022), tendo informado o Tribunal da mesma apenas na Resposta que apresentou em 23/05/2022, e confirmado a substituição da liquidação objeto do PPA apenas em 17/06/2022.
Considerando que a Requerente comunicou ao Tribunal Arbitral que não tem interesse na prossecução do processo arbitral, e que a revogação tácita da liquidação contestada satisfaz integralmente o pedido formulado no PPA, verifica-se a inutilidade superveniente da lide, que determina a extinção do processo arbitral nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30/07/2014, proferido no processo n.º 0875/14: “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio.”
Julga-se, assim, a instância extinta por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), sem o Tribunal conhecer do mérito da pretensão da Requerente.
Dado que a Requerente não procedeu ao pagamento da liquidação de IRS n.º 2021..., não há lugar à restituição de qualquer montante ou ao pagamento de juros indemnizatórios, cumprindo ao Tribunal Arbitral apreciar e decidir a repercussão da extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, na responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.
IV. DAS CUSTAS ARBITRAIS
Nos termos do disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), nos casos de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, “a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas”.
Dado que a Requerida apenas comunicou a substituição do ato de liquidação objeto do presente processo arbitral após a constituição do Tribunal Arbitral (i.e., para além do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT), conclui-se que a ela é imputável a inutilidade superveniente da lide com a consequente extinção da instância, e que é sobre ela que recai a responsabilidade pelas custas.
Ficam, assim, as custas decorrentes do presente processo arbitral a cargo da Requerida, nos termos do artigo 536.º, n.º 3, do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
V. DECISÃO ARBITRAL
De harmonia com o exposto, acorda este Tribunal Arbitral:
a) Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, por falta de objeto, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
b) Condenar a Requerida no pagamento integral das custas processuais devidas, nos termos do artigo 536.º, n.º 3, do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
VI. VALOR DA CAUSA
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 129.846,24 (indicado pela Requerente no PPA, e não contestado pela Requerida).
VII.CUSTAS ARBITRAIS
Nos termos do artigo 5.º do citado Regulamento e artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que ficam totalmente a cargo da Requerida.
Lisboa, 9 de julho de 2022
Os Árbitros,
(Professora Doutora Rita Correia da Cunha)
(Dr. Pedro Guerra Alves)
(Dr. José Rodrigo de Castro)