DECISÃO ARBITRAL
I - Objecto do pedido e tramitação processual
A..., NIF..., e B..., NIF..., casados, com domicílio na Rua ... Figueira da Foz, (doravante designados como Requerentes), apresentaram pedido de pronúncia arbitral, requerendo:
i) A anulação do acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2021..., que apresentaram em 30 de Agosto de 2021 do acto de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2021..., referente ao ano de 2020, de que resultou imposto a pagar na importância de € 7.227,70;
ii) Consequente devolução de IRS no valor de € 692,30.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “Requerida” ou por “AT”).
Por decisão do Conselho Deontológico foi designado como árbitro único o signatário.
O tribunal arbitral singular foi constituído em 29 de Março de 2022.
Em 5 de Maio de 2022, a Requerida, após ter sido notificada para o efeito, remeteu o processo administrativo e apresentou a sua resposta.
Por despacho de 17 de Maio, foi dispensada tanto a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT como a apresentação de alegações finais.
As partes gozam de capacidade e legitimidade jurídicas.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
II - MATÉRIA DE FACTO
Factos considerados provados
Com base nos documentos juntos pelos Requerentes e nos que constam do processo administrativo, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
a) No ano de 2020 os Requerentes são considerados como fiscalmente residentes em Portugal, estando o seu domicílio fixado no concelho da Figueira do Foz;
b) Em 13 de Julho de 2021 os Requerente submeteram a declaração de IRS respeitante ao ano de 2020;
c) Dessa declaração de rendimentos de IRS, resultou a emissão pela AT da nota de liquidação n.º 2021..., com um imposto a pagar no valor de € 7.227,70;
d) A liquidação de IRS não considerou qualquer valor referente à taxa de participação estabelecida pelo município da ...;
e) A taxa de participação referente ao ano de 2020 foi definida em 3,5%, de que resultaria uma dedução de 1,5% sobre o valor da colecta líquida das demais dedução previstas no Código do IRS;
[https://www.portaldasfinancas.gov.pt/pt/consultarTaxasIRSMunicipios.action]
f) O imposto foi pago em 9 de Agosto de 2021;
g) Em 30 de Agosto de 2021 os Requerentes reclamaram graciosamente junto do Serviço de..., nos termos do artigo 140.º do Código do IRS e do artigo 70.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), tendo solicitado a correcção da nota de liquidação no sentido de na mesma se incluir o referido benefício municipal de 1,5%;
h) O Serviço de Finanças notificou os Requerentes da proposta de decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
i) Os Requerentes exerceram o direito de audição prévia, reiterando os fundamentos apresentados na reclamação graciosa, sendo que o Serviço de Finanças manteve o seu entendimento de não correcção da nota de liquidação pelo valor do benefício municipal;
j) Em 2 de Novembro de 2021 os Requerentes foram notificados da decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
k) Em 24 de Janeiro de 2022 os Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia arbitral em apreciação;
l) A Portaria n.º 8/2021, de 7 de Janeiro, aprovou os modelos de impressos destinados ao cumprimento da obrigação declarativa prevista no n.º 1 do artigo 57.º do Código do IRS e respetivas instruções de preenchimento;
m) Em 1 de Março de 2021 a AT disponibilizou, no Portal das Finanças, os formulários digitais da declaração modelo 3 de IRS do ano de 2020, bem como o respectivo ficheiro em formato XML;
n) O Ofício Circulado n.º 20231/2021, de 12 de Março, identificou as principais alterações introduzidas em cada um dos novos modelos de impresso e instruções de preenchimento.
Factos não provados
Não ficou provado, conforme alegado pelos Requerentes, que os formulários digitais só foram disponibilizados em 29 de Março de 2021.
III - Síntese dos fundamentos de direito invocados pelas Partes
O entendimento da Requerente
i) A declaração de rendimentos (modelo 3) do IRS é entregue por transmissão eletrónica de dados, de 1 de abril a 30 de junho, independentemente de este último ser ou não um dia útil;
ii) Determina o artigo 59.º, n.º 3, alínea o) da LGT, na redação dada pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que a disponibilização no Portal das Finanças dos formulários digitais para o cumprimento da presente obrigação declarativa é efectuada com uma antecedência mínima de 120 dias em relação à data limite do cumprimento da obrigação declarativa;
iii) Atendendo a que o formulário só foi disponibilizado a 29 de março, juntamente com as instruções de preenchimentos constantes do ofício circulado n.º 20231/2021, o prazo de entrega da declaração é automaticamente prorrogado até 26 de Julho;
[https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/Documents/Oficio_circulado_20231_2021.pdf]
iv) Não basta a disponibilização de interfaces gráficos, pois estes não são suficientes para assegurar o cumprimento da obrigação declarativa, motivo pelo qual foram, efectivamente, publicados os formulários para o efeito, no dia 29 de Março;
v) É, pois, por demais evidente que a declaração de rendimentos modelo 3 do IRS de 2020 dos ora Requerentes foi submetida dentro do prazo legal;
vi) Apesar de o município da Figueira da Foz ter atribuído um benefício municipal para o ano de 2020 de 3,5% (dedução de 1,5%), a demonstração de liquidação controvertida de IRC considera o valor de € 0,00 no campo 20 respeitante ao referido benefício municipal;
vii) A liquidação de IRS padece de erro, na medida em que o campo 20 do benefício municipal (1,50%) deveria reflectir o referido benefício no valor de € 692,30;
viii) Em cada ano, todos os municípios têm direito a uma participação variável de até 5% no IRS dos seus munícipes, relativo aos rendimentos do ano imediatamente anterior, calculada sobre a respetiva coleta líquida deduzida das deduções previstas na lei;
ix) Isto significa que se a taxa de participação estabelecida pelos municípios for inferior a 5%, a diferença reverte a favor dos munícipes, como acontece no caso em apreço;
x) Sendo este um benefício municipal, a única condição para obter o mesmo é proceder à entrega a declaração de rendimentos de IRS dentro dos prazos estipulados por lei. Sendo o valor devolvido automaticamente sob a forma de desconto no IRS;
xi) Porém tal não sucedeu, dado que a declaração de IRS foi submetida em 13 de Julho;
xii) No entanto, o prazo legal de entrega era 26 de Julho, pelo que a declaração foi emitida dentro do prazo legal atendendo ao disposto na redação dada à alínea o) do n.º 3 do artigo 59.º da LGT pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro;
xiii) Aos Requerentes, é-lhes devido o benefício municipal no valor de € 692,30, que tem como única condição de atribuição a entrega da declaração de IRS dentro do prazo legal;
xiv) Considera a AT que a interpretação da redação dada à alínea o) do n.º 3 do artigo 59.º da LGT, pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, não é de leitura imediata, exigindo antes conhecimento do sistema tributário em vigor e exegese interpretativa com domínio do conhecimento jurídico, não acessível/exigível ao cidadão comum, o que pode ter criado a expectativa de que teria havido, relativamente ao prazo de entrega da Modelo 3, do ano de 2020, uma prorrogação nos termos daquela norma;
xv) A AT, e no caso em apreço, o Serviço de Finanças da ..., bem como o próprio Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais aplicam nesta matéria um entendimento que não foi o pretendido pelo legislador;
xvi) Reitere-se, o legislador, inequívoca e claramente, pretendeu, com a alteração à alínea o) do n.º 3 do artigo 59.º da LGT abranger não apenas os sujeitos passivos com contabilidade organizada, mas também todos os demais;
xvii) O artigo 59.º, n.º 3, alínea o) da LGT, referia anteriormente que “a disponibilização no Portal das Finanças dos formulários digitais para o cumprimento das obrigações declarativas previstas nos artigos 57.º e 113.º do Código do IRS e nos artigos 120.º e 121.º do Código do IRC, com uma antecedência mínima de 120 dias em relação à data limite do cumprimento da obrigação declarativa”;
xviii) Com a aprovação e entrada em vigor da Lei 7/2021, de 26 de fevereiro, o aludido normativo passou a ter a seguinte redacção: “a disponibilização no Portal das Finanças dos formulários digitais, em formato que possibilite o seu preenchimento e submissão, para o cumprimento das obrigações declarativas previstas nos artigos 57.º e 113.º do Código do IRS e nos artigos 120.º e 121.º do Código do IRC, com uma antecedência mínima de 120 dias em relação à data limite do cumprimento da obrigação declarativa”;
xix) Com esta alteração, o legislador pretendeu reforçar as garantias dos contribuintes, assegurando que a declaração de IS pode ser entregue no prazo de 120 dias, contado a partir da data de disponibilização dos formulários digitais.
O entendimento da Requerida
i) Contrariamente ao argumentado pelos Requerentes, a alteração do artigo 59.º, nº 3, alínea o), através da Lei nº 7/2021 de 26/02, publicada nessa data e com entrada em vigor no dia seguinte, não foi de molde a criar quaisquer expetativas aos contribuintes, relativamente ao prazo de entrega da declaração modelo 3 referente ao ano de 2020;
ii) Primeiro, pelo facto de o prazo de entrega da declaração modelo 3 se encontrar legalmente previsto no artigo 60.º do CIRS;
iii) Segundo, porquanto a alteração a essa norma pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, teve o sentido de que só releva a disponibilização dos formulários digitais no Portal da AT, com a antecedência mínima de 120 dias em relação à data limite do cumprimento declarativo, quando os referidos formulários forem colocados em formato que possibilite o seu preenchimento e submissão, isto é, a disponibilização de formulários que possam ser utilizados para o cumprimento declarativo;
iv) Acresce que, nos termos do artigo 60.º, n.º 1 do Código do IRS, “a declaração a que se refere o n.º 1 do artigo 57.º é entregue, por transmissão eletrónica de dados, de 1 de Abril a 30 de Junho, independentemente de este dia ser útil ou não útil”, prescrevendo os seus n.ºs 2 e 3 os prazos especiais de entrega daquela declaração;
v) Conforme clarificado no Ofício Circulado n.º 20235, de 2021/09/23, a obrigação de disponibilização dos formulários digitais da modelo 3 com uma antecedência mínima de 120 dias em relação à data limite do cumprimento da obrigação declarativa, tem que ser entendida como não abrangendo a submissão da mesma, sob pena de violação clara do n.º 1 do artigo 60.º do Código do IRS, ao qual a AT está vinculada;
vi) A interpretação pretendida pelos Requerentes, relativamente ao preceituado no artigo 59.º, n.º 3, alínea o) da LGT, quer na redação anterior, quer na dada pela Lei n.º 7/2021 de 26/02, nem está contida no texto da lei, nem é abrangida pelo seu espírito, face ao preceituado no n.º 1 do artigo 60.º do Código do IRS;
vii) Pelo que, atento ao exposto, a declaração de rendimentos modelo 3 referente ao ano de 2020 e entregue em 13 de Julho de 2021 foi submetida fora do prazo legal, e em consequência, considerando o disposto no artigo 26º, nº 4 do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais, não é de considerar a dedução à coleta do IRS daquele ano, relativamente ao denominado benefício municipal.
IV - Do direito
Os Requerentes consideram que a alínea o) do n.º 3 do artigo 59.º da LGT deve ser interpretada no sentido de assegurar um prazo mínimo de 120 dias para a entrega da declaração de IRS. Pelo que a contagem do prazo para a entrega dessa declaração apenas se inicia a partir da data de disponibilização dos formulários digitais que permitem o preenchimento da mesma.
Contrariamente, a AT entende que a aludida norma não apresenta, no texto e no espírito, esse alcance de prorrogação imediata do prazo de entrega da declaração, o qual continuar a reger-se pelo prazo geral previsto no Código do IRS.
Não oferece dúvidas que a participação variável no IRS decidida pelo município da Figueira da Foz para o ano de 2020, está condicionada à entrega da declaração de IRS dentro do prazo legal.
É precisamente esse o alcance e sentido consagrados no n.º 4 do artigo 26.º da Lei das Finanças Locais, nos termos do qual “(…) o produto da diferença de taxas e a colecta líquida é considerado como dedução à colecta do IRS, a favor do sujeito passivo, relativo aos rendimentos do ano imediatamente anterior àquele a que respeita a participação variável referida no n.º 1, desde que a respetiva liquidação tenha sido feita com base em declaração apresentada dentro do prazo legal e com os elementos nela constantes”.
Por sua vez, o prazo legal de entrega da declaração de IRS é regulado pelo disposto no artigo 60.º do respectivo Código.
Assim, o n.º 1 do artigo 60.º estabelece que “a declaração a que se refere o n.º 1 do artigo 57.º [a declaração de rendimentos referente ao ano anterior] é entregue, por transmissão eletrónica de dados, de 1 de abril a 30 de junho, independentemente de este dia ser útil ou não útil”.
Uma vez definido o dia 30 de Junho de 2021 como a data limite para a entrega da declaração periódica de rendimentos de IRS do ano de 2020, haverá que aferir da eventual existência de excepções.
Isto é, por força dos princípios da legalidade e da tipicidade, a derrogação desse prazo geral carece de estipulação expressa em norma excepcional ou especial.
Desde logo, os n. º 2 a 4 do artigo 60.º não oferecem, para o caso em apreciação, qualquer prazo alternativo ou regra divergente de contagem de prazos.
Todavia, o n.º 8 do artigo 59.º da LGT determina que ”sempre que a Autoridade Tributária e Aduaneira não cumpra o prazo mínimo de antecedência previsto na alínea o) do n.º 3, a data limite para o cumprimento da respectiva obrigação declaração declarativa prorroga-se pelo mesmo número de dias de atraso”.
Esta norma foi aditada pela Lei n.º 39/2018, de 8 de Agosto, tendo entrado em vigor em 13 de Agosto de 2018.
Transitoriamente para os anos de 2018 e 2019, o artigo 3.º da referida legislação fixou o prazo mínimo de antecedência em 90 dias.
Já a alínea o) do n.º 3 do artigo 59.º impõe à AT, a coberto dos deveres recíprocos de colaboração entre a administração tributária e os sujeitos passivos, “a disponibilização no Portal das Finanças dos formulários digitais, em formato que possibilite o seu preenchimento e submissão, para o cumprimento das obrigações declarativas previstas nos artigos 57.º e 113.º do Código do IRS e nos artigos 120.º e 121.º do Código do IRC, com uma antecedência mínima de 120 dias em relação à data limite do cumprimento da obrigação declarativa”.
Note-se que o texto “(…) em formato que possibilite o seu preenchimento e submissão (…)” foi aditado pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, a qual entrou em vigor em 27 de Fevereiro de 2021.
Está assim clarificado que a data limite para a entrega da declaração de IRS do ano de 2020 - 30 de Junho de 2021 - pode ser estendida no caso de a AT não disponibilizar, com uma antecedência mínima dessa data, os formulários digitais da declaração de IRS.
Igualmente claro está, que a publicitação desses formulários digitais deve ser completa e integral, no sentido de permitir o preenchimento e submissão da declaração por parte dos sujeitos passivos.
Pelo que, atento o disposto na alínea b) do artigo 279.º do Código Civil, a AT teria de disponibilizar os formulários digitais até 2 de Março de 2021, de modo a cumprir com a obrigação de antecipação mínima de 120 dias em face da data limite de 30 de Junho de 2021.
Em face do exposto, tudo se resume à questão de saber se os formulários digitais foram apresentados em 1 de Março ou 29 de Março, conforme alegam, respectivamente, a AT e os Requerentes.
O que nos traz para o princípio da livre apreciação da prova pelo tribunal arbitral, o qual, sob pena de assentar em juízos arbitrários ou discricionários, terá de assentar na e partir da matéria provada.
Com efeito, a função da prova é a demonstração da realidade (artigo 341.º do Código Civil). Realidade essa, que se vai apresentando e alicerçando nos factos alegados e provados pelas partes, com o propósito de alcançar a verdade material.
A AT alega que os formulários digitais e o ficheiro XML foram disponibilizados em 1 de Março, suportando essa alegação em despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e ofícios circulados da AT.
Pese embora a AT não documente tal alegação, é convicção do tribunal arbitral que a mesma se apresenta como credível, na medida em que foi anunciada ao universo de sujeitos passivos de forma recorrente e consistente.
Sabendo-se que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” é sobre os Requerentes que incide o ónus probatório de demonstrar que a Requerida incumpriu a obrigação a cujo cumprimento estava legalmente adstrita, mormente a publicitação dos formulários digitais até 2 de Março de 2021.
É entendimento do tribunal arbitral que os Requerentes não carrearam para o pedido de pronúncia arbitral a matéria de facto susceptível de provar directamente o incumprimento do prazo de publicitação dos formulários digitais. Com efeito, não foram apresentados quaisquer elementos demonstrativos, ou sequer indiciativos, da não publicitação dos formulários digitais no Portal das Finanças até 2 de Março de 2021.
Malgrado a inexistência dessa prova directa, ainda assim poderiam os Requerentes munir-se de elementos probatórios indirectos, que unitariamente ou no seu conjunto permitissem estabelecer uma dúvida razoável quanto ao eventual incumprimento desse prazo.
Com efeito, a AT, enquanto entidade gestora do Portal das Finanças, dispõe da capacidade de livremente inserir, modificar ou remover a informação e documentação constantes desse portal. Quer isto dizer que o Portal das Finanças apresenta uma inegável fluidez, a qual pode apresentar fortes condicionantes ou dificuldades práticas à capacidade de os sujeitos passivos demonstrarem a publicitação de uma determinada documentação - no caso os formulários digitais - numa dada data.
Certo é que, na falta dessa prova directa ou na dificuldade em estabelecê-la cabalmente, caberia aos Requerentes, atento o princípio do ónus da prova, um esforço essencial e mínimo de recolha de outros elementos que, ainda que indirectamente, provassem ou fortemente indiciassem o incumprimento do prazo de antecedência mínima que impende sobre a Requerida.
É neste âmbito que os Requerentes ficam aquém do esforço probatório que lhes é legalmente exigido.
Desde logo, o endereço indicado pelos Requerentes referencia o Ofício Circulado n.º 20231/2021, de 12 de Março, o qual apresenta um conjunto de esclarecimentos sobre os modelos de impresso da declaração modelo 3 de IRS, no sentido de complementar as instruções de preenchimento.
Sucede que, para além da inconsistência entre as datas de 12 e 29 de Março, as instruções de preenchimento foram publicadas através da Portaria n.º 8/2021, de 7 de Janeiro. O ofício circulado indicado pelos Requerentes consiste num mero meio auxiliar ao preenchimento da declaração de IRS.
Na verdade, através desse ofício circulado, a AT limita-se a sumarizar as principais alterações introduzidas nos novos modelos de impresso e instruções de preenchimento - publicadas no Diário da República em 7 de Janeiro - além de referenciar as diversas alterações legislativas ocorridas no ano anterior.
Para além de não suportarem dúvidas sobre a data de disponibilização dos formulários digitais alegada pela AT, os Requerentes confundem as informações prestadas pela AT com os elementos necessários ao preenchimento e submissão da declaração de IRS.
Os Requerentes limitam-se a estabelecer uma ligação abstracta e temporal entre as datas de entrega da declaração e de publicitação de um ofício circulado, cuja única data conhecida é 12 de Março e não 29 de Março que alegam, sem fixarem um nexo de causalidade mínima entre a submissão da declaração de IRS e os elementos necessários a esse preenchimento e submissão.
Dito de outra forma, aceitando que o ofício circulado se equipara à disponibilização da informação que permita a entrega da declaração de IRS, o mesmo é datado de 12 de Março, pelo que os Requerentes teriam submetido essa declaração fora do prazo legal, porquanto este terminaria em 10 de Julho e a referida declaração foi apresentada em 13 de Julho.
Mas ainda que fosse de aceitar a data de publicação do ofício circulado em 29 de Março, sabendo que este não configura uma instrução de preenchimento e não se confunde com a disponibilização dos formulários digitais, caberia aos Requerentes concretizar os elementos informativos imprescindíveis - e até então em falta - para o preenchimento e consequente entrega da declaração de IRS.
E é neste capítulo que os Requerentes falham, não identificando qualquer dificuldade, obstáculo ou ausência de informação que, até então, os teria impedido de iniciar o preenchimento e submissão da declaração de IRS.
No plano da matéria de direito, os esclarecimentos prestados pela AT após 1 de Março de 2021 não se confundem com instruções de preenchimento. Antes constituindo meios auxiliares que não podem ser considerados, para efeitos de declaração de IRS, como subsumíveis ao conceito de “(…) formulários digitais em formato que possibilite o seu preenchimento e submissão (…)”.
Sendo este requisito essencial para que, nos termos da alínea o) do n.º 3 e do n.º 8 ambos do artigo 59.º da LGT, se acrescente ao prazo de legal de entrega da declaração de IRS o número de dias de atraso da AT na disponibilização dos formatos digitais.
Não tendo demonstrado o incumprimento desse prazo de 1 de Março, ainda assim poderiam os Requerentes procurar demonstrar o atraso na disponibilização de informação sem a qual não seria possível o preenchimento e/ou entrega da declaração. Ou seja, que a AT teria cumprido o prazo de disponibilização dos formulários na forma, mas não na substância.
Facto que exigiria a reunião de elementos susceptíveis de provar ou fortemente indiciar - concreta e objectivamente - a falta de disponibilização de informação cuja ausência seria insuprível e impeditiva do preenchimento e submissão da declaração.
O que manifestamente não fizeram.
V - Decisão
Termos em que, o Tribunal Arbitral decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa de anulação da liquidação de IRS n.º 2021... .
Fixa-se o valor do processo em € 7.227,70.
O valor das custas, a cargos dos Requerentes, é fixado em € 612.
Lisboa, 3 de Julho de 2022
O árbitro do Tribunal Arbitral Singular
José Luís Ferreira