DECISÃO ARBITRAL
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 190/2014 – T
Tema: IUC
I – RELATÓRIO
A. – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., a seguir designada por Requerente, pessoa colectiva nº…, com sede …, veio requerer em 26 de Fevereiro de 2014 a constituição do tribunal arbitral singular em matéria tributária, ao abrigo do prescrito nos art. 2º, nº 1, alínea a) do Decreto – Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem Tributária -RJAT) e nos arts. 1º, alínea a) e 2º da Portaria nº 112 – A/2011, de 22 de Março, com a finalidade de ser dirimido o litígio que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, que doravante será designada por Requerida.
B. – CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL
1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerente e à Autoridade Tributária e Aduaneira em 28/02/2014, tendo o Presidente do respectivo Conselho Deontológico designado o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto no art. 6º, nº 1, do RJAT, encargo este que foi aceite, nos termos legalmente estabelecidos.
2. Em 15/04/2014, as Partes foram notificadas dessa designação, nos termos das disposições combinadas do art. 11º, nº 1, alínea b) do RJAT, nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.
3. Nestas circunstâncias, o Tribunal foi constituído em 05/05/2014, nos termos do preceituado na alínea c), do nº 1, do art. 11º do Decreto – Lei nº 10/2011, o que foi notificado às Partes nessa data.
C. – PRETENSÃO
A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade e a consequente anulação de Imposto Único de Circulação, no valor de 4.079,33 euros, nos termos descritos no Pedido de Pronúncia Arbitral, e, em consequência.
Determine a restituição do imposto que foi pago pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios.
D. – TRAMITAÇÃO DO PROCESSO
Após a comunicação da data da constituição do Tribunal Arbitral, em 05/05/2014, seguiram-se os posteriores termos processuais na forma seguinte:
- Em 05/05/2014 – Foi notificada a Requerida para, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 17º do RJAT, apresentar resposta no prazo de 30 dias e, querendo, solicitar produção de prova adicional e remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo, por via electrónica.
- Em 05/06/2014 – A Requerida apresentou Resposta ao Pedido de Pronúncia Arbitral, remeteu despacho de designação dos juristas representantes da Requerida e inseriu na “Plataforma” on line do CAAD o processo administrativo, tendo sido, de tudo, notificada a Requerente.
- Em 16/06/2014 – O Tribunal designou o dia 23/06/2014 para a reunião prevista no art. 18º do RJAT, o que foi notificado às Partes.
- Em 23/06/2014 – Realizou-se a reunião prevista no art. 18º do RJAT, de que resultou, o seguinte:
- As Partes, ouvidas para o efeito, declararam não invocar qualquer excepção
susceptível de ser apreciada e decidida antes do conhecimento do pedido.
- As Partes declaram prescindir da produção adicional de prova e das alegações
orais.
- Marcação da data da prolação da decisão para 22/09/2014.
- Em 24/06/2014, o Tribunal Arbitral proferiu um despacho, a fim de ser notificado o Dr. … para juntar aos autos a procuração forense, que protestara juntar no Pedido de Pronúncia Arbitral, com ratificação do processado, tendo sido executado o despacho em 04/09/2014.
- Em 22/09/2014 – Prolação da decisão.
E. – PRETENSÃO DA REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS
A fundamentar o Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente, alegou, em síntese, o seguinte:
- A Requerente é uma instituição financeira de crédito sujeita à supervisão do Banco de Portugal, que prossegue a sua actividade no ramo do financiamento automóvel, designadamente sob a modalidade de concessão de empréstimos para a aquisição dos veículos ou da celebração de contratos de locação financeira.
- No dia 2 de Setembro de 2013, a Requerente recebeu várias notificações para audição prévia relacionadas com o IUC liquidado sobre veículos afectos à actividade supra mencionada.
- Em resposta, no dia 26 de Setembro de 2013, a Requerente exerceu, por escrito, os respectivos direitos de audição prévia.
- A Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à emissão de liquidações oficiosas de IUC, das quais fazem parte as liquidações que conduziram à apresentação do presente requerimento, que a Requerente discriminou do seguinte modo:
- Relativamente à viatura com a matrícula …, liquidação oficiosa referente aos anos de 2010, 2011 e 2012.
- Relativamente à viatura com a matrícula …, liquidação oficiosa referente aos anos de 2010, 2011 e 2012.
- Relativamente à viatura com a matrícula …, liquidação oficiosa referente aos anos de 2009, 2010 e 2011.
- Relativamente à viatura com a matrícula … liquidação oficiosa referente aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012.
- A Requerente pagou todas as importâncias correspondentes, que foram liquidadas pela Autoridade Tributária.
- A Requerente detalhou os seguintes factos relativos às viaturas sobre as quais incidiram as referidas liquidações.
- A viatura com a matrícula … foi objecto de um contrato de locação financeira entre a Requerente e um cliente (B, NIF …) tendo a sua vigência iniciado em 12/06/2009 e estando a cessação prevista para 01/06/2016.
- A viatura com a matrícula … foi objecto de um contrato de locação financeira entre a Requerente e um cliente (C, NIF … tendo a sua vigência iniciado em 13/07/2004 e cessado a 01/07/2010, momento este em que a viatura foi vendida pela Requerente e a propriedade correspondentemente transmitida nesse mesmo dia, a favor da anterior locatária.
- A viatura com a matrícula … foi objecto de um contrato de locação financeira entre a Requerente e um cliente (D, Unipessoal, Lda., NIF …) tendo a sua vigência iniciado em 17/07/2008 e tendo sido a cessação prevista para 21/04/2011. Todavia, antes do termo do mês de Junho de 2011, e na sequência de incumprimento das obrigações contratuais por parte do cliente da Requerente, esta viu-se obrigada a pôr termo à relação contratual de locação financeira, a qual foi resolvida antecipadamente (face ao tempo contratualmente previsto) sem que, contudo, o locatário tenha procedido à restituição do bem ao locador.
- A viatura com a matrícula … foi vendida pela Requerente em 30/11/2006 a favor de E, S.A., NIF ..., tendo a Requerente deixado de ser proprietária da viatura a partir desse momento.
- Alega a Requerente não ser o sujeito passivo de IUC relativo às matrículas em questão em nenhum dos anos sobre os quais incidiram as liquidações oficiosas agora objecto de pedido de pronúncia arbitral.
- Pelo que, os actos tributários de liquidação do IUC em crise enfermam de erro sobre os pressupostos do (alegado) facto tributário, o que consubstancia um vício de violação de lei, por força do artigo 99º, alínea a) do Código do Procedimento e do Processo Tributário, ex vi da alínea c) do nº 2 do artigo 10º do RJAT, susceptível de ser arguido para fundamentar a anulação dos actos tributários de liquidação de IUC na presente sede.
- Relativamente aos actos referentes a viaturas com contrato de leasing vigente à data do facto gerador, alega a Requerente que:
- Todas estas situações reconduzem-se à mesma causa de pedir, i.e., o facto de o veículo associado à liquidação ter sido objecto de um contrato de leasing que se encontrava em vigor à data em que se gerou o facto tributável e a correspondente exigibilidade.
- E que, da aplicação conjugada dos nºs 1 e 2 do art. 3º do CIUC resulta, que o IUC se vence numa base anual, sendo que, embora por norma o respectivo sujeito passivo seja o proprietário, caso o veículo tenha sido objecto de leasing, o sujeito passivo deverá ser o locatário financeiro.
- Por outro lado, o proprietário de um veículo cedido em leasing não pode ser responsável subsidiário pelo pagamento do IUC em caso de incumprimento do locatário financeiro: não é essa a solução prevista no art. 3º, nº 2 do Código do IUC, e a mesma violaria o princípio da equivalência subjacente a esse imposto, nos termos do qual se procura “onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.
- Segundo a Requerente, sempre que os veículos são vendidos em leasing, verifica-se uma verdadeira transmissão da propriedade económica do veículo, sendo a propriedade jurídica do mesmo preservada pela instituição de crédito financiadora com uma mera função de garantia, e sendo, em conformidade, o veículo exclusivamente detido pelo locatário financeiro, que suporta os respectivos custos (incluindo seguro), assume a obrigação de reclamar quaisquer defeitos junto do fornecedor, e corre o risco da sua perda ou deterioração (Cfr. arts. 10º a 15º do DL nº 149/95, de 24 de Junho).
- Aliás precisamente por o locatário financeiro ser o exclusivo detentor do veículo, o Código da Estrada o qualifica como “titular do documento de identificação do veículo” para efeitos de responsabilização por infracções que respeitem às condições de admissão do veículo ao trânsito (e.g. falta de inspecção), e é ele o responsável único pelo pagamento das portagens e pelas coimas e despesas decorrentes da omissão desse pagamento (Cfr. arts. 118º e 135º do Código da Estrada e art. 10º da Lei nº 25/2006, de 30 de Junho).
- Pelo que, segundo a Requerente, o sujeito passivo de imposto era exclusivamente o locatário financeiro, e não a Requerente.
- Relativamente aos actos referentes a viaturas cuja propriedade foi transmitida previamente ao facto gerador, alega a Requerente que:
- Estas situações partilham a causa de pedir que se constitui no facto de o veículo associado à liquidação ter sido vendido pela Requerente anteriormente à data de vencimento do IUC.
- De acordo com o art. 6º, nº 3 do Código do IUC, o imposto considera-se exigível ao proprietário (ou outros detentores do veículo equiparáveis) no primeiro dia do período de tributação do veículo, o qual, de acordo com o art. 4º, nº 2 do mesmo Código, tem lugar na data em que a matrícula é atribuída.
- Desse modo, nos termos desse preceito, resulta que na data de vencimento do imposto, a Requerente já não era proprietária dos veículos em questão, pelo que o sujeito passivo deverá ser o novo proprietário de cada veículo, ou outro detentor equiparável nos termos do art. 3º, nº 2 do Código do IUC, que só este último estará em condições de identificar.
- E que tal ocorreu com o veículo com a matrícula …, que foi vendido, relativamente ao ano de 2011, antes do facto gerador e exigibilidade do imposto correspondente, e com o veículo com a matrícula …, que foi vendido, relativamente ao ano de 2009, antes do facto gerador e exigibilidade do imposto em causa.
- Reconhece que a propriedade destes veículos não terá sido inscrita no registo automóvel a favor do novo proprietário, alegando que a Requerente, à luz do regime jurídico actualmente em vigor, não pode remediar, na medida em que só o adquirente do veículo, munido do respectivo certificado de matrícula, tem legitimidade para requerer tal inscrição.
- Mas, segundo a Requerente, mesmo que não tenha sido dada publicidade às transmissões da propriedade sobre os veículos através do registo automóvel, tal não obsta a que o IUC incida sobre os reais proprietários do veículo, uma vez demonstrada pela Requerente a respectiva transmissão.
- Em sua opinião, embora o art. 3º, nº 1 do Código do IUC preveja que “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas (…) em nome dos quais os mesmos se encontrem registados”, a expressão “considerando-se” deve ser entendida como uma presunção legal ilidível, mediante prova em contrário por parte do transmitente do veículo, para o que o presente requerimento se afigura idóneo.
- Estando, a possibilidade de ilisão das presunções expressamente consagrada no art. 73º da Lei Geral Tributária, nos termos do qual as “presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”.
- Segundo a Requerente, quaisquer argumentos de natureza hermenêutica com vista a apor um sentido diferente à expressão “considerando-se” conduziriam necessariamente a uma interpretação do art. 3º, nº 1 do Código do IUC incompatível com o princípio da capacidade contributiva vertido na Constituição da República Portuguesa.
- Com efeito, tendo em conta que o IUC obedece ao “princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam” (art. 1º do Código do IUC), uma intervenção segundo a qual a expressão “considerando-se” constitui uma presunção inilidível de propriedade com base no registo, chocaria frontalmente com aquele princípio, por possibilitar que o novo proprietário, e consequente causador do “custo ambiental e viário” inerente, ficasse dispensado do pagamento do IUC, continuando a ser onerado o proprietário que o vendeu, e relativamente ao qual o mencionado “pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto” deixou de se verificar. Isto, sem descurar o princípio da verdade material que sobre a Autoridade Tributária impende, mais ainda, tendo-se verificado a prestação de informações pelo contribuinte em sede de audição prévia que permitiriam afastar as presunções eventualmente exercidas pela Autoridade Tributária com base no registo.
- Conclui a Requerente afirmando que, à luz do artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, tendo sido o veículo em causa vendido pela Requerente previamente à verificação do facto gerador e consequente exigibilidade do imposto, este deve incidir subjectivamente sobre os novos proprietários dos veículos.
- Relativamente ao acto referente à viatura não restituída após resolução antecipada da locação financeira, alega a Requerente que:
- A causa de pedir associada a esta situação funda-se no facto de o veículo associado à liquidação não estar na disposição da Requerente à data de vencimento do IUC.
- Esta viatura encontrava-se cedida em locação financeira a um cliente da Requerente.
- Todavia, na sequência de incumprimento das obrigações contratuais por parte do cliente da Requerente, a Requerente pôs termo à relação contratual de locação financeira, a qual foi resolvida antecipadamente (face ao tempo contratualmente previsto) sem que, contudo o locatário tenha procedido à restituição do bem ao locador a que estava obrigado.
- Neste contexto, a Requerente recorreu ao expediente previsto no artigo 21º do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho (Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira), o qual pressupõe o cancelamento prévio do registo da locação financeira.
- Segundo a Requerente, a não restituição do bem pelo locatário ao locador tem como consequência que o primeiro continue a usufruir da viatura, sem que a Requerente possa, por qualquer forma, gozar ou dispor da mesma.
- Na prática, haverá um prolongamento forçado da relação contratual de locação financeira por omissão do locatário, não obstante o registo da locação ter sido cancelado.
- No contrato celebrado, foi estipulado pelas partes o pagamento pelo locatário, durante o período em que persista a não restituição do bem, de um montante definido com base no valor agravado das rendas.
- Entende a Requerente que, apesar de ter sido dada publicidade ao cancelamento do registo da locação financeira, tal não resulta em a Requerente se tornar o sujeito passivo do imposto.
- Em seu entender, o registo, ainda que fazendo operar uma presunção legal, não constitui necessariamente um pressuposto de tributação.
- Sempre que os veículos são cedidos em leasing, verifica-se uma verdadeira transmissão da propriedade económica do veículo, sendo a propriedade jurídica do mesmo preservada pela instituição de crédito financiadora com uma mera função de garantia.
- No caso em apreço, assiste-se à situação de o locatário manter na sua esfera, por força da não restituição do bem, todas as prerrogativas a que o habilitava a relação contratual de locação financeira, não obstante o registo do leasing ter sido cancelado, pelo que deve ser-lhe imputado como detentor do veículo/locatário, em linha com o seu comportamento demonstrado, o imposto que pretende liquidar, face ao princípio fundador do IUC referido logo no art. 1º do CIUC, tendo em conta que o IUC obedece ao “princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam”.
- Concluindo, alega a Requerente que o “pressuposto económico selecionado para objecto do imposto” não se verifica relativamente a si, pelo que não deve ser considerado que o sujeito passivo de imposto no período em questão é a Requerente, mas sim o detentor do veículo/locatário.
F. – RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua Resposta, na qual, em síntese, alegou o seguinte:
- Não infirma os actos tributários de liquidação de IUC identificados no Pedido de Pronúncia Arbitral, tendo por objecto os veículos com as matrículas …, …, … e … .
- Impugna a alegada ilegitimidade da Requerente como sujeito passivo do IUC, nas situações em apreço, porquanto, no seu entender:
- A Requerente faz uma leitura enviesada da letra da lei, dado que o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que os sujeitos passivos do IUC são os proprietários, ou os que se encontram nas situações indicadas no nº 2 do art. 3º do CIUC, considerando-os como tal as pessoas em cujo nome se encontram os veículos registados, razão pela qual não foi utilizada neste dispositivo legal a expressão “presumem-se”, mas sim “considerando-se”.
- O normativo fiscal está repleto de previsões análogas à consagrada na parte final do nº 1 do artigo 3º, em que o legislador fiscal, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, expressa e intencionalmente, consagra o que deve considerar-se legalmente, para efeitos de incidência, de rendimento, de isenção, de determinação e de periodização do lucro tributável, para efeitos de residência, de localização, entre muitos outros, como, por exemplo, nos artigos 2º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), 2º, 3º e 4º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) e 4º, 17º, 18º e 20º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC).
- Conclui, afirmando que a interpretação feita pela Requerente de que o legislador consagrou no art. 3º, nº 1 uma presunção é uma interpretação contra legem.
- Alega, ainda, a Requerida que aquela interpretação não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime que impõe a obrigatoriedade do registo automóvel, de modo a evitar que a Autoridade Tributária caia em absoluta incerteza relativamente ao sujeito passivo do IUC, colocando até em risco o decurso do prazo de caducidade, razão pela qual o legislador quis intencional e expressamente que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, para os mencionados efeitos tributários, as pessoas em nome das quais os veículos se encontram registados.
- Alega, também, a Requerida que a mencionada interpretação da Requerente ignora o elemento teleológico da interpretação da lei: a ratio do regime consagrado não só no dispositivo legal em apreço, mas também em todo o CIUC.
- Considera a Requerida que o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública. Isto é, o Imposto Único de Circulação passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos.
- Resulta tal conclusão do teor dos debates parlamentares em torno da aprovação do Decreto-Lei nº 20/2008, de 31 de Janeiro, da Recomendação nº 6-B/2012 do Provedor de Justiça e do espírito do CIUC que, tendo sido motivado, no essencial, por uma preocupação ambiental a sua “ratio” é a de tributar os utilizadores dos veículos, os quais, por força da respectiva utilização provocam um custo ambiental.
- Alega, ainda, que a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição.
- Pois, o sempre propalado princípio da capacidade contributiva não é o único nem o principal princípio fundamental que enforma o sistema fiscal.
- Ao lado deste princípio encontramos outros com a mesma dignidade constitucional, como sejam o princípio da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade.
- Impondo-se por isso que na tarefa interpretativa do artigo 3.º do CIUC o princípio da capacidade contributiva seja articulado, ou se se preferir temperado, com aqueloutros princípios.
- A interpretação proposta pela Requerente, uma interpretação que no fundo desvaloriza a realidade registal em detrimento de uma “realidade informal” e insusceptível de um controlo mínimo por parte da Requerida, é ofensiva do basilar princípio da confiança e segurança jurídica que deve enformar qualquer relação jurídica, aqui se incluindo a relação tributária.
- Paralelamente, a interpretação dada pela Requerente é ofensiva do princípio da eficiência do sistema tributário, na medida em que se traduz num entorpecimento e encarecimento das competências atribuídas à Requerida, com óbvio prejuízo para os interesses do Estado Português, de que quer a Requerente quer a Requerida fazem parte.
- A posição defendida pela Requerente é um entendimento que está nas antípodas daquele princípio e da própria reforma da tributação automóvel na medida em que, ao pretender desconsiderar a realidade registal, uma realidade que constitui a pedra angular na qual assenta todo o edifício do IUC, gera para a Requerida, e em última instância para o Estado Português, custos administrativos adicionais, entorpecimento do desempenho dos seus serviços, ausência de controlo do tributo e inutilidade dos sistemas de informação registal.
- Finalmente, a argumentação veiculada pela Requerente representa uma violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que o desconsidera totalmente no confronto com o princípio da capacidade contributiva, quando na realidade a Requerente dispõe dos mecanismos legais necessários e adequados à salvaguarda daquela sua capacidade (v.g., o registo automóvel), sem que, contudo, os tenha exercitado em devido tempo.
- Acresce que a Requerente teria que fazer prova idónea dos factos constitutivos do direito que alega em juízo arbitral, o que, segundo a Requerida, não ocorre, por a prova apresentada pela Requerente não ser por si só, bastante para efectuar prova concludente da transmissão dos veículos em causa.
- Assim, relativamente à viatura …, apresenta cópias das facturas/recibos de vendas, as quais, na óptica da Requerida não constituem documento idóneo para comprovar a venda dos veículos em causa, uma vez que a mesma não é mais do que um documento unilateralmente emitido pela Requerente.
- Segundo a Requerida, as facturas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois aquele documento não revela por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte do pretenso adquirente.
- Não faltando casos de emissão de facturas referentes a transmissão de bens e/ou de prestações de serviços que nunca chegaram a concretizar-se.
- Segundo a Requerida, uma factura unilateralmente emitida pela Requerente não pode substituir o Requerimento de Registo Automóvel, que é um documento aprovado por modelo oficial.
- Assim sendo, a Requerida conclui que os actos tributários em crise não enfermam do alegado erro sobre os pressupostos de facto, na medida em que à luz do disposto no artigo 3º, nºs 1 e 2 do CIUC e do artigo 6º do mesmo código, era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC.
- Também relativamente aos contratos de locação financeira, diz a Requerida que a Requerente não demonstrou sequer ter dado cumprimento à obrigação acessória imposta pelo artigo 19º do CIUC.
- Importando recordar que a aplicação do artigo 3º do CIUC deve ser conjugada com o disposto no artigo 19º do mesmo Código, no qual se estabelece que “para efeitos do artigo 3º do presente código (…), ficam as entidades que procedam à locação financeira, locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação dos utilizadores dos veículos locados.”
- Conclui que, a seguir-se a propugnada tese defendida pela Requerente quanto ao artigo 3º/2 do CIUC, então forçoso é concluir que o funcionamento daquele artigo depende igualmente do cumprimento do estatuído no artigo 19º do CIUC, conforme se retira do seu elemento literal (“para efeitos do artigo 3º do presente código (…)”).
- Alega ainda a Requerida que, em matéria de locação financeira e para efeitos do funcionamento do artigo 3º/2 do CIUC, forçoso é que os locadores (como a Requerente) cumpram a obrigação ínsita no artigo 19º daquele Código para se exonerarem da obrigação de pagamento do imposto e a Requerente não fez prova do cumprimento desta obrigação.
- Em matéria de locação financeira a Requerente só se poderia exonerar do imposto caso tivesse dado cumprimento à obrigação específica prevista naquela norma do CIUC.
- Sendo responsável pelas custas arbitrais relativas ao presente pedido de pronúncia arbitral, dado que a falta do fornecimento dos dados deu inexoravelmente azo à emissão das liquidações sub judice.
- Quanto à responsabilidade pelo pagamento dos custos arbitrais, se o IUC é liquidado de acordo com a informação registal oportunamente transmitida pelo Instituto dos Registos e Notariado, e não de acordo com informação gerada pela própria Requerida, e se a Requerente não observou o dever de comunicação consignado no art. 19º do CIUC, nem procedeu oportunamente à sua actualização no Registo Automóvel, a Requerida não é responsável por esse pagamento.
- Aplicando-se o mesmo raciocínio relativamente ao pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, não estando reunidos os pressupostos legais que conferem direito a serem peticionados.
- À luz dos artigos 43º da LGT e 61º do CPPT, o direito a juros indemnizatórios depende da verificação dos seguintes pressupostos: Estar pago o imposto, ter a respectiva liquidação sido anulada, total ou parcialmente, em processo gracioso ou judicial, determinação, em processo gracioso ou judicial, que a anulação se funda em erro imputável aos serviços, o que não ocorreria no caso, uma vez que os actos tributários em crise são válidos e legais, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários, razão pela qual não ocorreu qualquer erro imputável aos serviços.
G. – QUESTÕES A DECIDIR
Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados, são as seguintes questões que cabe apreciar e decidir:
1.– Questões Principais:
1.1- Interpretação do nº 1 do art. 3º CIUC, de forma a ser determinado se a norma de incidência subjectiva nela inscrita, consagra, ou não, uma presunção legal de incidência tributária, susceptível de ilisão, isto é, admite, ou não, que o contribuinte, em nome do qual se encontre o veículo registado na Conservatória do Registo Automóvel, possa demonstrar, através de meios de prova em Direito permitidos, que não é, no período a que o imposto respeita, o seu proprietário, ou quem dele dispõe, afastando, assim, a presunção de sujeito subjectivo do imposto que sobre ele recai.
1.2 - Interpretação do art. 3º do CIUC, de forma a ser determinado se a norma de incidência subjectiva nela inscrita, admite, ou não, a sujeição do locatário ao pagamento do IUC, na vigência do contrato de locação.
1.3 – Interpretação do art. 3º do CIUC, de forma a ser determinado se a norma de incidência subjectiva nela inscrita, admite, ou não, a sujeição de quem foi locatário e não restituiu o veículo ao locador ao pagamento do IUC depois da resolução do contrato de locação.
2 – Juros indemnizatórios – Existência, ou não, do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do art. 43º da LGT, no caso de serem anuladas as liquidações e determinado o reembolso da importância peticionada, que teria sido indevidamente paga.
3 – Responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.
H. – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
1. O Tribunal Arbitral está regularmente constituído e é material competente, de acordo com o disposto na alínea a), do nº 1, do art. 2º do RJAT (Decreto – Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro).
2. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos arts. 4º e 10º, nº 2 do RJAT e art. 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março.
3. Considerada a identidade do facto tributado, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o Tribunal admite a cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade dos actos tributários que são objecto deste processo, uma vez que estão cumpridos os requisitos estabelecidos no art. 3º, nº 1 do RJAT.
4. O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.
I. – MATÉRIA DE FACTO
I. 1 – FACTOS PROVADOS
Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provado os seguintes factos:
1 - A Requerente é uma instituição financeira de crédito sujeita à supervisão do Banco de Portugal, que prossegue a sua actividade no ramo do financiamento automóvel, designadamente sob a modalidade de concessão de empréstimos para a aquisição dos veículos ou da celebração de contratos de locação financeira.
2 - No dia 2 de Setembro de 2013, a Requerente recebeu várias notificações para audição prévia relacionadas com o IUC liquidado sobre veículos afectos à actividade supra mencionada.
3 - Em resposta, no dia 26 de Setembro de 2013, a Requerente exerceu, por escrito, os respectivos direitos de audição prévia.
4 - A Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à emissão das seguintes liquidações oficiosas de IUC, que constam do processo:
5 - Relativamente à viatura com a matrícula …, liquidação oficiosa de IUC referente aos anos de 2010, 2011 e 2012.
6 - Relativamente à viatura com a matrícula …, liquidação oficiosa de IUC referente aos anos de 2010, 2011 e 2012.
7 - Relativamente à viatura com a matrícula …, liquidação oficiosa de IUC referente aos anos de 2009, 2010 e 2011.
8 - Relativamente à viatura com a matrícula …, liquidação oficiosa de IUC referente aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012.
9 - A Requerente pagou todas as importâncias correspondentes, que foram liquidadas pela Autoridade Tributária.
10 - A viatura com a matrícula … foi objecto de um contrato de locação financeira entre a Requerente e um cliente (B, NIF …) com início em 12/06/2009, estando a sua cessação prevista para 01/06/2016.
11 – A viatura com a matrícula … foi objecto de um contrato de locação financeira entre a Requerente e um cliente (C, NIF …) com início em 13/07/2004 e que cessou em 01/07/2010, data em que a viatura foi vendida pela Requerente à locatária.
12 - A viatura com a matrícula … foi objecto de um contrato de locação financeira entre a Requerente e um cliente (D, Unipessoal, Lda., NIF …) com início em 17/07/2008 e estando a cessação prevista para 21/04/2011.
13 – A Requerente em data indeterminada, nos finais do mês de Junho de 2011, e na sequência de incumprimento das obrigações contratuais por parte do cliente da Requerente, pôs termo à relação contratual de locação financeira relativa à viatura …, cuja data de matrícula é 27/06/2008, através de resolução antecipada, não tendo o locatário procedido à restituição da viatura à Requerente.
14 – Após a resolução deste contrato, o ex-locatário continuou a usufruir da viatura … , tendo a Requerente cancelado o registo de locação.
15 – Por sentença junta aos autos, proferida em 11/07/2011 no Procedimento Cautelar nº …, deduzido pela Requerente, e que correu os seus termos na 3ª Vara, 3ª Secção, do Tribunal da Comarca de Lisboa, foi ordenada a apreensão do veículo … e a sua entrega à Requerente, entrega esta que teve lugar em 16/09/2011.
16 – A viatura com a matrícula … foi vendida pela Requerente em 30/11/2006 à sociedade E, S.A., NIF … , tendo a Requerente deixado de ser proprietária da mesma a partir desse momento.
17 – Em 26 de Fevereiro de 2014, a Requerente apresentou o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem aos presentes autos.
I. 2 – FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles, e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.
Relativamente à factura/recibo referente ao veículo com a matrícula … , o Tribunal decidiu que a mesma constitui meio de prova com força bastante para titular a transmissão da propriedade do mesmo, por gozar da presunção de veracidade estabelecida no art. 75º, nº 1 da LGT e com base nos restantes fundamentos que constam da Decisão
I. 3 – FACTOS NÃO PROVADOS
A Requerente não fez prova de ter dado cumprimento à obrigação imposta pelo disposto no art. 19º do CIUC, relativamente aos contratos de locação financeira sub judice.
J. – MATÉRIA DE DIREITO
Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida, à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.
Quanto à primeira questão a decidir, a Requerente alega que não era proprietária dos veículos que identifica à data em que ocorreram os factos tributários que originaram as liquidações de IUC, e, consequentemente, não era sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado.
A Requerida Autoridade Tributária assume uma posição oposta relativamente a esta questão da incidência subjectiva do IUC, defendendo que, nos termos do art. 3º, nº 1 do CIUC, é sujeito passivo do IUC a pessoa em nome da qual o veículo se encontre registado na Conservatória do Registo Automóvel, facto este que ocorria com a Requerente, no período em causa.
O art. 3º, nº 1 do CIUC dispõe relativamente a esta matéria controvertida, o seguinte:
“Art. 3º - Incidência subjectiva
1. São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares e colectivas, de direito público ou privado, em nome dos quais os mesmos se encontrem registados
------------------------------------------------------------------------------------------“
Das posições assumidas pelas Partes no presente processo, resulta claro que no fundo esta primeira questão se resume a saber se a norma de incidência subjectiva acima transcrita, constante do nº 1 do art. 3º do CIUC, estabelece uma presunção legal, susceptível de ilisão, como pretende a Requerente ou, expressa e intencionalmente, considera as pessoas em nome de quem os veículos estão registados como proprietários para efeito de incidência subjectiva do IUC, como entende a Requerida.
As orientações arrogadas pela Requerente e pela Requerida quanto a esta matéria e a sua fundamentação estão expostas em síntese, ou com parcial transcrição, em E. e F. do Relatório desta Decisão.
Cumpre, então, decidir:
Um ponto preliminar para se apreciar a questão do valor jurídico do registo automóvel.
O nº 1 do art. 1º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, que disciplina o registo de veículos automóveis, dispõe que o registo de veículos “tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos… tendo em vista a segurança do comércio jurídico”.
Por seu lado, estabelece o art. 7º do Código do Registo Predial, aplicável ao registo automóvel por força do disposto no art. 29º do referido Decreto-Lei nº 54/75, que “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo define”.
Verifica-se, assim, que o registo definitivo é tão-só uma presunção da existência do direito, que admite prova em contrário, constituindo, portanto, presunção ilidível, conforme, aliás, tem sido reconhecido na jurisprudência.
Dado que não existe neste Código qualquer disposição que exija o registo como condição de validade dos contratos, conclui-se que, para se adquirir a qualidade de proprietário de um veículo, basta figurar como comprador num contrato de compra e venda.
Relativamente ao teor da norma em apreço – art. 3º, nº 1 do CIUC -, há que dizer que, conforme reconhecido unanimemente e se encontra consagrado no art. 11º da LGT, as leis fiscais devem ser interpretadas de acordo com os princípios gerais de interpretação, avultando, assim, para o efeito, o preceito fundamental de interpretação que é o art. 9º do Código Civil, o qual fornece as regras e os elementos para a interpretação das normas.
Significa isto que se devem utilizar os instrumentos tradicionais de hermenêutica jurídica, com vista a ser determinado o pensamento legislativo, de acordo com o disposto no art. 9º do Código Civil.
Nesta conformidade, comecemos a interpretação do art. 3º, nº 1 do CIUC, pelo elemento literal, aquele em que se visa detectar o pensamento legislativo que se encontra objectivado na norma, para se verificar se a mesma contempla uma presunção, ou se determina, em definitivo, que o sujeito passivo do imposto é o proprietário que figura no registo.
A questão que se coloca é saber se a expressão “considerando-se” utilizada pelo legislador no CIUC, em vez da expressão “presumindo-se”, que era a que constava nos diplomas que antecederam o CIUC, terá retirado a natureza de presunção ao dispositivo legal em apreço.
A nosso ver, a resposta tem necessariamente de ser negativa, uma vez que, da análise do nosso ordenamento jurídico, se retira de forma clara que as duas expressões têm sido utilizadas pelo legislador com sentido equivalente, seja ao nível de presunções ilidíveis, seja no quadro das presunções inilidíveis, pelo que nada habilita a extrair a conclusão pretendida pela Autoridade Tributária por uma mera razão semântica.
Na verdade, assim acontece em variadas normas legais que consagram presunções utilizando o verbo considerar, de que se indicam, meramente a título de exemplo, as seguintes:
No âmbito do direito civil - o nº 3 do art. 243º do Código Civil, quando estabelece que “considera-se sempre de má-fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo da acção de simulação, quando a este haja lugar”; também no âmbito do direito da propriedade industrial o mesmo se passa, quando o art. 59º, nº 1 do Código da Propriedade Industrial dispõe que “As invenções cuja patente tenha sido pedida durante o ano seguinte à data em que o inventor deixar a empresa, consideram-se feitas durante a execução do contrato de trabalho”; e, também, no âmbito do direito tributário, quando os nºs 3 e 4 do art. 89-A da LGT dispõem que incumbe ao contribuinte o ónus da prova que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que, não sendo feita essa prova, presume-se (“considera-se” na letra da Lei) que os rendimentos são os que resultam da tabela que consta no nº 4 do referido artigo;
Esta conclusão de haver total equivalência de significados entre as duas expressões, que o legislador utiliza indiferentemente, satisfaz a condição estabelecida no art. 9º, nº 2 do Código Civil, uma vez que se encontra assegurado o mínimo de correspondência verbal para efeitos da determinação do pensamento legislativo.
Importa, de seguida, submeter a norma em apreço aos demais elementos de interpretação lógica, designadamente, o elemento histórico, o racional ou teleológico e o de ordem sistemática.
Através da análise do elemento histórico, extrai-se a conclusão que, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei 59/72, de 30 de Dezembro, o primeiro a regular esta matéria, até ao Decreto-Lei nº 116/94, de 3 de Maio, o último a anteceder o CIUC, foi consagrada a presunção dos sujeitos passivos do IUC serem as pessoas em nome das quais os veículos se encontravam matriculados à data da sua liquidação.
Verifica-se, portanto, que a lei fiscal teve, desde sempre, o objectivo de tributar o verdadeiro e efectivo proprietário e utilizador do veículo, afigurando-se indiferente a utilização de uma ou outra expressão que, como vimos, têm na nossa ordem jurídica um sentido coincidente.
O mesmo se diga quando nos socorremos dos elementos de interpretação de natureza racional ou teleológica.
Com efeito, o actual e novo quadro da tributação automóvel consagra princípios que visam sujeitar os proprietários dos veículos a suportarem os prejuízos por danos viários e ambientais causados por estes, como se alcança do teor do art. 1º do CIUC.
Ora a consideração destes princípios, designadamente, o princípio da equivalência, que merecem tutela constitucional e consagração no direito comunitário, e são também reconhecidos em outros ramos do ordenamento jurídico, determina que os aludidos custos sejam suportados pelos reais proprietários, os causadores dos referidos danos, o que afasta, de todo, uma interpretação que visasse impedir os presumíveis proprietários de fazer prova de que já não o são por a propriedade estar na esfera jurídica de outrem.
Esta interpretação tem assento no disposto no nº 1, do art. 9º do Código Civil, que preceitua que a busca do pensamento legislativo deverá ter sobretudo em conta “a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.
Assim, também, da interpretação efectuada à luz dos elementos de natureza racional e teleológica, atento aquilo que a racionalidade do sistema garante e os fins visados pelo novo CIUC, resulta claro que o nº 1 do art. 3º do CIUC consagra uma presunção legal ilidível.
Em face do exposto, importa concluir que a ratio legis do imposto aponta no sentido de serem tributados os efectivos proprietários-utilizadores dos veículos pelo que a expressão “considerando-se” está usada no normativo em apreço num sentido semelhante a “presumindo-se”, razão pela qual dúvidas não há que está consagrada uma presunção legal.
Ora, estabelece o art. 73º da LGT que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, pelo que são ilidíveis”.
Assim sendo, consagrando o art. 3º, nº 1 do CIUC uma presunção juris tantum, portanto, ilidível, a pessoa que está inscrita no registo como proprietária do veículo e que, por essa razão foi considerada pela Autoridade Tributária como sujeito passivo do imposto, pode apresentar elementos de prova visando demonstrar que o titular da propriedade é outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida.
Analisados os elementos carreados para o processo pela Requerente, extrai-se a conclusão que esta não era proprietária dos veículos a que respeitam as liquidações em apreço, por, entretanto, já ter transferido a propriedade dos mesmos, nos termos da lei civil.
Esta transmissão de propriedade é oponível à Requerida Autoridade Tributária, porquanto, embora os factos sujeitos a registo só produzam efeitos contra terceiros quando registados, face ao disposto no art. 5º, nº 1 do Código do Registo Predial, a Autoridade Tributária não é terceiro para efeitos de registo, uma vez que não se encontra na situação prevista no nº 2 do referido art. 5º da CRP, isto é, não adquiriu de um autor comum direitos incompatíveis entre si.
Relativamente à questão suscitada pela Requerida sobre a idoneidade probatória da factura /recibo relativo à viatura …, posta em causa pela Requerida em termos genéricos, o Tribunal não tem dúvidas em aceitá-la como meio de prova da transmissão da propriedade do veículo, pelas razões seguintes:
Na situação dos autos, estamos perante um contrato de compra e venda de coisas móveis, o qual, por aplicação do disposto no art. 219º do CC, não está sujeito a nenhum formalismo especial.
Embora se reconheça que a titulação destes contratos, por terem por objecto veículos automóveis, em que o registo é obrigatório, beneficia com a emissão de declaração de venda, que é necessária para a inscrição no registo, isso não impede que o contrato seja provado de outra forma, pois esta declaração não constitui o único e exclusivo meio de prova da venda.
Para o caso, reveste especial importância o facto de, uma vez que a Requerente tem natureza empresarial, a factura/recibo, que foi junta aos autos pela Requerente, está subordinada a rigorosas regras legais de ordem contabilística e fiscal, com implicações, também, na cobrança de outros tributos.
Na verdade, a legislação tributária atribui-lhe uma relevância muito especial, que não pode deixar de lhe conferir credibilidade probatória, e que se encontra bem expressa no disposto nos seguintes normativos legais que, a título de exemplo, se citam: arts. 29º, nº 1, alínea b) e 19º, nº 2 do CIVA e arts. 23º, nº 6 e 123º, nº 2 do CIRC.
Ora, desde que essa factura/recibo tenha sido emitida de acordo com a legislação comercial e fiscal, questão que a Requerida não suscita, e o que não põe em causa, a mesma goza da presunção de veracidade, que lhe é atribuída pelo art. 75º, nº 1 da LGT.
Caberia à Requerida apresentar e demonstrar indícios concretos e fundamentados de que a operação titulada pela mencionada factura/recibo não correspondia à realidade, face ao disposto no nº 2 do art. 75º da LGT, o que não ocorreu.
Nesta conformidade, atenta a relevância muito especial que a legislação tributária atribui à facturação na situação vertente e a que esta goza da presunção de veracidade, que lhe é concedida pelo disposto no art. 75º, nº 1 da LGT, concluímos que constitui meio de prova suficiente para ilidir a presunção que decorre do art. 3º, nº 1 do CIUC, uma vez que comprova que a Requerente não era proprietária do veículo ao tempo a que diz respeito a liquidação do IUC.
Nestas circunstâncias, as liquidações relativas a esta primeira situação, em que houve transmissão da propriedade dos veículos, devem ser anuladas e, consequentemente restituído à Requerente pela Autoridade Tributária o imposto que indevidamente lhe foi cobrado.
No Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente alega também que, à data em que ocorreram os factos tributários que originaram as liquidações de IUC, era locadora dos veículos que identifica em causa, uma vez que os mesmos tinham sido objecto de contratos de locação financeira, que estavam em vigor e, consequentemente, não era sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado, constituindo esta a segunda questão a decidir.
A Requerida Autoridade Tributária assume uma posição oposta relativamente a esta questão da incidência subjectiva do IUC, defendendo que:
Nos termos do art. 3º, nº 1 do CIUC, é sujeito passivo do IUC a pessoa em nome da qual o veículo se encontre registado na Conservatória do Registo Automóvel, facto este que ocorria com a Requerente, no período em causa.
E, ainda que, mesmo que assim não se entenda, a aplicação do disposto no nº 2 do art. 3º do CIUC, que faz equivaler os locatários financeiros aos proprietários para efeitos de sujeição ao IUC, depende do cumprimento do estatuído no art. 19º do CIUC.
Estabelece o art. 3º do CIUC, sob a epígrafe “Incidência subjectiva”, no seu número 1: São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares e colectivas, de direito público ou privado, em nome dos quais os mesmos se encontrem registados.
Por seu turno, dispõe o número 2 do mesmo preceito: São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção por força do contrato de locação.
Das posições assumidas pelas Partes no presente processo, resulta claro que, no fundo, a questão se resume a saber se na data da ocorrência do facto gerador do IUC vigorar um contrato de locação financeira, tendo por objecto um automóvel, o sujeito passivo do IUC é o locador, seu proprietário, ou, por força do disposto no nº 2 do art. 3º do CIUC, é o locatário, mesmo no caso de não ter sido cumprida a obrigação imposta pelo art. 19º do CIUC, isto é, de o locador-proprietário não ter fornecido à Administração Tributária a identificação fiscal do locatário.
As orientações arrogadas pela Requerente e pela Requerida quanto a esta matéria e a sua fundamentação estão expostas, também, em síntese, ou com parcial transcrição, em E. e F. do Relatório desta Decisão.
Cumpre, então, decidir quanto a esta questão:
Para uma correcta e rigorosa interpretação dos normativos em apreço, torna-se necessário indagar sobre os princípios informadores dos institutos disciplinados pelos mesmos.
Quanto ao IUC, convém referir que, actualmente, o seu princípio estruturante é o princípio da equivalência, na sua acepção de compensação pelos efeitos nefastos nas áreas ambientais e energéticas provocados pela circulação dos veículos automóveis.
Quer isto dizer que o legislador, quando disciplinou o IUC, teve em conta os custos viários e ambientais que a circulação rodoviária provoca, e que isto se encontra subjacente a este imposto.
Com efeito, o actual e novo quadro da tributação automóvel consagra este princípio, visando sujeitar os proprietários dos veículos, em princípio, seus utilizadores, a suportarem os custos decorrentes dos prejuízos por danos viários e ambientais causados por estes, como se alcança do teor do art. 1º do CIUC.
Deste modo, a sua incidência deverá ser sobre quem utiliza o veículo automóvel, isto é, quem provoca os referidos danos, o que afasta de todo, uma interpretação que visasse impedir a tributação de outros, que não, os que usufruem do gozo dos veículos automóveis.
Como regra, o legislador atribuiu essa situação ao proprietário, o que se compreende por ser essa a mais comum, em que o proprietário é simultaneamente o utilizador do veículo.
No entanto, verificando-se as situações a que alude o nº 2, do art. 3º, do CIUC, em que o proprietário, embora mantenha essa qualidade, cede o gozo exclusivo do veículo a um terceiro, a lei equiparou essa situação à do proprietário, para efeitos de incidência subjectiva do IUC, por ser este o potencial “poluidor”
Tal é o que ocorre na vigência dos contratos de locação financeira em que, embora o locador se mantenha proprietário do bem locado, é o locatário quem tem o gozo exclusivo do mesmo, utilizando-o exactamente nos mesmos termos em que o proprietário o utilizaria, caso não tivesse sido celebrado o referido contrato.
Com efeito, do Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira (aprovado pelo Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Julho, com alterações posteriores), decorre, designadamente das disposições combinadas dos arts. 9º e 10º, que o uso do veículo locado é atribuído de modo exclusivo ao locatário, com vista a dele usar e fruir, como se do proprietário se tratasse.
Nesta conformidade, dúvidas não há que decorre da letra do art. 3º do CIUC, designadamente do seu nº 2, e também da sua ratio, que é o locatário quem é responsável pelo pagamento do IUC, dado que se encontra equiparado ao proprietário por ter o uso exclusivo do veículo automóvel e, por essa razão, provocar os danos ambientais e rodoviários que o imposto pretende compensar.
Resulta dos autos que a Requerente não terá dado cumprimento ao disposto no art. 19º do CIUC, que estabelece que: Para efeitos do disposto no artigo 3º do presente código, bem como no nº1 do artigo 3º da lei da respectiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados.
Com efeito, os locadores, nos termos deste preceito, estão sujeitos à obrigação de fornecer à AT, os elementos relativos à identidade fiscal dos utilizadores dos veículos locados, para os efeitos do disposto no art. 3º do CIUC.
Tal não significa, porém, que a incidência subjectiva do IUC, prescrita nos termos já referidos no art. 3º, nº 2 do CIUC, dependa de tal comunicação.
Na verdade, é este preceito (art. 3º do CIUC) que estabelece as regras de incidência subjectiva do IUC, revestindo a obrigatoriedade da comunicação da identificação fiscal do locatário (art. 19º do CIUC) uma natureza meramente complementar e acessória.
Na verdade, se na data da ocorrência do facto gerador do imposto vigorar um contrato de locação financeira, tendo por objecto um veículo automóvel, o sujeito passivo do imposto é o locatário, independentemente de ter sido comunicada a sua identificação fiscal à AT.
Não colhe, portanto, a argumentação da Requerida, no sentido de que o proprietário só se desonera da sua obrigação de pagar o IUC, nas situações em que vigoram contratos de locação financeira, se proceder à comunicação a que alude o referido art. 19º.
Com efeito, o disposto no art. 3º, nº 2 do CIUC é bem claro relativamente à incidência subjectiva do IUC, na vigência de contratos de locação financeira, sujeitando o locatário a essa obrigação, quando o equipara ao proprietário para este efeito.
Assim sendo, não atribuindo a lei essa obrigação ao proprietário-locador, não haverá lugar a nenhuma desoneração por parte deste, com a comunicação prevista no referido art. 19º do CIUC, pela razão simples de nunca ter estado sujeito ao pagamento do imposto.
A incidência subjectiva do IUC está estabelecida, em todos os seus elementos, no art. 3º do CIUC, e será através da aplicação deste normativo que será apurado o sujeito passivo, não relevando para efeitos da incidência do imposto a falta de cumprimento da mencionada obrigação acessória.
Nesta conformidade, estamos em condições de concluir que, verificando-se, como ficou provado, que, nas datas da ocorrência dos factos geradores do IUC a que respeitam as liquidações em apreço, estavam em vigor contratos de locação financeira, eram os locatários os sujeitos passivos do mesmo.
Razão pela qual, as mencionadas liquidações devem ser anuladas e, consequentemente restituído à Requerente pela Autoridade Tributária o imposto que indevidamente lhe foi cobrado.
O mesmo se diga relativamente à situação jurídica em que se encontrava a viatura com a matrícula …, ao tempo a que corresponde a liquidação oficiosa do IUC, relativa ao ano de 2011, sobre a qual a Requerida não se pronuncia.
Com efeito, está provado nos autos que a Requerente, apesar do registo da locação ter sido cancelado, não usufruía da viatura aquando do vencimento do IUC correspondente ao ano de 2011, pois esta só lhe foi restituída, em execução de sentença judicial, no dia 16/09/2011, isto é já depois de se ter vencido o IUC correspondente a esse ano, o que ocorreu no aniversário da matrícula, isto é, em 27/06/2011.
Assim sendo, valem aqui as considerações atrás aduzidas, designadamente, a referência aos princípios informadores do IUC, com especial relevo o seu princípio estruturante, consagrado no art. 1º do CIUC, que é o princípio da equivalência.
Na verdade, resulta claro dos autos que o sujeito passivo do IUC, deverá ser quem utiliza o veículo automóvel, isto é, quem provoca os danos viários e ambientais, mormente na situação em apreço em que o cancelamento do registo da locação financeira ocorreu como pressuposto do recurso ao instrumento previsto no art. 21º do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho (Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira), que a Requerente utilizou na falta de cumprimento das obrigações contratuais.
Quanto aos juros indemnizatórios, esta matéria está regulada no art. 24º do RJAT, o qual expressamente determina no seu nº 1, alínea b) que a decisão arbitral obriga a administração tributária, nos casos aí consignados, a “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias, para o efeito”, e preceitua, ainda, no seu nº 5, que “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Também o art. 100º da LGT, cuja aplicação é autorizada pelo disposto no art. 29º, nº 1, alínea a) do RJAT, preceitua de modo idêntico, no sentido da imediata reconstituição da legalidade, compreendendo a mesma o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso.
Por seu lado, o art. 43º, nº 1 da LGT condiciona o direito a juros indemnizatórios aos casos em que “houve erro imputável aos serviços de que resulta pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Nesta conformidade, coloca-se a questão de, face ao teor do disposto no art. 3º, nºs 1 e 2 do CIUC, se poder considerar ter havido, ou não, um erro imputável aos serviços na situação vertente.
Analisada a situação, verifica-se que a Autoridade Tributária ao liquidar o IUC nos termos em que o fez, deu cumprimento ao ditame legal estabelecido no referido normativo, uma vez que esta atribui a qualidade de proprietário, para os referidos efeitos, ao contribuinte em nome do qual se encontra registado o veículo na Conservatória do Registo Automóvel, sem necessidade de efectuar qualquer prova.
Só após o reconhecimento por este tribunal arbitral que o dispositivo em apreço tem a natureza de presunção juris tantum, é que a Requerente está em condições de ilidir a referida presunção, o que veio a fazer e a provar, deixando a partir de agora de ser sujeito passivo da obrigação tributária em análise, o mesmo se dizendo relativamente à situação de locação financeira, uma vez que o locador-proprietário não terá dado cumprimento ao disposto no art. 19º do CIUC.
Razão pela qual se conclui pela inexistência de erro imputável aos serviços, pois a Autoridade Tributária tinha o direito de liquidar o imposto na forma em que o fez, dado que estaria no desconhecimento das transmissões da propriedade dos veículos, ou da existência de contratos de locação financeira, que lhe não terão sido comunicados, designadamente para efeitos de identificação dos locatários, conforme exige o art. 19º do CIUC.
Quanto à responsabilidade pelas custas arbitrais, alega a Requerida que não é responsável pelo seu pagamento, por desconhecer a identificação fiscal dos locatários, em consequência da Requerente não ter dado cumprimento ao disposto no art. 19º do CIUC, razão pela qual procedeu às liquidações do imposto com os elementos de que dispunha, não podendo ser responsabilizada por o que apelida de “falta de zelo” da Requerente.
Não pode proceder, porém, este argumento, porquanto a lei é taxativa na imputação da responsabilidade pelo pagamento das custas à parte que for condenada, face ao disposto nos nºs 1 e 2, do art. 527 do Código do Processo Civil, aplicável por força do art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.
Assim sendo, a responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais é da Requerida.
L. – DECISÃO
Atento o exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente, com fundamento em vício de violação de lei, o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IUC, relativamente a todos os veículos cujas matrículas estão identificadas nos autos, respeitantes aos anos aí referidos, e, em consequência,
b) Anular os actos tributários de liquidação correspondentes.
c) Julgar improcedente o pedido do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da Requerente.
d) Condenar a Requerida a pagar as custas do presente processo (art. 527º, nºs. 1 e 2 do Código do Processo Civil, ex vi art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).
Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC (ex. 315º, nº 2) e 97º - A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 4.079,33 euros.
Custas: De harmonia com o nº 4 do art. 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em 612,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 22 de Setembro de 2014
O Árbitro
José Nunes Barata