Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 770/2021-T
Data da decisão: 2022-07-07  IVA  
Valor do pedido: € 12.241,45
Tema: IVA – direito à dedução; veículos híbridos plug in; valor de aquisição; artigo 21.º, n.º 2, alínea f), do Código do IVA; artigo 1.º, n.º 4, alínea b), da Portaria n.º467/2010, de 7 de julho; artigo 2.º, n.º 2, do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro; NCRF 7.
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Sumário:

I. Nos termos do disposto no artigo 21.º, n.º 2, alínea f), do Código do IVA, conjugado com o artigo 1.º, n.º 4, alínea b), da Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho, para que exista o direito à dedução do IVA suportado com a aquisição de viaturas ligeiras de passageiros híbridas plug-in, o respetivo custo de aquisição não pode exceder o montante de € 50.000,00, IVA não incluído.

II. Para este efeito, o custo de aquisição compreende o valor pago para adquirir a viatura automóvel nas condições necessárias para que funcione da forma pretendida, aqui se incluindo os designados “extras”, que são os equipamentos/componentes instalados nos veículos no decurso do respetivo processo de fabrico, ou seja, ainda na linha de produção e que, em geral, são deles inseparáveis e condicionam o respetivo funcionamento.

III. No custo de aquisição não estão, pois, compreendidos os designados “acessórios”, que são os equipamentos que podem ser adquiridos e instalados nos veículos, em qualquer altura da respetiva vida útil, sendo amovíveis e que não têm qualquer interferência no funcionamento e na utilização dos veículos.   

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            I. Relatório

1. No dia 25 de novembro de 2021, A..., Lda., NIPC..., com sede na ..., ..., ...–... e ..., ...-... ... (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e anulação:

(i) dos atos de liquidação adicional de IVA n.º 2021..., n.º 2021 ... e n.º 2021..., relativos aos períodos de 201910, 201911 e 201912, respetivamente; e

(ii) dos atos de liquidação de juros compensatórios n.º 2021 ..., n.º 2021 ... e n.º 2021 ... . 

A Requerente juntou 16 (dezasseis) documentos e requereu a produção de prova testemunhal, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.  

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT). 

 

2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente alega, essencialmente, o seguinte que passamos a citar:

            «- Foi identificado pela Autoridade Tributária a aquisição, por parte do Sujeito Passivo, em 07/10/2019, de uma viatura ligeira de passageiros, designadamente um veículo híbrido plug in, da marca ..., ..., com a matrícula..., do ano de 2019.

            - Do qual aquele é proprietário.

            - O valor de aquisição do referido veículo cifrou-se na quantia de € 49.991,87 (…) sem IVA (que, in casu, correspondeu a € 11.498,13 (…)).

            - O veículo constitui um ativo fixo tangível do Sujeito Passivo, na medida em que é detido para fins empresariais, pois foi adquirido para utilização do trabalhador e membro dos Órgãos Sociais do Sujeito Passivo, (…),

            - e porque se espera ser utilizado durante mais do que um período (cf. parágrafo 6 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 7 (…)).  

            - Da referida aquisição resultaram várias faturas, nomeadamente a Fatura n.º Z61400549, num total de € 61.490,00 (…), do dia 07-10-2019, referente ao valor de aquisição de veículo, com IVA (…);

            - A Fatura n.º 6269, num total de € 499,38 (…), do dia 07-10-2019, referente ao contrato de manutenção do veículo (…);

            - E a Fatura n.º 6268, cuja quantia se cifra no valor de € 204,21 (…), igualmente do dia 07-10-2019, referente ao Imposto Único de Circulação (…).

            - No dia seguinte à aquisição do referido veículo, em 08-10-2019, o Sujeito Passivo procedeu à compra de “Tapetes do habitáculo em plástico Moldado...” (…), “Proteção solar, Portas (Kit de duas proteções)” (…) e “Proteção de Impacto” (…), dando origem à Fatura n.º 6273, no valor de € 286,59 (…).

            - (…), a Administração Tributária entendeu que a Fatura n.º 6273 integra o valor de aquisição do veículo e concluiu que o total do custo de aquisição corresponde a € 50.224,87 [correspondente ao somatório dos valores base das faturas n.º Z61400549 (€ 49.991,87) e n.º 6273 (€ 233,00)] (…)

            - Por esse motivo, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, alínea f) do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (…), excluir-se-ia o direito à dedução de IVA no presente caso.

            - Consequentemente, o montante deduzido pelo Sujeito Passivo, no valor de € 11.498,13 (…), a título de IVA, terá sido deduzido indevidamente.

            - (…) da análise da Fatura n.º 6273, não existem dúvidas de que os bens dela constantes, (…), não são condições necessárias ao funcionamento do veículo da forma pretendida, (…).

            - (…), a ratio da alínea b) do parágrafo 17 da NCRF 7, visando os custos tidos com operações de índole eminentemente técnica e intimamente ligados ao funcionamento dos itens dos ativos fixos tangíveis. 

            - (…), a Administração Tributária coloca duas realidades distintas no mesmo “saco”.  

            - Uma realidade são os, comummente, chamados de “extras” – bens esses que estão ligados ao bem principal com carácter de permanência (i.e. não são passíveis de retirar) e que visam incrementar a qualidade, conforto, a performance e o design do bem principal.

            - Realidade bem diferente é a dos acessórios constantes da fatura n.º 6273 que: são perfeitamente passíveis de ser retirados daquele veículo e, eventualmente, colocados noutro veículo; em nada têm que ver com o funcionamento do veículo; e que apenas se destinam a proteger o bem ou os seus componentes.   

            - Em conclusão, os “extras” e os “acessórios” são realidades bem díspares.

            - Sendo que apenas os extras contribuem para que o veículo funcione da forma pretendida e os acessórios não.

- Assim, quando da aquisição do veículo, no dia 07-10-2019, este já se encontrava com as condições necessárias ao seu funcionamento na forma pretendida.

            - Em face do exposto, e de acordo com o parágrafo 21 da NCRF 7, os custos com os produtos previstos na Fatura n.º 6273 não integram o valor pelo qual o ativo fixo tangível deve ser reconhecido, isto é, não integram o custo de aquisição do veículo.

            - Sendo o valor de aquisição do veículo de € 49.991,87 e não de € 50.224,87, motivo pelo qual o Sujeito Passivo deduziu corretamente o IVA no montante de € 11.498,13, nos termos e para os efeitos do artigo 21.º, n.º 2, alínea f) do CIVA.

            - Entende o Sujeito Passivo deverem ser os atos de liquidação de Juros Compensatórios (…) anulados, por falta de um dos seus fundamentos ou pressupostos legais essenciais – de que o retardamento da liquidação do imposto se deva a facto imputável ao contribuinte (cfr. n.º 1 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária (…)).

- (…), dos elementos até à data facultados ao sujeito passivo, resulta que a Administração tributária se limitou a exigir, de forma automática, Juros Compensatórios, ultrapassando as formalidades legais estabelecidas para a referente liquidação e inquinando, assim, as respetivas liquidações ora impugnadas de vício de forma, por falta de fundamentação.»          

       

3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 29 de novembro de 2021.

            

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 13 de janeiro de 2022, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 1 de fevereiro de 2022.

 

5. No dia 9 de março de 2022, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo apenas procedido à junção do processo administrativo (doravante, PA).

A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação que passamos a citar:    

«- (…), temos, por um lado, a Fatura n.º 6268 de 07-10-2019, relativa ao IUC – o imposto pago anualmente pela propriedade do veículo, que não integra o valor de aquisição do veículo, uma vez que, (…), este montante é gasto no ano a que respeita.

- Por outro lado, a fatura n.º 6269 de 07-10-2019, relativa ao contrato de manutenção, que se traduz na subscrição de um contrato de manutenção do veículo a vigorar até aos 90.000,00 kms ou três anos de utilização, pelo que, o que está em causa são gastos de manutenção a ser reconhecidos nessa mesma base, muito embora a despesa já tenha ocorrido;

- Relativamente a este gasto, quer em termos contabilísticos, quer em termos fiscais o seu reconhecimento deve ser efetuado à luz do princípio da especialização dos exercícios/periodização/regime de acréscimo, conforme decorre do teor do parágrafo 22 da Estrutura Concetual do Sistema de Normalização Contabilística e do artigo 17 n.ºs 1 e 3 e artigo 18.º n.º 1, ambos do CIRC, razões para esse montante constante não integrar o valor de aquisição;

- Já no que concerne às Faturas Z61400549 e 6273 de 07-10-2019 e 08-10-2019 respetivamente, respeitam ao veículo com todos os equipamentos e extras/acessórios pretendidos para o mesmo, razão pela qual, (…), nos termos da alínea b) do parágrafo 17 da NCRF 7, integram o valor pelo qual o ativo fixo tangível deve ser reconhecido. 

- Pelas razões enunciadas concluíram os SIT que não existe diferença de tratamento contabilístico e fiscal, na medida em que, nos termos do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto Regulamentar 25/2009 de 14 de setembro, o custo de aquisição de um elemento do ativo é: “o respetivo preço de compra, acrescido dos gastos acessórios suportados até à sua entrada em funcionamento ou utilização”.

- E ainda que se diga que a fatura 6273 é do dia seguinte à fatura principal, é dela indissociável e inerente ao ato de aquisição do ativo já que respeita aos apetrechos desse mesmo ativo, mantendo com esses extras/acessórios uma relação umbilical.

- (…), não consta da norma em escrutínio [alínea b) do parágrafo 17 da NCRF 7] a menção aos custos “absolutamente”, “indispensáveis” ou qualquer outra palavra ou expressão de significado equivalente para que o bem possa funcionar, nem a palavra “necessárias” se deve confundir com o termo “essenciais”, “indispensáveis” ou outro que se lhe assemelhe,  

- Diferentemente, o que decorre da norma em discussão é que os custos diretamente atribuíveis para colocar o ativo no local pretendido pelo adquirente e com todas as características (condições) pretendidas por ele, integram o valor de aquisição do ativo dentro dos referidos limites da norma, 

- (…) o sujeito passivo não procedeu de acordo com a leitura que faz da alínea b) do parágrafo 17 da NCRF 7, na medida em que considerou no valor do ativo “suporte de mercearias” ou até mesmo “banco elétrico para condutor”; 

- (…) tendo o adquirente acordado com o vendedor a entrega do bem que se qualifica como ativo fixo tangível com as características mencionadas nas faturas n.ºs Z61400549 e 6273, o montante das mesmas tem de integrar o valor de aquisição do ativo nos termos da alínea b) do parágrafo 17 da NCRF 7. 

- A culpa do sujeito passivo, ou seja, o fundamento da liquidação de juros compensatórios, resulta do facto de o contribuinte não ter atuado com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais, situação do caso sub judice.

- (…), face à factualidade dos autos, afigura-se serem devidos juros compensatórios porquanto houve retardamento daquela liquidação, existindo também um nexo de causalidade entre a atuação do contribuinte e as consequências referidas, lesivas para o Estado, na sua veste de credor.  

- Em suma, estando no caso comprovada a ilegalidade da conduta (não pagamento do imposto no momento e valores devidos), não tendo a requerente alegado nem provado que o não pagamento se ficou a dever a erro desculpável, nem sendo de entender-se – atenta a redação das normas em apreço, nem o especial fim que lhe está associado, e atenta a natureza jurídica do sujeito passivo e os especiais cuidados que sobre si recaem na forma como realiza as suas operações económicas – que é desculpável o comportamento que assumiu, há que concluir pela verificação de todos os pressupostos previstos nos artigos 35.º da LGT e 96.º do CIVA.

- (…), a AT deverá inelutavelmente ficar exonerada de abonar à Requerente juros indemnizatórios, porquanto o enquadramento jurídico que deu ao presente caso resulta da prova apresentada durante o procedimento e aportada ao processo pela Requerente, a qual, manifestamente, não autorizaria diferente enquadramento.» 

 

6. No dia 19 de abril de 2022, foi realizada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT – na qual foi tratado o que consta da respetiva ata que aqui se dá por inteiramente reproduzida, tendo sido indicado o dia 1 de agosto de 2022 como data limite para a prolação da decisão arbitral – e procedeu-se à produção de prova testemunhal.

 

7. A Requerente apresentou alegações escritas nas quais, essencialmente, reiterou a posição anteriormente vertida no pedido de pronúncia arbitral.

            

II. Saneamento

8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

O processo não enferma de nulidades.

Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa diversos atos tributários atinentes a IVA e juros compensatórios, sendo peticionada a declaração de ilegalidade e a anulação de cada um deles –, em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pela Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).

Não existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer. 

 

III. Fundamentação                              

III.1. De Facto

§1. Factos Provados

9. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

a) A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objeto, enquanto atividade principal, as atividades de engenharias e técnicas afins (CAE 71120), sendo sujeito passivo de IRC, enquadrada no regime geral, e sujeito passivo de IVA, enquadrada no regime normal com periodicidade mensal. [cf. PA]  

b) No dia 07.10.2019, a Requerente adquiriu pelo valor de € 49.991,87 (quarenta e nove mil novecentos e noventa e um euros e oitenta e sete cêntimos), acrescido de IVA, à taxa legal em vigor, que se cifrou em € 11.498,13 (onze mil quatrocentos e noventa e oito euros e treze cêntimos), o seguinte veículo híbrido plug in de que é, pois, proprietária: viatura ligeira de passageiros, marca ..., ..., com a matrícula ... . [cf. documento n.º 10 anexo ao PPA e PA]  

c) A referida aquisição deu origem à emissão pela entidade vendedora, a “B..., S.A.”, NIPC..., da fatura n.º Z61400549, no montante global de € 61.490,00 (sessenta e um mil quatrocentos e noventa euros). [cf. documento n.º 10 anexo ao PPA e PA]  

d) Na mesma data e relacionadas com a aludida viatura automóvel, foram ainda emitidas à Requerente as seguintes faturas pela “B..., S.A.” [cf. documentos n.ºs 11 e 12 anexos ao PPA e PA]:

Ø  A fatura n.º 6269, no montante total de € 499,38 (quatrocentos e noventa e nove euros e trinta e oito cêntimos), tendo por descritivo: “Referente a Contrato de Manutenção ... Matrícula ...”; e

Ø  A fatura n.º 6268, no montante total de € 204,21 (duzentos e quatro euros e vinte e um cêntimos), tendo por descritivo: “Valor referente a Imposto de Circulação – IUC 2019 Matrícula...”.

e) O referido veículo automóvel foi adquirido para fins empresariais, concretamente para utilização pelo gerente da Requerente, C..., tendo sido contabilizado como ativo fixo tangível da Requerente. [cf. depoimento da testemunha D...]

f) No dia 08.10.2019, a Requerente adquiriu os seguintes equipamentos para serem colocados na sobredita viatura automóvel [cf. documentos n.ºs 13, 14 e 15 anexos ao PPA e PA]:

Ø  Tapetes do habitáculo em plástico moldado ...;

Ø  Proteção solar, Portas (kit de duas proteções); e

Ø  Proteção de impacto.

g) Os tapetes em plástico moldado visam proteger a alcatifa e os tapetes originais do habitáculo do automóvel, nos casos de utilizações mais intensas, designadamente profissionais, podendo ser retirados do veículo e colocados noutros veículos. [cf. depoimento da testemunha E...]    

h) As cortinas de proteção solar visam proteger o habitáculo do veículo e os seus ocupantes dos efeitos nefastos da luz solar direta, sendo amovíveis e podendo ser colocadas noutros veículos. [cf. depoimento da testemunha E...]  

i) A proteção de impacto é uma capa protetora que é colocada nas costas dos bancos dianteiros do veículo, visando proteger o respetivo revestimento de danos causados por ocupantes que viajem nos bancos traseiros da viatura, designadamente crianças, podendo ser retirada do veículo e colocada noutros veículos. [cf. depoimento da testemunha E...]

j) A aquisição dos preditos equipamentos deu origem à emissão pela entidade vendedora, a “B..., S.A.”, da fatura n.º 6273, no montante total de € 286,59 (duzentos e oitenta e seis euros e cinquenta e nove cêntimos), tendo por descritivo: “Valor referente a Acessórios – Matrícula...: Tapetes do habitáculo em plástico Moldado... Proteção solar, Portas (kit de duas proteções) Proteção de Impacto”. [cf. documento n.º 16 anexo ao PPA e PA]   

k) Todos os aludidos equipamentos podem ser adquiridos em qualquer loja que comercialize apetrechos para automóveis. [cf. depoimento da testemunha E...]

l) Na indústria e no comércio automóvel, são considerados “extras” dos veículos determinados equipamentos/componentes pretendidos pelos clientes, aquando da decisão de compra, que são incorporados nos veículos durante o respetivo processo de fabrico, ou seja, ainda na linha de produção e que, em geral, são deles inseparáveis e condicionam o respetivo funcionamento. [cf. depoimento da testemunha E...] 

m) Na indústria e no comércio automóvel, são considerados “acessórios” dos veículos determinados equipamentos pretendidos pelos clientes, aquando da decisão de compra ou, posteriormente, já no decurso da utilização dos veículos, sendo amovíveis e não condicionando o funcionamento dos veículos. [cf. depoimento da testemunha E...]

n) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI2021..., a Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo, de âmbito parcial, em sede de IVA, incidente sobre o período de tributação de 2019 e tendo como objetivo o controlo declarativo desse mesmo ano, realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria, que culminou com a elaboração do respetivo Relatório de Inspeção Tributária, notificado à Requerente por ofício datado de 21.06.2021, do qual resultou a seguinte correção [cf. documento n.º 8 anexo ao PPA e PA]:   

  

oA indicada correção está fundamentada no Relatório de Inspeção Tributária, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido e no qual é, além do mais, afirmado o seguinte que aqui importa respigar [cf. documento n.º 8 anexo ao PPA e PA]:

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

(…)

 

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

p) Na sequência do sobredito procedimento inspetivo, a AT emitiu e notificou à Requerente os seguintes atos tributários [cf. documentos n.ºs 1 a 6 anexos ao PPA]:

Ø  A liquidação adicional de IVA n.º 2021..., referente ao período de 201910, da qual resultou o valor a pagar de € 1.550,16;

Ø  A demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., da qual resultou o valor a pagar de € 1.550,16, com data limite de pagamento a 31.08.2021;

Ø  A liquidação adicional de IVA n.º 2021 ..., referente ao período de 201911, da qual resultou o valor a pagar de € 644,79;

Ø  A demonstração de acerto de contas n.º 2021..., da qual resultou o valor a pagar de € 644,79, com data limite de pagamento a 31.08.2021;

Ø  A liquidação adicional de IVA n.º 2021 ..., referente ao período de 201912, da qual resultou o valor a pagar de € 9.303,18;

Ø  A demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., da qual resultou o valor a pagar de € 9.303,18, com data limite de pagamento a 31.08.2021;

Ø  A liquidação de juros compensatórios n.º 2021 ..., no valor de € 91,05;

Ø  A demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., da qual resultou o valor a pagar de € 91,05, com data limite de pagamento a 31.08.2021;

Ø  A liquidação de juros compensatórios n.º 2021 ..., no valor de € 44,89;

Ø  A demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., da qual resultou o valor a pagar de € 44,89, com data limite de pagamento a 31.08.2021;

Ø  A liquidação de juros compensatórios n.º 2021 ..., no valor de € 607,38;

Ø  A demonstração de acerto de contas n.º 2021..., da qual resultou o valor a pagar de € 607,38, com data limite de pagamento a 31.08.2021.

q) No dia 27.08.2021, a Requerente efetuou o pagamento integral e tempestivo dos montantes de imposto e de juros compensatórios resultantes das referenciadas liquidações, no montante total de € 12.241,45 (doze mil duzentos e quarenta e um euros e quarenta e cinco cêntimos). [cf. documento n.º 7 anexo ao PPA]  

r) No dia 25.11.2021, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. Factos não Provados

10. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham por provados. 

 

§3. Motivação quanto à Matéria de Facto

11. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. 

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consubstanciadas em afirmações meramente conclusivas e, por isso, insuscetíveis de prova e cuja veracidade terá de ser aquilatada em face da concreta matéria de facto consolidada. 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório carreado para os autos (incluindo o processo administrativo), o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade. 

No tocante à prova testemunhal produzida – gravada em suporte áudio, inserto e disponível na pasta digital deste processo arbitral que consta do Sistema de Gestão Processual do CAAD –, as testemunhas arroladas pela Requerente – E..., vendedor de veículos da marca ... na empresa “ B..., S.A.”, tendo intervindo no negócio de compra e venda do veículo em causa nestes autos; e,  D..., contabilista certificado da Requerente, desde 28.04.2021 –, inquiridas à matéria de facto vertida nos artigos 37.º a 60.º do pedido de pronúncia arbitral, depuseram de forma objetiva, isenta e revelando conhecimento dos factos sobre os quais foram inquiridas, pelo que os seus depoimentos nos mereceram credibilidade.

Os respetivos depoimentos sustentam, isolada ou conjuntamente com outros meios de prova, o juízo formulado quanto aos factos considerados provados relativamente aos quais é feita menção a esses depoimentos.

   

III.2. De Direito

§1. thema decidendum

12. As questões jurídico-tributárias que estão no epicentro do dissídio entre as partes e que, por isso, o Tribunal é chamado a apreciar e decidir, emergem dos vícios que a Requerente imputa aos atos tributários controvertidos e são as seguintes: 

a) A ilegalidade das liquidações adicionais de IVA, por violação do disposto no artigo 21.º, n.º 2, alínea f), do Código do IVA, no artigo 1.º, n.º 4, alínea b), da Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho, no artigo 2.º, n.º 2, do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro e no parágrafo 17 da NCRF 7;

b) A ilegalidade das liquidações de juros compensatórios, por vício de forma, por falta de fundamentação, e por vício de violação de lei. 

O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre o pedido de reembolso dos montantes de imposto e de juros compensatórios pagos pela Requerente, acrescidos de juros indemnizatórios.

 

§2. Enquadramento normativo

13. A análise das enunciadas questões jurídico-tributárias deve principiar pela convocação do bloco normativo aplicável, obviamente, na redação vigente à data dos factos.

O artigo 19.º do Código do IVA determina, no seu n.º 1, que “para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram: a) o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos; (…)”, sendo que, como preceitua o subsequente n.º 2, “só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo: a) em faturas passadas na forma legal; (…)”; o n.º 6 do mesmo artigo 19.º preceitua que “para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passadas na forma legal as faturas que contenham os elementos previstos nos artigos 36.º ou 40.º, consoante os casos”.

Por seu turno, decorre do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA que só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização quer de operações de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, nos termos da respetiva alínea a), quer das operações de transmissões de bens e prestações de serviços elencadas na respetiva alínea b).    

Todavia, o n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA exclui do direito à dedução o imposto contido, entre outras, nas seguintes despesas previstas na respetiva alínea a): “Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo, de barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos. É considerado viatura de turismo qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com caráter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor”

O artigo 21.º, n.º 1, do Código do IVA, enquanto norma limitativa do direito à dedução do IVA, está respaldado no artigo 176.º da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado) que estatui, além do mais, o seguinte: “O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.”

Acontece que, o n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA dispõe que não existe a exclusão do direito à dedução, entre outros, no seguinte caso previsto na respetiva alínea f): “Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação e à transformação em viaturas elétricas ou híbridas plug-in, de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas elétricas ou híbridas plug-in, quando consideradas viaturas de turismo, cujo custo de aquisição não exceda o definido na portaria a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC”. Esta norma foi aditada ao Código do IVA pelo artigo 4.º da Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, que procedeu à alteração das normas fiscais ambientais nos sectores da energia e emissões, transportes, água, resíduos, ordenamento do território, florestas e biodiversidade, introduzindo ainda um regime de tributação dos sacos de plástico e um regime de incentivo ao abate de veículos em fim de vida, no quadro de uma reforma da fiscalidade ambiental.      

O diploma legal a que alude a alínea f) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA é a Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho, alterada pelo artigo 24.º da citada Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, cujo artigo 1.º, n.º 4, determina que para as viaturas ligeiras de passageiros ou mistas adquiridas nos períodos de tributação que se iniciem em 1 de janeiro de 2015 ou após essa data, o montante a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC passa a ser de: “(…); b) € 50 000 relativamente a veículos híbridos plug-in”.     

Atendendo à ligação que aqui é estabelecida com o custo de aquisição a relevar contabilisticamente para efeitos das depreciações e amortizações em sede de IRC, importa ter em consideração o Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, que estabelece o regime daquelas, particularmente o respetivo artigo 2.º, cujo n.º 2 determina o seguinte “O custo de aquisição de um elemento do ativo é o respetivo preço de compra, acrescido: a) Dos gastos acessórios suportados até à sua entrada em funcionamento ou utilização; b) Das benfeitorias necessárias ou úteis realizadas, de acordo com a normalização contabilística aplicável.”; o n.º 4 do mesmo artigo 2.º preceitua o seguinte: “No custo de aquisição ou de produção inclui-se o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) que, nos termos legais, não for dedutível, designadamente em consequência de exclusão do direito à dedução, não sendo, porém, esses custos influenciados por eventuais regularizações ou liquidações efetuadas em períodos de tributação posteriores ao da entrada em funcionamento ou utilização.”. Tendo em conta esta última norma legal e uma vez que o IVA é dedutível por força da alínea f) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA, temos que os limites estabelecidos na Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho, para este efeito, são considerados com exclusão do IVA.  

Ainda no âmbito deste roteiro normativo, afigura-se pertinente convocar a Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 7, cujo objetivo é o de prescrever o tratamento contabilístico para ativos fixos tangíveis. O respetivo §6 define como ativos fixos tangíveis “os que: a) Sejam detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros ou para fins administrativos; e b) Se espera que sejam usados durante mais do que um período.” e como custo “a quantia de caixa ou seus equivalentes paga ou o justo valor de outra retribuição dada para adquirir um ativo no momento da sua aquisição ou construção ou, quando aplicável, a quantia atribuída a esse ativo aquando do reconhecimento inicial de acordo com os requisitos específicos de outras NCRF.”; por seu turno, o respetivo §17 estatui o seguinte: “O custo de um item do ativo fixo tangível compreende: a) O seu preço de compra, incluindo os direitos de importação e os impostos de compra não reembolsáveis, após dedução dos descontos e abatimentos; b) quaisquer custos diretamente atribuíveis para colocar o ativo na localização e condição necessárias para o mesmo ser capaz de funcionar da forma pretendida; c) a estimativa inicial dos custos de desmantelamento e remoção do item e de restauração do local no qual este está localizado, em cuja obrigação uma entidade incorre seja quando o item é adquirido seja como consequência de ter usado o item durante um determinado período para finalidades diferentes da produção de inventários durante esse período.”    

Findo este périplo normativo e antes de avançarmos para a apreciação do caso concreto à luz das citadas normas legais, importa sublinhar que o direito à dedução constitui um alicerce central do sistema comum do IVA e visa libertar os sujeitos passivos do encargo do imposto no âmbito das suas atividades económicas, de modo a garantir a neutralidade fiscal quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as mesmas estarem sujeitas ao IVA (cf. acórdão Gabalfrisa e O., C-110/98 a C-147/98, de 21 de março de 2000 e acórdão Rochus Geissel, C-374/16 e C-375/16, de 15 de novembro de 2017, ambos do TJUE). 

Mais, esse direito à dedução não pode, em princípio, ser limitado, ressalvadas as exceções previstas na Diretiva IVA, com parcial correspondência no artigo 21.º do Código do IVA, e é exercido relativamente à totalidade do imposto que incidiu sobre as operações efetuadas a montante, sendo reconhecido “mesmo na falta de uma relação direta e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo.” (cf. acórdão Cibo, C-16/00, de 27 de setembro de 2001 e acórdão SKF, C-29/08, de 29 de outubro de 2009, ambos do TJUE).

Acresce referir que as “disposições que prevêem derrogações ao princípio do direito à dedução do IVA, que garante a neutralidade deste imposto, são de interpretação restrita” (cf. acórdão Metropol e Stadler, C-409/99, de 8 de janeiro de 2002, do TJUE).        

 

§3. O caso concreto: subsunção normativa

14. Volvendo ao caso sub judice e tendo em vista aquilatar a (i)legalidade das liquidações adicionais de IVA controvertidas, importa então determinar se a fatura n.º 6273, datada de 08.10.2019, no valor de € 233,00, acrescido de IVA, à taxa legal em vigor – cifrando-se, assim, no montante total de € 286,59 (cf. documento n.º 16 anexo ao PPA) –, integra o valor de aquisição da viatura ligeira de passageiros híbrida plug-in, da marca..., modelo ..., com a matrícula ..., adquirida pela Requerente e, nessa medida, o custo total de aquisição desta viatura ascende ao montante de € 50.224,87 (€ 49.991,87 + € 233,00), IVA não incluído; ou se, pelo contrário, o custo de aquisição do referido veículo automóvel se cifra no valor de € 49.991,87, IVA não incluído, como consta da fatura n.º Z61400549, datada de 07.10.2019, no montante total de € 61.490,00, IVA incluído (cf. documento n.º 10 anexo ao PPA).  

 

Apreciando e decidindo.      

 

15. A Requerente adquiriu o veículo automóvel em apreço no dia 07.10.2019, pelo valor de € 49.991,87, acrescido de IVA, à taxa legal em vigor, para fins empresariais, concretamente para utilização pelo seu gerente, C..., tendo sido contabilizado como ativo fixo tangível da Requerente (cf. factos provados b) e e)); há que salientar que esta factualidade, designadamente no que tange à consideração da dita viatura como um ativo fixo tangível, não é objeto de qualquer controvérsia entre as partes.

No dia seguinte, 08.10.2019, a Requerente adquiriu os seguintes equipamentos para serem colocados na sobredita viatura automóvel: tapetes do habitáculo em plástico moldado...; proteção solar das portas (kit de duas proteções); e proteção de impacto (cf. facto provado f)). Como resultou provado: “Os tapetes em plástico moldado visam proteger a alcatifa e os tapetes originais do habitáculo do automóvel, nos casos de utilizações mais intensas, designadamente profissionais, podendo ser retirados do veículo e colocados noutros veículos” (cf. facto provado g)); “As cortinas de proteção solar visam proteger o habitáculo do veículo e os seus ocupantes dos efeitos nefastos da luz solar direta, sendo amovíveis e podendo ser colocadas noutros veículos” (cf. facto provado h)); “A proteção de impacto é uma capa protetora que é colocada nas costas dos bancos dianteiros do veículo, visando proteger o respetivo revestimento de danos causados por ocupantes que viajem nos bancos traseiros da viatura, designadamente crianças, podendo ser retirada do veículo e colocada noutros veículos” (cf. facto provado i)).

A aquisição destes equipamentos deu origem à emissão da aludida fatura n.º 6273, com o seguinte descritivo: “Valor referente a Acessórios – Matrícula ...: Tapetes do habitáculo em plástico Moldado ... Proteção solar, Portas (kit de duas proteções) Proteção de Impacto” (cf. facto provado j)).

Como foi afirmado pela testemunha E... e resultou provado, estamos perante equipamentos que podem ser adquiridos em qualquer loja de comércio de produtos e artigos para automóveis (cf. facto provado k)). Ademais, são equipamentos que consabidamente podem ser adquiridos e instalados em veículos automóveis, em qualquer altura da respetiva vida útil, podendo, igualmente, ser utilizados apenas em determinadas alturas (por exemplo, apenas nos meses de Verão, no respeitante às cortinas de proteção solar, ou nos meses de Inverno, quanto aos tapetes em plástico) e até mesmo desinstalados, uma vez que todos eles são amovíveis. 

Nesta sequência e tendo em vista melhor enquadrar os referenciados equipamentos, assume particular relevo divisar o que é que, na indústria e no comércio automóvel, se considera “extras” e “acessórios” dos veículos automóveis; ora, consoante resultou do depoimento da testemunha E... e, dessa forma, ficou provado, “são considerados “extras” dos veículos determinados equipamentos/componentes pretendidos pelos clientes, aquando da decisão de compra, que são incorporados nos veículos durante o respetivo processo de fabrico, ou seja, ainda na linha de produção e que, em geral, são deles inseparáveis e condicionam o respetivo funcionamento” (cf. facto provado l)); e “são considerados “acessórios” dos veículos determinados equipamentos pretendidos pelos clientes, aquando da decisão de compra ou, posteriormente, já no decurso da utilização dos veículos, sendo amovíveis e não condicionando o funcionamento dos veículos” (cf. facto provado m)). Assente que está esta distinção, afigura-se-nos evidente que os aludidos equipamentos adquiridos pela Requerente, elencados na mencionada fatura n.º 6273, devem ser qualificados como “acessórios” do sobredito veículo automóvel. São, pois, equipamentos que não têm qualquer interferência no funcionamento e na utilização daquele veículo automóvel, tendo em conta o fim a que este se destina e que é similar ao da generalidade dos seus congéneres, ou seja, transportar pessoas e bens por via terrestre.

Nesta conformidade, contrariamente ao propugnado pela Requerida, constitui nosso entendimento que o valor do preço pago por tais equipamentos – € 233,00 (duzentos e trinta e três euros), IVA não incluído – não integra, nem deve ser acrescido ao preço de compra da referenciada viatura automóvel de que a Requerente é proprietária e, como tal, não deve ser considerado como parte integrante do respetivo custo de aquisição. Com efeito, não estamos perante quaisquer gastos acessórios incorridos até à entrada em funcionamento ou utilização daquela viatura, nem perante custos diretamente atribuíveis para colocar a viatura na condição necessária para ser capaz de funcionar da forma pretendida; isto mesmo resulta absolutamente evidenciado por um raciocínio tão simples e linear quanto este: a Requerente poderia ter adquirido aqueles equipamentos em momento muito posterior àquele em que o fez ou poderia até nunca os ter adquirido e, em qualquer um desses casos, é manifesto que sempre teria, como efetivamente tem, aquela viatura a funcionar da forma pretendida e apta a ser normalmente utilizada para o fim a que se destina. 

Destarte, o custo de aquisição da viatura ligeira de passageiros plug in, marca ..., modelo ..., com a matrícula ..., adquirido pela Requerente é o valor constante da mencionada fatura n.º Z61400549, datada de 07.10.2019, ou seja, € 49.991,87 (quarenta e nove mil novecentos e noventa e um euros e oitenta e sete cêntimos), IVA não incluído; porquanto, foi este o valor efetivamente pago pela Requerente para adquirir essa viatura automóvel nas condições necessárias para que funcione da forma pretendida, aqui se integrando os designados “extras” que possa ter e que são, como vimos, equipamentos/componentes instalados na viatura, no decurso da respetivo processo de fabrico, ou seja, ainda na linha de produção e que, em geral, são dela inseparáveis e condicionam o respetivo funcionamento.    

Por consequência, o custo de aquisição da predita viatura automóvel não excede o valor legalmente fixado pelo artigo 21.º, n.º 2, alínea f), do Código do IVA e pelo artigo 1.º, n.º 4, alínea b), da Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho – € 50.000,00 (cinquenta mil euros) –, para que exista o direito à dedução do IVA atinente às [d]espesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação e à transformação em viaturas elétricas ou híbridas plug-in, de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas elétricas ou híbridas plug-in, quando consideradas viaturas de turismo”; tem, por isso, a Requerente direito a deduzir o IVA suportado na aquisição do veículo automóvel em apreço, no valor de € 11.498,13 (onze mil quatrocentos e noventa e oito euros e treze cêntimos).      

 

16. Nestes termos, procede o vício de violação de lei invocado pela Requerente, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 21.º, n.º 2, alínea f), do Código do IVA, no artigo 1.º, n.º 4, alínea b), da Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho, no artigo 2.º, n.º 2, do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro e no parágrafo 17 da NCRF 7, relativamente à correção efetuada pela AT por “dedução indevida de IVA em outubro de 2019 no montante de 11.498,13”; consequentemente, os atos de liquidação adicional de IVA controvertidos são inválidos e devem, por isso, ser anulados (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).

 

§3. A ilegalidade das liquidações de juros compensatórios

17. O artigo 35.º, n.º 1, da LGT estatui que [s]ão devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.

Na situação sub judice, concluiu-se que os atos de liquidação adicional de IVA controvertidos são inválidos por vício de violação de lei, gerador de anulabilidade. 

Atento o pressuposto subjacente às liquidações de juros compensatórios controvertidas, estas enfermam de idêntico vício invalidante e, por consequência, devem ser anuladas.

 

18. Atenta a procedência da peticionada declaração de ilegalidade destes atos tributários, por vício que impede a renovação dos mesmos, nos termos em que foram praticados, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento dos restantes vícios invocados pela Requerente (cf. artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

§4. O reembolso dos montantes de imposto e de juros compensatórios pagos pela Requerente, acrescidos de juros indemnizatórios

19. O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre o pedido de condenação da AT no reembolso dos montantes de imposto e de juros compensatórios pagos pela Requerente, acrescidos de juros indemnizatórios. 

O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária». 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estatuir que é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Ora, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

 

Cumpre, então, apreciar e decidir.

 

20. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios controvertidos, há lugar ao reembolso das prestações tributárias indevidamente suportadas pela Requerente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se aqueles atos tributários não tivessem sido praticados nos termos em que foram.

Destarte, procede o pedido de reembolso à Requerente dos montantes por esta indevidamente suportados a título de imposto e de juros compensatórios, cujo somatório ascende ao valor global de € 12.241,45 (doze mil duzentos e quarenta e um euros e quarenta e cinco cêntimos) (cf. facto provado q)).

 

21. Para além do reembolso deste valor global de imposto e de juros compensatórios que indevidamente suportou, tem ainda a Requerente direito a juros indemnizatórios, pois, como estatui o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Com efeito, resulta do acima exposto que a invalidade das liquidações adicionais de IVA e das liquidações de juros compensatórios controvertidas é imputável à AT por ter incorrido em vício de violação de lei, gerador de anulabilidade.

No caso concreto, tais juros indemnizatórios são calculados, à taxa legal supletiva (cf. artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e a Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril), desde a data em que foram efetuados os pagamentos indevidos de imposto e de juros compensatórios – 27.08.2021 (cf. facto provado q)) –, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (cf. artigo 61.º do CPPT).

*

22. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou cuja apreciação seria inútil (cf. artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). 

 

IV. Decisão

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

a)    Declarar ilegal e anular:

(i)            As liquidações adicionais de IVA n.ºs 2021 ..., 2021 ... e 2021 ..., com as legais consequências;    

(ii)           As liquidações de juros compensatórios n.ºs 2021 ..., 2021 ... e 2021..., com as legais consequências;    

(iii)         As demonstrações de acertos de contas n.ºs 2021 ..., 2021 ..., 2021 ..., 2021..., 2021 ... e 2021 ..., com as legais consequências;   

b)    Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente o montante de € 12.241,45 (doze mil duzentos e quarenta e um euros e quarenta e cinco cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima enunciados, com as legais consequências;

c)    Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas processuais.

 

V. Valor do Processo

Atento o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 12.241,45 (doze mil duzentos e quarenta e um euros e quarenta e cinco cêntimos).

 

VI. Custas

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 918,00 (novecentos e dezoito euros)cujo pagamento fica a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

*

Notifique.

 

Lisboa, 7 de julho de 2022.

 

O Árbitro,

 

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)