Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 232/2014-T
Data da decisão: 2014-12-09  IUC  
Valor do pedido: € 3.831,78
Tema: IUC – Locação Financeira
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 232/2014 – T

Tema: IUC – Locação Financeira.

 

I – RELATÓRIO

 

  1. A, S.A., pessoa colectiva n.º …, com sede na Rua …, …, …-… Lisboa (de ora em diante "Requerente"), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade das seguintes liquidações de Imposto Único de Circulação: …403, …603, …603, …203, …103, …103, …403, …703, …603, …003, …703, …103, …403, …603, …003, …703, …103, …703, …503, …803, …403, …703, …703, …003, …203, …503, …503, …203, …503, …303, …403, …303, …603, …403, …903, …203, …303, …103, …003, …303, …403, …203, …403, …703, …103, …203, …703, …903, …503, …203, …503, …803, …803, …103, …403, …403, …903, …303, …703, …003, …403, …303, …203, …403, e …303.

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado a 06-03-2014 e aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 07-03-2014.

 

  1. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 23-04-2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

  1. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 12-05-2014.

 

  1. Notificada para o efeito, a Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, por impugnação, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

 

  1. Atenta a circunstância de, no caso, não se verificar qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, as partes prescindiram da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, que foi, assim, dispensada.

 

  1. Notificadas ambas as partes para o efeito, a Requerente apresentou alegações, reiterando e desenvolvendo o teor do seu requerimento inicial, enquanto que a AT optou por não apresentar alegações.

 

  1. A AT apresentou Requerimento juntando aos autos duas decisões arbitrais proferidas por tribunais constituídos no CAAD, tendo a Requerente exercido o contraditório, que lhe foi facultado.

 

  1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

  1. Assim, uma vez que, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), e o processo não enferma de nulidades, cumpre proferir

 

III. DECISÃO

 

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

 

1-Os actos de liquidação de IUC objecto dos presentes autos foram dirigidos à A, titular do NIPC …, anteriormente designada por “B”.

 

2-Aquela entidade, era uma sucursal em Portugal que foi extinta, e cuja matrícula foi consequentemente cancelada em 10.01.2007

 

3-O conjunto de activos e passivos que era detido por aquela sucursal foi, porém, antes da sua extinção, incorporado na ora Requerente, que, assim, assumiu a posição de locadora em todos os contratos de leasing que se encontravam então em vigor na esfera jurídica da A, incluindo os relativos aos veículos a que se refere o IUC cujas liquidações são objecto dos presentes autos.

 

4-Por força da descrita incorporação, os contratos de locação financeira identificados que incidiam sobre as referidas viaturas, passaram a integrar a carteira de activos da Requerente - que adquiriu todos os direitos e obrigações inerentes à posição de financiador e de locador, designadamente, mas sem restrições, o direito a receber todos os montantes devidos pelos adquirentes, vencidos e vincendos, e pelos locatários dos contratos ao respectivo locador, a título de rendas vincendas, valor residual e quaisquer outros montantes que, em virtude dos contratos, devessem ser pagos ao locador.

 

5-A Requerente é uma instituição de crédito com forte presença no mercado nacional.

 

6-Nas suas áreas de actividade, inclui-se o financiamento ao sector automóvel.

 

7-Uma parte substancial da sua actividade reconduz-se à celebração - entre outros - de contratos de locação financeira destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis.

 

8-Estes contratos obedecem, de forma geral, a um guião comum, próprio deste tipo de financiamentos: a Requerente, depois de contactada pelo cliente - que, nessa fase, escolheu já o tipo de veículo que pretende adquirir, as suas características (marca, modelo, acessórios, etc.), e inclusive o seu preço - adquire o veículo ao fornecedor que lhe seja indicado pelo cliente, e procede, de seguida, à sua entrega ao referido cliente - que assume, pois, a qualidade de locatário.

 

9-Durante o período que vier a ser estipulado no contrato, este locatário mantém o gozo temporário do veículo - que permanece propriedade da Requerente -, mediante remuneração a entregar à Requerente sob a forma de rendas; podendo vir a adquirir o veículo, para si ou para terceiro, no termo do contrato, mediante o pagamento de um valor residual, ou na vigência daquele, nas condições que estejam previstas.

 

10-   Os veículos automóveis a que se referem as liquidações objecto do presente processo, com as matrículas …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, estavam, nos períodos de tributação a aquelas se referem, registados em nome da Requerente.

 

11-  As viaturas acima identificadas, nos períodos das liquidações objecto do presente processo, estiveram sempre cedidas a terceiros, pela Requerente, em regime de locação financeira, ao abrigo de contratos validamente celebrados.

 

12-  A Requerente procedeu, tempestivamente, ao pagamento das liquidações objecto do presente processo.

 

13-  Por ter procedido ao seu pagamento ao abrigo do regime excepcional instituído pelo Decreto-Lei 151-A/2013, a Requerente apenas pagou o montante devido (e constante dos referidos actos de liquidação) a título de imposto, tendo-lhe sido dispensado o pagamento dos correspondentes juros compensatórios.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.

Não se deu como provado ou não provado o teor do artigo 24.º do requerimento inicial, dado o seu carácter conclusivo.

 

 

B. DO DIREITO

 

            Em causa nos autos está apurar se a requerente deverá, ou não, ser considerada sujeito passivo de IUC, relativamente a viaturas que adquiriu e sobre as quais celebrou contrato de locação financeira (Leasing), no âmbito dos quais aquelas se encontravam na posse de terceiros, durante todo o período de tributação a que se reportam as liquidações objecto do presente processo.

A matéria em causa foi já objecto de várias decisões no âmbito de tribunais arbitrais a funcionar no CAAD[1], na sua maioria no sentido da procedência dos respetivos pedidos, e a cujos fundamentos, de uma forma geral se adere, dispensando-se, por desnecessária e fastidiosa, a sua reprodução, dado que no presente processo não foram adiantados argumentos inovadores, formulando-se, unicamente, as precisões que seguem.

 

*

            Dispõe o artigo 3.º do CIUC que:

“1- São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.”.

 

            O artigo 4.º do mesmo Código refere que:

“1 - O imposto único de circulação é de periodicidade anual, sendo devido por inteiro em cada ano a que respeita.

2 - O período de tributação corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, relativamente aos veículos das categorias A, B, C, D e E, e ao ano civil, relativamente aos veículos das categorias F e G.”.

 

            Por fim, o artigo 6.º, também do CIUC, diz-nos que:

“1 - O facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional. (...)

3 - O imposto considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação referido no n.º 2 do artigo 4.º.”

           

Da conjugação das normas referidas, e tendo em especial consideração o n.º 3 do artigo 6.º, conclui-se que o IUC será um imposto anual, que se vence no primeiro dia do período de tributação, sendo sujeito passivo do mesmo o proprietário do veículo, ou quem lhe seja equiparado.

           

Em concreto, verifica-se que, no primeiro grupo de casos em apreço, o proprietário do veículo era a Requerente.

            Contudo, verifica-se, igualmente, que as viaturas em causa, no período que ora nos ocupa, se encontravam cedidas a terceiros, ao abrigo de contratos de locação financeira.

            Deste modo, constata-se o preenchimento das previsões, quer do n.º 1, quer do n.º 2, do artigo 3.º do CIUC.

            A questão que se coloca, então, é a de saber se a verificação daquele n.º 2 afasta ou não a sujeição resultante do n.º 1.

            Não sendo questão de solução linear, podendo elaborar-se argumentos quer num quer noutro dos possíveis sentidos de resposta, entende-se que a resposta a dar deverá ser positiva, ou seja que no caso de existir um “equiparado” a proprietário, a sujeição deste (do proprietário) ver-se-á afastada, sendo apenas o “equiparado” sujeito passivo do imposto.

            Esta resposta impor-se-á, julga-se, essencialmente e para além do mais, por razões de coerência do sistema, tendo em conta, sobretudo, que no caso do IMI (cfr. artigo 8.º/2 e 3) a sujeição a imposto por não-proprietário afasta a sujeição do proprietário.

            Assim, não obstante a distinta – e, porventura, pouco feliz – terminologia utilizada no CIUC, tendo em conta os critérios interpretativos formulados no artigo 9.º do Código Civil, e em especial a falta de motivos para que um legislador razoável regule em termos distintos a equiparação à propriedade nos casos do IUC e do IMI, entende-se que, efectivamente, a definição do sujeito passivo daquele imposto se fará, alternativamente (e não cumulativamente), nos termos do n.º 1 ou do n.º 2 do artigo 3.º do respetivo Código.

            Este entendimento, de resto, é reforçado pela obrigação consagrada no artigo 19.º do CIUC, que impõe “às entidades que procedam à locação financeira” a obrigação “fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados.”. Naturalmente que esta obrigação apenas se compreenderá, na perspectiva de que as entidades locadoras vejam a sua sujeição afastada por força da locação, já que, se assim não fosse, aquela não faria sentido, uma vez que a AT poderia sempre cobrar o imposto em causa à locadora, entidade que será, de resto e por regra, mais solvente que o locatário.

            Deste modo, estando os veículos em questão em regime de locação financeira, o sujeito passivo do respetivo IUC será o locatário, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do CIUC, e não a Requerente, enquanto proprietária, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo.

            Não obsta ao que vem de se concluir, a circunstância de a Requerente poder não ter dado o devido cumprimento ao disposto no atrás referido artigo 19.º do CIUC. Com efeito – e como é bom de ver – a sanção pelo incumprimento de qualquer obrigação que a esse respeito caiba ou coubesse à requerente, ter-se-ia sempre que procurar em sede do Regime das Infracções Tributárias, e não, naturalmente, na sujeição a um imposto.

            Incorreram, assim e face ao exposto, as liquidações a que se refere o presente processo em erro de direito, devendo, como tal, ser anuladas.

 

*

Cumula a Requerente com o pedido anulatório do acto tributário objecto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios sobre a quantia por si paga na sequência da notificação das liquidações ora anuladas.

É pressuposto da atribuição de juros compensatórios que o erro em que laborou a AT lhe seja imputável[2].

Os contratos de locação financeira, para além de serem registados, devem ser comunicados à AT ao abrigo do artigo 19.º do Código do IUC - no momento em que era devido o imposto.

Sucede que, no caso, nada se apurou quer quanto ao registo dos contratos de locação financeira, quer quanto ao cumprimento pela Requerente da obrigação que lhe assistia, por força do artigo 19.º do CIUC.

Tratando-se, tais factos, de matéria que favoreceria a Requerente, deveria a mesma ter procedido à sua oportuna alegação e prova. Não tendo cumprido esse seu ónus, nem resultando os mesmos de qualquer elemento probatório disponível no processo, não poderão os mesmos ser atendidos.

Deste modo, não se tornando possível formular o juízo de censura indispensável à condenação da AT em juros indemnizatórios, deverá o correspondente pedido ser desatendido.

 

*

            Alega a AT que não deverá ser responsabilizada pelas custas do presente processo arbitral, por ter sido a Requerente quem deu causa à acção.

            Afigura-se, contudo, que não lhe assiste razão.

            Efetivamente, no processo tributário arbitral a AT é notificada do pedido arbitral e pode, nos termos do artigo 13.º/1 do RJAT, proceder à revogação do acto tributário contestado. Pelo menos aí, a AT teve conhecimento dos fundamentos alegados pela Requerente, e que conduziram à presente decisão arbitral, e optou por prosseguir com a via litigiosa.

            Daí que deva ser responsabilizada pelas custas.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)      Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular os actos tributários objecto dos presentes autos e condenar a AT a restituir à Requerente o imposto pago;

b)      Absolver a AT do pedido de condenação em juros indemnizatórios;

c)      Condenar a AT nas custas do processo, no montante de €612,00, tendo-se em conta o já pago.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €3.831,78, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Registe-se e Notifique-se.

Lisboa

9 de Dezembro de 2014

 

O Árbitro

 

(José Pedro Carvalho)

 



[1] Cfr. processos 14/2013T, 26/2013T, 27/2013T, 73/2013T e 170/2013T, 256/2013T, 286/2013T, 289/2013T e 294/2013T, todos disponíveis em www.caad.org.pt.

[2] Cfr. artigo 43.º da LGT.