SUMÁRIO
a) O n.º 5 do art. 71.º do EBF (Estatuto dos Benefícios Fiscais) determina que as mais-valias auferidas por sujeitos passivos residentes decorrentes da primeira alienação, subsequente à intervenção, de imóvel localizado em área de reabilitação urbana, são tributadas à taxa autónoma de 5 %, sem prejuízo da opção pelo englobamento;
b) Dada a comparabilidade da situação entre residentes e não residentes fiscais não se vislumbra qualquer justificação para a desigualdade de tratamento fiscal das mais- valias obtidas entre os sujeitos passivos residentes e não residentes fiscais, no que respeita à aplicação do benefício fiscal previsto no n.º 5 do artigo 71.º do EBF, que visa incentivar a realização de obras de reabilitação nos termos do DL nº 307/2009 e legislação complementar, não contemplando em si a capacidade contributiva pessoal ou a situação pessoal e familiar do beneficiário.
c) Não havendo fundamento para essa discriminação, entende-se que a norma em causa é incompatível com a liberdade de circulação de capitais.
d) Por força do efeito direto do art. 63.º do TFUE, o benefício fiscal previsto no n.º 5 do art. 71.º deve ser aplicado aos sujeitos passivos não residentes que preencham as condições ali previstas, salvo quando optem pelo englobamento referido no n.º 2 do art. 72.º do CIRS, nos termos do nº 8 do artigo 71.ºdo Código do IRS.
DECISÃO ARBITRAL
I - RELATÓRIO
1.Identificação das Partes
1.1. Requerente
A..., natural da Bélgica, de nacionalidade belga, divorciado, titular do número de identificação fiscal ..., residente em ..., na Bélgica
1.2. Requerida
Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), representada pelas juristas drªs B... e C... .
2.Tramitação e constituição do Tribunal
2.1. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado a 29/11/2021, dia imediatamente subsequente a um sábado e domingo, e seria aceite e encaminhado para a AT a 30/11 , tendo o Requerente optado pela não designação de árbitro;
2.2. A 20/12/2021, a AT designaria as juristas que a representaram no processo;
2.3. A 14/1/2022, nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 11º do RJAT (DL nº 10/2011, de 20/1), o Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou como árbitros o Prof. Doutor Guilherme W. d'Oliveira Martins, árbitro presidente e os drs. António de Barros Lima Guerreiro e Magda Feliciano (árbitros adjuntos).
2.4. A 1/2/2022, seria comunicada pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos termos da alínea c) do nº 1 do art. 11º do RJAT, a constituição do Tribunal Arbitral
2.5- Nesse mesmo dia, o Presidente do Tribunal Arbitral notificaria a diretora-geral da AT para, no prazo de 30 dias, responder ao pedido de pronúncia arbitral, revogar total ou parcialmente o ato ou, querendo, requerer prova adicional.
2.5. A 9/3/2022, a AT apresentaria resposta, em que transmitiria também o acto tributário impugnado ter sido objecto de revogação parcial.
2.6. A 25/3/2022, a Requerente comunicaria ao Tribunal Arbitral a revogação -parcial do ato impugnado, na parte em que, aplicando a taxa especial de 28 % considerou a totalidade das mais- valias realizadas e não metade do seu valor, nos termos do nº 3 do art. 43º do CIRS, revogação que lhe teria sido comunicada a 9/2 anterior, solicitando a redução do valor da causa e a devolução da taxa de arbitragem inicial paga a mais.
2.7A 30/3/2022, o Tribunal Arbitral notificaria a Requerente do seguinte despacho:
“Na Resposta ao PPA refere a Requerida que “no que respeita ao pedido alternativo efetuado pelo Requerente, entende a AT que no apuramento do IRS do ano de 2020, apenas 50% do rendimento tributável da categoria G auferido deve ser ponderado para efeitos da aplicação da taxa de tributação prevista no art.º 72º CIRS.”
2) Ora, este entendimento corporiza uma revogação parcial do ato em análise do caso sub judice.
3) Em face disto, notifique-se o Requerente para se pronunciar, no prazo de cinco dias, sobre o acto revogatório e as suas consequências quanto ao prosseguimento do processo.
4) Notifique a Autoridade Tributária para juntar ao processo, em cinco dias, o despacho de revogação parcial do acto tributário que constitui objecto de impugnação no processo arbitral”.
2.8. A 20/4/2022, pronunciar-se-ia a Requerente no sentido de que a revogação do acto, ainda que após o termo do prazo legal, importa a inutilidade superveniente da lide, total ou parcial conforme o acto tiver sido total ou parcialmente revogado, nos termos da alínea e) do art, 287.º do Código de Processo Civil/CPC) , aplicável “ex vi” da alínea e) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT.
2.9. Tal inutilidade superveniente da lide apenas à AT poderia ser imputada uma vez que não revogou o acto antes da constituição do tribunal arbitral.
2.10. Dessa alteração do objecto do pedido resultaria a redução do valor da causa e, consequentemente, a redução do valor da taxa de arbitragem devida bem como o reembolso da taxa de arbitragem paga a mais.
2.11- A AT não cumpriu, dentro desse prazo ou posteriormente, a solicitação referida a 2.7., pelo que o conhecimento do Tribunal Arbitral do ato revogatório é meramente indirecto.
3.O PEDIDO
Pretende o Requerente a anulação parcial da liquidação de IRS do ano de 2020, com o n.º 2021..., no montante de €128.923,16, datada de 22/6/2021 por incompatibilidade das normas aplicadas com o princípio da livre circulação de capitais consagrado no art. 63º do TFUE , já que, para ser respeitado tal princípio, a taxa especial que devia ter sido aplicada aos rendimentos de mais- valias obtidos pelo Requerente nesse período de tributação seria, em vez de 28 %, de 5%, dado o prédio alienado ter sido sujeito a uma intervenção de reabilitação urbana e estar localizado em Área de Reabilitação Urbana, de acordo com o nº 5 do art. 71º do EBF.
Ainda que se considerasse essa taxa de 5 % não aplicável, deveria o Requerente ser tributado apenas sobre metade da mais-valia realizada, à taxa de 28%.
4. AS PARTES
4.1. Posição da Requerente
Segundo o Requerente o nº 5 do art. 71º do EBF tem por objectivo tornar a actividade de reabilitação urbana fiscalmente mais atractiva, contribuindo, assim, para a conservação e modernização do parque imobiliário nacional.
Para a conservação e modernização do parque imobiliário nacional, contribuem igualmente residentes e não residentes, sendo arbitrária qualquer discriminação entre ambos.
A recusa do acesso ao benefício fiscal dessa norma do EBF aos cidadãos não residentes seria manifestamente ilegal.
Tal discriminação viola, na verdade, o princípio da livre circulação de capitais previsto no art. 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e, consequentemente, o primado do Direito da União Europeia, consagrado no nº 4 do art. 8. º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Tal posição é corroborada pela jurisprudência nacional e comunitária.
4.2. Posição da Requerida
Segundo a Requerida, a posição do Requerente é contrária à interpretação literal do nº 5 do art. 71º do EBF.
O nº 5 do art. 71º apenas é aplicável quando o contribuinte não optasse pelo englobamento.
No entanto, quando o não residente não optar pelo englobamento, a taxa a aplicar imperativamente, como resulta da interpretação conjugada da alínea a) do nº 1 e do nº 8 do art. 72º do CIRS, não é de 5 % mas 28 %.
A AT está, por outro lado, constitucionalmente subordinada ao princípio da legalidade, não podendo recusar as normas de direito interno com fundamento na sua incompatibilidade com o TFUE.
5. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).
A AT informou o Tribunal, após a sua constituição da revogação parcial do acto impugnado. Em consequência, atento o disposto no n.º 1 do artigo 299.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT, o valor da causa ficou fixado em €105.901,17.
O pedido é tempestivo, por deduzido dentro do prazo da alínea b) do n.º 1 do art. 102.º do CPPT.
6. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
6.1. Factos Provados
Foram provados os seguintes factos:
1- A 9/7/2017, o Requerente e D..., com número de contribuinte fiscal..., também residente na Bélgica, por escritura pública celebrada no Cartório Notarial E..., compraram pelo preço de €780.000,00 o prédio urbano situado na Rua ... a ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº ..., da mesma freguesia e inscrito na matriz predial da freguesia da ... sob o art.º, com o valor patrimonial tributário aí mencionado, tendo pago o imposto municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis(IMT) e o imposto de selo devidos.
2- Antes do início das obras, a 8/2/2017, solicitou o Requerente junto da Câmara Municipal de Lisboa vistoria prévia para efeitos de acesso aos benefícios fiscais dos arts. 45º e 71º do EBF
3- A 16.06.2017, foi reconhecido que o imóvel adquirido se encontra em área de reabilitação urbana e emitida certidão do estado de conservação do imóvel para efeitos de posterior obtenção de vistorias para certificação de reabailitação urbana nos termos e para efeitos do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, estabelecido pelo DL n.º 307/2009, de 23/10;
4-Todo o prédio de que fazem parte as fracções transmitidas foi objeto de obras de ampliação com demolição, licenciadas pela Câmara Municipal de Lisboa, no âmbito do proc. .../EDI/ 2OL7 , de 02/8/2018;
5-O Requerente solicitou reconhecimento da intervenção de reabilitação, nos termos e para efeitos do nº 4 do art. 45º do EBF.
6- Por Despacho de 20/7/2021, ao Requerente foi notificad opelo Chefe de Departamento de Receitas e Financiamento da Direcção de Finanças da Câmara Municipal de Lisboa, em substituição da Diretora desse Departamento, ia que, conforme Despacho n.º1/DMF/DRF12021, publicado no Boletim Municipal n.º 29 de 8/7/ 2021, foi deferido o reconhecimento da reunião dos pressupostos para efeitos de concessão da isenção do lMl prevista na alínea a) do nº 2 do art. 45º do EBF, na sua atual redação, por um período de 3 anos, com início no ano de 2020, do que foi dado também conhecimento ao 7º serviço de finanças do concelho de Lisboa.
7- Sucessivamente, durante o ano de 2020, o Requerente (e o outro comprador) procederam, por escrituras públicas celebradas no Cartório Notarial F..., à venda das diversas fracções do referido prédio, entretanto constituído em propriedade horizontal.
8- Assim, a 10/2/2020, venderiam a fracção autónoma A, rés-do-chão, pelo preço de €520.000,00, a 12/8/2020, a fracção autónoma B, piso 1, pelo preço de € 472.5000,00, a 17/2/2020, a fracção autónoma C, piso 2, pelo preço de € 500.000,00, a 4/8/2020, a fracção autónoma D, Piso 3 , pelo preço de € 500.000,00 e a 4/8/2020, a fracção autónoma E, Piso 4, pelo preço de €375.000,00, tendo desses montantes o Requerente recebido o valor do preço correspondente à sua quota de comproprietário, respetivamente €260,000,00, €236,250,00, €250,000,00, €250,000,00 e €187.500,00, tendo recaído sobre todas essas transmissões IMT e imposto de selo .
9- O Requerente entregou a declaração modelo de IRS do ano de 2020, não tendo exercido a opção pelo englobamento prevista no nº 8 do art. 72º.
10- Com base nessa declaração, a 22/6/2021, a administração fiscal apurou o rendimento global de €460.439,86, correspondente às mais – valias imobiliárias resultantes da venda, ao qual, dado o não exercício da opção pelo englobamento, aplicaria a taxa de tributação autónoma de 28 % prevista na alínea a) do nº 1 do art. 72º do CIRS e não a taxa especial do nº 5 do art. 71º do EBF.
11- No ano de 2020, não apurou o Requerente quaisquer outros rendimentos para além dessas mais-valias.
12—Da liquidação de IRS resultou o valor de €128.923,16.
6.1. Factos não Provados
Não se consideraram não Provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.
7. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A questão decidenda subjacente aos presentes autos consiste essencialmente em determinar se o n.º 5 do art. 71º do EBF é ou não compatível com o nº 1 do art. 63.º do TFUE, nos termos do qual, no âmbito das disposições do Capítulo 4 do Título IV da Parte III em que a primeira norma se insere, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
O nº 1 do art. 65º do mesmo TFUE estabelece que o princípio da liberdade de circulação de capitais não prejudica o direito de os Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
O n.º 2 desse art. 65.º, por sua vez, ressalva a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados, sendo certo que o n.º 3 da referida norma as medidas e procedimentos a que se referem os nºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no art. 63º do TFUE.
O n.º 5 do art. 71º do EBF sujeita as mais-valias auferidas por sujeitos passivos residentes em território nacional à taxa autónoma de 5 %, sem prejuízo da opção pelo englobamento, quando sejam inteiramente decorrentes da alienação de imóveis situados em “área de reabilitação urbana”, recuperados nos termos das respetivas estratégias de reabilitação.
Segundo a jurisprudência constante do TJUE (Vfr. acórdãos C-342/10 e C-600/10) são restrições aos movimentos de capitais abrangidas pelo n.º 1 do art. 63.º do TFUE todas as medidas suscetíveis de dissuadir os não residentes de investirem num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes desse Estado-Membro de investirem noutros Estados .
Assim, as diferenças de tratamento autorizadas pela alínea a) do nº 1 do art. 65º do TFUE distinguem-se das discriminações proibidas pelo n.º 3 do referido artigo.
Resulta da jurisprudência do TJUE que, para uma regulamentação fiscal nacional poder ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (cfr. Acórdãos C-35/98, 319/02 e C- 250/08).
Para o efeito, tem sido entendido que deve ser sempre demonstrada um nexo direto entre uma determinada vantagem fiscal obtida pelo contribuinte não residente e a compensação dessa vantagem pelo imposto liquidado.
Caso se conclua o n.º 5 do art. 71.º do EBF violar o princípio da liberdade de circulação de capitais, por proceder a uma discriminação arbitrária dos não residentes, cabe, ainda assim, ao Tribunal Arbitral verificar se os requisitos concretos de aplicação do benefício fiscal previsto para os residentes foram concretamente preenchidos pelo não residente.
Segundo o nº 1 do art. 45º do EBF, cuja epígrafe é Prédios Urbanos Objeto de Reabilitação, os prédios urbanos ou frações autónomas concluídas há mais de 30 anos ou localizados em áreas de reabilitação urbana beneficiam dos incentivos previstos nesse art., desde que preencham cumulativamente as seguintes condições:
a) Sejam objeto de intervenções de reabilitação de edifícios promovidas nos termos do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, aprovado pelo DL n.º 307/2009, ou do regime excecional do DL n.º 53/2014, de 8/4;
b) Em consequência da intervenção anteriormente mencionada, o respetivo estado de conservação esteja dois níveis acima do anteriormente atribuído , tenha, no mínimo, um nível bom nos termos do disposto no DL n.º 266-B/2012, de 31/12, e sejam cumpridos os requisitos de eficiência energética e de qualidade térmica aplicáveis aos edifícios a que se refere o art. 30.º do DL n.º 118/2013, de 20/8, alterado pelo DL n.º 194/2015, de 14/9, sem prejuízo do disposto no art. 6.º do referido Decreto-Lei n.º 53/2014.
O nº 2 desse 45º do EBF completa esse nº 1, dizendo que aos prédios aí referidos são aplicáveis os seguintes benefícios fiscais:
a) isenção de IMI por um período de três anos a contar do ano, inclusive, da conclusão das obras de reabilitação, podendo ser renovado, a requerimento do proprietário, por mais cinco anos no caso de imóveis afetos a arrendamento para habitação permanente ou a habitação própria e permanente , nos termos do nº 6 , mediante deliberação da assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal, de acordo com o n.º 2 do art. 16.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais;
b) Isenção de IMT nas aquisições de imóveis destinados a intervenções de reabilitação, desde que o adquirente inicie as respetivas obras no prazo máximo de três anos a contar da data de aquisição;
c) Isenção de IMT na primeira transmissão, subsequente à intervenção de reabilitação, a afetar a arrendamento para habitação permanente ou, quando localizado em área de reabilitação urbana, também a habitação própria e permanente; d) Redução a metade das taxas devidas pela avaliação do estado de conservação de que depende a conclusão do procedimento de reabilitação.
Tais benefícios, segundo o nº 3, não prejudicam a liquidação e cobrança dos respetivos impostos, nos termos gerais. De acordo, assim, com essa norma legal, sempre que o reconhecimento da conclusão da intervenção seja posterior ao facto, a isenção opera por meio do reembolso do imposto pago.
Segundo o nº 6, as posteriores anulações das liquidações de IMI e IMT anteriores ao reconhecimento da intervenção são efetuadas pelo serviço de finanças no prazo máximo de 15 dias a contar da comunicação prevista na parte final do nº 4 seguidamente referida.
Na verdade, antes da entrada em vigor do art. 263º da Lei 114/2017, de 29/12, as isenções previstas nos n.ºs 1 e 2, segundo a redacção do nº 4 do art. 45º dependiam de reconhecimento pela câmara municipal da área da situação do prédio, após a conclusão das obras e a emissão da certificação urbanística e da certificação energética atualmente regulada pelo DL nº 101-D/2020, de 7/12, que o n.º 2 menciona.
Esse art. 263º eliminaria essa necessidade de reconhecimento das isenções por ato administrativo diferente do reconhecimento da intervenção.
Com efeito, essa norma passou a conferir automaticamente direito à isenção, de acordo com a nova redacção desse nº 4 por esse art. 263º., o mero reconhecimento da intervenção, a ser requerido conjuntamente com a comunicação prévia ou com o pedido de licença da operação urbanística, cabendo à câmara municipal competente ou, se for o caso, à entidade gestora da reabilitação urbana, comunicar esse reconhecimento ao serviço de finanças da área da situação do edifício ou fração, no prazo máximo de 20 dias a contar da data da determinação do estado de conservação resultante das obras ou da emissão da respetiva certificação energética, se esta for posterior.
Assim, o direito a esses benefícios, ainda quando sujeito a condições a preencher posteriormente pelos interessados, passaria a resultar direta e imediatamente da conclusão das obras de reabilitação, como prevê a 1ª parte do nº 1 do art. 5º do EBF, não dependendo de qualquer ato posterior de reconhecimento da câmara municipal ou da administração fiscal.
Complementando esse art. 45º, o art. 71 º do EBF estabeleceria um conjunto de incentivos à reabilitação urbana e ao arrendamento habitacional a custos acessíveis referidos na sua Epígrafe, dos quais os mencionados nos ºs 1 a 3 se referem a rendimentos obtidos por ou através da detenção, resgate ou venda das unidades de participação, de fundos de investimento imobiliário. Desses incentivos, não obstante a Parte III do EBF em que esse art. 71º se insere, aludir a Benefícios Fiscais com carácter temporário, só os previstos nos nesses nºs 1 a 3 têm essa natureza[1].
Fora do âmbito desses nºs 1 a 3, nos termos do nº 4 dessa norma, são dedutíveis à coleta, em sede de IRS, até ao limite de € 500, 30 % dos encargos suportados pelo proprietário relacionados com a reabilitação de:
a) Imóveis, localizados em 'áreas de reabilitação urbana' e recuperados nos termos das respetivas estratégias de reabilitação; ou
b) Imóveis arrendados passíveis de atualização faseada das rendas nos termos dos arts 27.º e seguintes do Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27/1, que fossem objeto de ações de reabilitação.
Nos termos do nº 18 desse art. 71º, os encargos a que se refere o n.º 4 devem ser devidamente comprovados e dependem de certificação prévia por parte do órgão de gestão da área de reabilitação ou da comissão arbitral municipal, consoante os casos, obrigando o nº 19 essas entidades remeter à administração fiscal as certificações referidas no nº 18 anterior.
O nº 5 desse art., desenvolvendo os nºs anteriores, determina que a mais-valias auferidas por sujeitos passivos de IRS residentes em território português decorrentes da primeira alienação, subsequente à intervenção, de imóvel localizado em área de reabilitação urbana, serem tributadas à taxa autónoma de 5 %, sem prejuízo da opção pelo englobamento , a exercer no Quadro 15 do Anexo à Declaração modelo G de IRS. Não estabeleceria, para esse efeito, qualquer prazo para a alienação se efetuar.
Na continuidade desse nº 5, o nº 7 estabelece que os rendimentos prediais auferidos por sujeitos passivos de IRS residentes em território português são tributados à taxa de 5 %, sem prejuízo da opção pelo englobamento, apenas quando sejam inteiramente decorrentes do arrendamento de: a) Imóveis situados em 'área de reabilitação urbana', recuperados nos termos das respetivas estratégias de reabilitação; b) Imóveis arrendados passíveis de º atualização faseada das rendas nos imóveis arrendados passíveis de atualização faseada das rendas nos termos dos arts. 27.º e seguintes do NRAU, que sejam objeto de ações de reabilitação.
Para efeitos do art. 71º, consideram-se, de acordo com o seu n º 23 a) 'ações de reabilitação' as intervenções de reabilitação de edifícios, tal como definidas no referido RJRU, em imóveis que cumpram uma das seguintes condições:
i) Da intervenção resultar um estado de conservação de, pelo menos, dois níveis acima do verificado antes do seu início;
ii) ii) Um nível de conservação mínimo 'bom' em resultado de obras realizadas nos quatro anos anteriores à data do requerimento para a correspondente avaliação, desde que o custo das obras, incluindo imposto sobre valor acrescentado, corresponda, pelo menos, a 25 % do valor patrimonial tributário do imóvel e este se destine a arrendamento para habitação permanente; b) 'Área de reabilitação urbana' a área territorialmente delimitada nos termos do RJRU; c) 'Estado de conservação' o estado do edifício ou da habitação determinado nos termos do disposto no DL n.º 266-B/2012, de 3/12.
Resulta desta norma legal ser suficiente para o acesso aos benefícios do art. 71º, por abrangido pelo i) da alínea a) o preenchimento das condições de acesso aos benefícios fiscais do art. 45º, como vêm definidas no nº 1 desse art.
A comprovação do início e da conclusão das ações de reabilitação é, segundo o nº 24 do art. 71º, da competência da câmara municipal ou de outra entidade legalmente habilitada para gerir um programa de reabilitação urbana para a área da localização do imóvel, incumbindo-lhes certificar, para efeitos de aplicação dessa norma, o estado dos imóveis, antes e após as obras compreendidas na ação de reabilitação, com respeito do anterior nº 23.
Desse modo, o n.º 5 do art. 71º do EBF consagra a favor dos proprietários de imóveis sujeitos a ações de reabilitação residentes em território nacional um regime particularmente vantajoso de tributação de mais . valias: uma tributação autónoma à taxa de 5 %, em vez do englobamento obrigatório que é o regime- regra aplicável aos residentes em território português. Afasta também a qualificação como rendimentos empresariais abrangidos pela categoria C de IRS, para efeitos da aplicação dessa norma, dos imóveis adquiridos com fins de reabilitação por pessoas singulares, fora do âmbito de qualquer atividade comercial.
É verdade que a tributação autónoma desse nº 5 do art. 71º. implica a aplicação da taxa especial de 5% à totalidade das mais- valias realizadas e não a 50% do seu valor, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 43.º e do art. 68º do CIRS, o que teoricamente em casos pontuais poderia neutralizar a vantagem económica alcançada pelo contribuinte ou eventualmente transformá-la em desvantagem em caso de mais- valias de reduzido valor ( a favor dessa interpretação do nº 5 do art. 71º, , acórdão do STA de 27/10/2021, proc. 01366/18.1BFPRT , e Decisão Arbitral nº 234/2017-T).
No entanto, o contribuinte pode sempre optar, em vez de, pela aplicação dessa taxa especial, pelo englobamento dos rendimentos, caso em que a tributação das mais- valias é feita, em conjunto com estes, à taxa geral aplicável e por apenas 50% do seu valor, ao abrigo dessas normas do Código do IRS.
Tal regime optativo é, no entanto, segundo esse n.º 5 do art. 71º, de aplicação exclusiva aos residentes em território nacional, já que os não residentes estão sujeitos à taxa especial, muito superior, de 28 %, prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 72.º do Código do IRS, sem prejuízo da opção pelo englobamento, incompatível , como se referiu, com a aplicação dessa taxa especial de 5 %.[2]
É de referir que, de acordo com a jurisprudência do TJUE inaugurada pelo Acórdão do TJUE C-443/06, relativa à liberdade de estabelecimento prevista no Capítulo 2 do Título IV da Parte III do TFUE, não prejudica o carácter discriminatório da norma de direito nacional supostamente incompatível com o Direito Comunitário. Essa doutrina fora já declarada aplicável , pelo Acórdão do TJUE no proc. C- 443/06, à liberdade de circulação de capitais, a qual, nos termos do Acórdão no proc. C- 222/97, seria incompatível com restrições injustificadas à liquidação de investimentos imobiliários.
Tal Acórdão C-443/06 apreciaria, em particular, a compatibilidade com o Direito Comunitário do regime nacional de tributação de mais – valias imobiliárias então em vigor que, como atualmente, nos termos da alínea b) do nº 2 do art. 43º do CIRS, contam em 50 % do seu valor para os residentes e na totalidade do seu valor para os não residentes, tendo-se pronunciado no sentido da incompatibilidade.
Concluiria tal Acórdão que, no sistema fiscal português, a tributação das mais-valias realizadas pelas pessoas singulares não era a mesma para residentes e não residentes. Assim, na venda de um mesmo bem imóvel sito em Portugal, os não residentes estariam sujeitos a uma carga fiscal sobre as mais- valias realizadas superior àquela que é aplicada a residentes em idêntica condições .
Com efeito, segundo o n.º 38 do referido Acórdão, enquanto a um não residente seria sempre aplicada, nos termos da redação então em vigor do n.º 1 do art. 72.º, uma taxa especial que era então de 25% sobre a matéria coletável correspondente à totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da mesma matéria coletável das mais-valias realizadas por residentes permitiria a estes beneficiarem sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que fosse a taxa de tributação progressiva aplicável à totalidade dos seus rendimento. Essa seria a consequência lógica, segundo as observações formuladas pelo Governo português no processo em causa, de a tributação do rendimento dos residentes estar sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado era então de 42%.
Por consequência, uma legislação nacional como a que estava em vigor aquando da prolação do Acórdão C-443/06 tornaria as transferências de capitais menos atrativa para os não residentes, dissuadindo-os de efetuar investimentos imobiliários em Portugal e a realização de operações relacionadas com estes investimentos, tal como a venda de bens imóveis.
Não existiria, por outro lado, objetivamente, dada a comparabilidade da situação dos residentes e da residentes, nenhuma diferença que justificasse a desigualdade de tratamento fiscal das mais- valias obtidas por essas duas categorias distintas de sujeitos passivos.
A jurisprudência do TJUE admite que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal pode justificar uma restrição ao exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado.
Contudo, para que um justificação dessa natureza pudesse vingar, seria necessárioa demonstrar uma relação direta entre a vantagem fiscal em causa e a compensação através da imposição fiscal resultante da não dedutibilidade de 50 % das mais- valias realizadas.
Os n.ºs 58 e 59 do Acórdão do TJUE C- 443/06 rejeitariam, no entanto, a justificação apresentada pelo Estado português, que retomaria o n.º 12 do preâmbulo do DL nº 442-A/88, de 30/11, cujo art. 1º aprovou o IRS, de que o objetivo da mencionada dedução de 50 % teria sido evitar penalizar os residentes, no quadro da tributação de mais-valias no quadro da tributação unitária dos rendimentos das pessoas singulares, pelo facto de lhes aplicar uma taxa progressiva agravada, consequente de a tributação das mais- valias geradas em exercícios anteriores de concentrar no exercício da sua realização.
Essa redução não seria aplicável aos não residentes, por, de acordo com o Estado português, não estarem sujeitos a um regime de tributação progressiva, mas proporcional.
Para o TJUE, o Governo português não logrou demonstrar a exigida ligação direta entre a vantagem fiscal consistente na tributação das mais-valias reduzida a metade, e a taxa de tributação progressiva aplicável à totalidade dos rendimentos do contribuinte residente ou entre a imposição da totalidade das mais- valias e a taxa de tributação proporcional aplicável aos não residentes..
Segundo esses nºs 58 e 59 do Acórdão C-443/06, a vantagem fiscal concedida aos residentes excederia em todos os casos[3], independentemente do valor das mais-valias realizadas, a contrapartida que consistiria na aplicação de uma taxa progressiva à tributação dos seus rendimentos.
Não havendo ou pelo menos não ficando provada tal relação direta entre a referida vantagem e a sua compensação através da imposição fiscal contestada, a restrição aos movimentos de capitais inerente a essa imposição não poderia ser sustentada pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal
Na sequência desse Acórdão no proc.C-443 /06, o legislador português alterou o quadro legislativo aplicável, introduzindo, na alínea a) do nº 1 do art. 72º a, possibilidade anteriormente referida de os não residentes optarem por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e beneficiarem, assim, do abatimento de 50 % previsto no nº 2 do art. 43º do Código do IRS, bem como de taxas progressivas, na condição de incorporarem na declaração modelo 3 de IRS a totalidade dos seus rendimentos mundiais. Tal opção é exercida com o preenchimento dos Campos 08 e 09 do Quadro 8 B do rosto da declaração modelo 3 de IRS.
Em reenvio prejudicial suscitado pelo CAAD junto do TJUE seria posteriormente perguntado a este se a introdução da possibilidade de os não residentes optarem por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes e, assim, beneficiarem do abatimento de 50 % previsto no nº 2 do art. 43º do CIRS ser suficiente para obviar à restrição aos movimentos de capitais assinalada no Acórdão C-443/06.
No subsequente Acórdão C-388/19, de 18/3/2021, que desenvolveria a jurisprudência do Acórdão C-184/18, igualmente relativo à liberdade de circulação de capitais entre países da União Europeia e países terceiros, o TJUE reafirmaria a doutrina do proc. C-443/08 especificamente para a liberdade de estabelecimento, , de acordo com o qual os efeitos discriminatórios de uma medida nacional não podem ser anulados pela possibilidade de o visado optar por uma medida não discriminatória.
Segundo o nº 44 desse Acórdão, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o art. 63º do TFUE em razão do seu caráter discriminatório: a aplicação da taxa especial da alínea a) do nº 1 do art. 72º aos não residentes que não houvessem optado pelo regime de tributação dos residentes. .
Segundo o seguinte nº 45, um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado TFUE, no caso em apreço, a livre circulação de capitais, é sempre incompatível com o direito da União, mesmo quando a sua aplicação seja facultativa .
Daí resulta, prosseguiria o nº 46º que, a possibilidade da contribuinte não residente de ser tributado segundo as mesmas modalidades aplicáveis aos contribuintes residentes apenas se aplicando o regime discriminatório quando essa opção não tiver sido exercida, não ser compatível com o art. 63º do TFUE.
O facto de o contribuinte não ter, ainda que voluntariamente, exercido essa opção de tributação como residente no quadro 8 B do Modelo 3, nomeadamente pelo preenchimento do Campos 4 (não residente), 6 (residência em país da União Europeia) e 7 ( tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes) não validaria, assim, a tributação discriminatória da alínea a) do º 1 do art. 72º do CIRS.
Anteriormente à prolação do Acordão C-388/19, de 18/3/2021 mas posteriormente ao Acórdão C-184/18, o Pleno do STA, em Acórdão de 09/12/2020, proferido no proc. 075/20.6BALSB, uniformizaria jurisprudência no seguinte sentido:
“O n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redação aplicável , ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais- valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art. 63.º do TFUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 /12, previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado-membro da UE ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.»
Tal Acórdão traduz a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA, de acordo com os critérios que têm vindo a ser definidos por esse Tribunal (ver acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 12/12/2012, proferido no processo n.º 0932/12, no qual ficou dito que «a jurisprudência consolidada deve transparecer ou do facto de a pronúncia respetiva constar de acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção (consoante prevê o nº 2 do art. 17º do atual ETAF) ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de várias decisões no mesmo sentido, obtidas por unanimidade em todas as formações da Secção».
É certo que, segundo a declaração de voto expressa nesse Acórdão, que acompanharia a decisão aí tomada apenas na medida em que esta reflete a jurisprudência atual do TJUE, a consideração de apenas metade do montante das mais- valias imobiliárias registadas por sujeitos não-residentes dentro ou fora do espaço da União Europeia, mas dentro do Espaço Económico Europeu , quando acompanhada da aplicação do regime de tributação a taxas fixas e restrito exclusivamente ao rendimento apurado em Portugal (e não ao rendimento universal apurado pelo sujeito passivo), é anti -sistemática e afeta inexoravelmente a coerência do sistema fiscal nacional.Com efeito, tal medida, acentua essa declaração de voto, só faz sentido para casos de aplicação das taxas progressivas e no pressuposto do englobamento da generalidade dos rendimentos obtidos pelo sujeito passivo, pois só nesses casos se verifica o risco de as muito elevadas taxas dos escalões superiores de IRS se estenderem às demais categorias de rendimentos. Não havendo, manifestamente, um tal risco no caso dos sujeitos não residentes, não faz sentido a aplicação obrigatória desse regime a tais sujeitos, sob pena de uma injustificada discriminação positiva dos não residentes.
De qualquer modo, segundo jurisprudência consolidada do Pleno do STA, é ilegal qualquer regime discriminatório, ainda quando aplicado em consequência de o contribuinte não ter voluntariamente optado por um regime não discriminatório .
Assim, o efeito da concentração da tributação das pessoas singulares no exercício da realização das mais- valias geradas em exercícios anteriores apenas poderia ser atenuado por meios diferentes, necessariamente não discriminatórios, dos adotados pela legislação nacional, como, por exemplo, uma dedução variando conforme o período de detenção do imóvel igualmente aplicada a residentes e não residentes na União Europeia, no Espaço Económico Europeu ou em Estados terceiros.
É , portanto, indiscutível , à luz da jurisprudência uniformizada do TJUE e da jurisprudência consolidada do STA, a ilegalidade da taxa liberatória de 28 %, sem qualquer redução das mais- valias realizadas, sempre que o sujeito passivo do IRS residente noutro Estado membro da União Europeia, em país do Espaço Económico Europeu ou em país com o qual Portugal tiver celebrado convenção sobre dupla internacional que inclua a troca de informações, não tiver optado pela tributação como residente.
No caso sub judice, não está em causa, no entanto, a incontornável natureza discriminatória da alínea b) do nº 2 do art. 43 do EBF, mas da tributação autónoma do referido nº 5 do art. 71º do EBF.
Tal norma consagra um benefício fiscal processado automaticamente com base na informação referida no nº 4 do art. 45º, bastando ao contribuinte indicar no Quadro 4 A no Anexo G da declaração modelo 3 de IRS os imóveis alienados situados em área de reabilitação urbana, recuperados nos termos das respetivas estratégias de reabilitação ou passíveis de atualização faseada das rendas nos termos dos arts 27º e segs, do Novo Regime de Arrendamento Urbano(NRAU).
Tal benefício é, no entanto, pura e simplesmente inacessível aos não residentes que promovam obras de reabilitação dos imóveis: a sua declaração de IRS não é validada caso o contribuinte não residente preencha previamente esse Quadro 4 A. .
O art. 2º do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana considera:
“j) «Operação de reabilitação urbana» o conjunto articulado de intervenções visando, de forma integrada, a reabilitação urbana de uma determinada área;
i) «Reabilitação de edifícios» a forma de intervenção destinada a conferir adequadas características de desempenho e de segurança funcional, estrutural e construtiva a um ou a vários edifícios, às construções funcionalmente adjacentes incorporadas no seu logradouro, bem como às frações eventualmente integradas nesse edifício, ou a conceder-lhes novas aptidões funcionais, determinadas em função das opções de reabilitação urbana prosseguidas, com vista a permitir novos usos ou o mesmo uso com padrões de desempenho mais elevados, podendo compreender uma ou mais operações urbanísticas;
j) «Reabilitação urbana» a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios;
k) «Unidade de intervenção» a área geograficamente delimitada a sujeitar a uma intervenção específica de reabilitação urbana, no âmbito de uma operação de reabilitação urbana sistemática aprovada através de instrumento próprio, com identificação de todos os prédios abrangidos, podendo corresponder à totalidade ou a parte da área abrangida por aquela operação ou, em casos de particular interesse público, a um edifício”.
O benefício do nº 5 do art. 71º visa promover a reabilitação dos edifícios integrados em tecido urbano existente, que pode legalmente ser empreendida por particulares residentes ou não residentes, em igualdade de condições, mas reserva a aplicação da vantagem fiscal decorrente aos residentes, não obstante o benefício em causa. não atender à situação pessoal e familiar do destinatário, caso em que poderia ser legítima (Acórdão C-279/93 do TJUE).
É de referir que a mera opção pelo englobamento consequente da escolha da tributação como residentes dos não residentes inviabiliza a aplicação desse nº 5 do art. 71º do EBF, com a qual é incompatível. É, assim, consequência dessa opção a aplicação de um regime discriminatório.
Caso não optem pela tributação como residentes, os não residentes ficam sujeitos à taxa liberatória de 28 %, a qual, aplicando a jurisprudência consolidada do STA anteriormente referida, ficaria, quanto muito, reduzida para metade, 14%. Caso optem para evitar essa taxa discriminatória pela tributação como residentes, ficam excluídos da isenção.
Deste modo, fora dos casos de opção pelo englobamento que exclui pura e simplesmente o regime do nº 5 do art. 71º, dois cidadãos, um residente em Portugal e o outro residente fora de Portugal mas em outro país da União Europeia, que reabilitem bens imóveis localizados em território português com destino à sua alienação a terceiros, suportando os respetivos encargos, ficam sujeitos a tratamento diferenciado: o residente a uma tributação autónoma de 5 % sobre a totalidade da mais- valia realizada, o não residente a uma tributação autónoma muito superior, não se vislumbrando como a coerência do sistema fiscal possa justificar o tratamento diferente de duas situações comparáveis: a reabilitação de imóveis , independentemente de os encargos com as operações envolvidas serem suportados por particulares residentes ou não residentes, sendo, portanto, o acto impugnado a este luz necessariamente ilegal.
Na verdade, entende-se que não existe objectivamente nenhuma diferença que justifique um diferente tratamento da tributação das mais-valias realizadas com a alineação de um imóvel reabilitado entre sujeitos passivos de IRS residentes e não residentes, (Vide CAAD – Proc 475/2017-T- voto de vencido), o que conduziria inexoravelmente a um juízo de desconformidade da norma com o artigo 63.º, n.º 1 do TFUE.
Assim, seguindo o sentido das várias decisões já proferidas a propósito da discriminação proibida, em matéria de tributação das mais-valias imobiliárias entre residentes e não residentes fiscais, tais como as proferidas nos processos 45/2012-T, 127/2012-T, 96/2015-T, 748/2015-T, 89/2017-T, 399/207-T, 617/2017-T, 520/2017-T, 617/2017-T, 644/2017-T, 370/2018-T, 583/2018-T, 596/2018-T, 600/2018-T, 613/2018-T, 63/2019-T, 65/2019-T, 74/2019-T, 37/2019-T, 332/2019-T, 438/2019-T, 627/2019-T, 655/2019-T, 785-T, 838/2019-T, 846/2019-, 904/2019-T, 6/2020-T, julga-se incompatível com o direito comunitário a norma do n.º 5 do artigo 71.º do EBF interpretada no sentido em que apenas é aplicável a residentes fiscais, em Portugal.
Em consequência, é o acto de liquidação sub judice na parte referida ferido de ilegalidade, por vicio de violação de Lei, que justifica a sua anulação, devendo as mais-valias apuradas ser tributadas à taxa de 5%, em conformidade com o disposto no n.º 5 do artigo 71.º do EBF (Vide Ac. STA, Proc. 901/11.OBELAM, de 20.02.2019, Acórdão do STA, Proc. 1366/18.1 BEPRT, 27.10.2021).
8. DECISÃO
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Termos em que, o Tribunal decide:
- Julgar procedente o pedido de anulação parcial do acto de liquidação de IRS do ano de 2020, com o n.º..., por ilegalidade resultante da incompatibilidade do n.º 5 do artigo 71.º do EBF com o princípio da livre circulação de capitais consagrado no art. 63º do TFUE
- Reconhecer o direito a juros indemnizatórios a partir do trânsito em julgado da Decisão Arbitral, nos termos da alínea d) do nº 3 do art. 43º da LGT.
9. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo, nos termos da alínea a) do nº 1 do 97.º-A, n.º 1, do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), em €105.901,17 ;
10. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.060,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos nº 1 e 2 do art. 3º do respetivo Regulamento e do nº 2 do art. 12.º, n.º 2, e do nº 4 do 22.º ambos do RJAT, a pagar integralmente pela Requerida e
Registe-se e notifiquem-se as partes e, para efeitos da alínea a) do nº 1 e do nº 3 do art. 72º da LOTC, o Ministério Público.
Lisboa, 21 de junho de 2022
Os Árbitros,
(Guilherme W. d'Oliveira Martins)
(António de Barros Lima Guerreiro)
(Magda Feliciano)
[1] Segundo o nº 21 desse art. 71º, os incentivos fiscais consagrados nos n.os 1, 2 e 3 são aplicáveis aos imóveis objeto de ações de reabilitação iniciadas após 1 de janeiro de 2008 e que se encontrem concluídas até 31/12/2020, deduzindo-se “a contrario” que os restantes incentivos fiscais da norma estão sujeitos ao regime geral aplicável, tendo carácter de permanência ,sem prejuízo da sujeição ao prazo de caducidade do nº 1 do art. 3º do EBF.
[2] Mesmo assim, a opção pelo englobamento dos não residentes é reservada , nos termos do nºs 14 e 15 desse art. 72º do CIRS, aos residentes noutro Estado Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, caso em que a tributação do seus rendimentos, incluindo fora desse território, se efetua, nas mesmas condições aplicáveis aos residentes, considerando a taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do art. 68.º, seria aplicável no caso de os rendimentos serem auferidos por residentes em território português, só então se aplicando essa taxa apenas a 50% das mais-valias auferidas e não à totalidade desta. Tais nº 14 e 15, com outra numeração, foram introduzidos no art. 72.º pelo art. 43º da Lei nº 67-A/2007, de 31/12
[3] Essa expressão generalizante“em todos os casos” não traduz exatamente o direito nacional aplicável, já que frequemente a redução a metade das mais – valias realizadas não absorve totalmente a desvantagem criada para o contribuinte pelo efeito “bunching “ que resulta do englobamento das mais- valias.