Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 796/2021-T
Data da decisão: 2022-07-06  IRS  
Valor do pedido: € 17.186,82
Tema: IRS – Revogação parcial dos atos impugnados
Exceção dilatória: inutilidade superveniente da lide.
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SUMÁRIO: 

I – Nos termos da alínea e) do artigo 277.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi pela alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a instância extingue-se inutilidade superveniente da lide.

II – Embora ocorrida após o prazo mencionado no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, a verdade é que a revogação, ainda que parcial, dos atos tributários impugnados corresponde à integral satisfação da pretensão dos Requerentes, originando assim a inutilidade superveniente da lide.

III – As liquidações corretivas de imposto não devem ser consideradas como atos novos para efeitos do artigo 13.º, n.º 3 do RJAT.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.              RELATÓRIO

Em 29 de novembro de 2021, A..., titular do número de contribuinte português ..., B..., titular do número de contribuinte português ... e C..., titular do número de contribuinte português..., todos residentes em ..., n.º ..., ..., Espanha (doravante designados, individualmente, por “Primeiro, Segundo ou Terceira Requerente” ou, em conjunto, como “Requerentes”), vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e nos artigos 1.º e 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (Portaria de Vinculação), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante “AT” ou “Requerida”), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, e, nos termos do disposto no artigo 6.º,  n.º 1, e no artigo 11.º, n.º 1,  alínea b) do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

O Tribunal Arbitral considera-se constituído em 1 de fevereiro de 2022.

 

A.   Objeto do pedido

Através do pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), vieram os Requerentes solicitar a anulação das liquidações de IRS relativas ao exercício de 2020 com os números 2021..., 2021... e 2021..., notificadas a cada um dos Requerentes e no valor global de € 41.987,81,  alegando que estão as liquidações “inquinadas de vício de violação de lei, pois a interpretação e aplicação do n.º 2 do art. 43.º do Código do IRS, no sentido de excluir da limitação da incidência do imposto a 50% as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, realizadas por um sujeito passivo residente noutro Estado membro da União Europeia, limitando aquela incidência unicamente a sujeitos passivos residentes em território português, consubstancia uma violação do disposto no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”.

Os Requerentes pedem ainda a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, por erro dos serviços que determinou o pagamento de prestação tributária superior ao legalmente devido.

 

B.    Síntese da posição das Partes

1. Dos Requerentes:

a.     O Primeiro Requerente adquiriu, conjuntamente com o cônjuge, em 1 de junho de 2007 e pelo valor de € 220.000,00, um apartamento sito em ..., Portugal.

b.     Tendo o cônjuge falecido em 15 de abril de 2016, o Primeiro Requerente e os filhos de ambos (o Segundo e a Terceira Requerentes) adquiriram por herança a sua quota-parte no referido imóvel.

c.     Em 31 de janeiro de 2020, os Requerentes alienaram, na sua totalidade, o referido imóvel pelo valor de € 390.000,00, tendo declarado o rendimento decorrente na venda (indicando as datas e valores de aquisição e realização de acordo com a quota-parte que cada um entendia deter) no anexo G das suas declarações de IRS relativas ao ano de 2020, entregues durante o ano de 2021.

d.     Nas mencionadas declarações de IRS, os Requerentes indicaram a sua situação de não residentes e a opção pela tributação da mais-valias de acordo com o regime geral.

e.     Contudo, tendo o imposto sido liquidado sem a exclusão de tributação de 50% da mais-valia aplicável aos residentes nos termos do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, entendem os Requerentes que as liquidações notificadas se encontram inquinadas de vício de violação de lei, devendo ser corrigidas de modo a reconhecer-se tal exclusão, sendo recalculado, nessa medida, o imposto devido.

 

2. Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT, a Requerida apresentou Resposta, no dia 11 de abril de 2022, e fez juntar o processo administrativo (PA), referindo, em suma:

a.     Que por despacho de 5 de abril de 2022, proferido por delegação de competências da Subdiretora-Geral da área dos Impostos sobre o Rendimento, foi parcialmente revogado o ato contestado, tendo sido entendido aplicar o disposto no artigo 43.º, nº 2, do CIRS ao saldo de mais-valias imobiliárias auferido pelos Requerentes no ano de 2020, mantendo-se a tributação autónoma à taxa especial de 28%.

b.     Que as quotas-partes e inerentes valores de aquisição do imóvel, relativamente à parte herdada por cada um dos Requerentes, não se encontrava corretamente indicados nas respetivas declarações de IRS, uma vez que, sobre a meação de 50% imputável à falecida mãe/cônjuge havia sido constituído usufruto a favor do Primeiro Requerente, o qual não foi tido em consideração no preenchimento daquelas declarações.

c.     Que os custos e encargos apresentados pelos Requerentes são genericamente dedutíveis embora a sua distribuição em função das quotas-partes estivesse incorretamente realizada, devendo ser corrigida em conformidade; e

Que quanto ao direito a juros indemnizatórios previsto no artigo 43º, n.º 1, da LGT, derivado da anulação judicial de um ato de liquidação, este dependeria de ter ficado demonstrado no processo que houve erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à administração tributária; ora, atendendo que, à data dos factos, a administração tributária fez a aplicação da lei nos termos em que se encontrava constitucionalmente adstrita, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT.

Terminou a AT por requerer a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, dada a prova documental produzida por ambas as Partes, bem como a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

C.   Tramitação processual relevante

Notificados da Resposta da Requerida, os Requerentes remeteram aos autos, em 17 de maio de 2022, um requerimento no qual pediram que:

a.     fosse a Requerida condenada ao reembolso das quantias indevidamente pagas pelos Requerentes e ao pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento até ao integral reembolso das referidas quantias;

b.     fosse homologada a manifestação do Requerente no interesse de não prosseguimento dos autos na medida em que seja dado cumprimento ao disposto na Informação da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“DSIRS”);

c.     fosse declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, decorrente da revogação parcial dos atos de liquidação impugnados, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT; e que,

d.     fosse declarada que a inutilidade superveniente da lide é da responsabilidade da Requerida na medida em que só revogou parcialmente o ato tributário de liquidação sindicado após a constituição do Tribunal Arbitral sendo, nessa medida, responsável pelas custas.

 

Por despacho arbitral de 20 de maio de 2022, foi a AT notificada para, no prazo de 20 dias, se pronunciar, querendo, sobre o teor do requerimento apresentado pelos Requerentes, solicitando-se que viesse informar ao Processo a quantificação, em Euros, da parte das liquidações em crise que considera estar revogada, e da parte que considera subsistir na ordem jurídica.

Em resposta ao mencionado Despacho, veio a Requerida informar, em 27 de maio de 2022, que “(…) foi emitida a liquidação ... em consequência do despacho de revogação parcial; e que nessa liquidação oficiosa o rendimento global passou para 63 128,46€ , sendo que na anterior era de 119 389,05€, sendo o imposto apurado de 17 675,97€, ao invés dos 33 472,25€ da anterior declaração”.

Notificados deste requerimento e do despacho arbitral proferido em 31 de maio de 2022 no sentido de obter a respetiva pronúncia, vieram os Requerentes confirmar, no dia 7 de junho de 2022, que “(…) a Requerida acolheu a tese propugnada pelos Requerentes tendo apenas divergido nas percentagens de aquisição de 50% do imóvel em 2016. 3. No mais, eliminaram a discriminação no cálculo de apuramento da mais-valia, que constituía o objeto do presente pedido arbitral. 4. Face à revogação parcial dos atos tributários (que ocorreu decorrido o prazo de 30 dias previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, já após a constituição do tribunal arbitral) e considerando que a pretensão dos Requerentes foi praticamente satisfeita, 5. Manifesta não ter interesse no prosseguimento dos autos”, mantendo, em consequência, o pedido efetuado no requerimento anterior

 

II.            SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral é competente e foi regularmente constituído em 1 de fevereiro de 2022, em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c)  do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

III.          1. MATÉRIA DE FACTO

 

Tendo em conta que na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário [CPPT], subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), sob pena de nulidade, cominada pelo artigo 125.º, n.º 1, do mesmo CPPT, consideram-se os seguintes

Factos Provados:

A.   O Primeiro Requerente, A... é pai de B... e de C..., respetivamente, Segundo e Terceira Requerentes.

B.    Em 1 de junho de 2007, o Primeiro Requerente, então no estado de casado em regime de comunhão de adquiridos com D..., mãe do Segundo e da Terceira Requerentes, adquiriu pelo valor de € 220.000,00 o imóvel correspondente à fração autónoma designada pela letra - ... “B”, correspondente ao rés-do-chão direito, bloco A, para habitação, de tipologia T-dois, com garagem número cinco no piso menos um, do prédio urbano, em propriedade horizontal, sito na “...”, ..., na Rua ..., números ..., ...-A, freguesia e concelho de ..., descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número ..., daquela freguesia, inscrito na matriz sob o artigo ..., da freguesia código ... (o “Imóvel”).

C.    Em 15 de abril de 2016 o cônjuge e mãe dos Requerentes faleceu em Espanha, deixando como herdeiros os Requerentes, tendo como único bem em Portugal a metade do Imóvel. 

D.   Por efeito da morte e abertura da sucessão, cada um dos Requerentes herdou uma parte do Imóvel, sendo o Primeiro Requerente já proprietário de 50% do mesmo.

E.    À data do falecimento, o Imóvel tinha o valor patrimonial tributário de € 135.277,25.

F.    No dia 31 de janeiro de 2020, os Requerentes alienaram o Imóvel, na sua totalidade, pelo valor de € 390.000,00.

G.   Cada um dos Requerentes apresentou a respetiva Declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2020, preenchendo, designadamente, o anexo G das mesmas.

H.   Nas mencionadas declarações de IRS, cada um dos Requerentes invocou a sua qualidade de não residente para efeitos fiscais em Portugal e requereu a aplicação do regime geral de tributação.

I.      Na sequência da apresentação daquelas declarações e de um processo de divergência levantado ao Primeiro Requerente, foram os todos Requerentes notificados das liquidações de IRS n.º 2021..., 2021... e 2021..., no valor global de € 41.987,81.

J.     O valor de € 41.987,81 resultou da aplicação da taxa de 28% à totalidade do rendimento coletável apurado.

K.   Os Requerentes pagaram o montante indicado nas liquidações.

L.    Os Requerentes apresentaram o presente PPA em 29 de novembro de 2021

M.  A AT foi notificada do PPA em 30 de novembro de 2021.

N.   O Tribunal Arbitral considerou-se constituído em 1 de fevereiro de 2022.

O.   A AT revogou parcialmente os atos impugnados no presente processo, por considerar aplicável a exclusão de tributação sobre 50% da mais-valia apurada, por despacho datado de 5 de abril de 2022, trazido aos presentes autos por requerimento apresentado em 11 de abril de 2022.

P.    A Requerida notificou o Primeiro, Segundo e Terceira Requerentes de novas liquidações de imposto, emitidas em 17 de maio de 2022 que, que em revogação/correção das anteriores, corrigem o montante de imposto devido, de € 33.472,25 para € 17.675,97 relativamente ao Primeiro Requerente e de € 4.279,43 para € 3.562,51 relativamente a cada um dos restantes Requerentes.

Factos não provados:

Não se consideraram não provados quaisquer factos alegados que fossem relevantes para a decisão da causa.

 

Fundamentação da matéria de facto:

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração os documentos trazidos aos autos e da tramitação processual seguida, consideram-se como provados os factos acima enunciados.

III.          2. DO DIREITO

a)    Extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, em razão da revogação parcial do ato impugnado e do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

Como vimos, tendo a AT revogado parcialmente os atos impugnados, vieram os Requerentes, em 17 de maio de 2022, pugnar pela extinção da instância por inutilidade superveniente de lide, posição essa que, em face da quantificação dos montantes anulados, foi pelos mesmos confirmada em 31 de maio de 2022.

Como se decidiu no processo arbitral n.º 396/2018-T, decisão invocada pelos Requerentes, “a inutilidade superveniente da lide como causa de extinção da presente instância arbitral, a única questão a decidir é a de saber se ocorre a referida exceção.

A inutilidade superveniente da lide decorre da verificação de um facto, na pendência da instância judicial ou arbitral, mediante a qual a solução do litígio deixa de ter interesse e utilidade, designadamente por ter sido satisfeita, por meios extrajudiciais, a pretensão deduzida pelo autor.”

O objeto do pedido de pronúncia arbitral na origem dos presentes autos consiste na declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de IRS n.os 2021..., 2021... e 2021..., relativas aos rendimentos de 2020, das quais resultou um valor conjunto a pagar de € 41.987,81, “com a emanação de novos atos de liquidação, conformes à factualidade demonstrada, que considerem as mais-valias supra apuradas em apenas 50% do seu valor, bem como, o pagamento dos respetivos juros indemnizatórios”  

Quer no decurso do processo de impugnação judicial, quer no da instância arbitral tributária, pode a AT proceder à anulação, total ou parcial do ato tributário impugnado.

A instância arbitral tributária inicia-se com a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral (artigo 10.º, do RJAT), tendo o legislador consagrado no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, um prazo de 30 dias para o arrependimento da AT (na expressão utilizada por Carla Castelo Trindade , in Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, Coimbra: 2016, pp. 327 e ss.) ainda na fase do procedimento arbitral, ou seja, antes da constituição do tribunal arbitral (artigos 11.º, n.º 8, e 15.º, do RJAT), ficando a AT impedida de, após o termo daquele prazo, “praticar novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos”, conforme o n.º 3 do artigo 13.º, do RJAT.

Porém, deverá entender-se que ocorrendo a revogação parcial do ato impugnado, e decorrido o prazo de 30 dias a que se refere o artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, já após constituição do tribunal arbitral, se produzirá o mesmo efeito jurídico previsto no artigo 13.º, n.º 2, (ou seja, o processo arbitral manterá o seu curso se o Requerente nada disser) por aplicação subsidiária do artigo 112.º, n.º 3, do CPPT, ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º, do RJAT (não constituindo as liquidações corretivas um novo ato tributário, como se vem decidindo de forma substancialmente uniforme na jurisprudência, tal como resulta, por exemplo, do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01104/13, em 14 de outubro de 2015).

Com efeito, mesmo que se suscitasse a dúvida sobre a tempestividade da referida anulação administrativa, atendendo a que já havia decorrido o prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, estabelecido no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT, deveria a mesma ser respondida negativamente, posto que, como se decidiu na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 116/2021-T, “o preceito em apreço [artigo 13.º, n.º 1 do RJAT] deve ser interpretado no sentido de que, uma vez transcorrido o mencionado prazo de 30 dias, a AT fica impedida de praticar um novo ato dispositivo que regule a relação jurídico-tributária, relativamente ao mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação, exceto com fundamento em factos novos. Porém, esta restrição não ocorre em caso de simples anulação administrativa do ato impugnado, desacompanhada de nova regulação da situação jurídica.

Nesta última hipótese, afigura-se não merecer tutela o princípio da estabilidade da instância subjacente às limitações legais à atuação administrativa no decurso de pendência jurisdicional, uma vez que a Parte vem, simplesmente, reconhecer que à outra assiste razão, com fundamento material na lei, e, nessa medida, permitir a resolução antecipada do litígio e consequente extinção da instância, com economia processual e de meios. Deixou de existir razão para a subsistência do litígio, pois, ainda que em momento superveniente, foi gerado consenso suportado na convergência das partes quanto ao regime legal aplicável.

Esta interpretação foi acolhida pelo Supremo Tribunal Administrativo em relação ao processo de impugnação judicial, que é regido pelo artigo 112.º do CPPT, o qual estabelece uma disciplina similar à do artigo 13.º, n.ºs 1 e 3 do RJAT, este último aplicável à ação arbitral tributária. Constituindo o processo arbitral tributário um meio alternativo à impugnação judicial, é inegável a manifesta identidade de razões, a que acresce o facto de o CPA e as normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários serem de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º n. º1, alíneas c) e d) do RJAT.

Sobre a aplicação do regime do CPA à «revogação» de atos administrativos em matéria tributária preconiza o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão proferido em 15 de março de 2017, no processo n.º 449/14, que: «A possibilidade legal de revogação dos atos administrativos em matéria tributária está prevista no art. 79º da LGT (a revogação é um ato que faz cessar ou elimina os efeitos de um ato anterior, com fundamento na sua inconveniência ou invalidade, estando o respetivo regime previsto nos arts. 138° a 146° do CPA).»

Todavia, não constando da LGT nem do CPPT norma definidora do prazo para tal revogação, é incontroverso que hão-de acolher-se as regras constantes dos arts. 136º e ss. do CPA, que diretamente regulam a revogação dos atos administrativos […].

No mesmo sentido da aplicabilidade do regime da invalidade administrativa aos atos em matéria tributária voltou o Supremo Tribunal Administrativo a pronunciar-se no Acórdão de 17 de dezembro de 2014, relativo ao processo n.º 454/14.

Por outro lado, o artigo 168.º, n.º 3 do CPA determina que a anulação de atos que tenham sido objeto de impugnação jurisdicional, como é o caso, pode ter lugar até ao encerramento da discussão.”

Ora, no caso dos autos, o Tribunal Arbitral apenas teve conhecimento da revogação parcial das liquidações de IRS em crise, referentes aos rendimentos do ano de 2020, com a notificação de um requerimento da Requerida, ainda antes da Resposta formal, trazido aos presentes autos por requerimento apresentado em 11 de abril de 2022. Em tal requerimento, acompanhado de informação da DSIRS sancionada por despacho confirmatório da Subdiretora Geral competente, deu-se nota da revogação parcial dos atos impugnados no presente processo, por considerar a AT aplicável a exclusão de tributação sobre 50% da mais-valia apurada, sendo também reconhecido o direito dos Requerentes a juros indemnizatórios.

Os Requerentes, igualmente notificados, produziram declaração expressa em que, conformando-se com a decisão administrativa, vieram requerer a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, bem como a extinção da instância com base em inutilidade superveniente da lide, pedindo a condenação da AT em custas.

E, mesmo tendo as liquidações de IRS impugnadas sido apenas parcialmente revogadas, verifica-se uma integral satisfação da pretensão dos Requerentes conducente à inutilidade superveniente da lide, uma vez que, na verdade, e não obstante os seus termos literais, decorria do pedido que os Requerentes não pretendiam uma anulação total das liquidações mas um recálculo do imposto devido, em função aplicação da exclusão de tributação de 50% do saldo de mais e menos-valias imobiliárias, como se comprova pela expressa menção, no pedido, à emissão de novas liquidações.

Como decorre da jurisprudência firmada no Acórdão do STA proferido no processo n.º 01104/13, em 14 de outubro de 2015, a que se aludiu acima, “se a AT emitir uma nova demonstração de liquidação na qual, por referência à primeira, se limita a corrigir o cálculo do imposto por não ter levado em conta que o contribuinte tinha efectuado a opção pelo não englobamento dos rendimentos (deixando totalmente intocada a matéria tributável), não está a praticar um acto novo de liquidação tributária, mas apenas a dar expressão quantitativa à correcção do acto praticado”, pelo que não devem considerar-se as liquidações corretivas como novos atos para efeitos do artigo 13.º, n.º 3 do RJAT.

No nosso caso encontra-se verificada a alegada inutilidade superveniente da lide no que concerne aos pedidos de anulação dos ato tributários objeto do presente processo, o que determina a extinção da instância, dado que, encontrando-se sancionada por despacho da Subdiretora Geral do Rendimento a informação da DSIRS que pugna i) pela a revogação parcial dos atos impugnados e ii) pelo direito a juros indemnizatórios,[1] é manifesto que os Requerentes obtiveram integral satisfação da sua pretensão por via administrativa.

Com efeito, como se refere na decisão arbitral proferida no processo n.º 884/2019-T “a inutilidade superveniente da lide é, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT, uma causa de extinção da instância, a qual ocorre quando, «por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio.» - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0875/14, de 30.07.2014, o qual sumariamente, explica que:

«I – A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio.»

Aduz, em complemento a esta questão, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 07433/14, de 10.04.2014, que:

«1. Entre as causas de extinção da instância do processo declarativo, as quais são aplicáveis à execução supletivamente, conforme dispõe o artº.551, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, vamos encontrar a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (cfr.artº.277, al.e), do C.P.Civil).

2. Esta causa de extinção da instância contém dois requisitos que necessitam estar verificados para a sua aplicação. São eles, a inutilidade da lide, e que essa inutilidade decorra de facto posterior ao início da instância, para poder dizer-se que é superveniente, a qual dá lugar à mesma extinção da instância sem apreciação do mérito da causa.

3. Também neste sentido segue a doutrina e a jurisprudência, ao referirem que a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide se dá quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo ou, por outro lado, porque encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a causa deixa de interessar - além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios.

4. Só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica. A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis da mesma pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o autor/recorrente.»

Ora, considerando que a pretensão da Requerente se encontra satisfeita, em virtude da revogação dos atos tributários impugnados e a sua consequente anulação, e não se vislumbrando a utilidade ou interesse na manutenção da pronúncia arbitral, por ter operado a inutilidade superveniente da lide, deve a decisão do presente Tribunal ser no sentido de declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido de pronúncia realizado, em conformidade com o previsto no disposto na alínea c) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Nesse mesmo sentido e atendendo à factualidade descrita e ao iter processual observado, entende este Tribunal dever dar-se por verificada a exceção de inutilidade superveniente da lide quanto ao remanescente do pedido, ao abrigo do artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil, posto que, como aduzem Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra: 2008, p. 555 a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide “dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou se encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio”.

 

b)    Responsabilidade pelas custas e valor do processo

Na situação em apreço, verifica-se que (i) o pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 29 de novembro de 2021; (ii) o tribunal arbitral foi regularmente constituído em 1 de fevereiro de 2022; (iii) as liquidações de IRS impugnadas foram parcialmente revogadas por despacho da Senhora Subdiretora-Geral do Rendimento, datado de 5 de abril de 2022 (i.e., mais de 30 dias após a constituição do tribunal arbitral), trazido aos presentes autos por requerimento apresentado em 11 de abril de 2022; (iv) a pretensão do Requerente foi integralmente satisfeita pela Requerida, por meios extrajudiciais.

Notificada em 7 de junho de 2022 do requerimento em que os Requerentes confirmaram a invocação da extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, com a condenação da AT nas custas do processo, a Requerida nada disse.

Entendendo-se que não subsistem dúvidas de que foi a Requerida quem deu causa à ação (na expressão utilizada no artigo 527.º, n.º 1 do CPC), tendo mesmo dado integral satisfação ao pedido dos Requerentes e que, relativamente à revogação dos atos impugnados, foi ultrapassado o prazo de 30 dias a que se refere o artigo 13.º, n.º 3 do RJAT, é esta condenada na totalidade da taxa arbitral, calculada com base  no valor do processo que se fixa em € 17.186,82 (dezassete mil, cento e oitenta seis euros e oitenta e dois cêntimos), correspondente ao valor de IRS efetivamente anulado.

 

IV.           DECISÃO

Com base nos fundamentos acima enunciados, decide-se:

- Declarar extinta a instância arbitral por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi o artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT; 

- Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios; e

- Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira integralmente nas custas do processo arbitral, calculadas com base no valor do processo resultante do montante de IRS efetivamente anulado.

 

V.            VALOR DO PROCESSO:

De acordo com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 17.186,82 (dezassete mil, cento e oitenta seis euros e oitenta e dois cêntimos), correspondente ao valor de efetivamente IRS anulado.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 6 de julho de 2022.

O Árbitro,

 

(João Taborda da Gama)

 



[1] A Resposta da Requerida no presente Processo não tem a capacidade de revogar o despacho referido na parte em que reconhece o direito a juros indemnizatórios, os quais, em qualquer caso, seriam considerados devidos pelo Tribunal.