SUMÁRIO:
A fundamentação dos actos administrativos e tributários a posteriori não é legalmente consentida, não podendo a Administração fiscal em sede de decisão de reclamação graciosa alterar os fundamentos de um acto de liquidação adicional de imposto que teve origem numa inspeção tributária, e cuja fundamentação resulta, por isso, do correspondente relatório de inspeção.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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No dia 22 de Fevereiro de 2021, a MASSA INSOLVENTE DE A... S.A., NIPC ..., com sede no ..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado “RJAT”), visando a declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (adiante “IVA”) n.º 2018..., no valor de € 976.149,25, e da correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no montante de € 76.566,41, bem como da decisão de indeferimento proferida no âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa n.º ...2020..., que teve aqueles actos de liquidação como objecto.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:
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Considerando o disposto no artigo 26.º, n.º 3, do Código do IVA, a regularização do IVA suportado pela SOCIEDADE A... nunca se poderia considerar devida no segundo trimestre do ano de 2016 (momento em a cessação de actividade foi formalmente registada no cadastro tributário), mas sim no último trimestre de 2011 (momento em que a cessação de actividade ocorreu efectivamente), razão pela qual: (a) a regularização foi mal imputada temporalmente; e (b) o direito a liquidar imposto já havia caducado há muito quando a Administração Tributária emitiu os actos tributários aqui contestados (Agosto de 2018) e os notificou (Novembro de 2019);
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Tal como interpretado pela Administração Tributária, o regime plasmado no artigo 26.º, n.º 3, do Código do IVA é contrário ao direito da União Europeia e não pode ser aplicado à situação aqui em apreço porque, como decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (adiante “Tribunal de Justiça” ou “TJUE”): (a) as regularizações a favor do Estado não podem ser exigidas se a não utilização dos bens/serviços decorrer de eventos estranhos aos sujeitos passivos; e (b) o regime de direito da União Europeia só autoriza os Estados-membros a exigirem a regularização integral em caso de transmissão dos bens;
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O apuramento do imposto a regularizar foi incorrectamente feito, porque o artigo 26.º, n.º 3, do Código do IVA só determina a obrigação de corrigir o imposto relacionado com os imóveis e não todo o imposto deduzido pelos sujeitos passivos que cessam a sua actividade;
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A liquidação de juros compensatórios aqui em causa também é ilegal, porque não estão demonstrados (nem se verificam) o pressuposto objectivo e o pressuposto subjectivo da sua emissão.
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No dia 23-02-2021, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente procedeu à indicação de árbitro, tendo indicado a Exm.º Sr. Prof. Doutor Leonardo Marques dos Santos, nos termos do artigo 11.º n.º 2 do RJAT. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, a Requerida indicou como árbitro o Exm.º Sr. Dr. António de Barros Lima Guerreiro.
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Os árbitros indicados pelas partes foram nomeados e aceitaram os respectivos encargos.
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Na sequência do requerimento apresentado pelos árbitros designados pelas partes, foi designado árbitro-presidente o ora relator, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro e do artigo 5.º do Regulamento de Selecção e de Designação de Árbitros em Matéria Tributária, que, no prazo aplicável, também aceitou o encargo.
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Em 01-07-2021, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 20-07-2021.
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No dia 30-09-2021, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
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No dia 18-03-2022, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pela Requerente, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições processuais.
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Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir:
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente é uma sociedade anónima que foi constituída em maio de 2005 para levar a cabo a operação de reabilitação urbana e a subsequente exploração hoteleira do B..., um edifício histórico sito na freguesia de ..., concelho da ... .
2- O referido B... havia sido adquirido pelo MUNICÍPIO DA ... em 1999, com o propósito inicial de promover a respectiva reabilitação e exploração cultural.
3- Alguns anos mais tarde, o MUNICÍPIO DA ... resolveu alterar o seu propósito inicial e promover a adaptação do B... a unidade hoteleira.
4- O MUNICÍPIO ... decidiu:
i. Transferir o B... para a C..., E.E.M., pessoa colectiva n.º ...(adiante abreviadamente designada “C...”) – a empresa municipal responsável pela valorização do património histórico e pela promoção do turismo na ...;
ii. Obrigar-se a suportar materialmente os encargos relativos à reabilitação do imóvel, através da entrega de um conjunto de comparticipações financeiras à C..., no valor global de € 7.350.300,00;
iii. Autorizar a C... a constituir a Requerente – veículo especial para concretizar o projecto de reabilitação do imóvel e assegurar a sua subsequente exploração, com a participação de sócios de natureza privada e experiência na gestão hoteleira; e
iv. Autorizar a C... a celebrar com a A... um contrato de reabilitação e exploração turística, transferindo para esta última os direitos e os meios necessários à concretização do projecto.
5- A Requerente foi constituída, agregando: (i) a C... (e por via desta, o MUNICÍPIO DA...), proprietária do imóvel e interessada na sua reabilitação; e (ii) um grupo de sócios privados com vocação hoteleira, interessados na futura exploração do B... .
6- Os accionistas iniciais da nova sociedade foram, além da C..., detentora de 5.000 acções, a “D..., S.A.”, detentora de 4.997 acções , e três accionistas pessoas singulares, cada uma com só acção, sendo o valor de cada acção € 5,00 .
7- A 02/06/2006, os accionistas pessoas singulares venderam as suas participações à sociedade “E..., S.A.”, à qual ficaria a caber a futura gestão hoteleira do B..., uma vez concluída a respectiva reabilitação
8- A 12/06/2006, a “E..., S.A.” adquiriu a totalidade da participação detida no capital da “A...” por “D..., S.A.”.
9- A Requerente celebrou com a C... o referido contrato de reabilitação e exploração turística, mediante o qual esta última lhe cedeu a posse do imóvel, o direito a explorar a futura unidade hoteleira e os seus créditos da sobre o MUNICÍPIO DA ... .
10- Assente esta estrutura contratual, a Requerente iniciou a sua actividade e adquiriu bens e serviços necessários à reabilitação do imóvel, com a intenção de o explorar comercialmente assim que a obra estivesse terminada.
11- Entre 2005 e 2011, a Requerente suportou, com o projecto de reabilitação do imóvel, gastos sujeitos a IVA no valor global de € 4.239.616,00 sobre os quais incidiu imposto no montante global de € 914.154,61.
12- Considerando o seu objecto social e a intenção de explorar o imóvel através de uma actividade sujeita a IVA, a Requerente deduziu – nos termos previstos na lei – todo o imposto suportado com a aquisição dos referidos bens e serviços, no mencionado montante global de € 914.154,61, e foi reembolsada de parte desse imposto, no valor total de € 448.996,49.
13- No decurso do ano de 2011, o MUNICÍPIO DA ... abandonou materialmente o projeto de reabilitação do B..., deixando a Requerente sem capacidade para terminar a obra e iniciar a exploração hoteleira.
14- No Verão de 2011, a obra foi suspensa por falta de mão-de-obra e de materiais e, no final de Outubro desse mesmo ano, ocorreu a demissão do responsável pela coordenação e fiscalização da obra, justificada pela ausência de qualquer resposta por parte do MUNICÍPIO DA ... aos pedidos de regularização da situação financeira e de indicações sobre as medidas a adoptar.
15- Nessa mesma altura, todos os membros do Conselho de Administração da Requerente renunciaram aos seus cargos, sem serem substituídos por novos administradores.
16- No último trimestre de 2011, a Requerente deixou definitivamente de ter qualquer actividade económica activa ou passiva.
17- A partir desse momento, a contabilidade da empresa registou apenas (e apenas até 2013) gastos muito reduzidos anteriormente contratados, como os honorários da própria contabilidade.
18- No que toca aos elementos declarativos, a SOCIEDADE A... não procedeu à submissão das declarações periódicas modelo 22 de IRC a partir de 2011, e não procedeu à entrega de declarações de IVA desde 2014/09, sendo que as declarações relativas aos anos de 2011 a 2013 incluem apenas as referidas despesas registadas na contabilidade (e com a própria contabilidade) e as relativas a 2014 foram apresentadas sem valores.
19- A Requerente foi declarada insolvente por sentença proferida em 11 de Fevereiro de 2016, no âmbito do processo n.º .../16...T8BCR, a correr termos no Juiz 1 do Juízo de Comércio de Coimbra do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra.
20- A partir daquele momento, a gestão patrimonial e a representação da MASSA INSOLVENTE passaram a ser exercidas pelo Administrador de Insolvência nomeado no processo.
21- Em Dezembro de 2019, Juízo de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra condenou o MUNICÍPIO DA ... a indemnizar a MASSA INSOLVENTE pelos danos resultantes do incumprimento contratual e do consequente abandono da reabilitação do B... no âmbito do processo n.º .../16...T8CRB-E.
22- Na Sentença daquele processo (confirmada por Acórdão proferido em 4 de Maio de 2020 pelo Tribunal da Relação de Coimbra), o Tribunal referiu que:
“Por outras palavras, o Réu (ainda que através da C...) não observou os comandos contratuais que emergiam do conjunto de contratos que celebraram com vista à concretização do projeto de reabilitação do B..., não só os relativos às obrigações pecuniárias, mas também os deveres acessórios que se impunham naquela quadro contratual.
Essa inobservância corresponde ao desvalor atribuído pela ordem jurídica à atuação do agente (…), isto é, corresponde à sua culpa”.
23- A Administração Tributária só procedeu ao registo formal da cessação de actividade da Requerente no dia 4 de Abril de 2016, após a comunicação de encerramento do estabelecimento que o Tribunal da Comarca de Coimbra fez nos termos previstos no artigo 65.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
24- Na sequência de uma exposição apresentada pelo Contabilista Certificado contratado pela MASSA INSOLVENTE), a Administração Tributária iniciou uma acção inspectiva destinada especificamente a avaliar o cumprimento das obrigações da SOCIEDADE A... em sede de IVA nos anos de 2014, 2015 e 2016.
25- No Relatório de Inspecção Tributária emitido no âmbito daquela acção inspectiva, a Administração Tributária concluiu que a SOCIEDADE A... devia ter regularizado a favor do Estado, na declaração relativa ao segundo trimestre de 2016, o valor total de € 1.011.000,29, correspondente a todo o IVA dedutível registado pela empresa na conta 24322 (IVA dedutível/imobilizado) entre os anos de 2005 e 2013 (€ 1.034.916,88) menos os valores que já haviam sido voluntariamente regularizados pela empresa (€ 23.916,59).
26- Naquele Relatório de Inspecção, a Administração Tributária entendeu que:
i. “[H]á que ter em consideração o disposto no art.º 26º do CIVA, no seu n.º 1, que estipula que «A não utilização em fins da empresa de bens imóveis relativamente aos quais houve dedução do imposto durante 1 ou mais anos civis completos após o início do período de 19 anos referido no n.º 2 do artigo 24.º dá lugar à regularização anual de 1/20 da dedução efetuada, que deve constar da declaração do último período do ano a que respeita»”;
ii. Como o imóvel não chegou a ser utilizado em fins da empresa, “seria necessário regularizar 1/20 da dedução efetuada a partir de um ano civil completo após o ano de ocupação do bem, definido no n.º 2 do art.º 24.º do CIVA”;
iii. Mas, como “[n]o caso em concreto, o imóvel não chegou a ser ocupado, as obras não foram concluídas e a fase de exploração do imóvel não chegou a iniciar-se (…) o período de regularização de 19 anos não chegou a ter início”; e
iv. “O n.º 3 do art.º 26º do CIVA estabelece que no caso de cessação da atividade durante o período de regularização, esta é efetuada nos termos do n.º 5 do artigo 24.º, ou seja, de uma só vez, pelo período ainda não decorrido”.
27- Os Serviços de Inspecção concluíram que “Assim, mesmo sem ter sido iniciado o período de regularização previsto no n.º 1 do art.º 26º do CIVA, a atividade da sociedade foi cessada, pelo que teremos de dar cumprimento ao disposto no n.º 3 do mesmo artigo, no sentido de a situação do contribuinte relativamente a este imóvel (e à dedução de IVA realizada) ficar encerrada. A regularização referida é obrigatória, pelo normativo referido, e tem que ser reportada a maio de 2016, que é a data de cessação da atividade, data em que fica definitivamente expresso que a atividade de hotelaria para a qual a A..., S.A. esteve coletada não vai ser concretizada naquele imóvel”.
28- Mais consta do Relatório de Inspecção Tributária que:
i. “Na comunicação do CC F... é feita referência, pontos 7 e 8, à data de “paragem da obra” e “abandono da obra” em outubro de 2011. Para tal, juntou uma carta enviada pelo coordenador técnico da obra, Eng.o G..., ao Município da ..., na qual aquele declara que a obra está parada naquela data. Esta carta foi remetida ao contabilista pelo administrador de insolvência, o qual considera que os trabalhos foram suspensos em outubro de 2011, dada o teor da referida carta e o facto de a obra não ter sido retomada. Esta data foi tomada como referência para a regularização do IVA em falta, de acordo com os pareceres da Ordem dos Contabilista Certificados remetidos pelo CC.”; e que
ii. “(...) percorrendo o horizonte temporal da existência da A..., S.A., temos que a sociedade tinha vindo a recuperar o imóvel, deduzindo o IVA respectivo, nos termos dos art.ºs 19º a 20º e no momento estabelecido no art.º 22º, todos do CIVA, porque estava colectada para o exercício de operações tributáveis. A obra teve uma paragem, obviamente antes de estar concluída, mas não houve ocupação do imóvel (em 2011). A sociedade continua a contabilizar despesas com a obra relativamente a “consultoria e apoio técnico à obra” (faturas/recibo electrónicas emitidas por H..., NIF..., ao longo de 2012 e 2013) e o imóvel continua hipotecado à A..., S.A. Em 2016, a actividade da sociedade é encerrada, na sequência do processo de insolvência, sem o imóvel ter sido ocupado. Em 2017, o imóvel passou a ser propriedade do Município da ... .”.
29- Na sequência da emissão do Relatório de Inspecção Tributária, em Agosto de 2018, a Administração Tributária emitiu:
i. A liquidação adicional de IVA, objecto da presente acção, no valor de € 976.149,25 (correspondente ao montante da correcção vertida no Relatório de Inspecção Tributária menos o valor do crédito de imposto de que a SOCIEDADE A... dispunha sobre o Estado); e
ii. A liquidação de juros compensatórios, também objecto da presente acção, no montante de € 76.566,61.
30- Estes dois actos de liquidação e o relatório que os sustenta foram notificados ao Senhor Administrador de Insolvência no dia 2 de Outubro de 2019.
31- No dia 30 de Janeiro de 2020, a REQUERENTE apresentou Reclamação Graciosa contra os actos de liquidação referidos.
32- No dia 24 de Novembro de 2020, a REQUERENTE foi notificada da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa (autuada com o n.º ...2020...).
33- Na referida decisão de indeferimento, a Administração Tributária entendeu que:
i. “No caso concreto em que não se chegou a concluir, não se iniciou a utilização ou ocupação do imóvel em reabilitação, não são aplicáveis diretamente o mecanismo das regularizações das deduções de IVA relativas a bens do ativo imobilizado, decorrendo a não dedutibilidade de IVA suportado, outrossim, diretamente da aplicação do princípio geral constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA”;
ii. “em determinadas condições objetivas a alheias à intenção do sujeito passivo, o direito de deduzir o IVA pago sobre as operações efetuadas a montante com vista à realização de um projeto de atividade económica subsiste, desde a primeira liquidação do imposto”;
iii. “Só a partir da cessação de atividade ocorrida no 3.º trimestre de 2016 é que, objetivamente, pode a Administração Tributária considerar como abandonado, em definitivo, o projeto e, em consequência, declarara a afetação dos bens adquiridos ou melhorados sem oneração do IVA a fins alheios aos inicialmente propostos e que sustentaram a dedução do imposto (…) porquanto a mera suspensão temporária do projeto, essa sim, não seria conducente à perda do direito à dedução”; e
iv. “Deste modo, todos os valores de IVA suportados e deduzidos pela empresa no Campo 20 das diversas DP’s de IVA transpostos dos extractos da conta 24322 – Iva dedutível/imobilizado, isto é, provindo de todos os bens quer imóveis quer móveis integrantes do imobilizado (activos fixos tangíveis) cujo destino foi inviabilizado estão sujeitos a liquidação de IVA a favor do Estado (regularização), não por aplicação da regra do n.º 3 do artigo 26.º do Código do IVA, a qual apenas reforça a razão da correcção feita, mas directamente pela aplicação da regra geral contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, porquanto os bens não chegaram a ter uso na finalidade prevista que sustentou a dedução a qual, deste modo, objectivamente e à posteriori se veio a mostrar como indevida”.
34- Na sequência de uma comunicação realizada pelo Contabilista Certificado, que foi nomeado para recuperar a contabilidade da Requerente, e que apurou um valor de IVA a entregar ao estado no montante € 914.154,61, foi aberto um processo de inquérito criminal, com o número .../17...T9FIG, sendo que na Declaração Anual – Informação Empresarial Simplificada (IES) relativa ao ano 2016, entregue em 2018-04-26, no quadro “Comentários Preenchidos”, na página 58, contém “0530-A Divulgações exigidas por diplomas legais / Estão em mora perante a Administração Tributária 916.595 Euros referente a IVA deduzido e não regularizado no ano de 2011, acrescido de coimas e juros”.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], o “relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
Nos presentes autos de processo arbitral tributário, apresentam-se a decidir as seguintes questões, tal como expressamente formuladas pela Requerente:
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Apurar se, considerando o disposto no artigo 26.º, n.º 3, do Código do IVA, a regularização do IVA suportado pela SOCIEDADE A... nunca se poderia considerar devida no segundo trimestre do ano de 2016 (momento em a cessação de actividade foi formalmente registada no cadastro tributário), mas sim no último trimestre de 2011 (momento em que a cessação de actividade ocorreu efectivamente), razão pela qual: (a) a regularização foi mal imputada temporalmente; e (b) o direito a liquidar imposto já havia caducado há muito quando a Administração Tributária emitiu os actos tributários aqui contestados (Agosto de 2018) e os notificou (Novembro de 2019);
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Apurar se, tal como interpretado pela Administração Tributária, o regime plasmado no artigo 26.º, n.º 3, do Código do IVA é contrário ao direito da União Europeia e não pode ser aplicado à situação aqui em apreço porque, como decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (adiante “Tribunal de Justiça” ou “TJUE”): (a) as regularizações a favor do Estado não podem ser exigidas se a não utilização dos bens/serviços decorrer de eventos estranhos aos sujeitos passivos; e (b) o regime de direito da União Europeia só autoriza os Estados-membros a exigirem a regularização integral em caso de transmissão dos bens;
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Apurar se o apuramento do imposto a regularizar foi incorrectamente feito, porque o artigo 26.º, n.º 3, do Código do IVA só determina a obrigação de corrigir o imposto relacionado com os imóveis e não todo o imposto deduzido pelos sujeitos passivos que cessam a sua actividade;
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Apurar se a liquidação de juros compensatórios aqui em causa também é ilegal, porque não estão demonstrados (nem se verificam) o pressuposto objectivo e o pressuposto subjectivo da sua emissão.
Dispõe o art.º 124.º do CPPT que:
“1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
2 – Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;
b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”
Não tendo sido expressamente estabelecida pela Requerente qualquer relação de subsidiariedade entre os vícios arguidos, passar-se-á à apreciação do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito na aplicação do artigo 26.º, n.º 3, onde se fundou a liquidação impugnada, por ser aquele cuja procedência determinará a mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.
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Conforme resulta dos factos dados como provados, nos termos plasmados no RIT, à liquidação de imposto em causa nos presentes autos de processo arbitral foram dados os seguintes fundamentos de facto e de direito:
“Assim, mesmo sem ter sido iniciado o período de regularização previsto no n.º 1 do art.º 26º do CIVA, a atividade da sociedade foi cessada, pelo que teremos de dar cumprimento ao disposto no n.º 3 do mesmo artigo, no sentido de a situação do contribuinte relativamente a este imóvel (e à dedução de IVA realizada) ficar encerrada. A regularização referida é obrigatória, pelo normativo referido, e tem que ser reportada a maio de 2016, que é a data de cessação da atividade, data em que fica definitivamente expresso que a atividade de hotelaria para a qual a A..., S.A. esteve coletada não vai ser concretizada naquele imóvel”.
Insurge-se a Requerente, para além do mais, contra tal fundamento, alegando que “o regime plasmado no artigo 187.º da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado) não admite que os Estados-Membros exijam a regularização integral do IVA deduzido em todas as situações, mas apenas nos casos de transmissão dos bens.”.
Relativamente a esta matéria, não poderá, julga-se, deixar de se reconhecer razão à Requerente, como, de resto, a própria AT acabou por o fazer em sede de decisão da Reclamação Graciosa.
Com efeito, e conforme consta, igualmente, consta dos factos dados como provados, em tal decisão pode ler-se, para além do mais, que:
i. “No caso concreto em que não se chegou a concluir, não se iniciou a utilização ou ocupação do imóvel em reabilitação, não são aplicáveis diretamente o mecanismo das regularizações das deduções de IVA relativas a bens do ativo imobilizado, decorrendo a não dedutibilidade de IVA suportado, outrossim, diretamente da aplicação do princípio geral constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA”; e
ii. “Deste modo, todos os valores de IVA suportados e deduzidos pela empresa no Campo 20 das diversas DP’s de IVA transpostos dos extractos da conta 24322 – Iva dedutível/imobilizado, isto é, provindo de todos os bens quer imóveis quer móveis integrantes do imobilizado (activos fixos tangíveis) cujo destino foi inviabilizado estão sujeitos a liquidação de IVA a favor do Estado (regularização), não por aplicação da regra do n.º 3 do artigo 26.º do Código do IVA, a qual apenas reforça a razão da correcção feita, mas directamente pela aplicação da regra geral contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, porquanto os bens não chegaram a ter uso na finalidade prevista que sustentou a dedução a qual, deste modo, objectivamente e à posteriori se veio a mostrar como indevida”.
Ou seja, e no caso, a própria AT acabou, em sede de decisão da reclamação graciosa, por reconhecer que não se verificavam os pressupostos do artigo 26.º, n.º 3, do CIVA, em que primitivamente fundou a sua correcção, no relatório de inspecção, mas, na opinião daquela mesma decisão, os do artigo 20.º, n.º 1, a) do mesmo Código, fundamento este utilizado para manter a correcção contestada.
Ora, como se explica no Acórdão do TCA-Norte de 11-033-2021, proferido no processo 00195/04.4 BEPRT:
“A fundamentação dos atos administrativos e tributários a posteriori não é legalmente consentida, não podendo a Administração fiscal em sede de decisão de reclamação graciosa alterar os fundamentos de um ato de liquidação adicional de imposto que teve origem numa inspeção tributária, e cuja fundamentação resulta, por isso, do correspondente relatório de inspeção.”.
O mesmo havia já sido afirmado pelo STA, no seu Acórdão de 04-10-2017, proferido no processo 0406/13, onde se pode ler, para além do mais, que:
“Ainda que ulteriormente, aquando do indeferimento da reclamação graciosa contra aquela liquidação, a AT tenha vindo a indicar as normas que, a seu ver, impunham aquela prova, essa fundamentação não pode ser usada para aferir da da validade formal do acto impugnado, uma vez que a nossa ordem jurídica não confere relevância à fundamentação a posteriori.”.
Como se explica neste último aresto:
“Antes do mais, convém ter presente que, como a sentença bem salientou, a única fundamentação a considerar na apreciação da validade formal do acto impugnado é a que consta do relatório da inspecção que lhe serviu de suporte (e que integra o próprio acto, pois foi por ele apropriada), ou seja, a que é contemporânea da prática do acto (cfr. n.º 1 do art. 125.º do CPA velho, a que corresponde actualmente o n.º 1 do art. 153.º), não relevando a fundamentação a posteriori (Neste sentido, entre muitos outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 16 de Setembro de 2015, proferido no processo n.º 156/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/55889196a1f606bb80257ec700323891;
- de 27 de Janeiro de 2016, proferido no processo n.º 43/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/605684522d35f1b680257f4c005084c2;
- de 6 de Julho de 2017, proferido no processo n.º 1436/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/331701d808a68d3080257ff0003bb657.).
O discurso fundamentador aduzido quando da decisão da reclamação graciosa, porque ulterior à prática do acto de liquidação, não se pode considerar como integrando a fundamentação do mesmo. validade formal do acto impugnado, uma vez que a nossa ordem jurídica não confere relevância à fundamentação a posteriori. (...)
É certo que ulteriormente, como bem refere a sentença recorrida, já em sede de reclamação graciosa, na informação n.º 115-AJT/05, que foi apropriada pela decisão de indeferimento proferida no âmbito daquele meio de impugnação graciosa (cfr. pontos 4. e 6. da factualidade dada como assente), a AT veio dizer que o comprovativo da “qualidade de não residente” era exigido pelo n.º 1 do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 215/89, bem como, no que se refere aos emigrantes, pelo n.º 1 da Portaria n.º 1476/95, de 23 de Dezembro. No entanto, como ficou já dito e a sentença judiciosamente registou, esta fundamentação a posteriori não pode ser relevada quando estamos a sindicar a legalidade da liquidação sob a óptica do cumprimento do dever legal de fundamentação.”.
Já no primeiro dos citados acórdãos, se elucida que:
“Ora, e como tem vindo a ser clara e consistentemente afirmado pelos tribunais superiores, “[a] fundamentação dos actos administrativos e tributários a posteriori não é legalmente consentida (…) sendo que a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser aditados” (cf. neste sentido, o Acórdão do STA proferido em 2018-03-22, no proc. 0208/17, disponível para consulta em www.dgsi.pt; e no mesmo sentido, designadamente, os Acórdãos proferidos em 2021-02-17, no proc. 02111/14.6BEPRT 0981/16, em 2020-10-28, no proc. 02887/13.8BEPRT, em 2016-07-06, no proc. 01436/15, em 2014-04-23, no proc. 01690/13, em 2014-03-12, no proc. 01674/13, e em 19-12-2007, no proc. 0874/07, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
Com efeito, a fundamentação do ato terá necessariamente de constar da declaração em que o mesmo se externa – no caso, o RIT – sendo que a fundamentação que conste de documento ou declaração exterior a ele, e ainda que inserida no procedimento, e não esteja apropriada na própria decisão, não é a sua fundamentação nem pode ser tomada em conta para avaliar da validade do ato (cf. neste sentido, OLIVEIRA, Mário Esteves de, Gonçalves, Pedro Costa, e Amorim, João Pacheco de – Código de Procedimento Administrativo. 2.ª edição. Coimbra: Almedina, 1997, pág. 584).
É esta a interpretação correta do disposto no art. 77.º da LGT, à luz do disposto nos n.ºs 3 e 4 do art. 268.º da Constituição da República Portuguesa, tanto mais que outro entendimento deixaria os particulares numa situação de total insegurança quanto ao conteúdo do ato, atendendo também à circunstância de o contencioso tributário de impugnação ser de mera legalidade, destinando-se tão só à aferição da (i)legalidade dos atos que dele são objeto. (...)
Com efeito, e como explica JORGE LOPES DE SOUSA, “O processo de impugnação judicial é, relativamente à situação regulada pelo acto, um processo impugnatório de mera anulação, complementado com as consequências da decisão anulatória (atribuição de juros indemnizatórios e de indemnização por prestação de garantia indevida, se for caso disso) (…), visando-se neles apreciar a legalidade da actuação da administração tributária tal como ela ocorreu, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos, mesmo que invocados a posteriori na contestação.” (cf. SOUSA, Jorge Lopes de - Código de procedimento e de processo tributário. Anotado e comentado. 6.ª edição. Volume II Lisboa: Áreas Editora, 2011, pág. 119).
Ora, tendo em consideração que o pretendido aditamento de novos fundamentos ao ato de liquidação adicional não correspondeu a qualquer sanação de um vício formal, uma vez que o ato continha já fundamentação expressa, consubstanciando-se antes numa tentativa de introdução de fundamentos novos, e que, por outro lado, o prazo de um ano previsto para a revogação se encontrava à muito ultrapassado (o ato de liquidação adicional com a fundamentação que lhe foi dada pelo RIT foi emitido em 2001-03-07 e a decisão da reclamação graciosa foi exarada em 2003-12-31, conforme resulta dos pontos 15 e 19 da fundamentação de facto), andou bem o Tribunal a quo ao não aceitar a pretendida fundamentação sucessiva do ato em questão.”
Como vem de se ver, e face à jurisprudência citada, não será possível a este Tribunal acolher, no sentido de convalidar o acto de liquidação de imposto objecto da presente acção arbitral, a fundamentação plasmada na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que teve, também, aquele acto como objecto, ou seja, de que a correcção operada no relatório de inspecção seria legal por força do artigo 20.º, n.º 1, al. a) do CIVA, norma essa que nem sequer é mencionada no referido relatório.
Assim sendo, como é, terá aquele acto de liquidação de ser anulado, por erro nos pressupostos de facto e de direito na aplicação do artigo 26.º, n.º 3, do CIVA, e consequentemente anulado o acto de liquidação de juros compensatórios, bem como o acto de decisão da reclamação graciosa que teve tais actos como objecto, procedendo, assim, o pedido arbitral.
*
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência anular os actos de liquidação de IVA n.º 2018..., no valor de € 976.149,25, e de liquidação de juros compensatórios n.º 2018..., no montante de € 76.566,41, bem como da decisão de indeferimento proferida no âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa n.º ...2020..., que teve aqueles actos de liquidação como objecto.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 1.052.715,66, nos termos dos nºs 1 e 2 do art.º 13.º do RJAT, artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
F. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 60.000,00, nos termos da Tabela II do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos n.º 1 e 2 do art.º 3.º do respectivo Regulamento e do n.º 2 do art.º 12.º, e do n.º 4 do art.º 22.º ambos do RJAT, a pagar integralmente pela Requerente, segundo o art.º 5.º daquele Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 19 de Julho de 2022
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Leonardo Marques dos Santos)
O Árbitro Vogal
(António de Barros Lima Guerreiro)
Vencido conforme declaração de voto junta
DECLARAÇÃO DE VOTO
1-A Decisão Arbitral junta, da qual totalmente discordo, contém uma só Conclusão:
“A fundamentação dos atos administrativos e tributários “a posteriori” não é legalmente consentida, não podendo a Administração fiscal em sede de decisão de reclamação graciosa alterar os fundamentos de um ato de liquidação adicional de imposto que teve origem numa inspeção tributária, e cuja fundamentação resulta, por isso, do correspondente relatório de inspeção”.
Não seriam incorporadas nas Conclusões da Decisão Arbitral as razões substanciais que justificaram a invalidação do ato impugnado.”
Tal argumento não foi invocado pelos Requerentes, a A... e a massa insolvente na Petição Inicial (PI), bem como nas posteriores Alegações que, como a própria Decisão Arbitral admite, se limitaram a confirmar e desenvolver os argumentos desenvolvidos na PI. De acordo com as Conclusões da PI, apenas:
“i)Considerando o nº 3 do art. 26º do CIVA, a regularização do IVA suportado pela A... nunca se poderia considerar devida no 2º trimestre do ano de 2016 (momento em a cessação de atividade foi formalmente registada no cadastro tributário), mas sim no último trimestre de 2011 (momento em que a cessação de atividade ocorreu efetivamente), razão pela qual: (a) a regularização foi mal imputada temporalmente; e (b) o direito a liquidar imposto já havia caducado há muito quando a Administração Tributária emitiu os atos tributários aqui contestados (8/2018) e os notificou ( 11 2019);
(ii) Em qualquer caso, tal como interpretado pela Administração Tributária, o regime plasmado no nº 3 do art. 26º do CIVA é contrário ao direito da União Europeia e não pode ser aplicado à situação aqui em apreço porque, como decorre da jurisprudência do TJUE: (a) as regularizações a favor do Estado não podem ser exigidas se a não utilização dos bens/serviços decorrer de eventos estranhos aos sujeitos passivos; e (b) o regime de direito da União Europeia só autoriza os Estados-membros a exigirem a regularização integral em caso de transmissão dos bens; e
(iii) O apuramento do imposto a regularizar foi incorretamente feito, porque o nº 3 do art. 26º do CIVA só determina a obrigação de corrigir o imposto relacionado com os imóveis e não todo o imposto deduzido pelos sujeitos passivos que cessam a atividade.
A Parte B da Decisão Arbitral enuncia como objeto da PI somente essas questões e não quaisquer outras.
Segundo essa única fundamentação da Decisão Arbitral, o indeferimento da reclamação graciosa teria ultrapassado o âmbito de um mero carácter confirmativo de ato tributário anterior, mas seria um ato inovatório, com fundamentação distinta do ato anterior, com o qual os Requerentes se vieram posteriormente a confrontar.
Nessa medida, sem apreciar qualquer questão de fundo, não obstante, em minha opinião, a, em minha opinião, manifesta falência de todos os argumentos dos Requerentes, o Tribunal Arbitral anularia integralmente as liquidações controvertidas, imposto mais juros compensatórios, o que implica , em princípio, sem prejuízo das competências do Ministério Público e do controlo hierárquico da Procuradoria- geral da República, o arquivamento do Processo de Inquérito DIAP .../17.0219 FIG, cuja instrução seria delegada pelo Ministério Público no diretor de finanças do distrito de Coimbra.
Tal anulação, sem prévia audição da Requerida, não obstante o seu fundamento não ter sido anteriormente discutido no processo arbitral, viola claramente o princípio do contraditório expresso na alínea a) do nº 1 do art. 16º do RJAT, que assegura às partes a faculdade de se pronunciarem sobre quaisquer questões de facto e de direito suscitadas no processo. A violação desse direito é, aliás, causa de nulidade da Decisão Arbitral, nos termos da 1ª parte da alínea d) do nº 1 do art. 28º daquele Regime.
Ainda que se admita que, de acordo com o princípio “jura novit curia “, o tribunal conhece oficiosamente a lei, independentemente de as partes invocarem ou provarem que esta se aplica, ou não, ao seu caso, tal dever de conhecimento oficioso está limitado pela causa concreta de pedir do impugnante, Tal limite foi, a meu ver, ultrapassado pela Decisão Arbitral, com o consequente excesso de pronúncia. Não cabe ao Tribunal Arbitral suprir oficiosamente a deficiências das intervenções processuais das partes ampliando a causa de pedir, o que fere também o princípio da igualdade das partes expresso na alínea b) do art. 16º do RJAT.
Finalmente, a recusa do caráter confirmativo do indeferimento da reclamação graciosa concretamente impugnado não tem fundamento na lei ou na jurisprudência superior conhecida, como se passa a demonstrar, ainda que tal demonstração me obrigue a uma Declaração de Voto extensa.
2- Do presente Processo Arbitral e do Despacho Saneador proferido no ação comum n.º .../16...T8CRB-E do Juízo de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, III), A).apensa ao processo de insolvência aí referido, cuja sentença é de 6/12/2019, seria junta aos autos pela Requerente como DOC. 7 anexo à PI ,resultam os seguintes Factos Provados, uma parte relevante dos quais não seriam referidos como Provados nem como não Provados na fundamentação da Decisão Arbitral, não obstante o seu manifesto interesse para a causa:
1- A A... SA”) é uma sociedade anónima constituída no ano de 2005 para empreender a reabilitação urbana e a subsequente exploração B..., edifício do século XVIII, classificado de imóvel de interesse público, sito na freguesia de ..., concelho da..., que inclui três prédios urbanos, um prédio misto e um prédio rústico.
2-- O referido edifício B... foi adquirido, a 27/7/99, pelo município da ... em 1999, com o propósito inicial de promover a reabilitação e exploração l desse bem imóvel para fins culturais.
3- Posteriormente, por deliberação da câmara municipal de 12/12/2003, o município da ... resolver alterar o seu propósito inicial e promover a adaptação do B... a unidade hoteleira, tendo tomado as seguintes decisões:
i)Transferir a propriedade do edifício B... para a C...(C...), empresa municipal constituída em 2000, responsável, além de por atividades de animação, pela valorização do património histórico e pela promoção do turismo na ...;
ii)Vincular-se a suportar materialmente os encargos relativos à reabilitação do imóvel, através da entrega de um conjunto de comparticipações financeiras à C..., no valor global de € 7.350.300,00;
iii)Autorizar a C... a constituir a A...– veículo especial para concretizar o projeto de reabilitação do imóvel e assegurar a sua subsequente exploração, com a participação de sócios de natureza privada e experiência na gestão hoteleira; e
(iv) Autorizar a C... a celebrar com a A... um contrato de reabilitação e exploração turística, transferindo para esta última os direitos e os meios necessários à concretização do projeto , conforme contrato programa a celebrar entre o município da ... e a C... .
4-Por aumento de capital social em espécie registado a 27/4/2004, o edifício B... seria incorporado no património da C... .
5-Em execução do anteriormente decidido, reunião extraordinária da Câmara Municipal da ... de 24/01/2005, aprovaria a participação do município através da C..., na constituição da A..., encarregue de reabilitar e posteriormente explorar o edifício . A constituição da nova sociedade teria lugar a 2/5/2005.
6 -Os acionistas iniciais da nova sociedade seriam, além da C..., detentora de 5.000 ações , a “D..., S.A.” , detentora de 4.997 ações , e três acionistas pessoas singulares, cada uma com só ação, sendo o valor de cada ação € 5,00 .
7-A 2/6/2006, os acionistas pessoas singulares venderiam as suas participações à sociedade “E..., S.A.”, à qual deveria caber a futura gestão hoteleira do B..., uma vez concluída a respetiva reabilitação
8- A 12/6/2006, a “E..., S.A.” adquiriria a totalidade da participação detida no capital da A...“ por “D..., S.A.” ,
9- A 22/04/2008, o município da ..., nos termos da Lei nº 53-F/2016, de 29/12, celebrou com a C... um denominado Contrato-Programa Relativo à Reabilitação e Exploração Turística do edifício B... .
10- O referido Contrato-Programa estabeleceria nos termos dos respetivos Considerandos:
i)Os termos em que se deveria proceder à reabilitação do edifício B..., bem como as comparticipações que a C... teria direito a receber do Município como contrapartida das obrigações assumidas.
ii) Os termos e condições em que o edifício B... poderia ser afeto à exploração turística, pela instalação de um estabelecimento hoteleiro, e a sua exploração poderia ser cedida a terceiros.
12- Em conformidade com esse Considerando ii), o nº 1 da Cláusula 2 ª do Contrato- Programa autorizaria o município da ... a C... a celebrar com a A..., um chamado Contrato de Reabilitação e Exploração Turística do B..., nos termos previstos na lei.
13-De acordo com o nº 2 dessa Cláusula 2ª, a maioria do capital dessa nova sociedade pertenceria a sociedade especializada na exploração hoteleira, “E..., S.A. ”e uma parte minoritária à C... .
14-- Determinaria o nº 3 dessa Cláusula tal Contrato de Reabilitação e Exploração Turística ter uma duração de 20 anos, contados da data da respetiva celebração, podendo renovar-se por um período de cinco anos, se não fosse denunciado com a antecedência de um ano relativamente ao termo do prazo.
15- Nos termos do seguinte nº 5 da mesma Cláusula, o Contrato de Reabilitação e Exploração Turística, a celebrar no âmbito da execução do Contrato-Programa, deveria prever as benfeitorias e equipamentos realizados pelo cessionário da exploração, a SOCIEDADE A..., reverterem para a C..., acionista minoritário, no termo desse primeiro Contrato.
16-Segundo o nº 1 da Cláusula 3ª daquele Contrato- Programa, as partes, município da ... e C..., reconheceriam o edifício B... ser da propriedade da C..., para cuja esfera jurídica tinha, como se referiu, sido previamente transmitido pelo Município da ... .
17- O nº 2 da mesma Cláusula 3ª, proibiria à C... a alienação da propriedade do edifício B... para a SOCIEDADE A..., embora esta ficasse autorizada a constituir garantia sobre esse bem imóvel para cumprimento das obrigações por si assumidas no âmbito do cumprimento do futuro Contrato de Reabilitação e Exploração.
18- O nº 1 da Cláusula 8ª do Contrato-Programa responsabilizaria o cessionário da exploração, a SOCIEDADE A-..., pela obtenção dos meios financeiros necessários à reabilitação do edifício.
19- No n º 2 da Cláusula 8ª, o município da ... declarou ainda ter conhecimento que, por forma a serem obtidos os fundos necessários à reabilitação e adaptação turística do edifício B..., iria ser contraído pela SOCIEDADE A... um financiamento de longo prazo junto de instituições de crédito, cujos encargos, nos termos do anterior nº 1, daquela sociedade
20-Segundo o nº 3 da mesma Cláusula, os termos desse financiamento deveriam ser dados a conhecer antecipadamente pela C... ao município da ... .
21- No nº 1 da Cláusula 9ª do Contrato-Programa, o município da ..., “com vista a viabilizar a reabilitação patrimonial do B... nos termos previstos nesse Contrato, comprometer-se-ia perante a C... a entregar, anualmente a esta uma comparticipação, ajustável em função da variação da EURIBOR a 5 meses, considerando a taxa de referência de 4,75%, definida em tabela anexa e expressa em milhares de euros.
22-O nº 2 da Cláusula 9ª determinaria a obrigação de pagamento estender-se até 2022 e as comparticipações ser entregues à C... até 31/5 de cada ano, havendo juros de mora, nos termos do nº 4 dessa mesma Cláusula .
23-Declararia o nº 1 da Cláusula 11ª as quantias pagas à C... serem posteriormente transmitidas por esta à SOCIEDADE A... .
24-De acordo com o nºs 1 e 2 da Cláusula 12ª, ficaria ainda previsto que o Contrato-Programa vigorasse até à data em que cessassem todas as responsabilidades contraídas pela C..., ou assumidas pelo município da ... em consequência da extinção da C..., relativamente ao Contrato de Reabilitação e Exploração Turística do B... a celebrar e ao financiamento bancário associado ou enquanto permanecesse por amortizar o financiamento dos investimentos realizados ou de quaisquer encargos associados a estes
25-As Cláusulas 13º e 14º disporiam respetivamente sobre a resolução do Contrato-Programa pelo município da ... ou pela C..., em ambos dos com fundamento em violação grave das suas disposições.
26-Segundo o nº 1 da Cláusula 15ª, a extinção do Contrato- Programa, independentemente da respetiva causa, implicaria a imediata transmissão e assunção direta pelo Município da ... de todas as obrigações e responsabilidades relativas à reabilitação e adaptação turística do edifício B... e, designadamente, das responsabilidades da C... perante a SOCIEDADE A... resultantes do Contrato de Reabilitação e Exploração Turística a celebrar.
27-Segundo o nº 2 dessa Cláusula, a assunção total das obrigações e responsabilidades relativas ao edifício B... pelo Município da..., por qualquer dos motivos no nº 1 , ou por outro motivo de interesse público, implicaria igualmente a assunção pelo Município da ... de todos os direitos e obrigações da C... resultantes de contratos por esta celebrados com terceiros e que tivessem por objeto a conceção, projeto, construção, financiamento, conservação ou exploração do edifício B... .
28-O referido Contrato de Reabilitação e Exploração Turística entre a C... e a SOCIEDADE A..., cujo objeto , segundo a Cláusula 1ª, seria a execução do Contrato – Programa entre a C... e o município da ... nas condições e de acordo com os limites aí estabelecidos, seria celebrado a 19/12/2008, tendo, nessa data, de acordo com o nº 1 da Cláusula 2ª, o edifício sido transferido para a posse da SOCIEDADE A... no estado em que então se encontrava.
29-As cláusulas 3,4, 5, 6 e 7 do Contrato de Reabilitação e Exploração Turística disporiam respetivamente sobre a reabilitação do edifício, o Plano de Trabalhos dessas operações, a conservação e manutenção, bem como a instalação e exploração do empreendimento, os seguros e a fiscalização.
30-O nº 3 da Cláusula 12ª determinaria o financiamento das operações por duas linhas de crédito separadas: € 5..000.000 para as relativas à reabilitação da componente museológica e €.1.000.000,00 para as relativas à exploração do edifício propriamente dita.
31- -Os nºs 6 e 7 da Cláusula 15ª permitiriam à SOCIEDADE A... resolver o Contrato de Reabilitação e Exploração Turística em caso de violação grave ou reiterada e não sanada das obrigações assumidas pela C..., mediante comunicação escrita enviada à C..., a qual produziria efeitos imediatos, independentemente de qualquer outra formalidade.
32-- Acrescentaria o nº 9 da mesma 15ª o exercício do direito de rescisão por parte da SOCIEDADE A... não prejudicar o disposto no nº 3 da Cláusula 17ª , ou seja, o direito de esta sociedade receber a compensação aí prevista, à qual acresceria a indemnização pelos danos resultantes do incumprimento, designadamente a indemnização pelos danos correspondentes ao interesse contratual positivo, a ser determinada nos termos gerais de direito.
33-Para esse efeito, o nº 1 da Cláusula 17ª determinaria que a extinção do Contrato-Programa, qualquer que fosse a causa, implicaria a caducidade automática do Contrato de Reabilitação e Exploração Turística e a imediata transmissão e assunção direta pelo Município, nos termos da Cláusula 15ª do primeiro Contrato, de todas as obrigações e responsabilidades relativas à reabilitação e adaptação turística do B..., garantindo então a C... o cumprimento das obrigações do Município.
34-Nos termos do anteriormente referido nº 3 da Cláusula 17ª, as partes acordaram que, ocorrendo a extinção do Contrato- Programa, a C... pagaria ao Cessionário da exploração turística, a SOCIEDADE A..., uma compensação pelo valor dos investimentos e benfeitorias realizados por esta, contabilizadas como obras como obras em prédio alheio, por o imóvel continuar a pertencer à C..., correspondente ao maior dos seguintes valores:
-O valor contabilístico do imobilizado corpóreo;
-O valor do capital em dívida ao abrigo do contrato de financiamento referido na Cláusula 12ª, acrescido de todas as demais responsabilidades correspondentes, a despesas, comissões, juros ou penalizações devidas ao abrigo desse Contrato.
35- Foi ainda estipulado pelas partes no nº 1 da Cláusula 18ª., que, em garantia do cumprimento integral e atempado de todas e de cada uma das responsabilidades e obrigações, presentes e futuras, que, para a C..., decorressem ou viessem a decorrer do Contrato de Reabilitação e Exploração Turística, nomeadamente pelo pagamento da compensação prevista no nº 3 da Cláusula 17ª, , a C...constituiria, nessa data de 19/8/2018, a favor da Cessionária SOCIEDADE A..., que declararia a sua aceitação, hipoteca de primeiro grau nos mais amplos termos em direito permitidos, sobre o edifício B... e todas as suas partes integrantes, acessões, benfeitorias, obras, construções edificadas ou a edificar nos mesmos.
36 -No nº 4 da Cláusula 18ª, a C... reconheceria e aceitaria que o benefício da hipoteca deveria ser cedido pelo SOCIEDADE A... ao banco ou bancos que viessem a conceder o financiamento previsto na Cláusula 12ª, cessionários dos créditos referidos na Cláusula 13ª e no nº 3 da Cláusula 17ª.
37-A referida hipoteca, bem o penhor sobre os créditos cedidos à SOCIEDADE A..., seriam constituídos simultaneamente com a celebração do Contrato de Reabilitação e Exploração Turística e a concessão de crédito pelo Banco ... .
38-As condições de utilização desse crédito e as garantias associadas vêm descritas no Despacho Saneador da referida ação nº .../16...T8CRB-E do Juízo de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra.
39-A quando do referido contrato de concessão de crédito, a Sociedade A... outorgou, dentro do quadro da Cláusula 18ª do Contrato de Reabilitação e Exploração Turística, uma procuração com data também de 19/12/2008, nos termos da qual “constituiu irrevogavelmente bastante procurador da Mandante o Banco ..., S.A” para, em seu nome e representação, executar os seguintes atos:
……………………………………………………………………………………………
“5. Resolver o Contrato de Reabilitação e Exploração Turística celebrado entre a Mandante [sociedade A...] e a C..., EM, nos termos da respetiva Cláusula 15ª, e sempre que se verifiquem as situações que, de acordo com o referido Contrato, confiram à Mandante o direito a invocar justa causa de resolução do contrato”.
40-O contrato de empreitada relativo às obras de reabilitação viria a ser formalmente celebrado a 18/9/2009 entre a SOCIEDADE A..., na qualidade de dono da obra, e a “I..., S.A.”, na qualidade de empreiteiro, , tendo por objeto a execução de todos os trabalhos e fornecimentos necessário à integral execução do projeto de construção civil para a ampliação e adaptação do edifício B... a unidade de hotelaria
41-- Do investimento projetado, 81 % destinavam-se à parte museológica e 19 % à parte hoteleira.
42 -Em 11/09/2009 realizaram –se eleições autárquicas no município da..., tendo J... sucedido a K... na presidência do executivo municipal, cargo para o qual o primeiro seria posteriormente reeleito em 29/09/2013.
43--Na direta sequência das eleições municipais, a Câmara Municipal da ... substituiria integralmente a administração da C... .
44-O Município da ... não entregou à C..., nas respetivas datas de vencimento, as primeiras três contribuições, vencidas a 31/5 dos anos de 2008, 2009 e 2010 , previstas no nº 1 da Cláusula 9ª do Contrato- Programa.
45- Consequentemente, a C... também não entregou as quantias, que lhe eram devidas nas mesmas datas, de acordo com a Cláusula 13ª do Contrato de Reabilitação e Exploração Turística, uma vez as não ter recebido do município da ... .
46- Os custos efetivos da execução do projeto revelar-se-iam superiores aos valores inicialmente orçamentados, segundo a SOCIEDADE A... por causa dos trabalhos realizados antes da empreitada relativos a substituição dos telhados, reforço da sua estrutura e consolidação dos tetos interiores, e em virtude de problema técnicos ocorridos durante a obra.
47-A 27/01/2011, a SOCIEDADE A... e os responsáveis da obra comunicaram ao promotor do investimento Banco ... que as obras de requalificação do B... se tinham atrasado, pelo menos, 6 meses face ao termo inicialmente previsto, o final de 2010, designadamente, devido a atrasos na emissão da licença de construção, cedência imprevista de duas das fachadas do edifício, em resultado da movimentação de terrenos nessa zona e à ocorrência de um acidente de trabalho e às respetivas vistorias pelas entidades , pelo que apresentaram um projeto de revisão do plano de investimento inicial.
48-O Banco ... sustentou a posição de os desvios ao investimento inicial previsto serem da responsabilidade da C... e deverem ser cobertos com capitais a aportar por esta, o que não viria a acontecer.
49-Em 10/2/2011, o Banco ... comunicou à SOCIEDADE A... que autorizava a prorrogação do período de utilização do empréstimo que esta sociedade obtivera, desde que cumpridas, cumulativamente, as seguintes condições:
(i) as contribuições devidas pelo Município da ... até 2010 fossem comprovadamente pagas à SOCIEDADE A... e, até 31./5/2011, fosse paga a contribuição devida nesse ano, no montante de € 651.600;
(ii) a C... assumisse, expressamente e por escrito, o desvio no orçamento previsto para a reabilitação do edifício B... e o dia concreto em que realizaria as entradas dos fundos necessários para fazer face aos referidos sobrecustos, confirmando que, na data da utilização de capital pretendida já estaria assegurada a transferência, irrevogável, desses montantes por parte do município da ... .
50- A 04/02/2011, já após o termo do período de disponibilidade previsto no contrato de financiamento e sem que o município da ... ou a C... tivessem pago as compartições previstas no Contrato-Programa e no Contrato de Reabilitação e Exploração Turística , a SOCIEDADE A... enviaria ao Banco ... um pedido adicional de desembolso de capital, no montante de € 500.152,16, destinados a pagar dívidas a fornecedores-
51-Tal desembolso seria autorizada pelo Banco ..., sem que estivessem pagas as contribuições em falta ou os sobrecustos devidos à SOCIEDADE A..., tendo sido creditada a respetiva importância na conta da SOCIEDADE A... em 24/03/2011.
52-A 22/03/2011, ainda sem que a C... tivesse entregue à SOCIEDADE A... as contribuições já vencidas, esta solicitou ao Banco ... uma nova utilização de capital, no valor € 300.920,72, destinada também ao pagamento de dívida a fornecedores, que seria creditada na sua conta em 08/04/2011.
53-Em 08/06/2011, o Banco ... comunicou à SOCIEDADE A..., à C...e ao município da ... que se mantinham em incumprimento as obrigações de i) entrada de fundos próprios na SOCIEDADE A..., a realizar pela C..., para suportar os sobrecustos do projeto estimados em 24/02(2011 em € 1.500,000,00; e ii) pagamento das contribuições devidas ao abrigo do Contrato de Reabilitação e Exploração Turística e do Contrato-Programa .
54- A 30/6/2011, o município da ... comunicaria ao Banco ... e à SOCIEDADE A... a sua decisão de não prosseguir com a obra de remodelação do edifício B... .
55- Mesmo assim, para manter a segurança do imóvel, solicitaria ao Banco ... financiamento adicional de € 1.710.000,00.
56- Invocando o incumprimento inicial já referido, o Banco ... recusou esta proposta, tendo consequentemente os administradores da SOCIEDADE A... renunciado aos seus cargos, não tendo sido substituídos por outros em assembleia geral dos seus acionistas, o privado, que detinha mais de metade do seu capital, e o público.
57-Em 29/09/2011, o município da ... pagou as primeiras comparticipações vencidas em 2008, 2009 e 2010 à C..., juntamente com a comparticipação vencida em 31.05.2011, tudo num total de € 1.026.900,00, tendo o referido valor sido depositado numa conta da SOCIEDADE A... aberta no ... e afeto ao serviço de dívida do financiamento contraído junto desta instituição bancária, conforme a alínea e) do nº 1 da Cláusula 6ª do contrato de financiamento.
58- O município da ... não procederia mais a qualquer pagamento, nem disponibilizou os fundos extraordinários que se comprometera e entregar, com vista a fazer face aos sobrecustos da reabilitação do edifício B... .
59- Aquando da suspensão dos trabalhos, da reabilitação do edifício B... faltavam, pelo menos, a conclusão do SPA, a colocação das loiças de casa-de-banho (as quais, apesar de já se encontrarem numa divisão fechada do B..., não seriam colocadas por questões de segurança) e as pinturas exteriores.
60-Ficaram por pagar empreiteiros, fornecedores e a instituição de crédito financiadora, o Banco ... .
61- Um dos credores, “L..., Lda”, propôs entretanto a declaração de insolvência da SOCIEDADE A... .
62-Entretanto, já após a paragem da obra de reabilitação do imóvel municipal, o município tinha preparado, com a colaboração e a aprovação do Banco... uma reestruturação da dívida, através da transferência, por cessão contratual, dos compromissos financeiros, vencidos e vincendos, da SOCIEDADE A... para a C..., o que envolveria municipalização da dívida.
63- Tal projeto de reestruturação seria aprovado em reunião extraordinária da Câmara Municipal da ..., conforma ata de 19/12/2011, tendo as alterações correspondentes ao Contrato-Programa sido votadas em reunião ordinária da mesma Câmara Municipal de 16/10/2012.
64- A SOCIEDADE A... continuaria a registar despesas com consultoria e apoio técnico à obra e a contabilidade, mas a última dedução relativa ao ativo imobilizado em curso , como mostraria a Conta 243222(IVA Dedutível), data do 2º trimestre de 2013, respeitando ao IVA devido pelo adquirente , nos termos da alínea j) do nº 1 do art. º2 do CIVA.
65-- Nas declarações periódicas de 2010-3T, 2010-9T, 2010-12/T, 2011-3T a Requerente apuraria crédito de imposto cujo reembolso e obteve solicitou, no montante de € 448.996,49.
66-A Requerente, a partir do início de 2011, entraria em sistemático incumprimento das obrigações declarativas de IRC e IVA, não havendo menção a quaisquer liquidações oficiosas que tivessem resultado desse incumprimento.
67- A 25/2/2013, a Câmara Municipal da ... aprovaria a dissolução da C... “nos termos e de acordo com o disposto no art. 62º. da Lei n.º 50/2012, de 31/8., tendo o início da liquidação sido inscrito no registo comercial a 19/4/2013.
68- Com a dissolução da C..., o município da ... informou os credores da SOCIEDADE A... que a sua estratégia não seria afinal concretizada porque, citando a comunicação então difundida, “em fase de liquidação, não é possível à C... assumir compromissos cuja maturidade seja superior ao prazo máximo legalmente previsto para a conclusão do processo de liquidação de sociedades (2 anos, sendo que o contrato de financiamento projetava os seus efeitos a 15 anos”.
69- Nessa comunicação, o município da ... referiu assegurar o pagamento de todos os passivos da SOCIEDADE A... através da assunção direta das obrigações resultantes do contrato de financiamento celebrado com o Banco ... e da subsequente retoma do desembolso dos financiamentos por parte deste, assegurando, assim, a conclusão da reabilitação do edifício. Tal estratégia de municipalização da dívida passava pela aquisição da participação detida pela. C..., já em fase de liquidação, na SOCIEDADE A... .
70- A partir de 2/6/2013, a SOCIEDADE A... cessou a execução da sua contabilidade, que seria posteriormente assegurada pelo Administrador da Insolvência.
71- No entanto, o Tribunal de Contas negaria o visto à aquisição, pelo município da ..., da participação detida pela C... na SOCIEDADE A..., na medida em que “as empresas locais, quando em fase de liquidação, não podem proceder à alienação das participações por essas detidas em sociedades comerciais, por a tal obstar o art 152.º do Código das Sociedades Comerciais(CSC)bem como a própria finalidade da liquidação” ( Acórdão n.º 9/915, de 17/03/2015, proferido no recurso n.º 31/14).
72- Por carta dirigida, em 20/01/2016, à SOCIEDADE A... com o conhecimento da C... e da ainda acionista “E..., S.A.”(agora designada “M..., S.A.), o Banco ...resolveu o contrato de financiamento com base, entre outras causas, no incumprimento generalizado das obrigações do devedor, a SOCIEDADE A..., da C... e do município da ... .
73- O Banco ... declararia igualmente, nos termos das alíneas a ) e b) do nº 1 da cláusula 20.1 do Contrato de Financiamento e das cláusulas 8.ª e 9ª do Contrato-Quadro das Operações de Produtos Financeiros, o “vencimento antecipado e imediato” de todas as obrigações emergentes para a mutuária SOCIEDADE A..., num valor total de € 3.242.744,54.
74- Em 20/01/2016, a SOCIEDADE A...- representada pelo Banco ... no uso da procuração irrevogável que lhe tinha sido outorgada em 19/12/2008 - resolveu o Contrato de Reabilitação e Exploração Turística, ao abrigo da respetiva cláusula 15ª, com base no incumprimento das obrigações assumidas pelo município da ... e pela C..., com a consequente entrega do imóvel sem que fosse exercido o direito de retenção referido no art. 759º do Código Civil sobre a compensação pelos investimentos e benfeitorias realizadas
75- Fracassadas outras tentativas das partes envolvidas resolverem a situação, a SOCIEDADE A... foi declarada insolvente por sentença proferida em 11 /2/2016, no âmbito do processo n.º .../16...T8BCR, a correr termos no Juiz 1 do Juízo de Comércio de Coimbra do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra.
76-A partir daquele momento, a gestão patrimonial e a representação da massa insolvente passaram a ser exercidas pelo Administrador de Insolvência nomeado no processo, que entretanto asseguraria o cumprimento das obrigações contabilísticas inerentes a esse património
77- Em 22/03/2016, o município da ... comunicaria à C... a rescisão do Contrato-Programa, comunicação à qual a C... respondeu no próprio dia, declarando a “sua concordância total com o respetivo conteúdo” .
78- Em virtude de a assembleia de credores que aprovou a declaração da insolvência ter decretado o encerramento do estabelecimento, a 4/4/2016, após a comunicação dessa decisão, a administração fiscal declararia oficiosamente a cessação de atividade da SOCIEDADE A...
79- Em 05/04/2016, a C... enviou uma carta ao Banco ... comunicando-lhe a iniciativa da resolução do Contrato de Reabilitação e Exploração Turística, já anteriormente resolvido pelo Banco ..., este em representação da SOCIEDADE A... .
80- Em 08/04/2016, o ... responderia à C... e ao município da ...,recordando-lhes os incumprimento que lhes eram imputáveis, mas também a disponibilidade que sempre manifestara para reestruturar o contrato de financiamento à SOCIEDADE A... e obter uma solução dentro dos “objetivos municipais”
81- Em 07/02/2017, foi registado o encerramento do processo de liquidação da C..., com a consequente extinção desta sociedade.
82- A 10/3/2017, o edifício B... seria adjudicado ao município da ... .
83- A Requerente não procedeu, a quando da resolução do Contrato de Cessação e Exploração Turística à regularização das deduções relativas à construção da obra, nos termos do nº 5 do art. 24º do CIVA, nem consequentemente liquidou IVA à C..., sociedade dissolvida mas ainda em liquidação.
84- Na sequência de uma exposição apresentada à Ordem dos Contabilistas Certificados, a 16/10/2017, pelo Contabilista Certificado - contratado pela massa insolvente, nos termos do art. 76º do Estatuto das Ordem dos Contabilistas Certificados, a administração fiscal iniciou uma ação inspetiva destinada especificamente a avaliar o cumprimento das obrigações da SOCIEDADE A... em IVA nos anos de 2014, 2015 e 2016, que originaria o referido Processo de Inquérito . DIAP .../17.0219 FIG, que se saiba, ainda pendente. A existência de tal processo de inquérito, independentemente do momento em que tenha ocorrido a infração denunciada e do seu carácter doloso ou negligente, seria omitida nos Factos Provados
85-O Relatório do Serviço de Apoio Técnico à Acão Criminal da Direção de Finanças do distrito de Coimbra de 2/8/2018, doravante referido apenas como Relatório de Inspeção Tributária (RIT), emitido no âmbito daquela ação inspetiva ,concluiria que a SOCIEDADE A... devia ter regularizado a favor do Estado, na declaração periódica relativa ao 2º trimestre de 2016(Campo 41 da Declaração modelo 6) o valor total de € 1.011.000,29… correspondente a todo o IVA dedutível registado pela empresa na conta 24322 (IVA dedutível/imobilizado) entre os anos de 2005 e 2013 (€ 1.034.916,88), menos os valores que já haviam sido voluntariamente regularizados pela empresa (€ 23.916,599).
86-Na referida sentença de 6/12/2019, na ação comum n.º .../16...T8CRB-E do Juízo de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, apensa ao processo de insolvência aí referido, a Requerente obteve a condenação do município da ... ao pagamento da importância de € 5.539,69, nos termos do nº 3 da Cláusula 17 do referido Contrato de Reabilitação e Exploração Turística, correspondentes ao valor contabilístico do imobilizado corpóreo do edifício B... a quando da cessação do Contrato de Reabilitação e Exploração Turística .
87- Essa sentença não condenou a SOCIEDADE A... ao pagamento do valor também peticionado de € 1.051.837,09,que o seu contabilista consideraria , na referida comunicação ao Ministério Público, por regularizar, com fundamento em se apoiar em mero cálculo interno, realizado pela administração fiscal a pedido do Ministério Público, e não na notificação de uma liquidação, sujeita a prazos legais de caducidade ou prescrição que podem entretanto ter precludido e ainda não tinha sido efetuada a quando da propositura da ação.
88- Segundo a sentença em causa, esse pedido teria, assim, apenas como fundamento a expectativa ou contingência de uma futura liquidação e não o dano efetivo causado por uma liquidação definitiva, então ainda por fazer.
89- Durante as sextas-feiras e sábados desse mês e do meses seguintes, de acordo com comunicado de 19/1/2022, mencionado na edição de 20/1 do Diário de Coimbra disponível na Internet, a Câmara Municipal da ..., cuja composição tinha sido entretanto novamente alterada após as eleições efetuadas no ano anterior, abriria ao público o edifício B..., alegadamente para elucidar os munícipes sobre a degradação do edifício e as políticas que conduziram a esse resultado. Segundo comunicado do dia anterior, “O passado sublime de há 20 anos atrás de um espaço patrimonial icónico e de inegável interesse para o município deu lugar a um ciclo ruinoso, na sequência de manifestas decisões imponderadas, com consequências quase irreversíveis” A Câmara Municipal da ... afirmaria entretanto procurar uma solução para a recuperação do imóvel, atualmente, segundo afirma, “em ruínas”
90- Os Requerentes não exigiram posteriormente às liquidações impugnadas, pelo meios comuns, o IVA não repercutido ao município da ..., do qual esse imposto constituí encargo, tendo optado por proceder à sua impugnação judicial .
3- Não é objeto do pedido de pronúncia arbitral a legalidade das deduções iniciais efetuadas pela SOCIEDADE A... do IVA suportado com as despesas de reabilitação do edifício B..., do qual, nos termos do Contrato- Programa e do Contrato de Reabilitação e Exploração do imóvel, era possuidora a quando da sua realização, que aliás originaram o posterior reembolso do imposto solicitado pela Requerente nas declarações periódicas em que o crédito do imposto seria apurado.
Na cessão de exploração, o estabelecimento integra o ativo imobilizado do cessionário, quando este o utilize em atividade sujeita a IVA.
Compõem o ativo imobilizado ou não corrente, das empresas os bens que, pela natureza e funções, se destinem a ser prolongadamente utilizados como instrumentos de trabalho ou meios de exploração e, por isso, devem ser considerados de investimento. Contabilisticamente, de acordo com o nº 6 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 7, são hoje chamados de imobilizado os chamados ativos fixos tangíveis, detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento e para fins administrativos, que se espera sejam usados em mais que um período.
Os custos de aquisição desses bens não são, em conformidade, normalmente contabilizados como despesas correntes, sendo, em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), amortizados ao longo de vários exercícios.
Nos termos do nº 1 do art. 22º do CIVA, sejam os bens de investimento, como é o caso, sejam bens do ativo permutável do sujeito passivo, a dedução tem lugar por uma única vez, na declaração do período em que as despesas foram suportadas, e não faseadamente, durante a vida útil do bem.
Tal dedução tem, no termo de cada exercício, sempre caráter definitivo, mas sobre o sujeito passivo do imposto recai o dever legal de regularização anual, que se mantém até ao termo da vida útil dos bens.
Não obsta ao direito à dedução, nem a Requerida o pôs em causa, o carácter meramente preparatório da atividade económica desenvolvida
Como é sabido, as atividades económicas sujeitas a IVA podem consistir numa sucessão de atos consecutivos, independentemente da forma jurídica de que estes se possam revestir, com a consequente extensão do âmbito do imposto a todas as fases de produção e distribuição dos bens e das prestações de serviços. Tais atos podem ser anteriores à fase operacional da vida da empresa, inserir-se nessa fase operacional ou integrarem já a liquidação do seu património.
A neutralidade do IVA com efeito, reclama que as despesas de investimento iniciais, efetuadas em função das necessidades da empresa, sejam consideradas como atividade económica para efeitos do exercício do direito à dedução.
Assim. o IVA incidente sobre os bens e serviços adquiridos antes do início da realização pelo sujeito passivo de operações ativas sujeitas a imposto, mas cuja aquisição seja considerada necessária a essas hipotéticas operações futuras, é dedutível.
Tal doutrina da dedutibilidade do IVA suportado em atos preparatórios seria iniciada nos nºs 22 e 23 do Acórdão do proc. C-268/83, caso Rompelman, com fundamento no Parágrafo 1º do art. 4º da então 6ª Diretiva, que definiria como sujeito passivo qualquer pessoa que exercesse de modo independente em qualquer lugar uma das atividades referidas no nº 2, independentemente do fim ou resultado dessa atividade.
Estão em causa em causa fatos supervenientes à dedução, que impõem, ou podem impor, a regularização do IVA inicialmente deduzido.
4-As regularizações das deduções relativas a bens do ativo imobilizado vêm disciplinadas no art. 24 do CIVA nos seguintes termos:
“1 - São regularizadas anualmente as deduções efetuadas quanto a bens não imóveis do ativo imobilizado se entre a percentagem definitiva a que se refere o artigo anterior aplicável no ano do início da utilização do bem e em cada um dos quatro anos civis posteriores e a que tiver sido apurada no ano de aquisição houver uma diferença, para mais ou para menos, igual ou superior a cinco pontos percentuais.
2 - São também regularizadas anualmente as deduções efetuadas quanto às despesas de investimento em bens imóveis se entre a percentagem definitiva a que se refere o artigo anterior aplicável no ano de ocupação do bem e em cada um dos 19 anos civis posteriores e a que tiver sido apurada no ano da aquisição ou da conclusão das obras houver uma diferença, para mais ou para menos, igual ou superior a cinco pontos percentuais.
3 - Para a regularização das deduções relativas a bens do ativo imobilizado, a que se referem os números anteriores, procede-se do seguinte modo:
a) No final do ano em que se iniciou a utilização ou ocupação e de cada um dos 4 ou 19 anos civis seguintes àquele, consoante o caso, calcula-se o montante da dedução que teria lugar na hipótese de a aquisição ou conclusão das obras em bens imóveis se ter verificado no ano em consideração, de acordo com a percentagem definitiva desse mesmo ano;
b) O montante assim obtido é subtraído à dedução efetuada no ano em que teve lugar a aquisição ou ao somatório das deduções efetuadas até ao ano da conclusão das obras em bens imóveis;
c) A diferença positiva ou negativa divide-se por 5 ou por 20, conforme o caso, sendo o resultado a quantia a pagar ou a dedução complementar a efetuar no respetivo ano.
4 - No caso de sujeitos passivos que determinem o direito à dedução nos termos do n.º 2 do artigo 23.º, a regularização das deduções relativas aos bens referidos nos n.os 1 e 2 tem lugar quando a diferença entre a afetação real do bem no ano do início da sua utilização e em cada um dos 4 ou 19 anos civis posteriores, respetivamente, representar uma alteração do IVA dedutível, para mais ou para menos, igual ou superior a (euro) 250, sendo aplicável o método de cálculo previsto no número anterior, com as devidas adaptações.
5 - Nos casos de transmissões de bens do ativo imobilizado durante o período de regularização, esta é efetuada de uma só vez, pelo período ainda não decorrido, considerando-se que tais bens estão afetos a uma atividade totalmente tributada no ano em que se verifica a transmissão e nos restantes até ao esgotamento do prazo de regularização. Se, porém, a transmissão for isenta de imposto, nos termos dos n.os 30) ou 32) do artigo 9.º, considera-se que os bens estão afetos a uma atividade não tributada, devendo no primeiro caso efetuar-se a regularização respetiva.
6 - A regularização prevista no número anterior é também aplicável, considerando-se que os bens estão afetos a uma atividade não tributada, no caso de bens imóveis relativamente aos quais houve inicialmente lugar à dedução total ou parcial do imposto que onerou a respetiva construção, aquisição ou outras despesas de investimento com eles relacionadas, quando:
a) O sujeito passivo, devido a alteração da atividade exercida ou por imposição legal, passe a realizar exclusivamente operações isentas sem direito à dedução;
b) O sujeito passivo passe a realizar exclusivamente operações isentas sem direito à dedução, em virtude do disposto no n.º 3 do artigo 12.º ou nos n.os 3 e 4 do artigo 55.º;
c) O imóvel passe a ser objeto de uma locação isenta nos termos do n.º 29) do artigo 9.º
7 - As regularizações previstas nos n.os 3 e 4 não são aplicáveis aos bens do ativo imobilizado de valor unitário inferior a (euro) 2500 nem aos que, nos termos do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro, tenham um período de vida útil inferior a cinco anos.
8 - As regularizações previstas nos números anteriores devem constar da declaração do último período do ano a que respeita”.
Completando essa norma, o art. 26º disciplina, assim, as regularizações das deduções relativas a imóveis não utilizados em fins empresariais e que, por isso, tenham deixado de integrar o ativo imobilizado do sujeito passivo:
“1 - A não utilização em fins da empresa de bens imóveis relativamente aos quais houve dedução do imposto durante 1 ou mais anos civis completos após o início do período de 19 anos referido no n.º 2 do artigo 24.º dá lugar à regularização anual de 1/20 da dedução efetuada, que deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.
2 - A regularização anual prevista no número anterior é também aplicável no caso de bens imóveis relativamente aos quais houve inicialmente lugar à dedução total ou parcial do imposto que onerou a respetiva construção, aquisição ou outras despesas de investimento com eles relacionadas, quando tais bens sejam afectos a uma das utilizações referidas na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º
3 - No caso de cessação da atividade durante o período de regularização, esta é efetuada nos termos do n.º 5 do artigo 24.º “
Assim, segundo os nºs 1 e 2 desse art. 24º, relativamente aos móveis e imóveis que compõem o ativo imobilizado das empresas, o termo do prazo de sujeição a esse dever de regularização, conta-se a partir do ano civil em que o bem começa a ser utilizado ou o imóvel é ocupado, em que se pode dizer plenamente que o bem está afeto a uma atividade sujeita, isenta de IVA ou mista, e não no ano civil da aquisição ou do final da construção .
Essa opção da contagem do termo do prazo de regularização a partir da conclusão das obras e posterior utilização/ocupação dos imóveis que integram o ativo imobilizado , na medida em que implica um adiamento do termo do prazo de cumprimento desse dever do sujeito passivo, pode ser mais favorável para este do que se esse prazo se contasse a partir da aquisição ou do início da construção.
Essa solução seria tomada pelo legislador nacional de acordo com a permissão da 2ª parte do nº 2 do art. 20º da Diretiva 77/388/CEE, de 17/5(6ª Diretiva). Poderia, com igual legitimidade, ter adotado outra, por exemplo, a contagem do termo do período de regularização a partir da aquisição dos bens e não da conclusão da construção.
No caso de transmissão de bens móveis ou imóveis, após o início da sua utilização ou ocupação, nos termos do nº 5 desse art. 24º, a regularização é meramente parcial: abrange apenas o período não decorrido. O legislador não referiu, no entanto, expressamente as consequências de a transmissão ser efetuada quando o período de regularização ainda não tiver começado, por a construção não tiver sido concluída e não houver sido iniciada a ocupação ou utilização do imóvel .
Obviamente, à luz de uma interpretação extensiva da lei, que pressupõe que o legislador “minus dixit quam voluit”, a qual, nos termos do nº do art. 12º da LGT e do art. 10º do EBF , não apenas é admissível em Direito Fiscal, como é exigida quando haja que dar à letra da lei um alcance conforme ao pensamento legislativo, a regularização não pode, nesses casos, deixar de ser efetuada pela totalidade do valor dos bens.
Essa é a única solução coerente com a saída do imóvel do ativo imobilizado da empresa, sobre cuja aquisição ou construção tiver sido deduzido imposto constituir fiscalmente transmissão
Essa transmissão pode ser civil e fiscal, quando o seu objeto seja o direito de propriedade sobre o imóvel.
Pode ser somente fiscal, caso em que é uma transmissão meramente ficcionada.
É o que acontece na circunstância referida na alínea f) do nº 3 do art. 3º e da alínea a) do nº 1 do art. 20º do CIVA.: afetação do imóvel sobre o qual do imposto a uma atividade não tributada , seja por estar isenta, seja por se situar fora do campo do imposto
É absurda, à luz da letra da lei e da própria coerência do sistema fiscal, a tese de que as deduções efetuadas no período entre a aquisição e a conclusão das obras não estão abrangidas pelo mecanismo de regularização total , ainda que entretanto o imóvel tenha deixado de integrar o ativo da empresa por ter sido transmitido a terceiros ou desafeto da exploração da empresa,.
Como, aliás, se refere a pg. 23 da informação do Serviço de Apoio e Gestão de Apoio à Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Coimbra, de 13/11/2020,, em que se baseou o indeferimento da reclamação graciosa, caso fosse seguida, dela resultaria o manifesto contra-senso de “…o contribuinte que, após a conclusão da construção do imóvel , transmitisse ou afetasse o imóvel a uma atividade não tributada, ficar sujeito a uma regularização que pode atingir 19/20 avos do IVA deduzido, ao passo que o contribuinte que tivesse transmitido ou afetado o imóvel a uma atividade não tributada antes da conclusão das obras , conservaria no seu património as deduções efetuadas , não obstante a ausência de qualquer relação com atividade sujeita a IVA”.
Assim, tem todo o fundamento a interpretação extensiva do nº 5 do art. 24º do CIVA a que procedeu a AT, que conta na letra da lei com um suporte literal suficiente.
5- Os vícios imputados a essas liquidações adicionais que o Tribunal Arbitral se recusou a conhecer. são, como se referiu, terem sido efetuadas para além do termo do prazo legal de caducidade, a inaplicabilidade do nº 3 do art. 26º do CIVA, que fundamentou as liquidação impugnada, por as regularizações a favor do Estado não poderem ser exigidas se a não utilização dos bens/serviços se deveu a eventos estranhos aos sujeitos passivos, apenas podendo ser integrais em caso de transmissão dos imóveis , e o nº 3 do art. 26º do CIVA só determinar a obrigação de regularização do imposto relacionado com os imóveis e não todo o imposto deduzido pelos sujeitos passivos que cessam a atividade.
6- É, em primeiro lugar, improcedente a exceção da caducidade do direito de liquidação, que figura a i) das Conclusões da PI.
A cessação de atividade, para efeitos do cumprimento do dever de declaração nos 30 dias posteriores à sua ocorrência a que se refere o art. 33º do CIVA, é regulada nos seguintes termos pelo art. 34º desse Código:
“ 1-Para efeitos do disposto no art. anterior , considera-se verificada a cessação da atividade exercida pelo sujeito passivo no momento em que ocorra qualquer dos seguintes factos:
a) Deixem de praticar-se atos relacionados com atividades determinantes da tributação durante um período de dois anos consecutivos, caso em que se presumem transmitidos, nos termos da alínea f) do n.º 3 do art 3.º, os bens a essa data existentes no ativo da empresa;
b) Se esgote o ativo da empresa, pela venda dos bens que o constituem ou pela sua afetação a uso próprio do titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma, bem como pela sua transmissão gratuita;
c) seja partilhada a herança indivisa de que façam parte o estabelecimento ou os bens afetos ao exercício da atividade;
d) Se dê a transferência, a qualquer outro título, da propriedade do estabelecimento.
2 – Independentemente dos factos previstos no nº anterior, pode ainda a administração fiscal declarar oficiosamente a cessação de atividade quando for manifesto que esta não está a ser exercida nem haja a intenção de a exercer ou sempre que o sujeito passivo tenha declarado o exercício de uma atividade sem que possua uma adequada estrutura empresarial suscetível de a exercer.
3 – A cessação de atividade é também declarada oficiosamente, pela administração fiscal, após comunicação do tribunal, nos termos do n.º 3 do art 65.º do CIRE, sem prejuízo do cumprimento das obrigações fiscais nos períodos de imposto em que se verifique a ocorrência de operações tributáveis, em que devam ser efetuadas regularizações ou em que haja lugar ao exercício do direito à dedução”.
Até ao termo do segundo trimestre de 2013 continuaria, com efeito. a Requerente autoliquidar IVA, ainda que residualmente, como adquirente de serviços de construção civil, atuando, assim, como sujeito passivo do imposto, nos termos da alínea j) do nº 1 do art. 2º do CIVA. Ainda que inexistissem outros atos relacionados com o exercício da sua atividade, esta não cessou antes do 2º trimestre de 2015, data em que se iniciou a contagem do prazo de caducidade do direito de liquidação.
No entanto, esta seria notificada à Requerente a 10/10/2019, para além do quatro anos em que, no termo do nº 1 do art. 45º da LGT, deveria ser exercido o direito à liquidação.
Posteriormente, no entanto, continuaria a Requerente a registar despesas com consultoria e apoio técnico à obra, porventura relacionadas com a segurança do edifício, e a contabilidade, que se mantiveram até à declaração de insolvência, a 11/2/2016.
Outros atos relacionados com o exercício da atividade praticou, no entanto, a Requerente após entrar em incumprimento de todas ou parte das suas obrigações declarativas.
Resulta , com efeito, dos Factos Provados que, simultaneamente com o referido contrato de concessão de crédito, a Sociedade A... outorgou, dentro do quadro da Cláusula 18ª do Contrato de Reabilitação e Exploração Turística, uma procuração com data também de 19/12/2008, nos termos da qual “constituiu irrevogavelmente bastante procurador da Mandante o Banco ..., S.A” para, em seu nome e representação, acompanhar e resolver o Contrato de Reabilitação e Exploração Turística celebrado entre a Mandante [sociedade A...] e a empresa municipal C..., nos termos da respetiva Cláusula 15ª, e sempre que se verifiquem as situações que, de acordo com o referido Contrato, confiram à Mandante o direito a invocar justa causa de resolução do contrato”.
Foi essa qualidade de procurador irrevogável da SOCIEDADE A... que permitiria ao Banco... acompanhar em nome desta a execução do Contrato de Reabilitação e Exploração Turística
Foi igualmente nessa qualidade que, já após a paragem da obra de reabilitação do imóvel municipal, o referido Banco ... acordaria com o município da ... uma reestruturação da dívida, através da transferência, por cessão contratual, dos compromissos financeiros, vencidos e vincendos, da SOCIEDADE A... para a C..., que envolveria municipalização da dívida.
Essa aprovação seria sancionada em reunião da Câmara Municipal ... de 16/10/2012 e o negócio apenas não prosseguiu por, a 17/3/2015, o Tribunal de Contas ter recusado o visto à operação.
Apenas a 20/01/2016, fracassadas que foram as negociações posteriormente desenvolvidas entre o. SOCIEDADE A...- representada pelo Banco..., e o município da ..., o Banco ..., sempre em representação da SOCIEDADE A..., resolveu o Contrato de Reabilitação e Exploração Turística, ao abrigo da respetiva cláusula 15ª, com base no incumprimento das obrigações assumidas pela outra parte, deixando, assim, de colaborar, como até então tinha feito, no projeto desenhado pelo município da ... .
Só desde então a SOCIEDADE A... deixou de praticar atos relacionados com o exercício da sua atividade, não tendo qualquer relevância o sistemático incumprimento das suas obrigações fiscais.
No mesmo sentido de que a Requerente continuaria a praticar atos relacionados com a sua atividade até à resolução do Contrato de Reabilitação e Exploração Turística concorre o referido no º 3 da Cláusula 17ª do Contrato de Reabilitação e Exploração Turística em que as partes acordaram que, ocorrendo a extinção do Contrato- Programa, a C... pagaria à SOCIEDADE A... uma compensação pelo valor dos investimentos e benfeitorias realizados por esta, contabilizadas como obras como obras em prédio alheio, por o imóvel continuar a pertencer à C..., correspondente ao maior dos seguintes valores:
-O valor contabilístico do imobilizado corpóreo;
-O valor do capital em dívida ao abrigo do contrato de financiamento referido na Cláusula 12ª, acrescido de todas as demais responsabilidades correspondentes, a despesas, comissões, juros ou penalizações devidas ao abrigo desse Contrato.
A entrega do bem, no termo do contrato de cessão de exploração ou locação quando dela resulte o pagamento de uma compensação ao cessionário ou locatário de uma compensação pelos investimentos feitos e benfeitorias realizadas , é uma operação ativa, tributável em IVA, originando uma regularização do imposto deduzido que, no caso de cessação de atividade, segue os termos da 1ª parte do nº 5 do art. 24º do CIVA (Ficha de 21/2/2022, “IVA- Regularização de Benfeitorias” ,disponível no sítio da Ordem dos Ordem dos Contabilísticas Certificados).
A alínea a) do n.º 1 do art. 1.º do CIVA sujeita, com efeito, a imposto as transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal.
No contrato de cessão de exploração, como no contrato de locação, as partes podem estipular o direito a receber uma indemnização por força da transmissão das benfeitorias ao proprietário do imóvel, baseada no princípio do enriquecimento sem causa.
Tal importância está sujeita a IVA, nos termos gerais.
Neste caso, o valor tributável deve ser o montante da contraprestação a receber do proprietário pela entrega das benfeitorias, nos termos do n.º 1 do art. 16ºº do CIVA, sem prejuízo da aplicação das regras previstas no n.º 10 do mesmo art..
O valor tributável e imposto liquidado devem ser inscritos nos campos 3 e 4 do quadro 06 da declaração periódica do IVA.
Se não existir um montante de contraprestação pela transmissão dessas benfeitorias, pressupondo que o IVA suportado no momento da sua aquisição terá sido total ou parcialmente deduzido , o sujeito passivo deve também proceder à liquidação de IVA por essa transmissão a título gratuito, em virtude de tal operação ser assimilada a uma transmissão onerosa de bens, conforme previsto na alínea f) do nº 3 do artigo 3º do CIVA (transmissão gratuita dos bens relativamente aos quais tenha havido dedução total ou parcial do imposto).
Nesse caso, o valor tributável deve ser o valor normal dos bens, determinado de acordo com os procedimentos referidos na alínea b) do n.º 2 do art. 16.º do CIVA, «o preço de aquisição dos bens ou de bens similares, ou, na sua falta, o preço de custo, reportados ao momento da realização das operações.»
O valor de custo reportado ao momento da realização das operações, corresponde à quantia escriturada das benfeitorias à data das transferências das mesmas para o proprietário do imóvel
A taxa a aplicar deve ser a taxa normal prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA (23 por cento).
Caso se trate de uma transmissão gratuita e não se procedendo à imputação do IVA a liquidar ao adquirente (proprietário do imóvel), esse IVA deve ser liquidado através de um documento interno da atividade empresarial, com os elementos mínimos obrigatórios previstos no n.º 7 do art. 36.º do CIVA.
A transferência da propriedade implica um desreconhecimento do ativo fixo tangível, nos seguintes termos:
- Débito da conta 6871 – «Gastos e perdas em investimentos não financeiros – alienações» ou 7871 – «Rendimentos e ganhos em investimentos não financeiros – alienações» (consoante exista menos ou mais-valia, respetivamente);
- Crédito por contrapartida da conta 432 - «Ativos fixos tangíveis - Edifícios e outras construções», pela quantia escriturada das benfeitorias do imóvel;
Tal regularização, através da liquidação do imposto, que apenas não teria lugar caso o imóvel fosse entregue no estado em que se encontrava ou caso as modificações introduzidas não se refletissem na sua utilidade normal, não foi promovida pela Requerente , ao contrário do que a lei fiscal, em especial io nº 5 do art. 24º, aplicável “ex vi” do nº 2 do art. 25º, do CIVA.
Assim, a atividade da Requerente prosseguiria até è entrega do imóvel à C..., consequente da cessação de atividade da SOCIEDADE A..., facto gerador do direito à liquidação do IVA , por isso, tempestivamente realizada..
7- Invocaria ainda a Requerente a favor da sua posição, a ii) das Concluões da PI, a inaplicabilidade do nº 3 do art. 26º do CIVA, que fundamentou a liquidação impugnada, por as regularizações a favor do Estado não poderem ser exigidas se a não utilização dos bens/serviços se deveu a eventos estranhos aos sujeitos passivos
Cita para efeito a doutrina, entre outros, do Acórdão do TJUE no proc. C-37/95, nos termos do qual o art. 17.° da 6ª Diretiva deve ser interpretado no sentido de permitir que um sujeito passivo, agindo como tal, deduza o IVA de que é devedor relativamente a bens que lhe foram entregues ou serviços que lhe foram prestados para efeitos de trabalhos de investimento destinados a serem utilizados no âmbito de operações tributadas e, sendo caso disso, se o direito à dedução se mantém no caso de, por circunstâncias alheias à sua vontade, o sujeito passivo jamais ter feito uso de tais investimentos para efetuar operações tributadas
Segundo esse Acórdão, que evoca o precedente do Acórdão proferido no proc. C-110/94, o direito à dedução., por ser definitivo uma vez uma exercido, subsiste mesmo que a atividade económica projetada não dê origem a operações tributadas.
De igual forma, o direito à dedução exercido após a declaração do início de atividade subsistiria mesmo que, por razões alheias à sua vontade, o sujeito passivo não tivesse podido utilizar os bens ou serviços que deram origem à dedução no âmbito de operações tributáveis.
Segundo tal jurisprudência, apenas em situações fraudulentas ou abusivas, em que o interessado simulou desenvolver uma atividade económica especial, mas procurou, na realidade, fazer entrar no seu património privado bens que podem ser objeto de dedução, a administração fiscal poderia pedir, com efeitos retroativos, a restituição das quantias deduzidas, uma vez que essas deduções foram concedidas com base em falsas declarações.
Pelo contrário, não existiria qualquer risco de fraude ou abuso que possa justificar uma ulterior restituição no caso de terem sido razões alheias à vontade do sujeito passivo que o impediram de utilizar os bens ou serviços que deram lugar à dedução para efeitos das suas operações tributáveis.
A doutrina desses Acórdãos não tem, no entanto, qualquer aplicabilidade ao caso concreto.
Com efeito, a Requerida, não questionou em qualquer das suas intervenções processuais a intenção da Requerente exercer uma atividade económica, que apenas se frustraria por um conjunto de razões já anteriormente referido
Ao contrário do que a Decisão Arbitral, sustenta, a administração fiscal não fundamentou a liquidação principal controvertida, nem o subsequente indeferimento da reclamação graciosa, apenas no abandono da atividade, mas na consequente afetação dos imóveis a uma atividade não tributada-.
O RIT que originou as liquidações impugnadas baseou –se, como resulta das pgs. 16 e 17, nos seguintes argumentos:
a) A definitiva não utilização do imóvel para uma atividade tributada. Essa não utilização definitiva implica saída do bem do ativo imobilizado da Requerente; ficcionada, como transmissão fiscal na alínea f) do nº 3 do art. 3º e na alínea a) do nº 1º do art. 20º do CIVA, dada a anterior dedução do imposto (argumento de facto).
b) O nº 5 do art. 24º, aplicável “ex vi” do nº 2 do art. 26º, sujeitar regularização a transmissão fiscal decorrente dessa não utilização definitiva (argumento de direito).
Determinantes da tributação foram, assim, essa não utilização definitiva, consequente da resolução do Contrato-Programa entre o município da ... e a C... e do Contrato de Reabilitação e Exploração Turística entre a C... e a SOCIEDADE A... e subsequente entrega do imóvel à C..., a 20/1/2016, incluindo investimentos e benfeitorias incorporadas,
Nesse sentido, apontaria, sem qualquer sombra de obscuridade, o III, 2, do RIT, que se volta a reproduzir.:
“Assim, mesmo sem ter sido iniciado o período de regularização previsto no n.º 1 do art.º 26º do CIVA, a atividade da sociedade foi cessada, pelo que teremos de dar cumprimento ao disposto no n.º 3 do mesmo artigo, no sentido de a situação do contribuinte relativamente a este imóvel (e à dedução de IVA realizada) ficar encerrada. A regularização referida é obrigatória, pelo normativo referido, e tem que ser reportada a maio de 2016, que é a data de cessação da atividade, data em que fica definitivamente expresso que a atividade de hotelaria para a qual a A..., S.A. esteve coletada não vai ser concretizada naquele imóvel”.
Assim, a liquidação impugnada baseou-se, ainda que indiretamente, no nº 5 do art. 24º do CIVA, aplicável “ex vi” do nº 2 do art. 26º.
Ao contrário do que, através de uma, citação deslocada do contexto, concluí a Decisão Arbitral, fundamento da liquidação não foi, assim, a não realização da atividade projetada, mas a transmissão fiscal consequente da cessação de atividade, com enquadramento no nº 5 do art. 24º do CIVA, via remissão do nº 2 do art. 26º.. Essa regularização foi efetuada na totalidade em virtude da não conclusão das obras do imóvel e posterior ocupação a quando da transmissão.
Concede-se que o abandono da atividade não implica, por si só, o dever de regularização quando o sujeito passivo tiver desenvolvido os esforços razoáveis para a prosseguir, mas tiver concluído , em virtude das diligências realizadas, pela inviabilidade económica do projeto (Acórdão do TJUE no proc. C- 249/17, aplicável ao direito à dedução do IVA dos serviços de consultadoria prestados a empresa de aviação civil na preparação de um projeto de fusão que, por aquele motivo, acabaria por não se concretizar).
Não está em questão, no entanto, a regularização do IVA suportado em virtude da prestação desse tipo de serviços, mas de despesas com imóveis fiscalmente transmitidos para fins incompatíveis perante os que justificaram as deduções iniciais, que são objeto de regulação autónoma pelo direito nacional e comunitário.
Assim, a justificação da tributação foi a entrega à C... do edifício B... com os investimentos e benfeitorias aí incorporadas , sem que a SOCIEDADE A... tivesse efetuado a necessária liquidação/regularização do IVA.
Essa entrega é um facto independente, ainda que relacionado, quando diretamente consequente, do abandono da atividade.
Essa posição tem suporte no nº 23 do Acórdão nº C. 37/95, de acordo com o qual a entrega de bens de investimento durante o período de ajustamento, como sucede no processo principal a que tal Acórdão se refere, pode dar lugar ao ajustamento da dedução nas condições previstas no n.° 3 do art. 20.° da então 6ª Diretiva, com a eventual liquidação do IVA .
Tal ajustamento não é um efeito automático do abandono da atividade projetada, podendo ou não ocorrer quando este se verifique.
Resulta de, em consequência do Contrato- Programa e do Contrato de Reabilitação e Exploração Turística, o imóvel B... ter deixado de integrar o ativo da SOCIEDADE A... para passar a integrar o ativo da C..., então já em liquidação.
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De acordo com esse nº 3 do art. 20º da 6ª Diretiva:
“No caso de entrega durante o período de ajustamento, os bens de investimento são considerados afetos a uma atividade económica do sujeito passivo até ao termo do período de ajustamento.
Presume-se que esta atividade económica é inteiramente tributada nos casos em que a entrega dos referidos bens é tributada; presume-se que está totalmente isenta nos casos em que a entrega se encontra isenta.
O ajustamento efetua-se uma única vez relativamente a todo o restante período de ajustamento.
Todavia, os Estados-membros podem não exigir, neste último caso, o ajustamento na medida em que o adquirente seja um sujeito passivo que utiliza os bens de investimento em questão exclusivamente para operações em relação às quais o imposto sobre o valor acrescentado é dedutível”.
O art. 188º da Diretiva IVA regula essas situações em termos idênticos, não tendo dado origem a quaisquer alterações posteriores da lei nacional.
Assim:
1. No caso de entrega durante o período de regularização, os bens de investimento são considerados afetos a uma atividade económica do sujeito passivo até ao termo do período de regularização.
Presume-se que essa atividade económica é inteiramente tributada nos casos em que a entrega dos referidos bens de investimento for tributada.
Presume-se que a atividade económica está totalmente isenta nos casos em que a entrega de bens de investimento se encontrar isenta.
2-A regularização prevista no n.o 1 efetua-se uma única vez relativamente a todo o restante período de regularização. Todavia, quando a entrega de bens de investimento estiver isenta, os Estados-Membros podem não exigir a regularização na medida em que o adquirente seja um sujeito passivo que utiliza os bens de investimento em questão exclusivamente para operações em relação às quais o IVA é dedutível”.
Nos termos do nº 3 do art. 187º o prazo de regularização das despesas de investimento em imóveis continuaria a ser de 20 anos, pelo que a lei não seria consequentemente alterada.
Assim com a resolução, a 20/1/2016, do Contrato de Reabilitação e Exploração Turística, pelo Banco ... em representação da SOCIEDADE A... a posse do bem imóvel B..., com os investimentos feitos e benfeitorias incorporadas, reverteria para a C..., ainda que já dissolvida e em liquidação, nos termos da referida Lei nº 53-F/2006, e, no termo dessa liquidação , para o município da ... ao qual o imóvel seria adjudicado, sem que, no entanto, a SOCIEDADE A... tivesse liquidado IVA. .
Com a entrega à C..., sociedade dissolvida e ainda em liquidação, o edifício B... deixaria de estar afeto a uma atividade tributada.
Assim, a cessação da atividade do sujeito passivo impõe, por força dessa remissão do nº 2 do art. 26º para o nº 5 do art. 2, a saída do imóvel do ativo imobilizado da empresa, ainda que, por exemplo, através de uma operação de “lease back”, locação/venda, esta continue a utilizar o bem agora na qualidade de locatária e não como possuidora.
Essa é a doutrina do Acórdão do STA de 7/3/2007, proc. 0587/06, recentemente reafirmada no Acórdão de 10/11/2012, proc. 0718/16 BEAVR).
Assim, a justificação da tributação foi a entrega à C... do edifício B... com os investimentos e benfeitorias aí incorporadas , sem que a SOCIEDADE A... tivesse efetuado a necessária liquidação/regularização do IVA.
A intervenção do município da ... após a cessação do Contrato-Programa subsequente à declaração de insolvência e à resolução do Contrato de Reabilitação e Exploração Turística limitou-se ao exercício dos seus poderes de autoridade, fora do campo do imposto, como impõe o nº 2 do art. 2º do CIVA. não tendo, assim, direito à dedução do IVA que a SOCIEDADE A... lhe devia ter liquidado a quando da regularização do IVA , que, aliás, . não fez.
Assim sendo, carece de fundamento o segundo vício invocado pelos Requerentes.
8- Segundo o iii) da Conclusões, a regularização do imposto teria incidido sobre a totalidade das despesas incorridas pelo sujeito passivo no exercício da sua atividade e não apenas as relacionadas com o ativo imobilizado.
Esse último argumento, como os anteriores, é manifestamente improcedente: na verdade, a liquidação principal controvertida foi apurada com base no valor do ativo imobilizado, benfeitorias incorporadas, apurado com base na contabilidade do sujeito passivo, e não sobre quaisquer consumos efetuados pelo sujeito passivo, não refletidos nesse valor contabilístico.
9- O argumento de uma pretensa fundamentação “a posteriori” é justificado do seguinte modo na Decisão Arbitral:
“Relativamente a esta matéria, não poderá, julga-se, deixar de se reconhecer razão à Requerente, como, de resto, a própria AT acabou por o fazer em sede de decisão da Reclamação Graciosa.
Com efeito, e conforme consta, igualmente, consta dos factos dados como provados, em tal decisão pode ler-se, para além do mais, que:
- “No caso concreto em que não se chegou a concluir, não se iniciou a utilização ou ocupação do imóvel em reabilitação, não são aplicáveis diretamente o mecanismo das regularizações das deduções de IVA relativas a bens do ativo imobilizado, decorrendo a não dedutibilidade de IVA suportado, outrossim, diretamente da aplicação do princípio geral constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA”; e
“Deste modo, todos os valores de IVA suportados e deduzidos pela empresa no Campo 20 das diversas DP’s de IVA transpostos dos extractos da conta 24322 – Iva dedutível/imobilizado, isto é, provindo de todos os bens quer imóveis quer móveis integrantes do imobilizado (activos fixos tangíveis) cujo destino foi inviabilizado estão sujeitos a liquidação de IVA a favor do Estado (regularização), não por aplicação da regra do n.º 3 do artigo 26.º do Código do IVA, a qual apenas reforça a razão da correção feita, mas diretamente pela aplicação da regra geral contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, porquanto os bens não chegaram a ter uso na finalidade prevista que sustentou a dedução a qual, deste modo, objetivamente e à posteriori se veio a mostrar como indevida”.
Ao contrário do que pretende essa pronúncia integrante da Decisão Arbitral, a decisão do indeferimento da reclamação graciosa não concedeu qualquer razão, ainda que parcial, à Requerente, tendo-se limitado a manter e desenvolver, ainda que com palavras diferentes, a fundamentação da liquidação impugnada, como consta do RIT nos termos atrás citados.
Declarou o óbvio: a liquidação impugnada fundou-se numa interpretação extensiva da norma do nº 5 do art. 24º, na medida em que esta refere o dever de regularização apenas compreender o “período ainda não decorrido” desde o início da ocupação ou utilização do bem e não desde o ingresso do imóvel ativo imobilizado da empresa e consequente início das deduções. A menção à alínea a) do nº 1 do art. 20º não implica o acréscimo de qualquer fundamento à liquidação: tal norma é apenas invocada enquanto princípio geral do sistema IVA: só é dedutível o imposto suportado em atividades tributadas.
Poderia o legislador ter sido mais rigoroso se em vez da expressão “diretamente” tivesse utilizado a expressão “literalmente”. Obviamente, não é exigível a um relatório da inspeção tributária que seja juridicamente rigoroso em todas as expressões utilizadas: necessário é que os seus destinatários possam cabalmente compreender o sentido e alcance das decisões, para o efeito de as poderem reclamar ou impugnar.
Ao contrário do que sustenta a Decisão Arbitral, é meramente confirmativo o ato que, ainda que se volte a pronunciar situação substantiva do contribuinte, não cria obrigações novas nem altere o conteúdo da obrigação do contribuinte(Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 1/6/2002, proc. 38.023BTRT),
Tal é o indeferimento da reclamação graciosa controvertido: tal indeferimento deixa intacto o ato tributário impugnado, reforçando apenas as razões conducentes à sua emissão.
10- A fundamentação do ato tributário é, sem dúvida, contextual e, por isso, contemporânea do ato. (Acórdão do STA de 11/12/2019, proc. 085904/4.2BEPRT)
Como salienta esse Acórdão, a exigência da fundamentação contextual é indispensável a um exercício informado esclarecido do direito de impugnação graciosa ou contenciosa pelo interessado, o qual não deve ser confrontado com novos fundamentos surpresa não expressamente aduzidos no ato impugnado, que ignorava na apresentação dos meios de defesa.
No sentido propugnado é pacífica e abundante a jurisprudência dos tribunais superiores, evocada por esse Acórdão.
O indeferimento da reclamação graciosa impugnado não é, à luz desse critério, ao contrário da Decisão Arbitral não precedida de audição da Requerida, qualquer ato- surpresa, mas um ato previsível face ao teor da liquidação impugnada e da sua fundamentação no RIT.
11- É admissível eventual direito de crédito da SOCIEDADE A... e da massa insolvente ao IVA que não repercutiu legalmente à C..., por não ter efetuado a regularização a que estava obrigada.
Tal direito, no entanto, espeita às relações entre repercutente e repercutido, que se situam fora do âmbito da relação jurídica do imposto e do âmbito do contencioso tributário.
Tal direito, a existir, deveria ser dirimido pelos meios comuns e não em processo arbitral.
Não é ao Estado, através da construção puramente artificial em que repousa a Decisão Arbitral da qual esta Declaração de Voto é anexa, em vez do município da ..., sucessor da C..., que cabe suportar, à margem do disposto no nº 5 do art. 24º do CIVA, as consequências da omissão desse dever legal de regularização, nem também o facto de, por seu livre alvedrio, a SOCIEDADE A... e a massa insolvente não terem exigido judicialmente à ... esse IVA, como poderiam ter feito a partir do momento, não da participação à Ordem dos Contabilísticas Certificados, mas da liquidação.
Desta Decisão Arbitral resulta verdadeiro enriquecimento sem causa dos Requerentes e eventualmente o município da ... que o facto de ser efetuado à custa das receitas tributárias do Estado, como se estas não fossem património coletivo dos cidadãos, não torna menos chocante.
Representa também, ainda que apenas objetivamente, o incentivo a políticas municipais menos ponderadas, a coberto da almofada do erário público.
12.- Sobre a data da presente assinatura que não pude efetuar anteriormente, cabe-me ainda fazer a seguinte pronúncia adicional:
“1 - No procedimento arbitral, os prazos contam-se nos termos do Código do Procedimento Administrativo, com as necessárias adaptações.
2 - Os prazos para a prática de atos no processo arbitral contam-se nos termos do Código de Processo Civil.
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Segundo o art. 15º do mesmo RJAT:
“O processo arbitral tem início na data da constituição do tribunal arbitral, nos termos do n.º 8 do artigo 11.º”.
Nos termos da remissão desse nº 8 para a alínea c) do nº 1 e para o nº 7 desse art., o tribunal arbitral considera-se constituído após a designação dos árbitros quando não houver oposição nos termos dessas normas legais.
Nos termos do art. 28º da Lei nº 62/2013, de 26/8, as férias judiciais decorrem de 22 de dezembro a 3 de Janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 26 de Julho a 3 de Agosto.
Tal norma não se aplica ao período entre o pedido de pronúncia arbitral e a constituição em que a contagem dos prazos se efetua nos termos do Código do Procedimento Administrativo (CPA)
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O Árbitro
(António de Barros Lima Guerreiro)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.